30.10.08

Nem McCain nem Obama


As eleições para a presidência dos Estados Unidos, em 4 de novembro de 2008, opõem o democrata Barack Obama ao republicano John McCain. A atual campanha tem sido uma das mais movimentadas em todos os tempos, desde a acirrada disputa entre Obama e Hillary Clinton pela indicação do partido democrata (que seria inédita tanto para um negro como para uma mulher), até a eclosão da crise financeira no início de outubro. A candidatura democrata de Obama tem sido vista tanto interna quanto externamente como uma alternativa de mudança na política estadunidense. Há uma indisfarçada torcida pró-Obama em curso, contagiando a opinião pública pequeno-burguesa e até a esquerda reformista, não só nos Estados Unidos como no restante do mundo, que acompanha intensamente essas eleições. Essa torcida superestima tanto as chances de vitória do candidato democrata quanto, muito mais grave, a possibilidade de um eventual governo Obama realizar mudanças efetivas na política do imperialismo.

Começando pelo primeiro ponto: embora a administração Bush esteja afundando em impopularidade, devido ao desastre da invasão do Iraque, à alta do petróleo, à criminosa omissão na catástrofe do furacão Katrina e à crise econômica que recentemente se somou ao rosário de tragédias; não se pode subestimar o peso do atraso ideológico do eleitorado conservador estadunidense. Para o eleitorado branco religioso que constitui a maioria nos estados do interior, a possibilidade de um candidato negro e ainda por cima ligado às causas “liberais” chegar à presidência é inaceitável. O eleitorado conservador vê a política como um terreno de disputa entre alternativas morais e individuais, em que se defrontam posições pró e contra o aborto, o casamento homossexual, a descriminalização das drogas, o multiculturalismo.

Paradoxalmente, as concepções reformistas que defendem a candidatura Obama enxergam a política sob esse mesmo prisma, o das opções morais e individuais. Obama é visto favoravelmente pelo fato de ser negro. Sua ascensão à presidência representaria uma vitória simbólica da minoria negra da população estadunidense, exatamente 40 anos depois do assassinato de Martin Luther King, líder da luta pelos direitos civis. Tal ponto de vista coloca a identidade étnica acima do conteúdo político-ideológico de classe, o que constitui um erro crasso. Basta lembrar o caso de Condoleeza Rice, Secretária de Estado do governo Bush, que além de ser mulher é negra, e aplica ferozmente a política externa do imperialismo contra os trabalhadores e os povos oprimidos do planeta.

O que se deve verificar em cada eleição são os interesses de classe representados por cada candidatura. Tanto McCain quanto Obama representam os interesses do grande capital estadunidense. Os partidos republicano e democrata são na verdade as duas alas do partido único da burguesia. Em que pesem as diferenças superficiais entre os partidos, que de fato existem, os dois estão ideologicamente comprometidos com a política geral da classe dominante. O imperialismo estadunidense atua por meio de uma política de Estado, que transcende os partidos. Além do parlamento e do judiciário, há no próprio poder executivo uma burocracia composta de milhares de funcionários de carreira (que permanecem nos cargos por vários mandatos presidenciais) pagos para manter o sistema em funcionamento segundo diretrizes precisas, ditadas pelos interesses das corporações estadunidenses. Essa burocracia se espalha pelas forças armadas, serviços de inteligência, diplomacia, organismos internacionais, agências reguladoras, instituições financeiras, aparelhos ideológicos, etc.

A gigantesca máquina do Estado faz o seu serviço, independentemente de quem esteja na Casa Branca. O presidente dos Estados Unidos não chega a ser uma figura decorativa, como a rainha da Inglaterra, que reina mas não governa. Por outro lado, está longe de ser “o homem mais poderoso do mundo”, como se costuma designar o ocupante de tal cargo. Não se trata de negar que o presidente dos Estados Unidos tenha poder, pois basta lembrar o comando das forças armadas, que inclui um arsenal nuclear capaz de aniquilar a vida na Terra centenas de vezes. Trata-se de dizer que este poder não está à disposição de um indivíduo para que o utilize a seu bel prazer, conforme caprichos ou inclinações pessoais. O poder do presidente dos Estados Unidos existe apenas enquanto este cumprir o papel de executor das políticas de interesse do capital, por mais que se tente mitificar figuras como Lincoln, Roosevelt ou Kennedy.

Obama pode ser mais um nesta lista. Pode entrar para a história como aquele que tirou o país da crise econômica, caso de Roosevelt, ou pode ser assassinado, como Lincoln e Kennedy. Seja como for, os limites da sua atuação já estão traçados por uma política de Estado bastante precisa. Essa política é determinada por algumas linhas fundamentais inalteráveis:

1. Complexo industrial militar. As indústrias que fornecem armamentos ao governo consomem anualmente algo em torno de meio trilhão de dólares do orçamento público. Para continuar lucrando, essas empresas precisam das guerras que o imperialismo estadunidense desencadeia sobre o mundo. As guerras deverão continuar, pois os executivos dessas empresas controlam a maior parte daquele aparelho de Estado (Pentágono, CIA, ONU e demais organismos internacionais, etc.). Obama já sinalizou a continuidade da política belicista do imperialismo, apenas deslocando o principal foco das operações do Iraque para o Afeganistão.

2. Petróleo. As reservas próprias de petróleo dos Estados Unidos, estimadas em cerca de 7 bilhões de barris, são suficientes apenas para cerca de 4 anos de consumo. Os Estados Unidos dependem mortalmente do petróleo estrangeiro, importado em sua maioria do Oriente Médio, mas também da América Latina (Venezuela e Equador). O controle sobre esses países é uma necessidade vital do império, o que explica por exemplo a reativação da 4ª Frota tão logo foi anunciada a descoberta de petróleo na camada geológica de pré-sal do litoral brasileiro.

3. Israel. A população judaica nos Estados Unidos compõe uma importante minoria de cerca de 10 milhões de habitantes, maior mesmo do que a própria população judaica em Israel. A alta burguesia judia-estadunidense controla ramos fundamentais da economia, como as finanças, a mídia e a indústria cultural (Hollywood). Nenhum presidente estadunidense assumirá o poder sem se comprometer perante esse setor a manter o apoio incondicional ao Estado de Israel, o que significa o apoio à política de extermínio dos palestinos e de confronto com países não-alinhados ao imperialismo, como Irã e Síria. Sabedor disso, Obama já discursou perante a alta burguesia judia-estadunidense comprometendo-se a manter essa política.

4. Finanças. As corporações do mercado financeiro estão entre as maiores doadoras de fundos para as campanhas eleitorais dos dois partidos. A rapinagem financeira de Wall Street sobre as economias do mundo inteiro deve continuar intocada. Antes mesmo das eleições, Obama se reuniu com Bush e McCain na Casa Branca para discutir as linhas gerais da ação entre amigos para salvar os banqueiros, encobrir suas falcatruas e diluir o custo do resgate na conta dos contribuintes (trabalhadores) estadunidenses e do restante do mundo explorado.

5. Corporações. Assim como o mercado financeiro, o conjunto das grandes corporações, das empresas industriais, dos laboratórios, do agro-negócio, etc., controlam a sociedade estadunidense e devem continuar atuando livres de qualquer regulamentação pública, superexplorando seus trabalhadores, destruindo o meio ambiente, degradando a saúde pública, etc. A campanha de um candidato presidencial nos Estados Unidos custa centenas de milhões de dólares, de modo que as grandes corporações, únicas capazes de financiar tais campanhas, terão o controle do governo eleito e ditarão sua política como sempre têm feito.

6. Mídia. Os interesses de todos esses setores da burguesia estadunidense são preservados pela maciça propaganda ideológica da mídia, das grandes cadeias de televisão, dos jornais e da indústria cultural. Os meios de comunicação difundem o consumismo, o preconceito, o medo, o individualismo, o moralismo hipócrita, o misticismo, valores que sustentam o capitalismo estadunidense. O bloqueio ideológico cerrado impede a população de obter um conhecimento mínimo da realidade e do papel do capitalismo estadunidense na perpetuação da miséria mundial.

Por todos esses motivos, uma eventual vitória de Obama não traria alívio nenhum para os trabalhadores do mundo inteiro, nem mesmo para os dos Estados Unidos. Nas eleições do Estado burguês, os trabalhadores precisam se colocar por meio de uma alternativa de classe e independente, que se expresse por meio de um programa socialista e de uma organização política autônoma. Esse programa deveria conter medidas como: desmantelamento do arsenal nuclear, retirada das tropas estadunidenses do Oriente Médio (e fim do apoio a Israel), retirada das bases militares estadunidenses em todo o mundo, nenhuma indenização aos banqueiros pela crise, estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores, legalização de todos os imigrantes, direitos e serviços sociais para todos, expropriação das grandes corporações, entre outras.

Apesar de todo o discurso sobre democracia, não existe nas eleições estadunidenses a possibilidade de se discutir tal programa, e também não existe a possibilidade de um outro partido, que não seja o republicano-democrata, atuar nessas eleições. Logo, os trabalhadores que se vêem forçados a optar entre McCain e Obama estão diante de uma falsa alternativa. A única saída para o proletariado estadunidense é a construção de uma alternativa política própria, classista e socialista, que pode se expressar pela via do movimento social, sindical ou como partido, que questione as bases do capitalismo naquele país.

Daniel M. Delfino
Outubro 2008


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