27.9.16

A esquerda e as eleições: sucumbindo à miséria do possível



Praticamente dois anos se passaram desde as eleições gerais de 2014 e já estamos novamente defrontados com um novo processo eleitoral, dessa vez para os cargos municipais. Ao longo desses dois anos, infelizmente, praticamente nenhuma lição foi tirada pela esquerda do processo de decomposição do projeto petista de conciliação de classes e gestão do capitalismo. Até agora não foi feito um balanço sério e uma reorientação estratégica, de modo que os mesmos erros estão sendo cometidos novamente. As mesmas táticas são adotadas outra vez para o processo eleitoral, sem uma reflexão sobre como essas táticas estão em contradição com os objetivos estratégicos, e mais servem para nos afastar deles do que para nos aproximarmos.

A queda da URSS e a crise da alternativa socialista
O projeto de conciliação de classe e gestão do capitalismo já era a linha majoritária do PT na década de 1980 e se impôs de maneira indisputada na década de 1990, a partir da queda da URSS e do Muro de Berlim. A partir daquele momento assumiu-se o discurso do "fim da história", "fim do socialismo", "fim do proletariado", etc., de modo que a convivência e "aperfeiçoamento" do capitalismo era tudo o que restava, e todos os que pensavam diferente foram expurgados do PT. O abandono da luta pelo socialismo em escala global levou a derrotas materiais e ideológicas colossais, das quais ainda não nos recuperamos: a mundialização do capital, a abertura comercial, a desregulamentação da circulação de capitais, as privatizações, a reestruturação produtiva, as terceirizações, os planos de "ajuste" econômico, etc. Os quais foram completados com a ideologia da "globalização", da democracia (burguesa) como "valor universal", do individualismo, da meritocracia, etc. A desacumulação de forças da classe trabalhadora foi imensa e custará muito para ser revertida pelas novas gerações que estão entrando na luta.
Para reverter esse quadro, é preciso construir uma compreensão correta dos acontecimentos e da situação histórica, começando pela trajetória da luta pelo socialismo. A URSS e demais países que seguiram o seu "modelo" não eram socialistas, e sim formas de transição interrompida que partiram de rupturas reais do capitalismo, mas tiveram a transformação barrada, e retornaram ao capitalismo. Esse processo de transição interrompida, suas contradições e a posterior restauração capitalista nunca foram completamente entendidos pela esquerda, de modo que não foi possível até hoje retomar o projeto socialista. Muitos setores da esquerda mantém a sua filiação ao socialismo apenas como uma declaração formal de princípios, mas sem a capacidade de identificar os passos concretos necessários para recolocar nos trilhos a luta pelo socialismo.
Muitas organizações socialistas sequer reconhecem a desacumulação de forças e a necessidade de reconstruir as mediações organizativas da classe, desde os locais de trabalho, os microcosmos da reprodução social, as diversas esferas de atividade, que abrangem da relação entre os sexos até a arte e a cultura. A maior parte ainda raciocina como se bastasse à esquerda se divulgar para a classe como "direção revolucionária" para romper com o capitalismo, sem que a classe em si mesma esteja minimamente organizada.

O erro de acreditar na própria mentira
Do lado petista essa preocupação com a reorganização da classe para a ruptura do capitalismo já tinha sido abandonada a décadas quando o partido chegou ao governo. Sequer havia a preocupação de organizar a classe para lutar por melhorias mínimas dentro do capitalismo, pois se supunha que a disseminação dessas "melhorias" viria de cima para baixo por obra e virtude de uma gestão competente do Estado e que assim se garantiria uma base eleitoral permanente para o PT. Mas ao contrário dos mitos do "fim da história", o capitalismo continua sendo um sistema inviável, eivado de contradições, gerador de misérias, guerras, violência, devastação ambiental, etc. A alternativa para a humanidade continua sendo socialismo ou barbárie, por mais que a gestão petista e outros charlatães no mundo inteiro tenham tentado vender a ilusão de um capitalismo "bom para todos". Assim, o capitalismo segue gerando novas crises, e a gestão petista se mostra incapaz de contorná-las (porque não há mesmo como contorná-las, e o capitalismo não deve ser gerido, mas destruído).
A inevitável demissão dos gestores petistas pelos seus patrões na Fiesp, Fenaban, CNA, etc. em algum momento iria chegar, e quando chegou, encontrou os trabalhadores desorganizados para a luta (situação que os dirigentes vindos do PT e de seus satélites nos movimentos sociais como CUT, UNE, MST cultivaram por décadas). E encontra também setores das camadas médias da população envenenadas pela pregação onipresente da mídia, igrejas, partidos da direita tradicional, de que sindicatos e movimentos sociais são coisas de “vagabundos” e "vitimistas" (negros, mulheres, LGBTs) que querem viver às custas de esmolas, prontamente dispensadas pelos demagogos e corruptos do PT. Tal foi o resultado do projeto petista de conciliação de classes e gestão do capitalismo: a desorganização da nossa classe, a desmoralização dos organismos e métodos de luta e a hegemonia de concepções reacionárias nas camadas médias da população e em boa parte dos trabalhadores (doutrinados por televangelistas e apresentadores de TV).

O PT cumprindo o seu papel
O impeachment veio, apesar das bravatas do PT. A luta contra o "golpe" reuniu um outro setor das camadas médias da população preocupado com a ofensiva reacionária e setores minoritários dos trabalhadores. Essa "luta" foi travada por meio de atos de rua (nos fins de semana e fora do horário comercial) e memes nas redes sociais. A massa dos trabalhadores não se colocou em luta, pois se encontra desorganizada, despolitizada, alienada e prostrada pelos ataques vividos sob a gestão do PT. Sem estar acostumado ao dia a dia da luta de classes, ninguém no improvisado movimento contra o "golpe" considera estranho que a CUT, maior central sindical país, com mais de 3.000 entidades filiadas e 23 milhões de trabalhadores representados, seja incapaz de convocar uma greve geral, nem mesmo para enfrentar um suposto "golpe" de Estado.
Não é apenas que a CUT não queira, ela não seria capaz. Não seria capaz porque durante décadas a central se acostumou a um sindicalismo "cidadão", de colaboração de classe, sem combatividade para enfrentar os ataques, e deseducou os trabalhadores que era sua função organizar. E a CUT não quer, porque o objetivo do PT não é enfrentar um "golpe" de Estado, é se colocar como alternativa eleitoral "de esquerda" para os setores democráticos nas camadas médias da população e assim voltar a ocupar espaços na gestão do Estado. O Brasil entra assim, com algumas décadas de atraso, no circuito dos países em que “esquerda” e direita se alternam no governo, como as únicas alternativas disponíveis, sendo que na prática aplicam o mesmo programa de governo de “austeridade” contra os trabalhadores e prodigalidade para o capital.
Na sequência da luta contra o "golpe" veio o movimento pelo "Fora Temer", com a mesma base social de setores democráticos das camadas médias, universitários, intelectuais, celebridades e setores minoritários de trabalhadores. Na ausência da luta de classes real, ou seja, uma greve geral, com paralização da produção e circulação de mercadorias, enfrentamento direto aos interesses vitais do capital, o "Fora Temer" se limita a constituir base eleitoral para a volta do PT à gestão do Estado (coligado em mais de 1.400 municípios com os mesmos "golpistas" do PMDB, PSDB, DEM, etc. que o derrubaram...).

A esquerda sem rumo
Diante dessa situação de desorganização dos trabalhadores, desmoralização dos seus organismos e métodos de luta e hegemonia de concepções reacionárias nas camadas médias da população e em parte dos trabalhadores, alguns setores da esquerda, como PSOL, PCB e PCO aderiram ao "Fora Temer", capitulando mais ou menos abertamente a esse operativo do PT de voltar à gestão do Estado. A única força representativa dentro da esquerda brasileira que não capitulou ao PT foi o PSTU, mas por conta de um erro simétrico e talvez até mais grave do que os demais. Mais além do que o restante da esquerda, o PSTU vai tão longe na desconsideração da necessidade de organização independente da classe que muito antes do "Fora Temer" já estava defendendo o "Fora Todos", inclusive no mesmo momento em que setores da burguesia que impulsionaram a ofensiva reacionária estavam defendendo o "Fora Dilma". Ou seja, o PSTU não capitulou ao PT, mas na prática capitulou à oposição burguesa. Tal é o seu grau de menosprezo para com a organização e consciência da classe.
O fato de que a classe trabalhadora esteja desorganizada e seja incapaz de derrubar Temer ou qualquer governante é desconsiderado por esses setores da esquerda. Pois para eles não é necessária organização da classe para fazer nada, basta a "direção revolucionária" apresentar o caminho. Ao invés de partir da luta de classes real, do enfrentamento entre capital e trabalho, da luta contra o desemprego, a inflação, a perda de direitos, a degradação dos serviços públicos, etc., esses setores partem do Estado e da superestrutura política. Com isso, dizem aos trabalhadores que não é preciso se organizar para enfrentar os problemas (desemprego, inflação, perda de direitos, etc.) por meio de greves, ocupações, bloqueio de ruas, passeatas, etc., basta remover um governante para resolver os problemas.
Na pressa de apresentar uma alternativa para a crise, saltam direto para o poder político e seu símbolo máximo, a presidência ("Fora Temer"), como se essa palavra de ordem "radical" fosse um atestado de combatividade contra o sistema. Sendo que na raiz dos problemas, no solo concreto da reprodução social, nos locais de trabalho, nos bairros, nos espaços moleculares da vida social, nas relações humanas, não houve nenhuma mudança na postura dos trabalhadores, no seu grau de organização e ação coletiva. Sem essa mudança fundamental, a realização do "Fora Temer" seria seguida de eleições gerais, que significariam apenas a legitimação de um novo gestor do Estado do capital. Coisa que a própria burguesia pode providenciar caso Temer não dê sequência ao que Dilma começou. A oposição à Temer e a todos os gestores do Estado a serviço do capital tem que ser feita a partir das lutas concretas, em que a classe se coloca como sujeito, não a partir do Estado, em que a burguesia detém as rédeas.

A reedição das ilusões reformistas
Considerando que a luta pelo socialismo não está colocada para o momento imediato, setores da esquerda defendem que a única luta possível hoje é a defesa de melhorias no interior do capitalismo. Por isso, é justificável ocupar espaços de poder no Estado, mandatos eletivos no legislativo ou mesmo executivo, para "acumular forças" até a ruptura do capitalismo. Mas a questão não é se a luta pelo socialismo está colocada para hoje ou não (não está), e sim se a luta que praticamos hoje conduzirá algum dia e de que forma a uma ruptura do capitalismo. A ocupação de mandatos eletivos no interior do Estado burguês descolada de um processo de organização a partir da base da classe trabalhadora nos aproxima ou afasta desse objetivo? O desvio da força militante para a conquista de mandatos eletivos reforça a crença na organização para a luta ou no Estado burguês? A participação nas eleições está sendo feita a serviço da luta de classes ou a luta de classes está sendo colocada a serviço da obtenção de mandatos eletivos?
Nossa posição é de que a segunda alternativa é verdadeira para as três perguntas. A esquerda insiste em privilegiar a superestrutura do Estado ("Fora Temer" combinado com "vote em mim") ao invés de privilegiar a organização de base para a luta. Dizem que uma campanha eleitoral revolucionária pode servir para educar os trabalhadores. Concordamos que isso é hipoteticamente possível, desde que se cumpram os requisitos de fazer a crítica ao Estado burguês (e não se propor gerí-lo), estabelecer uma delimitação de classe (não fazer alianças com partidos burgueses nem receber dinheiro da patronal), propagandear as lutas e desenvolver a unidade da classe. Vejamos como a esquerda se sai em relação a esses requisitos.
Dentre os partidos de esquerda legalizados, o PSOL é aquele que tem mais representatividade eleitoral, com alguns mandatos parlamentares federais e estaduais. Deve crescer nesta eleição e talvez até conquistar alguma prefeitura. Isso porque o projeto do partido é ocupar espaços no Estado para gerir o capitalismo, com a pretensão de fazê-lo de maneira mais “humana” (o que é na verdade impossível) e supostamente dessa forma encaminhar uma transformação ao socialismo. Com isso, pode dialogar com setores críticos do eleitorado petista. Na prática, trata-se de uma tentativa de reciclar o projeto pestita da década de 1990, com a pretensão de fazê-lo corretamente dessa vez. Dessa forma, a campanha do PSOL não fala em ruptura do capitalismo e denúncia do Estado e da democracia burguesa, mas apresenta diretamente os seus candidatos como melhores gestores para o Estado.
Em eleições passadas o PSOL já aceitou contribuições de empresas para a campanha. Este ano, chegaram a ser montadas coligações em 101 municípios envolvendo partidos como PSDB, DEM, PMDB, PR, PRB, PTB, PSD, PPS, PSC, SD e PP, as quais a direção do partido precisou intervir para que fossem desfeitas, conforme nota do próprio partido. Mas em Porto Alegre, o PSOL está coligado com o PPL, racha do PMDB. Em São Paulo, lançou como candidata Luíza Erundina, figura postiça, sem história no partido, que já foi gestora da prefeitura pelo PT e reprimiu a greve da CMTC, já foi ministra do governo FHC, etc. O histórico, o programa, as campanhas e candidaturas colocam o PSOL como um partido policlassista, sem independência de classe. Além dos seus parlamentares e figuras públicas, abriga algumas correntes no seu interior que possuem inserção militante na luta de classes real e defendem o socialismo, mas participam do partido apenas para captar militantes entre os simpatizantes e se construir. Não possuem influência nos rumos do partido, e na prática não o disputam, permanecendo no seu interior por questões meramente oportunistas de visibilidade.

Votar em protesto?
Em relação às demais organizações, PSTU, PCB e PCO, estão mais preocupadas em se construir do que em usar suas candidaturas como instrumento de luta. Para começar, essas organizações (e também as correntes combativas no interior do PSOL) não são capazes de construir instâncias unitárias para unificar os enfrentamentos da luta de classes real, as greves e processos de luta, em que a classe carece de uma referência de organização. Ao não existir essa referência, não existe um fórum do movimento em que se possa discutir a intervenção nas eleições. Não havendo subordinação da intervenção eleitoral ao processo de luta, os programas e as candidaturas são decididas unilateralmente e em separado pelas direções partidárias, conforme as suas conveniências de projeção das lideranças. Uma intervenção desse tipo não serve para educar os trabalhadores para a necessidade de lutar.
Se no dia a dia da luta de classes as organizações da esquerda não estão unificadas e contribuindo para a construção de uma alternativa dos trabalhadores, é evidente que não o farão nas eleições. Esperar que haja uma candidatura melhor que as outras e que possa cumprir esse papel é inverter a ordem das coisas, ver a intervenção política de cabeça para baixo. O critério para tomada de decisão tem que ser sempre a organização da classe
Se a justificativa da participação dos socialistas revolucionários nas eleições é apresentar um contraponto às candidaturas da burguesia, fazer a denúncia do Estado e da democracia burguesa, apresentar um programa de luta contra o capitalismo e colaborar para o avanço da consciência e organização da classe, as candidaturas da esquerda nessas eleições não cumprem esses requisitos, e a participação delas não se justifica, mais atrapalha do que ajuda. A trajetória do PT, desde o surgimento na luta de classes até a derrocada na gestão do Estado, não deixou nenhuma lição, pois mais uma vez a esquerda desloca sua atividade para a superestrutura do Estado. Ao invés de deixar um legado de avanço na organização e consciência da classe, deixa uma mensagem subliminar de reforço na crença no Estado e na democracia burguesa como instâncias de resolução dos problemas, em detrimento da luta. A mesma crença que precisamos destruir.

As candidaturas do PSOL, PSTU, PCB e PCO, tais como apresentadas nas eleições municipais de 2016, não cumprem os requisitos mínimos de uma intervenção construtiva nas eleições de um ponto de vista socialista. Logo, chamar o voto em qualquer um desses partidos só serve para reforçar a crença dos trabalhadores nas eleições e no Estado. O que representa o oposto daquilo que precisamos desenvolver, o protagonismo da classe a partir da sua organização independente para a luta. Na esteira desse mesmo tipo de participação no processo eleitoral que sucumbe à lógica da democracia burguesa (é preciso necessariamente votar em alguém), uma organização atuante em São Paulo que se notabiliza pelo marketing criativo está fazendo campanha para as candidaturas da esquerda dizendo “vote em protesto”. Mas nem só de marketing vive a esquerda e sim de organização real. Nas eleições, faça qualquer coisa menos votar. Ou, em protesto, não vote.

A revolução não será curtida: o be a bá da greve geral




O justo repúdio de imensas camadas da população ao governo Temer (mais de 80% de desaprovação nas pesquisas) tem servido ao PT e aos aparatos sob seu controle direto nos movimentos sociais como CUT, UNE (feudo dos aliados do PCdoB) e MST (e outros sob controle indireto como MTST) para convocar seguidas manifestações pelo “Fora Temer”, contando com uma importante adesão popular e mesmo espontânea. Em textos anteriores já tivemos ocasião de expor o quanto o governo Temer tem de continuidade em relação ao próprio PT e o quanto é impróprio chamar o atual processo em curso de “golpe”, bem como os limites da palavra de ordem do “Fora Temer”, portanto não nos estenderemos aqui sobre isso (remetemos o leitor interessado ao texto seguinte: http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/06/agora-e-golpe-ou-luta-de-classes-como.html).
O que buscaremos aqui é assinalar um outro limite do movimento “Fora Temer”, não derivado do oportunismo e dos interesses meramente eleitorais do PT, mas das insuficiências dos seus aderentes não assumidamente petistas. Desde o início das manifestações contra o “golpe” em 2015 e ao longo de 2016 uma ampla camada da população tem aderido aos atos convocados pelo PT, não por serem petistas ou endossarem os governos Lula e Dilma em 100%, mas por preocupação com a ofensiva reacionária. Uma espécie de “neo ativismo” foi habilmente cultivado pelos marketeiros petistas em redes sociais da internet, uma subesfera da opinião pública em que a polarização “petralhas x coxinhas” assumiu colorações de ódio futebolístico. Esse neo ativismo é composto por pessoas que compartilham postagens contra o “golpe” e pelo “Fora Temer”, e até vão às manifestações aos domingos ou fora de horário comercial. Mas essas pessoas não fazem greve no seu local de trabalho.

Pra que time você torce?
É curioso que nem sequer se perceba a incoerência gritante dessas duas posturas contraditórias (manifestar-se contra um suposto “golpe de estado” mas ser incapaz de fazer sequer uma greve no seu local de trabalho). Nos interrogaremos mais sobre essa contradição logo adiante. Antes queremos ressaltar que a incoerência é a marca distintiva da pós modernidade. A fugacidade, o imediatismo e a superficialidade são outras características dominantes no senso comum em vigor. Memes aleatórios viralizam nas redes sociais e logo depois caem na obscuridade do esquecimento sem terem alterado nada na realidade. Frases, posturas e gestos vão e vêm como estilos de moda ou sucessos das bandas mais populares. Nessa mesma toada, de repente, devido ao perfil extraordinariamente odioso do governo Temer, o “Fora Temer” viralizou. Os neo ativistas experimentam o glamour de participar do seu próprio movimento “Diretas Já” em pleno 2016. Chiquérrimo! A luta de classes entrou na moda? Ou foi a história que virou fetiche?
Tirem suas próprias conclusões. Aqui, mais uma vez, alertamos para o fato de que não vamos nos estender sobre as diferenças entre o momento atual e a ditadura de 1964-1985 (sobre isso, ver o mesmo texto citado acima). Queremos apenas enfatizar a nossa posição de que não se pode terceirizar a luta política, ou experimentar o ativismo por procuração, a manifestação como ato de torcer para um time. A luta de classes real ainda é feita por pessoas de carne e osso, que se colocam contra o capital e paralizam a produção e circulação de mercadorias, a reprodução ampliada do valor. Portanto, de nada adianta compartilhar postagens contra o “golpe” e pelo “Fora Temer”, e ir em manifestações aos domingos ou fora de horário comercial, mas não fazer greve no seu local de trabalho. É bastante peculiar e característico do momento histórico atual a necessidade de ter que dar essa triste notícia aos amigos do “team PT”: memes não vão derrubar Temer.
Para quem tentar defender o neo ativismo virtual ressaltando a importância de disputar as redes sociais e essas novas formas de comunicação, etc., adianto que nosso objetivo aqui não é reciclar o clichê do “real x virtual”, “material x imaterial”, etc. Estamos entre aqueles que, estando participando de alguma modalidade de militância “material” e de “carne e osso”, somos os mais entusiastas defensores do uso de redes sociais da internet, panfletagem virtual, memes, virais, etc., como recurso de disputa. Não se trata portanto de uma negação jurássica do uso dessas ferramentas, mas de uma qualificação do seu uso. Meios de comunicação não podem substituir o conteúdo a ser comunicado. O conteúdo tem que ser alguma ação real, material, corpo a corpo. Essa é a única matéria capaz de dar alguma vida real e significado ao uso dessas ferramentas de comunicação.

Por quê não há greve geral?
Dito isso, voltemos ao problema que realmente nos preocupa, o comportamento de compartilhar postagens contra o “golpe” e pelo “Fora Temer”, e ir em manifestações aos domingos ou fora de horário comercial, mas não fazer greve no seu local de trabalho. O fato de que esse comportamento seja considerado aceitável ou normal é bastante significativo em termos do quanto se perderam os parâmetros básicos do que é a luta de classes. Vamos então passar ao be a bá da greve geral, para tentar colocar as coisas nos devidos lugares, com o máximo de didatismo possível.
A greve não se faz sozinho, não é um ato de opinião. É um ato coletivo de enfrentamento entre patrão e trabalhador. No Brasil o direito de greve está regulamentado em lei, e para cumprir o devido rito legal, os trabalhadores em greve devem estar representados por um sindicato devidamente legalizado, que deve apresentar uma pauta, notificar a patronal, realizar uma assembleia, etc., para só então entrar em greve. Pois bem, quem dirige a maior quantidade de sindicatos no Brasil e os sindicatos que representam as categorias mais importantes e estratégicas? A CUT, aparato controlado pelo PT. Segundo os seus próprios números, a CUT possui 3.438 entidades filiadas, com 7.464.846 sócios e 22.034.145 trabalhadores representados.
Então por quê os sindicatos controlados pela CUT não fazem uma greve geral para derrubar o governo Temer? Não é o mínimo que se pode esperar no enfrentamento de um governo “golpista”? Não se trata de uma “nova ditadura” contra a qual é preciso reivindicar “diretas já”? Como se derrota uma “ditadura golpista”? Será que uma greve das principais categorias profissionais não ajuda? Será que com todo esse aparato e toda essa base social a CUT não poderia iniciar uma greve geral para dar uma ajudinha ao PT? Para não ficar apenas no neo ativismo de redes sociais e passeatas aos domingos e fora do horário comercial? Será que a CUT não quer fazer uma greve geral? Ou não consegue fazer? Ou na verdade, as duas coisas?

O caso do sindicato dos bancários
Para responder a essas questões vamos passar em revista alguns exemplos do que é o sindicalismo da CUT. Vamos nos precisar nos estender um pouco neste e nos próximos pontos numa análise didática da situação em que se encontra o sindicalismo no Brasil, para ajudar a explicar a impotência da CUT e do PT em desencadear uma greve geral. Vamos tomar como estudo de caso uma das joias da coroa do sindicalismo brasileiro, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (SEEB-SP), um dos pilares da CUT, um dos mais poderosos do país em termos de número de filiados, arrecadação financeira, poder político, etc. Existem mais de 120 mil bancários na base representada por esse sindicato, dos quais aproximadamente a metade é associada. Vejamos um pouco mais de perto como funciona este sindicato, pois isso será útil para entender o que é o sindicalismo da CUT/PT e porque ele não irá convocar uma greve geral contra o governo “golpista”.
Para começar, além de ser um sindicato, o SEEB-SP se transformou numa espécie de conglomerado empresarial. Além da arrecadação das mensalidades dos sócios, o sindicato acabou ao longo dos anos desenvolvendo outras “fontes de renda”:
a) Bancoop, cooperativa habitacional, que arrecadou mensalidades de bancários cooperados, mas até hoje só construiu um conjunto de prédios. Milhares de bancários brigam na justiça por terem pago e não terem recebido seus prédios. O caso virou um escândalo policial há alguns anos (ver por exemplo http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/lava-jato-mira-vaccari-bancoop-e-oas).
b) Bancredi, cooperativa de crédito, que faz empréstimos para bancários endividados. Isso representa no mínimo um sério conflito de interesses, pois a função do sindicato de lutar por salários maiores para os trabalhadores entra em conflito com a função da cooperativa de oferecer empréstimos para bancários endividados.
c) Bangraf, gráfica dos bancários, com parque gráfico equivalente ao de um jornal de grande circulação, responsável pela impressão dos materiais do PT e da CUT do país inteiro, e de outras entidades e empresas que pagarem seus serviços.
d) Faculdade 28 de Agosto, criada depois do acúmulo de uma longa experiência em cursos de matemática financeira e afins (o que é de se estranhar deveras, já que caberia muito mais a um sindicato oferecer cursos sobre a história da luta e da organização dos trabalhadores do que colaborar na formação da mão de obra para o patrão).
e) “Fundação Sociedade Comunicação Cultura e Trabalho”, em conjunto com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, responsável pela TVT, Rede Brasil Atual e Revista do Brasil.
f) Projeto Travessia, ONG que atua no “mercado” da assistência social.

Representantes dos trabalhadores ou empresários?
Além de ter transformado o SEEB-SP num conglomerado empresarial, o grupo dirigente petista no sindicato também usou essa inserção para converter os seus integrantes e demais “companheiros” da CUT diretamente em empresários. Essa migração se deu por meio dos fundos de pensão dos funcionários das estatais, como Previ, Funcef, Petros, etc. Essas entidades recebem contribuições dos funcionários do Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobrás, etc. com o objetivo de complementar a aposentadoria desses trabalhadores, para que se retirem com o mesmo salário da ativa. Pois bem os fundos de pensão acumulam fortunas bilionárias, e se tornaram agentes fundamentais do mercado de capitais no Brasil. Usam os recursos acumulados nas contribuições para investir em ações. Na época das privatizações do governo FHC, os fundos de pensão foram usados para formar consórcios e adquirir ações de centenas de empresas, como Vale do Rio Doce, Embraer, o sistema Telebrás, etc.
A gestão dos fundos é composta por representantes indicados pelas empresas patrocinadoras (Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobrás, etc.) e também por representantes eleitos pelos funcionários. Como direção sindical nacional da categoria bancária, o grupo dirigente do SEEB-SP contou com o aparato nacional da CUT para fazer campanha e eleger seus integrantes como representantes dos funcionários do BB e da CEF nos fundos de pensão Previ e Funcef. Até recentemente, através dos representantes eleitos, os “sindicalistas” da CUT mandavam nos fundos de pensão das estatais, e através deles, tinham participação na gestão das empresas das quais os fundos são acionistas. Participavam dos conselhos de administração de dezenas de empresas os “sindicalistas” profissionais de confiança do grupo dirigentre do SEEB-SP.
Dessa forma, o grupo dirigente do PT e da CUT criou vínculos orgânicos com setores da burguesia brasileira. O PT controlava não apenas a gestão do Estado através do governo federal, mas também a gestão de importantes negócios através dos fundos de pensão. Esses “sindicalistas” não apenas deixaram de ser representantes dos trabalhadores para serem patrões, mas pensam e agem como patrões. Na crise de 2009, quando a Embraer demitiu cerca de 4.000 metalúrgicos, os representantes da Previ votaram a favor da demissão. Representantes dos trabalhadores no conselho de administração das empresas votando contra outros trabalhadores!

Como não fazer uma campanha salarial
O sindicalismo bancário foi a porta de entrada para a transformação dos burocratas da CUT/PT em empresários. Com todas essas atividades, a participação na gestão do capitalismo brasileiro e a administração do “conglomerado empresarial” de entidades anexas, a direção do SEEB-SP deixa muito em segundo plano a organização das campanhas salariais da categoria bancária. A maior parte da base representada (os mais de 80% que trabalham em bancos privados e sequer fazem greve sob ameaça de demissão) enxerga o sindicato mais como “clube de convênios” do que como organização de luta. Isso porque os cerca de 100 diretores sindicais liberados não percorrem os locais de trabalho, não fazem reuniões, não apoiam os trabalhadores nos seus enfrentamentos cotidianos, etc. Quando chega o momento da campanha sindical, o sindicato monta uma pesquisa no site com opções pré-selecionadas para definir os principais itens da pauta. Não há reuniões por local de trabalho, reuniões de representantes de base, plenárias por banco e/ou por região, assembleias preparatórias, paralisações parciais.
A pauta definida pelo sindicato não contempla as principais reivindicações da categoria (defesa do emprego contra as demissões sistemáticas, contra as terceirizações e precarizações por meio de correspondentes bancários, contra as metas e o assédio moral sistemático como método de gestão, contra o adoecimento físico e psicológico, contra a sobrecarga de serviço, reposição de perdas salariais acumuladas, isonomia, etc.). No momento da greve, apenas uma minoria dos bancários (funcionários dos bancos públicos) adere espontaneamente, pois nos bancos privados as agências somente fecham caso algum dirigente sindical, ativista dos bancos públicos ou piqueteiro pago apareça com uma faixa. E ainda assim, as agências contabilizadas como “fechadas” na verdade estão apenas barrando a população em geral, pois os gerentes e comissionados ficam no interior fazendo negócios com os clientes de alta renda.
Os bancários que aderem à greve o fazem não porque acreditam nesse tipo de “luta”, mas porque querem ficar livres do trabalho por alguns dias. São “grevistas de pijama”, que aproveitam a greve para viajar, descansar, etc. Isso porque todos já conhecem o roteiro reproduzido há mais de uma década pela direção do sindicato. Depois dessa greve de fachada, quando surge uma proposta de reajuste que a direção considera suficiente para encerrar a greve, faz-se um acordo com a direção dos bancos para mandar aqueles que não aderiram à greve, os gerentes e comissionados que ficaram fazendo negócios, para ir nas assembleias decisivas para votar contra a greve. Aqueles que não aderiram à greve quando ela foi deflagrada comparecem na assembleia para que ela seja encerrada, com o apoio explícito da direção do sindicato. A patronal intervem diretamente nas assembleias por meio dos gestores para encerrar a greve. Os grevistas já conhecem de cor o roteiro desse teatro e não se dão ao trabalho de comparecer às assembleias, por isso os gestores ficam em maioria. O teatro fica cada vez mais artificial e se torna cada vez mais difícil convencê-los a participar no ano seguinte.

Outros exemplos do sindicalismo petista
Quem conhece algum bancário em greve (no momento em que este texto é finalizado, os bancários estão em greve, desde o dia 6 de setembro) e que frequenta as assembleias pode confirmar a existência desse teatro. Esse exemplo das práticas do sindicalismo bancário pode ser encontrado em outros importantes sindicatos da CUT, como a Apeoesp (mais de 200 mil representados, o maior sindicato do país em número de representados), que há alguns anos decretou o fim de uma greve com 70% da assembleia votando a favor da continuidade (a “presidenta” do sindicato teve que sair do carro de som escoltada pela polícia). Outro ícone da CUT, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foi o verdadeiro autor da proposta de Acordo Coletivo Especial, que permitirá que o negociado prevaleça sobre o legislado. Ou seja, as empresas poderão negociar com os sindicatos (esses “combativos” sindicatos da CUT...) acordos que retiram dos trabalhadores direitos consagrados em lei como férias, 13º salário, descanso semanal remunerado, licença maternidade, etc.
Bancários de São Paulo, APEOESP, Metalúrgicos do ABC são os três sindicatos mais poderosos do Brasil. Não são pontos fora da curva ou exceções. São a regra, o padrão e o modelo do sindicalismo cutista e petista. Os mais de 3.000 mil sindicatos filiados à CUT seguem essas mesmas práticas, em categorias menores, menos politizadas, mas afastadas dos grandes centros do país. As demais centrais sindicais do país, como Força (farsa) Sindical, CTB, UGT, NCST, etc., aliadas ou não ao PT, reproduzem essas mesmas práticas à risca, ou outras ainda piores. As únicas centrais que ainda manifestam alguma combativdade (bem aquém do necessário), Conlutas e Intersindical, são extremamente minoritárias. Com o movimento sindical nessas condições, como vamos poder falar em falar em greve geral?

Estamos todos no mesmo barco
Os companheiros neo ativistas preocupados com a ofensiva reacionária no país são sinceramente bem vindos na tentativa de encontrar a resposta. Aqui falamos realmente sem ironia, pois ninguém tem culpa de estar desinformado e não saber como a organização dos trabalhadores foi degradada por décadas de direção petista. É muito positivo que haja pessoas querendo se manifestar, apoiando ideologicamente as bandeiras da esquerda. É importante que conversem com seus colegas, parentes, vizinhos, sobre o momento do país e a necessidade de lutar. É importante que apoiem as categorias que fazem greves, os movimentos que fazem manifestações, ocupam prédios, fábricas, fazendas, fecham estradas e avenidas, etc. É importante que debatam contra a repressão policial e a difamação midiática. É importante que divulguem informações verdadeiras.
Mas para realmente fazermos diferença, é preciso que conversem com o colega de trabalho ao lado. Como fazer uma greve na empresa? Quem poderia aderir? Quem é o representante do sindicato? Ele aparece no local de trabalho? Sabe o que está acontecendo? Já chamou reuniões clandestinas fora do local de trabalho? Já fez assembleias na sede do sindicato? Cursos de formação? O que o sindicato da categoria faz realmente? Exerce algum tipo de trabalho real de organização ou funciona mais como cabide de emprego para os burocratas? É possível criar um grupo de oposição e mudar a diretoria do sindicato? Se não existe sindicato no ramo profissional ou foi burocratizado, transformado em cabide de emprego, etc., de que outra forma é possível se organizar? Existe associação, coletivo, grupo, qualquer coisa? Qualquer outro tipo de movimento do qual se possa participar? Como posso ajudar a mobilizar? Parar a produção? Enfrentar de fato o capital? Quando uma parte maior da população se colocar essas perguntas, podemos realmente começar a conversar sobre greve geral.



Fora austeridade, nenhum direito a menos, construir a greve geral




O afastamento do PT da presidência ilustrou de maneira amarga para os seus partidários a diferença entre exercer o governo e estar no poder. Na sociedade capitalista, quem está no poder é sempre o capital. Para conseguir estar no governo, os partidos precisam se comprometer com a garantia dos interesses do capital: bancos, agronegócio, indústrias, empreiteiras, etc. Não há outra forma de ocupar o governo, não existe “governo de esquerda”. O PT no governo cumpriu à risca as exigências do capital nos seus vários mandatos presidenciais, e também estaduais, municipais, parlamentares, etc. Na luta de classes, não existe meio termo: ou se está a favor do capital ou do trabalho.
Estar a favor do trabalho não pode significar outra coisa que não seja organizar os trabalhadores por meio de greves, ocupações, manifestações, ações coletivas, movimentos sociais, culturais, etc., na perspectiva maior de ruptura do captalismo e construção do socialismo. A ocupação de cargos parlamentares ou executivos tem que ser apenas um recurso secundário para ajudar a implementar as medidas impulsionadas fundamentalmente e prioritariamente pela ação do movimento e organismos da classse. A ação coletiva organizada é o que decide a luta, não há outra saída. O PT fez o oposto disso, transformou os organismos da classe em aparatos a serviço da acomodação social de seus dirigentes (deixaram de ser trabalhadores, viraram “sindicalistas” ou líderes profissionais de movimentos, ONGs, etc.) e da sua perpetuação eleitoral no governo, ao invés de organismos de luta pelo poder social. Optou por governar para o capital, ao invés de enfrentar o poder do capital com a força do trabalho organizado. Quando o PT opta por administrar para o capital, ele se torna um instrumento da dominação capitalista contra os trabalhadores.

O descalabro ideológico sob os governos petistas
As melhorias sociais pontuais que os partidários do PT defendem fervorosamente como se tivessem sido mudanças “revolucionárias” não passam de migalhas em comparação com a gigantesca fatia do orçamento público (quase 50% da arrecadação federal) destinada a cevar os especuladores por meio do mecanismo espúrio da dívida pública. Não houve nenhuma mudança estrutural no Brasil nos anos de governo do PT, nenhuma ruptura com o imperialismo e o capital, apenas uma gestão oportunista baseada na alta temporária do preço das matérias primas brasileiras no mercado mundial, embalada pelo marketing demagógico de favorecimento dos pobres. E tais melhorias foram todas revertidas quando a crise econômica generalizada se abateu sobre o país trazendo desemprego, precarização, arrocho salarial, inflação, endividamento, empobrecimento.
Neste momento de agudização da crise o projeto petista mostrou que tinha pés de barro. Para a maioria da opinião pública, os problemas sociais e econômicos são uma questão de “gestão” mais ou menos competente (e não de limites estruturais do sistema do capital), e o PT não fez nada para mudar essa visão (pois para isso teria que organizar a classe contra o capital), pelo contrário, ele a aprofundou. O PT já abriu mão da combatividade há décadas, pois essa foi a condição para chegar ao governo. O modo petista de gestão substituiu a confiança na ação coletiva pela crença no mérito individual (Lula é o melhor exemplo, o migrante nordestino pobre que “chegou lá” e virou presidente). Afinal, não pode haver ação coletiva real quando as migalhas devem aparecer no marketing como dádivas do governo. Para o PT nunca se tratou de ideologia (visão de mundo de uma classe social), mas de marketing, de discurso. A ausência de base material para esse marketing veio à tona quando a crise reduziu a pó as “melhorias” dos governos petistas.
O feitiço da ideologia da gestão se voltou contra o feiticeiro. O resultado é que eleitores do PT que adquiriram suas casas no “Minha Casa Minha Vida”, matricularam seus filhos na faculdade (fábricas de diploma, na verdade) com o PROUNI, compraram carros e eletrodomésticos com IPI reduzido, fizeram compras e viagens com o crédito fácil dos bancos, etc., interpretaram essas conquistas como fruto do seu “mérito pessoal”, não como resultado da “competência” do governo. Quando a crise chegou, esses mesmos eleitores passaram a culpar o governo do PT por não conseguir pagar as prestações. Quando não há mais “conquistas individuais” possíveis (o limite do cartão estourou), a única coisa que resta é o ressentimento. Na ressaca do consumismo e da farra do endividamento, vicejou a praga do ódio de classe contra os mais pobres e os demagogos e corruptos do PT nas manifestações verde e amarelas.
Dessa forma, foram as políticas desenvolvidas nos mandatos do próprio PT que pavimentaram o caminho para o que os petistas chamam de “golpe” (para entender porque usamos a palavra “golpe” entre aspas, ver nossos textos anteriores sobre o assunto, como http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/04/o-pt-e-o-castelo-de-cartas-da.html). A cidadania do crédito, a meritocracia, a teologia da prosperidade, o conservadorismo, são produtos ideológicos dos anos de governo do PT. Foi com base nesse tipo de pensamento que se elegeu a bancada parlamentar que afastou o PT do governo. A bancada da bala (“bandido bom é bandido morto”), do boi (de Kátia Abreu, ministra e miga da Dilma) e da bíblia cresceu e se multiplicou como uma erva daninha à sombra da negligência do PT em relação à disputa ideológica (ou de sua adesão à ideologia burguesa). A única forma de enfrentar a crise e promover mudanças sociais reais seria por meio da organização dos trabalhadores para a luta, a qual, repetiremos pela enésima vez, o PT descartou.

Na falta de greve geral, memes
Muitos partidários de última ou de primeira hora do PT podem até concordar com algumas das críticas acima, ou quase todas elas, mas ainda assim seguem defendendo o partido diante de algo ainda pior, como se esse “algo pior” tivesse brotado do nada, como um raio em céu azul. Denunciam as feições anti operárias, anti populares, anti democráticas do governo Temer, como se isso automaticamente absolvesse o PT de seus erros. O fato de que o governo Temer, o Congresso, o judiciário, a mídia, etc., estejam promovendo uma ofensiva reacionária no país não transforma o PT, por um passe de mágica, numa alternativa contra essa ofensiva. Não há como apagar da história três mandatos e meio de favorecimento do capital pelo PT, com o rastro pavoroso de desagregação social e ideológica que expusemos no ponto anterior.
Por outro lado, para quem está interessado na luta de classes como ela deve ser feita, denunciar o transformismo do PT, a sua mutação em instrumento de dominação dos trabalhadores, é apenas uma parte da tarefa (discutiremos o que mais deve ser feito no ponto seguinte). E mesmo essa tarefa não será nada fácil, já que, como vimos, o PT aderiu e reproduziu o senso comum de que os problemas do país são uma questão de gestão. Dessa forma, bastaria votar nos melhores gestores (ou nos menos piores, subentendendo-se que são os candidatos do PT) para que tudo se resolva.
Esse senso comum está sendo requentado subliminarmente hoje nas entrelinhas do movimento pelo “Fora Temer”. Para as últimas gerações formadas sob a hegemonia petista, participar de manifestações no fim de semana ou fora do horário comercial, ou mudar a foto de perfil do Facebook, é tudo o que se pode fazer para “lutar” contra o “golpe”. Como “não há alternativa”, engrossar o “Fora Temer” e votar nos candidatos do PT é a única forma de combater a ofensiva reacionária. Não se percebe que quem criou esse estado de coisas foi o próprio PT, quando usurpou e esterilizou as mediações organizativas da classe (sindicatos e movimentos sociais).
A imensa insatisfação da população com o recém-inaugurado governo Temer (uma versão do governo Dilma sem maquiagem) não encontra canais para se organizar, já que a população perdeu o hábito de se reunir, se organizar, debater política, participar de assembleias, lutas sociais etc. Sob controle do PT, a CUT, a UNE (feudo dos aliados do PCdoB) e o MST deixaram de ser espaços de organização da luta, para se tornar aparatos profissionais para seus dirigentes e trampolins para cargos eleitorais. Sem organizações de luta com presença cotidiana, a população não encontra outra forma de agir a não ser, no máximo, participar de atos de rua (possíveis depois das Jornadas de Junho de 2013). Por isso, mesmo os setores mais conscientes da população, que desaprovam em vários aspectos os governos Dilma e Lula e não são petistas, se limitam a apoiar o PT para combater a ofensiva reacionária. Essa é a única opção que aparece como “realista” para pessoas com uma sensibilidade “de esquerda”, mas sem vivência militante. Essas pessoas fazem campanha no seu facebook e vão no “Fora Temer” aos domingos, mas não fazem greve no seu local de trabalho.

Não existe atalho na luta de classes: o caso do “Fora Todos”
Ninguém faz greve sozinho, pois a greve precisa de organização coletiva, papel que os sindicatos, sob direção petista, não estão cumprindo. A outra parte da tarefa a que nos referimos no ponto anterior, que realmente pode vir a fazer diferença, é superar esse vazio organizativo e reconstruir as formas de organização, referências e programa que possam substituir o PT e seus aparatos nos movimentos sociais. É preciso fazer muito trabalho de base, muita reunião, muita conversa, muito debate, muita propaganda (divulgação e explicação teórica), e também aglutinar todas as forças dispostas a retomar esse trabalho. De nada adianta tentar se auto iludir, como faz o PSTU e outros setores do trotskismo morenista (MNN, MRS) com a ideia de que a queda de Dilma é resultado direto da insatisfação dos trabalhadores. Como se o “Fora Dilma” e o “Fora Temer” fossem expressões idênticas e intercambiáveis de uma mesma e generalizada “insatisfação” da população com “os políticos”. Como se fossem partes indiferenciadas de um mesmo movimento homogêneo pelo “Fora Todos”, separados um do outro apenas por um certo intervalo de tempo.
A insatisfação da população, do tipo que se mede em pesquisas de opinião, não se transforma automaticamente em força social e política, à disposição dos revolucionários que querem derrubar “todos”. Sem as mediações organizativas adequadas, a insatisfação pode ser direcionada para qualquer lado, inclusive para a ultra direita, que não é idiota e está lutando por esse espaço. Desconsiderar a necessidade de mediações organizativas desde os locais de trabalho, moradia e estudo é um vício característico do trotskismo morenista, que imagina que pode substituir a organização do conjunto da classe pela atuação decidida de seus militantes. Um caminho que só pode resultar em derrota e frustração. Não é à toa que o PSTU experimentou a perda de quase metade de seus militantes recentemente (os que saíram fundaram uma organização chamada MAIS), e a sua colateral sindical, a CSP-Conlutas, jamais conseguiu se firmar como alternativa de organização (nada menos do que o MTST, hoje um dos mais atuantes movimentos sociais do país, já fez parte da Conlutas, tendo saído poucos anos após a pateticamente fracassada tentativa de unificação com a Intersindical-Central em 2010). Quem não quiser perder o bonde da história tem que sair dessa órbita do PSTU/Conlutas o quanto antes.

Não vai ter luta, se depender do PT
A “terceira via” que o PSTU esperava construir em alternativa à polarizaçao PT x PMDB/PSDB não passou de micro manifestações de vanguarda, já que estava baseada na abstração do “Fora Todos” e não na concretude dos enfrentamentos que precisavam ser unificados. Quem nadou de braçada no repúdio ao “golpe” e agora no “Fora Temer” é o próprio PT, novamente. Os seus partidários, marketeiros e alquimistas midiáticos se beneficiam largamente do fenômeno especificamente pós moderno do esvaziamento da memória histórica e conseguem reapresentar, subliminarmente o mesmo PT, que é co responsável pela ofensiva reacionária, como alternativa a ela. É o que transparece no ciclo de manifestações que se desenvolveu desde a “condução coercitiva” de Lula em fevereiro até o “Fora Temer” em setembro, passando pelo impeachment provisório e definitivo. Esse ciclo reuniu um setor considerável da população preocupado com a ofensiva reacionária, bem como intelectuais e artistas. A princípio, essas manifestações tinham uma composição social (nível de renda, faixa etária e escolaridade) muito semelhante às verde e amarelas pelo impeachment (coxinhas), talvez um pouco mais jovens e proletarizadas (mas só um pouco).
Essas características mais classistas dos atos se acentuaram levemente aos poucos, conforme o movimento migrou do repúdio ao “golpe” para o “Fora Temer”, mas ainda assim sem mudar de qualidade a sua composição social. Seguem sendo formadas majoritariamente por assalariados de alta renda, universitários, profissionais liberais, ativistas sociais e culturais de vanguarda. O que todos os analistas são praticamente unânimes em afirmar é que o grosso da classe trabalhadora não se moveu ainda, nem a favor nem contra o impeachment, e ainda não contra Temer. A classe trabalhadora somente se move por questões concretas, não por ideologia política, a não ser em situações muito excepcionais. Conforme o governo Temer começa a mostrar a que veio (ou seja, terminar o serviço que o PT começou), a inquietação e a mobilização começam a crescer também entre os trabalhadores. Mas ainda sem constituir um verdadeiro processo de luta capaz de enfrentar o governo. O maior risco é justamente de que esse movimento seja cooptado pelos interesses meramente eleitorais do PT.
Sob a direção do PT e seus aparatos, essas manifestações não terão condições de se transformar num processo real de luta capaz de enfrentar o governo Temer e a ofensiva reacionária. O PT se limita a fazer uma oposição “bem comportada”, para se colocar como alternativa viável nas eleições municipais deste ano e nas eleições gerais de 2018. O PT conta com o desgaste e a impopularidade que Temer vai acumular com as medidas de “ajuste” destinadas a reativar a lucratividade do capital que opera no país. Dessa forma, o partido espera retomar o governo, e não enfrentar o poder do capital, nos termos em que os definimos no início do texto. Os organismos de luta da classe (CUT, UNE, MST), ainda sob controle petista, não serão usados para mobilizar de fato os trabalhadores e enfrentar o “ajuste”. As campanhas salariais não serão unificadas numa greve geral, não haverá ocupações, bloqueio de avenidas, etc.

A arte de tapar o sol com a peneira
Com uma política diametralmente oposta à do PSTU, os setores que estão construindo o Bloco de Esquerda Socialista (BES daqui em diante, composto pelo PCB, várias correntes do PSOL e grupos independentes, com configurações diferentes conforme a região do país) tiveram a iniciativa de tentar disputar as manifestações de repúdio ao “golpe” e agora o “Fora Temer”. Estiveram presentes mesmo nas manifestações que foram convocadas pelo PT, como parte da “Frente Povo Sem Medo” liderada pelo MTST (o qual, lamentavelmente, tem capitulado mais abertamente ao PT).
Infelizmente, o BES coloca como centro de seu programa a mesma palavra de ordem do PT, ou seja, o “Fora Temer”, acompanhada de complementos como “eleições gerais”, “assembleia constituinte”, “greve geral”. Com isso, a iniciativa de participar das manifestações quase se esvazia de utilidade. É preciso sair dessa mesmice. A esquerda precisa superar o politicismo, presente tanto no “Fora Todos” do PSTU e morenistas quanto no “Fora Temer” do BES (que reúne organizações de diferentes tradições, desde o stalinismo reciclado do PCB a outras variedades do trotskismo no PSOL e independentes).
O que chamamos de politicismo é a fixação com a superestrutura do Estado, que se manifesta como obsessão eleitoral mais ou menos disfarçada. O politicismo leva praticamente todas as organizações da esquerda a desconsiderar a organização real da classe para a luta, a única coisa que pode fazer diferença na luta contra o capital. E também as leva a imaginar que pode substitur a organização da classe pela atuação decidida de seus militantes, que com a palavra de ordem correta, supostamente poderiam levar os trabalhadores do nível zero de organização em que se encontram diretamente para a luta pelo poder. Além desse problema de desconsiderar a mobilização e organização real da classe, o politicismo deseduca os trabalhadores por um outro ângulo, ao deslocar a expectativa da resolução dos problemas para a troca de governantes. Ao invés de greve geral pelas demandas dos trabalhadores contra os ataques do capital, “Fora Temer” e “vote em mim” nas eleições.
Esse politicismo produz uma lógica que imagina possível poder “consertar” os problemas e lacunas da realidade por meio de palavras de ordem “classistas” e “revolucionárias” de manual, pré-fabricadas. Tomemos por exemplo o caso da defesa de “Fora Temer, eleições gerais”. Quando alguém pergunta sobre o risco de que as eleições gerais, caso fossem antecipadas e realizadas neste momento, trouxessem de volta os mesmos políticos burgueses do PT, PMDB, PSDB, etc., o autor da palavra de ordem dirá que defende eleições gerais “com regras realmente democráticas”, ou seja, sem financiamento privado de campanha, com tempos iguais para todos os partidos, etc. No caso de “Fora Temer, assembleia constituinte”, alguém poderá perguntar sobre o risco de se elegerem deputados constituintes tão ou mais reacionários quanto os do atual Congresso, mas o autor dirá que defende uma constituinte “imposta pela luta e mobilização”.
Assim, tudo se resolve adicionando uma frase “classista” e “revolucionária”. Não é qualquer eleição geral ou assembleia constituinte, é aquela que é “imposta pela luta”. É essa que o esquerdista/politicista defende. Com isso, a palavra de ordem está perfeita e irretocável. Com a exceção de que não existe nesse momento mobilização e luta capazes de impor assembleia constituinte ou eleições realmente democráticas! É exatamente essa mobilização que se precisa construir! Seria muito fácil se se pudesse resolver a disputa de poder com a palavra de ordem mais “revolucionária”. Bastaria olhar no menu e adicionar ao meu “Fora Temer” um molho de soviets, uma pitada de milícias operárias, ao gosto do freguês...

A análise concreta da situação concreta
Imaginemos o grau de mobilização que seria necessário para impor “regras realmente democráticas” para uma eleição ou uma “assembleia constituinte soberana” que traga avanços sociais ou no mínimo impeça retrocessos. Teríamos que ter milhões de pessoas nas ruas, bloqueios de estradas e avenidas, ocupação de prédios públicos, greves massivas de importantes categorias paralisando setores fundamentais da economia, uma greve geral ou todos esses processos combinados. E teríamos que ter isso durante semanas, meses, enfrentando a repressão pesada da polícia, forças armadas, jagunços, etc., bem como o bombardeio cerrado e unânime da mídia contra os “vândalos”, “terroristas”, “oportunistas”, “demagogos”, “vagabundos”, etc.
Pois bem, se esse processo de mobilização massiva fosse construído, não seria imediatamente por bandeiras políticas! Não seria por eleições-realmente-democráticas ou por uma abstração como a “assembleia constituinte soberana”. Seria por emprego, salários, condições de trabalho, serviços públicos, etc. Essas seriam as pautas realmente capazes de mobilizar a classe trabalhadora, que na sua maioria esteve ausente do processo político mais recente (a disputa superestrutural PT x PMDB/PSDB foi acompanhada pelos trabalhadores “de longe”, não os levou a se mobilizar). Portanto, essas devem ser as bandeiras que devem estar no centro da atividade agitativa das forças da esquerda. Além de serem as mais efetivamente capazes de mobilizar os trabalhadores, elas colocam a classe como protagonista. A palavra de ordem do “Fora Temer, eleições gerais” coloca o foco no Estado e apresenta a eleição de um novo governante como solução para os problemas. Essa palavra de ordem rebaixa a consciência dos trabalhadores ao nível de um eleitorado passivo, ao invés de desenvolver o seu protagonismo como classe organizada.
Os trabalhadores tem que ser educados a lutar por suas demandas concretas, não para eleger um novo governante. A importância do programa contendo demandas concretas aparece quando se considera, por exemplo, o programa de uma das figuras públicas da esquerda, a candidata do PSOL à prefeitura de Porto Alegre (e ex-candidata presidencial do partido) Luciana Genro. Segundo ela, a terceirização e a privatização são métodos aceitáveis de gestão. Tudo em nome da responsabilidade fiscal (ver o twitter da candidata: https://twitter.com/lucianagenro/status/774069612015083520?ref_src=twsrc%5Etfw ). Os trabalhadores têm que ser levados a se mobilizar por um programa, um projeto, um conjunto de ideias, não por uma pessoa. E da mesma forma, têm que ser educados a lutar contra a austeridade sob todas as suas formas, seja com Dilma, Temer, Aécio, Marina ou agora Luciana Genro.
Além disso, nenhuma palavra de ordem é eterna. Num segundo momento, quando os trabalhadores estiverem realmente mobilizados, em moldes semelhantes ao que descrevemos no primeiro parágrafo deste ponto (se chegarmos lá, não sabemos como, mas torcemos e trabalhamos para isso), aí sim será possível defender palavras de ordem políticas, como “Fora Temer” e outras. Não é “pecado” reconhecer que neste atual momento as lutas serão defensivas, voltadas para tentar barrar os ataques da patronal (reforma da previdência, “flexibilização” das leis trabalhistas, terceirização, reforma do ensino médio, etc.). Já será uma grande vitória se conseguirmos barrar esses ataques. Deixar de propor soluções para o nível da gestão do Estado (troca do governante) não significa “rebaixar-se ao nível da consciência” da classe. Pelo contrário, concentrar as forças dos trabalhadores na esperança de que um novo governante possa resolver os problemas é que rebaixa a consciência da classe.

Para além do politicismo
A disputa de poder na sociedade não se resolve com artimanhas politicistas. Um programa verdadeiramente revolucionário não é o que sai pronto da cabeça dos militantes, mas o que é construído de acordo com o nível de enfrentamento real dos trabalhadores contra o capital. Se não há organismos e mediações da classe capazes de efetuar a tomada do poder, então não é correto colocar no centro do programa a disputa do poder. Não é correto defender o “Fora Temer” sem ter uma alternativa de poder dos trabalhadores para colocar no lugar. É possível dizer que defendemos um “poder socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta”. E acrescentar medidas como mandatos revogáveis, remuneração igual à de um trabalhador, etc. Isso serve como propaganda, como defesa teórica de um projeto, tarefa educativa, mas não como eixo de agitação para ser realizado imediatamente. As palavras de ordem tem que partir do que a classe é capaz de fazer. No momento atual, as lutas são defensivas, contra as demissões, contra a inflação, contra a retirada de direitos, contra a reforma da previdência, contra o pagamento da dívida pública, em defesa dos serviços públicos, contra as privatizações, etc.
Portanto, é preciso partir dessas lutas, dessas necessidades concretas: fora austeridade, nenhum direito a menos! Essa formulação mais concreta tem a vantagem de evitar um problema que a classe não é capaz de resolver no momento, a questão do poder. Insistir no “Fora Temer” significa ser forçado a responder à questão de quem deve ser colocado no lugar. Lula? Ciro Gomes? Luciana Genro? E ser forçado a responder a essa questão significa manter o foco na superestrutura, no Estado, no poder político. Como se os problemas da sociedade fossem de gestão, ou de competência do gestor. Não são. A crise do capitalismo precisa ser enfrentada pela ação coletiva, consciente e organizada da classe.
O elemento da consciência tem que aparecer por meio de um programa. Não é por meio de pessoas, candidatos, governantes (Lula? Ciro Gomes? Luciana Genro?) que a classe resolverá seus problemas, mas por meio de um projeto de sociedade. Temos que educar os trabalhadores a discutir projetos, ideias, não pessoas, gestores, “salvadores da pátria”, como fez o PT. Não é a partir de cima, do Estado, que se resolvem os problemas, mas de baixo, do solo da reprodução social, dos locais de trabalho e dos microcosmos da vida social. Por isso, é preciso reforçar o elemento de participação e protagonismo do coletivo: construir a greve geral!
O papel da esquerda anticapitalista deveria ser o de intervir nas manifestações do “Fora Temer” para denunciar o PT como co responsável pela ofensiva reacionária, como entrave burocrático para o desenvolvimento das lutas e como expressão de oportunismo eleitoral. Além da denúncia, seria preciso apresentar propostas de luta que batam de frente contra o ajuste de Temer, contra a reforma da previdência, contra o ataque à legislação trabalhista, contra os cortes de gastos sociais, etc. E a participação nas manifestações deveria ser uma parte de uma política mais geral, onde o esforço principal seria o de construir fóruns de organização de base, plenárias, reuniões, etc., que coloquem no centro da discussão as demandas concretas dos trabalhadores.
Em resumo, defendemos que a esquerda priorize a construção de organismos de base para as lutas concretas, e secundariamente participe das manifestações do “Fora Temer”, mas com identidade própria, política própria, palavra de ordem própria, faixas, cartazes, etc. próprios, panfletos próprios. A esquerda precisa estar nos atos convocados pelo PT para dialogar com as pessoas que não vêem outra alternativa neste momento a não ser apoiar o PT. Mas a esquerda tem que estar presente, sem aderir à palavra de ordem do PT, denunciando o PT, chamando a organização de base, apontando as necessidades concretas da classe e apontando os meios concretos de resolvê-las: Fora austeridade, nenhum direito a menos! Construir a greve geral! (é um exemplo de palavra de ordem possível que viemos trabalhando no texto, não é mandamento sagrado e revelado). E defendemos que, muito mais do que ir a manifestações, é preciso organizar a classe a partir da base para lutar por essas demandas concretas e com esses métodos.