19.3.16

A luta de classes na era pós PT e as respostas da esquerda - parte 3/3



Antes de começar, uma observação preliminar de caráter pessoal: a opção de dividir o presente texto em partes e publicá-lo em três dias, um após o outro, pode se provar uma das mais felizes na carreira deste escriba (ou a mais desastrosa, dependendo do grau de concordância do leitor com o texto), porque permitiu acompanhar uma conjuntura que se desenvolveu com enorme velocidade, apresentando novos desdobramentos a cada dia. A nosso ver, esses desdobramentos aprofundaram e confirmaram as avaliações que fizemos nas duas partes anteriores.

Resumo dos últimos capítulos
O movimento pelo impeachment confirmou o seu caráter de direita, com elementos de ultra direita. O PT arriscou uma espécie de tudo ou nada ao lançar a jogada da nomeação de Lula ao Ministério para escapar da prisão. Ao fazer isso, o PT deu a brecha para que a oposição burguesa transformasse a não nomeação de Lula e sua prisão numa espécie de questão de honra. Inteligentemente, o movimento pelo impeachment ganhou os corações e as mentes das massas. Imensas parcelas da população foram mobilizadas pela oposição burguesa e pela mídia para achar que a nomeação como forma de escapar da justiça é uma espécie de gota d'água, o tapa na cara, o insulto definitivo, que não se pode aceitar. De quebra, pode servir até como o pretexto final para o impeachment de Dilma, sem a necessidade de queimar também Temer. Os dias 16 e 17 de março presenciaram uma imensa mobilização de ódio contra a nomeação de Lula.
Entretanto, o volume das manifestações em defesa do PT na sexta-feira dia 18 mostrou que o governo pode conseguir uma sobrevida. O simples fato de que as manifestações não tenham sido esvaziadas, não tenham sido um fiasco, mas que tenham levado um número significativo de pessoas, não só burocratas petistas encastelados nos movimentos sociais, mas gente “de verdade”, que foi atraída pelo chamado a defender a “democracia”, é uma vitória para o PT. É claro que muitos dos que estiveram nos atos de sexta-feira dia 18 não são petistas, nem são organizados pelo PT, nem pretendem ser, e mantém reservas críticas ao governo. Marcharam em repúdio ao que enxergam como um golpe, em repúdio ao PSDB, à rede Globo e ao restante da mídia, à ultra-direita que está pondo as manguinhas de fora. Mas indiscutivelmente, o PT será o beneficiário dessa mobilização, pois conseguiu transformar a não prisão de Lula e sua nomeação ao Ministério numa espécide de questão de honra também para um grande número de pessoas com simpatias de esquerda.
Num país onde tudo tende para a futebolização, muita gente, ao ver o aspecto fascistóide das mobilizações contra a nomeação ministerial, ao ver o cinismo da cobertura seletiva da mídia, ao tremer de indignação diante de fuguras como Aécio, Alckmin, Cunha, Gilmar Mendes, etc., fizeram questão de mostrar que “torcem para o outro time”, e marcharam ao lado do PT. O brasileiro não suporta ver o outro time ganhando, no caso, o time da direita e da ultra direita, da mídia, PSDB, Bolsonaro, etc. Por isso, muitos escolheram o lado “vermelho”. A crise terminal do PT pode ter sido adiada e o governo Dilma pode continuar, respirando por aparelhos. Teremos nos próximos dias o vai vém jurídico em torno da nomeação ministerial de Lula. Mas no campo ideológico, o PT conseguiu o que queria, aparecer como a única alternativa existente contra à direita mobilizada, por mais algum tempo. Ponto para o PT, derrota da esquerda anti governista.

O caráter de classe do atual movimento anti PT
A crise política que está se desenrolando tem origem no fato de que a utilidade do PT para a burguesia foi esgotada. Depois de amortecer, contornar, bloquear, sabotar a luta de classes, desorganizar e despolitizar os trabalhadores, o PT está sendo descartado impiedosamente pela burguesia. Agora, trata-se de produzir o seu sepultamento, com tons dramáticos de uma desforra ideológica da direita. Até o momento, o principal componente social do movimento pelo impeachment são as camadas médias de pequenos empresários e assalariados de alta renda. Esse setor social enxerga no PT a causa de todos os problemas, acha que foram os mais pobres que roubaram a sua prosperidade por meio de programas sociais que os “bandidos” do PT criaram para cooptar eleitoralmente a população pobre. Também não demonstra muita confiança na direita tradicional (PSDB) e tem bastante simpatia pelo discurso anti partido (como boa parte dos trabalhadores). Um setor minoritário tem sido atraído pelos discursos de ódio e tende mesmo para o fascismo.
Para este setor, vale qualquer coisa para barrar a manobra desesperada da nomeação ministerial de Lula. Inclusive, violar algumas leis, exceder as prerrogativas do judiciário, extrapolar a alçada de um juiz de primeira instância, romper o sigilo da comunicação presidencial, etc. Os mais exaltados partem para a ação direta. Grupos e indivíduos com perfil fascistóide ocuparam a Avenida Paulista desde a quarta-feira 16, dia da nomeação (curiosamente, passaram dias obstruindo a avenida sem nenhuma repressão por parte da PM de Alckmin, sempre tão diligente na tarefa de massacrar manifestações dos trabalhadores para impedir “perturbações da ordem”) para tentar impedir a manifestação de defensores do PT marcada para a sexta-feira dia 18, sendo removidos somente na manhã da própria sexta-feira.
A nosso ver, tudo isso confirma a posição de que este movimento pelo impeachment, tal como atualmente colocado, não deve ser apoiado pela esquerda, não representa os trabalhadores. Mas mais do que o fato de ser claramente ilegal, o critério decisivo para não apoiar e não participar desse movimento é o seu conteúdo de classe, político e ideológico, os projetos que ele favorece. A orquestração entre o judiciário, mídia e grupos organizados de direita e ultra direita confere um caráter abertamente anti operário, anti popular e anti esquerdista a esse movimento pelo impeachment.
A oposição de direita sente o momento como favorável e está na ofensiva (ou simplesmente aposta na desestabilização total do país e no quanto pior melhor). O movimento pelo impeachment e pela “despetização” do Estado de modo geral visa não apenas varrer a burocracia petista do controle do Estado, mas também varrer as poucas conquistas sociais que restam, intensificar a exploração e a opressão, dar espaço aos discursos de ódio, etc. O governo Dilma somente ressitiu ao longo de 2015 porque a grande burguesia estava dividida em relação à sua permanência. Uma parte da classe patronal vinha tendo paciência com o governo devido à falta de alternativa melhor do seu ponto de vista de classe, mas essa paciência está se esgotando e cada vez mais segmentos da burguesia abandonam essa posição. Entretanto, um substituto ideal ainda não foi gestado (como demonstra a rejeição de Alckmin e Aécio nas manifestações), e por isso a crise pode se arrastar por um certo período até uma definição. Ou mesmo, o PT recobrar forças para se manter no governo até 2018, como demonstrou o dia 18 de março.
Não vai ter golpe, já teve
Apesar desses elementos de crescimento da direita e ilegalidades, seguimos afirmando que não se trata de golpe e de ditadura, visto que não haverá mudança de regime. O regime político atual já é repressivo o suficiente, sem a necessidade de uma ditadura formal. A ditadura patronal e policial já come solta no país faz anos, antes e durante os governos do PT. Por isso toda a histeria petista contra o “golpe” não é uma defesa genuína da democracia no sentido real, das liberdades demcráticas para os trabalhadores, que já são reprimidos todos os dias. É puro desespero para permanecer nos seus cargos.
O regime democrático burguês, as instituições, o legislativo, o judiciário, as forças armadas, etc., não estão em crise, estão em pleno funcionamento. A falta de iniciativa do governo do PT e a sua condição de refém das exigências cada vez mais nefastas da burguesia (como o ajuste fiscal, a Lei Antiterrorismo, etc.) não significa que o conjunto do regime, para além do gerente de plantão, não tenha forças e condições de impor medidas contra os trabalhadores, a repressão, etc. Não será necessário um golpe, fundamentalmente, porque não há um inimigo a ser debelado pela força, não há mobilização dos trabalhadores, não há um projeto alternativo que precise ser derrotado.
Violar algumas leis não significa necessariamente um golpe ou uma ditadura. Caso se chegue ao ponto do impeachment, Dilma será removida, ao final, por um processo conduzido legalmente pelos poderes da República, o Legislativo e o Judiciário, sem o uso das Forças Armadas, sem quebra da institucionalidade. Não será necessário fechar o Congresso, suspender as garantias individuais, revogar a Constituição, instalar uma ditadura de fato, etc. O regime político seguirá sendo formalmente democrático. Será no máximo um golpe à paraguaia, como o que derrubou Fernando Lugo em 2012.
Se houve algum golpe, este já foi dado pelo PT, o estelionato eleitoral que fez imensas camadas da população acreditarem que teriam um governo que lhes seria favorável. No final das contas, esse governo seguiu sendo tão anti democrático e anti popular como qualquer governo burguês. Os instrumentos do Estado de direito não precisarão ser alterados para favorecer os interesses da burguesia, que não precisará de um AI 5. Os instrumentos repressivos do Estado já estavam sendo usados contra os trabalhadores durante o governo do PT e seguirão sendo. Evidentemente, o PT vai lutar desesperadamente de todas as formas contra essa manobra para lhe tirar o governo, e uma das formas é difundir uma histeria contra o “golpe”, como se impedir a prisão de Lula fosse uma questão de honra da “democracia”.
No momento em que o PT apela para que os trabalhadores o defendam, em nome da “democracia”, é importante perguntar: onde estavam o PT e a “democracia” para impedir que Rafael Braga fosse preso por portar produto de limpeza numa manifestação? Onde estavam o PT e a “democracia” para impedir as mortes de Amarildo, Cláudia e tantos outros milhares de trabalhadores e jovens pobres, pretos e periféricos vítimas do genocídio policial? Onde estavam o PT e a “democracia” para impedir o genocídio dos índios guaranis nas mãos dos jagunços do agronegócio? Onde estavam o PT e a “democracia” para impedir a desocupação do Pinheirinho em 2012? Onde estavam o PT e a “democracia” em todas as greves que foram traídas, sabotadas, desconstruídas, boicotadas, esvaziadas, impedidas sequer de começar, desde a histórica greve dos petroleiros de 1995 até a dos professores de São Paulo em 2015?
A resposta a todas essas perguntas é a mesma, o PT estava governando para a burguesia: destinando 45% da arrecadação federal para a dívida pública, ou seja, para o bolso de especuladores e assaltantes engravatados, visto que se trata de uma dívida fraudulenta. O PT estava destruindo a já precária proteção da legislação ambiental com o novo código florestal, permitindo que o agronegócio destrua livremente a fronteira agrícola e extermine indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses. O PT estava concedendo isenções fiscais para montadoras de automóveis. O PT estava fazendo acordos com empreiteiras. Enquanto os trabalhadores precisaram de organização, de projeto, de luta, o PT estava favorecendo a classe dominante, já por 4 mandatos presidenciais.
E sim, o PT estava chafurdando na corrupção. É preciso dizer sem medo que o PT se corrompeu, e não ceder à chantagem de que a “luta contra a corrupção é pauta da direita”. Essa desculpa foi muito conveniente, durante muitos anos, para uma “esquerda” que rouba. Essa “esquerda” que rouba não representa os trabalhadores, não é esquerda. Durante muitos anos, na sua época de organização classista e combativa, o próprio PT lutou contra a corrupção nos governos burgueses, como uma de suas pautas. Foi muito citada nos últimos dias a frase do próprio Lula em 1988, de que no Brasil, pobre que rouba vai preso e rico vira ministro...
O PT pode espernear o quanto quiser para ocultar o fato de que já se passou para o outro lado da trincheira de classe. E não tem mais volta. O próprio PT destruiu os seus vínculos orgânicos com a classe trabalhadora, ao aparelhar e burocratizar as organizações dos trabalhadores, como sindicatos e movimentos sociais. O PT os usou-os para bloquear as lutas, esterilizar os processos microscópicos de resistência em cada local de trabalho, em cada bairro, cada espaço de disputa ideológica. O PT precisa apelar para setores mais amplos do que a burocracia partidária para que o defendam, pessoas que não estão na militância organizada, mas que têm simpatia pelas causas históricas da esquerda, exibindo o epantalho do “golpe” da direita e da ditadura como ameaça, quando na verdade ele próprio exerce o governo numa “democracia” extremamente autoritária e hostil aos trabalhadores.
A comparação com 1964 é bastante ilutrativa. Onde estava Jango às vésperas do golpe? No comício da Central do Brasil, no Rio de janeiro, em 13 de março, assumindo a plataforma das Reformas de Base demandadas pela mobilização popular. Onde está Dilma em 2016, às vésperas do impeachment? Assinando a Lei Anti terrorismo, criminalizando os movimentos sociais. Essa comparação deveria encerrar a discussão em relação ao “golpe”.

Cenas dos próximos capítulos
Quando dissemos que o PT destruiu os vínculos orgânicos com a classe trabalhadora, a sua relação com a base dos trabalhadores por meio dos movimentos sociais organizados, sindicatos, etc., o menor dos problemas é o que isso representa para o próprio PT (o fato de que estejam nas diretorias e nas cúpulas dos movimentos sociais ainda confere recursos e poder de mobilização ao partido, como vimos no dia 18). O maior dos problemas é que a gestão do PT destruiu os vínculos de organização e identidade da classe em si mesma. Os trabalhadores não apenas não se identificam com a direção petista dos movimentos sociais, mas não se identificam com os próprios movimentos. Não rejeitam somente os petistas na direção dos sindicatos, rejeitam os próprios sindicatos.
As décadas de gestão do PT mudaram a forma como a grande massa dos trabalhadores enxergam os sindicatos, principalmente, e o restante dos movimentos sociais, em menor medida. Deixaram de ser vistos como organizações da classe, como organizações suas, espaços de resistência e construção coletiva. Passaram a ser vistos como trampolins para que os dirigentes petistas saiam candidatos ao parlamento e ao executivo. E uma vez eleitos, esses dirigentes vão fatalmente se corromper. É assim que os trabalhadores vêem os “sindicalistas”, como uma espécie de profissão. Os militantes da oposição de esquerda anti governista nos sindicatos ainda são chamados de “vocês do sindicato” pelos trabalhadores de base, como se fossem da mesma turma. Enfrentam a mesma rejeição que o PT, a mesma dificuldade para organizar os trabalhadores.
Os trabalhadores rejeitam os próprios instrumentos de organização por onde poderiam construir uma saída classista para a crise do país. Sem as organizações nos locais de trabalho, CIPAs, comissões de fábrica, representantes de base, grupos clandestinos de trabalhadores, com um caráter independente e combativo, para lutar contra a ditadura da patronal nos microcosmos da reprodução social, não será possível construir um movimento dos trabalhadores. Da mesma forma, esse movimento não será possível sem organizações do mesmo tipo que agrupem os trabalhadores a partir da base nos bairros, no campo, nos movimentos de mulheres, negros, LGBTs, juventude, estudantes, coletivos culturais, etc.
Ao que parece, conforme saem os números das manifestações do dia 18 e a repercussão positiva desta nos círculos de debate, um amplo setor de pessoas com simpatias de esquerda cedeu a mais essa enésima chantagem para defender o indefensável. Deram uma sobrevida ao PT como alternativa de esquerda. Entendemos isso como um erro grave, pois o PT não servirá como instrumento de luta contra os ataques que estão por vir. Será preciso construir outros instrumentos, outros coletivos, outros movimentos, outros fóruns. Quanto antes a esquerda se diferenciar do PT, melhor para a construção desses novos instrumentos.
Não será uma tarefa fácil. Os trabalhadores estão massivamente insatisfeitos com o governo do PT, em particular depois da traição do discurso da última campanha eleitoral e o subsequente aprofundamento da crise econômica, do ajuste fiscal, etc. Em alguns setores importantes há lutas e mobilizações, mas de forma atomizada e insuficiente para conter os ataques da patronal de modo geral e enfrentar a crise. Há ódio ao PT e em menor medida ao PSDB, e grande rejeição dos políticos em geral. Reina a desorganização, a falta de confiança nas entidades, sindicatos, associações, movimentos, partidos, por conta do exemplo desastroso da trajetória do PT e da CUT. A classe está dispersa, desprovida de organismos, identidade, ideologia e projeto.

Se não é nem impeachment nem defesa do governo, o que é?
A sensibilidade e a paixão “esquerdista” de milhares de pessoas foi capturada pelo projeto de defender o PT e foi perdida (ao menos temporariamente) para o projeto urgente de reconstruir uma referência de esquerda para o país. A esquerda anti governista desapareceu na irrelevância nos dias mais agudos da crise atual, desde o dia 4/03, data da condução coercitiva de Lula, até o retorno triunfal (do ponto de vista da burocracia) do apoio ao PT nas ruas no dia 18/03. Com sua incompetência e insignificância, a oposição de esquerda não foi capaz de organizar um ato, uma manifestação, uma declaração, um acontecimento sequer minimamente digno de nota durante todos esses dias. Está marcando um ato para o distante 1º de abril, dia da mentira. A esquerda anti governista se converte em piada pronta...
A situação é grave, ou mesmo dramática, do ponto de vista de um projeto dos trabalhadores. Não será resolvida por meio de uma palavra de ordem genial, como dissemos na parte 2. As táticas devem ser o ponto de chegada, e não o ponto de partida, e as palavras de ordem de um programa de reivindicações devem ser o resultado de um processo real de construção, que seja a síntese mais avançada do movimento em seu processo de relançamento. O que podemos alinhavar por enquanto são algumas orientações gerais para a reconstrução do movimento e de uma perspectiva dos trabalhadores:
- independência de classe: nem se somar ao atual movimento pelo impeachment, nem defesa do governo. Não ceder à tentação superestruturalista, imediatista, oportunista, de surfar em alguma dessas ondas, fazendo unidade com os inimigos de classe (que são a oposição burguesa e o PT), com base em miragens eleitorais ou acordos de cúpula. É preciso resgatar o sentido de identidade de classe, como fundamento para um movimento futuro que vise superar não apenas a crise atual, mas o próprio sistema capitalista, e isso só é possível sem depositar nenhuma confiança em agentes substitutos, sejam eles quais forem. A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores;
- unificação das lutas: todas as greves, lutas e mobilizações têm que ser apoiadas, divulgadas, amplificadas. É preciso que os trabalhadores reaprendam que a luta de cada setor da classe beneficia a todos, e que as lutas conjuntas têm muito mais chances de serem bem sucedidas. Para isso, é preciso unificar os calendários das campanhas salariais, as assembleias, os atos, os piquetes, etc., de forma a potencializar as forças no enfrentamento com a patronal e o Estado;
- unidade da esquerda: construir frentes, fóruns, blocos, espaços que agrupem as organizações e ativistas hoje dispersos, de forma que os participantes das lutas tenham um ambiente comum onde possa ser discutida a linha política e os rumos da luta. Realizar encontros, plenárias, congressos, a partir da base e dos setores em luta, convergindo para encontros nacionais, de forma orgânica e representativa do que houver de mobilização. Nenhum dos partidos ou centrais sindicais hoje existentes tem a capacidade de propiciar sozinhos esse ambiente. Temos que criar uma estrutura acima e superior a todos eles, que possa proporcionar a síntese necessária das lutas em curso e o seu programa real, nascido do solo da luta de classes (e a partir daí desenvolver as bandeiras e palavras de ordem). Esse agrupamento pode ter uma expressão eleitoral para projetar as lutas (e não o contrário, como hoje acontece, em que os partidos se servem da luta de classes para se projetar nas eleições) e uma expressão sindical que sirva como referência de organização (e não, como acontece hoje, chapas de oposição que só aparecem na época das eleições sindicais e campanhas salariais, sem funcionamento regular e vida orgânica) para os enfrentamentos gerais e imediatos. Para o grave momento atual, temos que contar com o maior número de partidos, organizações políticas, correntes sindicais, movimentos e coletivos de luta pela terra e por moradia, movimentos e coletivos de juventude, movimentos e coletivos de mulheres, negros e LGBTs, grupos culturais, intelectuais, ativistas individuais, etc. Todos têm que dar sua contribuição e construir democraticamente um movimento políticos dos trabalhadores;
- organização de base: retomar o trabalho de base que esteve presente na fundação do PT, com a formação de organizações por local de trabalho, de estudo e de moradia. Oposições sindicais, coletivos, associações, etc., todos os espaços e formas de organização possíveis têm que ser aproveitados para estabelecer o diálogo com os trabalhadores. Em geral a esquerda erra por colocar o carro na frente dos bois: começa querendo convencer os trabalhadores do seu partido ou central sindical (numa disputa acirrada e dispersiva com as demais correntes), antes que estejam devidamente convencidos e consolidados em uma frente de luta, um coletivo de base de qualquer natureza. Temos que percorrer o caminho inverso, atraindo os trabalhadores, discutindo suas demandas e questões imediatas, estabelecendo uma relação de confiança, para que seja possível elevar gradualmente sua consciência dessas demandas imediatas em direção às gerais;
- disputa ideológica: enfrentar o discurso da direita que tem ganho espaço na esteira da decomposição do PT, contrapondo a defesa da luta dos trabalhadores e dos setores oprimidos e denunciando as contradições do capitalismo e seus defensores, usando todos os meios de comunicação, desde panfletagens de massa até as redes sociais da internet. Temos que ter a consciência de que estamos num momento em que algo do porte do que foi o PT na sua origem tem que ser construído de novo, do zero. Não necessariamente um partido político eleitoral ou uma central sindical, mas um processo por meio do qual a classe possa se colocar como sujeito histórico. O problema fundamental é que toda a disputa em torno da permanência ou não do PT no governo concentra a discussão no controle do Estado. E enquanto se discute o Estado, não se discute o capital, a mais valia, a exploração, a lei do valor e o fetichismo que seguem governando nossas vidas diariamente. Precisamos construir um novo movimento político dos trabalhadores, e ao mesmo tempo precisamos construir uma nova consciência radicalmente anticapitalista.


19/03/2016

18.3.16

A luta de classes na era pós PT e as respostas da esquerda - parte 2/3




Na parte 1 analisamos as posições que tendem para uma defesa do PT e do governo Dilma. Agora, debatemos as posições que defendem a queda do governo (junto com a queda da oposição burguesa), mas com muitos problemas e limites.

Fora Dilma, Fora Todos!
Há um setor da esquerda que defende que o governo do PT deve mesmo cair, porém fazem questão de acrescentar que não são apenas contra Dilma, Lula e o PT, mas também contra Aécio, Cunha, Renan, o Congresso, etc. Defendem Fora Dilma e Fora Todos. O problema dessa posição é que ela não considera o fator mais elementar: quem vai derrubar quem, cara pálida? Existe algum movimento colocado no cenário que possa ir além da derrubada de Dilma e derrubar também todos os demais? Qual é o caráter de classe, a base social, a ideologia, as organizações que compõem o atual movimento pelo impeachment? Será que esse movimento tem alguma coisa a ver com a esquerda, a classe trabalhadora, as suas lutas, suas reivindicações e seu projeto histórico? Deixamos a resposta a essas indagações mais para o final.
Por enquanto basta dizer que, na nossa visão, o atual movimento para derrubar Dilma não vai derrubar “todos” (Aécio, Cunha, Renan, Congresso, etc.). O movimento pelo impeachment vai parar na queda de Dilma (adicionalmente, talvez se acrescente a prisão de Lula como cereja do bolo), pois como disse o jornalista Ricardo Noblat num ato falho de sincericídio, é preciso derrubar logo a presidente para que a Operação Lava Jato pare de prejudicar a classe política (https://twitter.com/BlogdoNoblat/status/708353342653788160?ref_src=twsrc%5Etfw). Ou seja, para que a corrupção possa voltar ao normal, sem ter que repassar a fatia do PT.
O movimento que está sendo orquestrado para derrubar Dilma e remover o PT da gestão do Estado (e do festim da corrupção) vai parar por aí mesmo, no PT, e não vai derrubar “todos”. Para que houvesse um “Fora Todos!”, teria que haver um outro movimento, um movimento dos trabalhadores. E é isso o que está ausente do cenário. Os trabalhadores não estão se mobilizando para derrubar o governo do PT, nem muito menos para derrubar também a oposição de direita (e também não estão se mobilizando para apoiar ou defender o governo, como vimos acima). Boa parte dos trabalhadores rejeitam o governo do PT, e uma parte pode chegar a ter a vaga esperança de que a saída de Dilma e a mudança de governo resolva os problemas. Mas daí até se mobilizar, seja pelo impeachment, seja pelo “Fora Todos!”, a distância é muito grande (mesmo porque a oposição de direita também é bastante rejeitada).
Se os trabalhadores não estão se mobilizando pelo impeachment (no máximo têm uma esperança vaga de melhoria), e por tudo o que dissemos desde o início, a conclusão óbvia é de que esse movimento está sendo construído com uma outra base social e ideologia, a da burguesia. O impeachment é uma posição que está ganhando peso na classe patronal, como possível saída para a crise política e econômica, depois de muita vacilação, idas e vindas, divisões e reacomodações do empresariado desde a eleição de 2014. Subjacente a esse movimento está aquilo a que nos referimos como a desforra ideológica da ultra direita contra todas as causas da esquerda. Defender o “Fora Todos!” no contexto do impeachment ou reconhecer o impeachment como se fosse uma espécie de primeira etapa do “Fora Todos!” (primeiro cai a Dilma e supostamente em seguida cairiam os demais) é desconhecer, desconsiderar, ignorar completamente a sua base social de classe e sua ideologia. Ou seja, é fazer unidade de ação com a burguesia.
Insistir que tem que derrubar Dilma junto com “todos” os outros e que sejam os trabalhadores que o façam só serve para realçar o vazio e a impossibilidade de que isso aconteça concretamente no curto prazo. Não são os trabalhadores que estão mobilizados para derrubar Dilma, nem para derrubar “todos” os demais, e nem para defender Dilma e o PT, simplesmente porque não estão mobilizados em nenhum grau. A participação dos trabalhadores no movimento pelo impeachment, nos atos convocados pela direita, é minoritária, incidental e fragmentada. Sem a presença massiva dos trabalhadores, suas reivindicações, organizações e métodos de luta, o caráter do movimento acaba sendo dado pelo direita e pela ultra direita.
Mesmo que as camadas médias que são maioria nos atos pelo impeachment não estejam em sua maioria cooptadas pelas ideias da ultra direita, nem defendam a ditadura militar, nem acreditem ou apoiem as lideranças da ultra direita (Bolsonaro, Feliciano, Malafaia), ainda assim o caráter dos atos é de direita, anti popular, anti operário. Seu discurso é contra a esquerda, contra os movimentos sociais, contra a luta dos trabalhadores, contra o socialismo, ainda que entenda tudo isso de modo difuso e fudamentalmente equivocado (dizendo “vai pra Cuba” aos petistas, como se o PT e Cuba tivessem alguma coisa a ver com comunismo). Os atos são construídos por partidos da oposição burguesa e ONGs neoliberais financiadas pelo imperialismo e convocadas pela mídia. Este movimento não está em disputa, e não pode ser apoiado. Pegar carona nesse movimento não vai servir para fazer avançar o projeto dos trabalhadores, porque é preciso que a classe esteja mobilizada com reivindicações, métodos e ideias próprias. Esse é o cerne da questão. Os trabalhadores não estão presentes no cenário político como classe, e sem isso qualquer proposta da esquerda não poderá se concretizar.

Eleições gerais
Uma versão mais atenuada do “Fora Dilma, Fora Todos!” é a que defende a convocação de eleições gerais como saída para o impasse político. O que está por trás dessa posição é a percepção de que o desgaste do governo pode favorecer as organizações de esquerda nas próximas eleições Algumas organizações têm a avaliação de que pode se repetir no Brasil o mesmo fenômeno de crescimento da votação da extrema esquerda eleitoral que vem ocorrendo em outros países, como Syriza na Grécia, Podemos na Espanha, Jeremy Corbin na liderança do Partido Trabalhista inglês e Bernie Sanders travando uma disputa honrosa pela indicação do Partido Democrata nos Estados Unidos (deixemos de lado temporariamente a avaliação do que significam esses fenômenos, pois exigiriam um texto para cada um). O correspondente desses fenômenos no Brasil seria, por exemplo, uma votação do PSOL ou talvez até mesmo do PSTU nas próximas eleições, que seja significativamente superior à sua irrisória média histórica.
Independente dessa avaliação estar correta ou não, de ser possível ou não uma votação expressiva dessas organizações nas eleições, o problema dessa posição é o seu imediatismo, quase oportunismo. É uma tentativa de colher algo de positivo do cenário de decomposição do PT, mesmo que seja simplesmente a eleição de alguns parlamentares. Os mini aparatos de esquerda salivam com a possibilidade de emplacar alguns de seus dirigentes e figuras públicas em mandatos periféricos, minoritários, numa correlação completamente desfavorável no geral, em que os projetos da direita tradicional teriam uma vitória esmagadora. A solução do problema para esses partidos, aquilo que vieram buscando por toda sua existência, uma maior projeção eleitoral, está longe de ser a solução dos problemas para a classe trabalhadora.
Concretamente, na luta de classes real, a eleição de alguns parlamentares ou mesmo prefeitos dos partidos de esquerda legalizados (PSOL, PSTU, PCB e PCO), não vai mudar muita coisa. Porque as eleições são um reflexo distorcido da luta de classes. No dia a dia da reprodução social, a capacidade de controle da burguesia e o grosso do aparato do Estado seguirá sendo usado contra os trabalhadores. Uma mudança real teria que vir de um processo massivo de mobilização e organização da classe trabalhadora. Essa deveria ser a prioridade de qualquer organização de esquerda. Nesse contexto, eleições gerais seriam um atalho que levaria a um beco sem saída, não um caminho para que as demandas dos trabalhadores possam ser atendidas.
De certa forma, defender eleições gerais, com o objetivo de que os partidos de esquerda tenham uma votação maior, equivale a reciclar a estratégia que levou ao fracasso do PT, a conquista de espaço no Estado. O PT trocou a luta de classes pela luta eleitoral e se tornou um partido burguês, cooptado pelo sistema. Querer repetir a ilusão de que as eleições podem melhorar a vida dos trabalhadores é repetir a história como farsa. O caminho a ser retomado vai na direção oposta, insistimos, a da mobilização e organização dos trabalhadores. A participação nas eleições tem que ser no máximo um instrumento secundário e subordinado.

Assembleia Constituinte
Uma outra versão da proposta de eleições gerais é a que defende uma Assembleia Constituinte como saída para a crise política. O problema dessa proposta é desconsiderar a correlação de forças políticas e ideológicas desfavorável aos trabalhadores que foi criada pelo naufrágio histórico do PT. Nessa atual correlação de forças, uma Assembleia Constituinte seria composta por representantes da direita mais raivosa e anti-popular. Alguns elementos progressistas que constam da atual Constituição de 1988, como por exemplo, a função social da propriedade, o salário mínimo, o SUS, entre outros, poderiam ser removidos. É claro que esses elementos só existem no papel, pois no dia a dia da reprodução social eles são atropelados pelo poder econômico do capital. Entretanto, eles ao menos constam no papel, e foram postos lá como resultado da correlação de forças da década de 1980, uma década de intensa mobilização e luta social.
É claro que a mobilização daquela época esteve longe de obter todas as conquistas que poderia, mas foi capaz de impor alguns elementos progressivos na Constituição. A luta para que sejam postos em prática efetivamente ainda pode servir como ponto de partida para mobilizações (como por exemplo, a proposta de auditoria cidadã da dívida, que foi prevista na Constituição, mas nunca aplicada). No cenário atual, pelo contrário, em que as legislações mais reacionárias estão sendo aprovadas pelo Congresso (Lei da terceirização, Lei Anti-terrorismo, etc.), as pautas da direita tem muito mais chance de serem incluídas: pena de morte, fim do direito de greve, etc.
Os defensores da Assembleia Constituinte fazem questão de dizer que defendem uma Constituinte apoiada na mobilização dos trabalhadores. Mas aí é que está a questão. Se há mobilização dos trabalhadores, é possível impor qualquer coisa: Constituinte, não pagamento da dívida, reestatização das empresas privatizadas, etc. O cardápio é vasto e cada um pode escolher a sua reivindicação preferida. O problema, pela enésima vez, não é escolher entre “Fora Dilma, Fora Todos!” ou “Assembleia Constituinte”, ou mesmo defesa contra o “golpe”, é como construir o processo de mobilização para tornar efetiva qualquer uma dessas saídas. E com isso temos a chave para passar ao próximo capítulo.

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O problema de todas essas posições, tanto as que defendem a permanência do governo quanto as que defendem a sua saída é observarem a política do ponto de vista da superestrutura, do poder político, do Estado e suas instituições, não do ponto de vista marxista, da política revolucionária, da luta de classes, da correlação de forças, dos projetos de classe e suas respectivas ideologias. Ao se concentrar na superestrutura, essas posições buscam soluções que não envolvem o trabalho de base e a construção de vínculos orgânicos, estruturas, organizações, projetos e ideologias próprios da classe trabalhadora. Sem ter feito a lição de casa, sem pegar no pesado, sem enfiar a mão na massa, sem meter o pé no barro, envolver-se no dia a dia da classe trabalhadora, fazendo pacientemente todo o percurso desde suas lutas mais moleculares até as questões mais gerais; sem ter feito nada disso as organizações que adotam essa metodologia superestrutural imaginam que podem mesmo assim se apropriar de movimentos criados por outras forças políticas e se tornar lideranças dos processos.
As organizações da esquerda brasielria imaginam que podem cair de pára quedas nos atos pelo impeachment ou pegar carona na defesa do governo e com isso passar direto para a liderança da classe trabalhadora. Dessa forma, a política revolucionária se reduz a simples política, deixa de ter uma base social de classe e passa a ser puro discurso. Passa a ser uma espécie de competição de táticas, um “concurso de palavras de ordem”: a organização que tiver a tática mais “revolucionária” vai liderar os trabalhadores e chegar ao poder. Trata-se então de um problema de “criatividade”. Quem for mais inventivo, mais competente no marketing, mais genial na comunicação, vai conseguir resolver a crise em favor dos trabalhadores. É como se o mérito do Partido Bolchevique na Revolução Russa fosse o de inventar a palavra de ordem de “Pão, paz e terra!”. Mais de quinze anos de mobilização e de organização entre os trabalhadores não tiveram nada a ver com o seu sucesso, foi tudo uma questão de criatividade nas palavras de ordem. Essa é a leitura histórica da esquerda brasileira, a se julgar pela sua atuação na crise atual.
Estamos fazendo uma caricatura propositalmente forçada para mostrar o quão gravemente está distorcida a teoria, a metodologia e a prática das organizações de esquerda no Brasil. A teoria inteira se baseia em uma frase de Trotsky: “a crise da humanidade é a crise da sua direção revolucionária”, arrancada do Programa de Transição de 1938. Como cada organização se considera ela própria “a direção revolucionária” dos trabalhadores brasileiros, basta fazer com que os trabalhadores reconheçam isso (inventando as palavras de ordem mais “revolucionárias”) para que esta organização os conduza ao poder. O fato elementar de que, para que haja uma direção revolucionária é preciso que haja antes um movimento revolucionário a ser dirigido não perturba os nossos bravos revolucionários. Se a realidade não se encaixa na sua “teoria”, dane-se a realidade!
O fato de que os trabalhadores, quando tomados em si, tais como existem imediatamente, não são revolucionários, mas reformistas quando muito, de que se preocupam apenas com as suas questões imediatas, de que raciocinam em termos de nação e de indivíduo, não de classe social, de que acreditam no que diz a televisão e a igreja para formar a sua visão de mundo, de que partilham de preconceitos e reproduzem a opressão entre suas diversas camadas, etc., também não é um problema, do ponto de vista da esquerda brasileira. A lição de que “a ideologia dominante numa determinada sociedade é a ideologia da classe dominante” também foi esquecida. Na sua santa ingenuidade (ou ignorância), essas organizações concebem os trabalhadores como se fossem por definição revolucionários, e só não sabem disso porque ainda não ouviram o partido. Vão saber quando aceitarem Jesus, digo, o partido, como seu salvador.
O que há de “trotskismo” nessa concepção é tema para um outro (e caudaloso) debate. Qualquer que seja a sua fonte, o nome que se pode dar a ela é de substituísmo, pois entende que alguma outra força social pode substituir os trabalhadores em suas tarefas. De um lado, há os que acham que é possível disputar o movimento do impeachment pela esquerda, um movimento que foi construído por partidos da oposição burguesa, pela mídia reacionária e por ONGs liberais financiadas pelo imperialismo. De outro, há os que acham possível disputar o governo do PT, ou defendê-lo, para que a partir daí os trabalhadores tomem a ofensiva. Nem uma coisa nem outra são possíveis, por mais geniais que sejam os que defendem uma ou outra posição na arte de criar palavras de ordem. Para que os trabalhadores se coloquem em cena no processo político é preciso que o façam como classe, como coletivo, de forma organizada, estruturada, a partir dos seus locais de trabalho, de estudo e de moradia. Não há como saltar essa etapa e partir direto para a ofensiva, pegando carona na rejeição ao governo (ou na defesa deste).
A etapa de reconstruir a organização da classe terá que ser cumprida, qualquer que seja o desfecho da atual crise política, a queda do governo via impeachment ou a sua permanência até o fim do mandato. Em qualquer um desses cenários, é preciso construir uma outra referência de projeto para os trabalhadores. É preciso preparar a classe para um cenário de enfrentamento direto com a patronal, sem a mediação da burocracia petista, após o seu apodrecimento e decomposição final.

17/03/2016



16.3.16

A luta de classes na era pós PT e as respostas da esquerda - parte 1/3


A crise política do país entrou em uma nova fase com a “coerção coercitiva” de Lula para depoimento em 04/03, e o subsequente pedido de sua prisão preventiva pelo MP de São Paulo (enriquecido no aspecto anedótico pela brilhante demonstração de analfabetismo e pedantismo dos procuradores). A burocracia petista encastelada no aparato dos movimentos sociais tentou organizar uma reação imediata, mas foi incapaz de reunir mais gente do que meramente o suficiente para encher a quadra do Sindicato dos Bancários, no centro do São Paulo, tornando patente a sua fraqueza. Mais importante do que isso, a continuidade da crise econômica e a incapacidade do governo Dilma de produzir respostas que agradem à burguesia fizeram com que voltasse a ganhar força o movimento pelo impeachment.
Atos contra o PT foram realizados em 13/03 e atos em defesa do governo estão marcados para os próximos dias. O roteiro para o impeachment não saiu exatamente como planejado, pois os dois possíveis beneficiários da manobra, Aécio e Alckmin, foram ambos pateticamente expulsos da manifestação que eles mesmos convocaram. A burguesia terá que dar um tempo, reavaliar suas táticas ou talvez até mesmo partir para um plano B na tentativa de construir um substituto ao PT. Além disso, o governo reagiu com a ida de Lula para o Ministério da Casa Civil (da mãe Joana – piada pronta), na tentativa de reconstruir as mediações com o PMDB e evitar tanto o impeachment como a sua própria prisão. Ou seja, a crise está longe de uma solução imediata (o próprio processo de impeachment, ao ser instalado, demora no mínimo 6 meses). Temos que aguardar também os atos governistas para avaliar a quantas anda a capacidade de mobilização do PT (suspeitamos que seja muito baixa, conforme discutiremos mais adiante).
Enquanto essa conjuntura permanece indefinida, uma coisa é certa, a esquerda anti-governista precisa urgentemente se repensar se deseja se colocar como um ator relevante na disputa. O presente texto é uma contribuição que visa problematizar a atuação da esquerda, no intuito de ajudar a superar erros recorrentes. Agrupamos as respostas das organizações de esquerda para a crise política em alguns argumentos básicos ou eixos de discurso. Debatemos os principais desses argumentos, mas sem dar nomes aos bois, para não complicar demais a discussão (se a carapuça servir, estamos abertos a seguir debatendo com os defensores desses argumentos). Tentamos aqui discutir as ideias e não seus formuladores, para que nenhum se diga acusado injustamente ou que teve as suas posições distorcidas.
Começamos nesta parte 1 pelas posições que entendem que é necessário defender o governo ou no mínimo se concentrar na luta contra a oposição burguesa, depois passamos na parte 2, a ser publicada amanhã, para as posições que são contra o governo (e também contra a oposição burguesa, obviamente), para destacar os seus equívocos, limites e insuficiências. Ao final, na parte 3 (que sai depois de amanhã), a partir desse inventário e das características e problemas comuns dessas posições da esquerda, tentamos esboçar os elementos de uma resposta para a crise política, do ponto de vista dos trabalhadores.

“Impeachment é golpe!”
Um dos discursos em voga é de que a ofensiva da burguesia contra Dilma, Lula e o PT configura um golpe, comparável ao golpe de 1964, que estabeleceu a ditadura militar até 1985. Esse discurso não se sustenta por conta da diferença entre os contextos de 1964 e 2016. Em 1964 vivíamos um conflito entre dois projetos de país, os quais polarizavam as classes sociais e mobilizavam intensamente a sociedade. De um lado, tínhamos o projeto nacionalista burguês de Jango (apoiado de maneira seguidista e sem estratégia independente pela principal direção do movimento dos trabalhadores na época, o PCB) e a fração mais pró-imperialista da burguesia nacional. Esse conflito se resolveu com a vitória do setor pró-imperialista, pela força das armas, implantando uma brutal repressão sobre os trabalhadores, um governo autoritário, corrupto, entreguista, etc., que deixou sequelas das quais não nos recuperamos até hoje.
Em 2016, não há diferença essencial de projeto entre o governo do PT e a oposição burguesa, no mesmo nível da diferença que havia entre Jango e a oposição da época. Não há nem de longe o mesmo nível de polarização de classe. Não há por trás do PT de 2016 o mesmo grau de mobilização e organização da classe trabalhadora que havia na época de Jango. A divergência da burguesia em relação ao PT não se encontra no nível de uma diferença de classe, de projeto de sociedade, mas se situa no nível gerencial, administrativo. O que a burguesia questiona é a capacidade do PT como gestor do Estado em cumprir a sua função, garantir os lucros do capital que opera no Brasil. Estando desabilitado para essa função (que cumpriu a contento durante um bom período), o PT será descartado, qualquer que seja o procedimento, o impeachment ou a eleição de 2018.
O descarte do PT não significa necessariamente uma escalada autoritária, uma ruptura institucional, uma ditadura, mesmo porque ela é dispensável. Os elementos autoritários necessários para que o Estado siga reprimindo os trabalhadores em favor do capital já são manejados pelo próprio PT, que inclusive os aperfeiçoou (criando por exemplo a Força Nacional de Segurança e a Lei Anti-terrorismo). Os 13 anos de governo do PT presenciaram a continuidade do genocídio da juventude negra na periferia, do genocídio de indígenas, camponeses, quilombolas, etc., da repressão de greves, ocupações e manifestações, da perseguição de ativistas e militantes, da violência policial, agressões contra mulheres e LGBTs, violações de direitos humanos, etc.
Quando não foi o agente direto da violência estatal, o PT foi conivente e omisso, deixando que a máquina do Estado (em que ocupa nada menos que a presidência) fosse livremente usada para esmagar os explorados e oprimidos. O peso da presidência, ministérios, governos estaduais e municipais, parlamentares, etc., jamais foi usado pelo PT para sustar o massacre dos trabalhadores, porque tal massacre é necessário para o andamento dos negócios da burguesia, para quem o PT governa. Nunca foi movida uma palha pelo PT, em nenhuma instância, contra a violência patronal em todas as esferas. Leis desfavoráveis aos trabalhadores foram editadas com a aprovação do PT ou sem sua resistência. O judiciário seguiu criminalizando greves e movimentos sociais. Essa “democracia” não será em nada afetada pelo afastamento do PT.
Evidentemente, a remoção do PT do governo servirá como uma espécie de desforra de todos os setores reacionários e vai reforçar os discursos de ódio da ultra direita contra os movimentos sociais, os direitos trabalhistas, os direitos humanos, as mulheres, os negros, os LGBTs, etc. Mas o cenário em que um tal crescimento ideológico da direita é possível foi construído pelo próprio PT com sua política neoliberal e adicionalmente, no nível ideológico, ao abrir mão de qualquer tipo de discurso de projeto de sociedade (mesmo que fosse de fachada, como o bolivarianismo), que apresentasse algum horizonte, alguma meta pela qual se lutar. O discurso reforçado pelo PT foi o da meritocracia (através justamente do exemplo de Lula, que é o migrante nordestino pobre que “chegou lá” e virou presidente), das soluções individuais, do consumismo. Quando as bases materiais desse discurso (a efêmera prosperidade da era Lula) se dissolvem em meio às crises econômicas, o que resta é o vazio ideológico em que grassam as ideias de direita.
Em resumo, não se trata de golpe, porque não há diferença de projeto (entre o PT e demais partidos) e não há mobilização popular a ser esmagada. E não se trata de ditadura, porque os instrumentos autoritários já estão sendo largamente usados contra a população mesmo durante a “democracia” pilotada pelo PT. Não será denunciando o “golpe” e defendendo o PT que se vai enfrentar a ofensiva política e ideológica da direita, mas reconstruindo a identidade da esquerda e um projeto dos trabalhadores.

“Rouba mas faz”
Na esteira da luta contra o “golpe”, uma das variedades do discurso (semi-governista, se é que podemos chamar assim) que prolifera nos debates é a da exigência de imparcialidade, no sentido de que o tratamento dado ao PT deve ser dado também ao PSDB e demais partidos. Se é para punir os corruptos, que se punam os do PT, mas também os do PSDB.
Esse discurso brada indignado com o tratamento desigual do PT pela mídia. Demonstra que a linha editorial dos veículos da imprensa burguesa é seletiva, dando grande espaço para as denúncias contra o PT e abafando as que envolvem o PSDB. Denuncia a mídia por investigar o pedalinho de Lula no Guarujá e esquecer o helicóptero com meia tonelada de cocaína dos aliados de Aécio em Minas. Da mesma forma, exigem que o judiciário tome as medidas cabíveis contra os corruptos do PSDB. Se a delação do Delcídio serve para incriminar Lula, porque não serve para incriminar Aécio? Indignados, os paladinos da imparcialidade descobrem que a mídia burguesa é parcial, defende interesses de classe, destila ódio aos trabalhadores, explorados e oprimidos, etc., ou seja, que é burguesa. E descobrem que o judiciário é igualmente um órgão do Estado burguês, que pune somente as classes sociais subalternas e absolve os integrantes de sua própria classe de qualquer delito.
Em relação a essa exigência de imparcialidade, temos duas possibilidades: se os seus portadores estão descobrindo agora que a mídia e o judiciário defendem os interesses de classe da burguesia, são muito ingênuos, mas muito mesmo. Se já sabiam, então porque aceitaram a opção pela convivência e mesmo a aliança do PT com esses mesmos setores durante anos e mais anos? Como destacamos no texto anterior, somente a Globo recebeu R$ 5,8 bilhões em publicidade do governo federal entre 2000 e 2012. O próprio PT financiou a Globo durante pelo menos 10 anos! O PT já tinha feito a opção de governar com essa classe social e para ela. Para enfrentar a Globo, o PT teria que ter feito a opção oposta, de governar com a mobilização dos trabalhadores. Era essa opção que já estava descartada desde o começo.
O problema que os defensores da imparcialidade enfrentam não está na mídia e no judiciário, que são o que são, está no PT, que finge ser o que não é. O PT finge ser um defensor dos explorados e oprimidos, mas não é. Está sendo punido e perseguido pela burguesia pelo que finge ser, e está impossibilitado de se defender pelo que de fato é. Por não ser mais uma organização dos trabalhadores, o PT é incapaz de apelar para que estes o defendam, como veremos a seguir. Ao ser incapaz de apelar para uma base social de classe, o PT se nivela aos demais partidos burgueses. É um partido burguês, composto por burocratas, que vivem da corrupção, de mandatos eleitorais, aparatos nos sindicatos, movimentos sociais, ONGs, academia, diretorias de estatais, fundos de pensão das estatais, etc., com um programa burguês que visa garantir os lucros do capital que opera no Brasil.
E se o PT é um partido burguês, não uma organização de trabalhadores, o último refúgio para os defensores da exigência de imparcialidade, na sua incoerência e vazio, é a aplicação da “imparcialidade ao contrário”. Explicando: de um lado, a mídia e o judiciário não reconhecem que os demais partidos são criminosos, só o PT; de outro lado, os defensores do PT reconhecem que o partido também é corrupto, mas acham que ele é melhor que os demais, ou menos pior. A defesa do PT não é mais por ser um partido dos trabalhadores, uma organização classista e de luta, mas por ser, entre os partidos (burgueses) existentes, o menos pior. É aquele que supostamente mais trouxe “melhorias” aos trabalhadores (não importa se são melhorias cosméticas e efêmeras e não estruturais). O que importa é que o PT é um partido que rouba, mas faz. O último refúgio dos defensores do PT é o malufismo.

Defesa do PT contra a direita
Ainda que reconheçam muitos dos defeitos do governo do PT, a política neoliberal, a subordinação ao imperialismo, o caráter meramente cosmético das políticas sociais, a ausência de mudanças estruturais, a corrupção, etc., muitos argumentam que ainda assim é preciso defender o PT e o governo contra a ofensiva da oposição de direita, porque é “menos pior” do que o PSDB e todo o ideário reacionário que com ele pegou carona.
O problema é que o governo do PT, por seus próprios deméritos, é indefensável. A rejeição de Dilma e do PT é gigantesca entre os trabalhadores, e com muita razão. A miragem consumista dos anos Lula já ficou para trás há muito tempo e o que sobrou foram as dívidas, os carnês dos automóveis, as prestações do Minha Casa Minha Vida, os juros no cartão de crédito e no cheque especial. A sensação de prosperidade e ascensão social foi substituída pela amargura do desemprego, da precarização, do arrocho salarial, do endividamento, da inflação, da intensificação do trabalho, da deterioração dos serviços públicos, hospitais, escolas, transportes, etc. É o governo do PT que está aplicando os cortes nos gastos sociais para seguir pagando a dívida pública (por volta de 45% da arrecadação federal sendo jogado no ralo anualmente, em prol de uma dívida fraudulenta), atacando os direitos sociais e trabalhistas, reprimindo as lutas, etc. No caso da juventude, boa parte daqueles que não trabalham nem estudam (geração “nem nem”) cresceu já sob os governos do PT, não tem qualquer memória do partido quando era um instrumento de luta classista e o enxerga como algoz dos seus sonhos e seu futuro.
Os trabalhadores não se mobilizam sem uma perspectiva concreta, sem um projeto em que apostem. Se alguém tentasse mobilizar os trabalhadores para defender o PT e o governo, de alguma forma teria que contemplar na pauta as suas reivindicações imediatas: aumentos salariais, garantia de emprego, condições de trabalho, serviços públicos de qualidade, etc. Mas essas reivindicações são impossíveis de serem atendidas pelos governos petistas. Não há qualquer possibilidade de um “giro à esquerda” do governo, uma promessa que é reiteradamente repetida e descumprida com a mesma assiduidade pelo menos desde 2005, quando explodiu o escândalo do mensalão, ou a cada eleição, como em 2014, quando foi renovada na campanha para reeleição de Dilma apenas para ser traída e desmentida com uma velocidade impressionante, antes mesmo da posse, devido aos compromissos do partido com o capital.

Mobilização dos trabalhadores?
Além disso, os aparatos dos movimentos sociais fiéis ao PT estão tão burocratizados e aferrados à conciliação de classe que já não inspiram mais qualquer confiança na base dos setores sociais que representam. No movimento sindical, por exemplo, os sindicatos dirigidos pela CUT e demais correntes governistas, burocráticas e pelegas, estão tão distantes do dia a dia das categorias, estão tão acostumados a trair as greves e as lutas, a fazer acordos lesivos aos trabalhadores que representam, a sabotar a democracia interna, tratorar assembleias, desconsiderar a organização nos locais de trabalho, etc., que estão odiados e desacreditados.
No papel, a CUT reúne mais de 3000 entidades sindicais filiadas, que representam mais de 20 milhões de trabalhadores. Entretanto, essa representação é apenas jurídica, no sentido de que os trabalhadores só podem fazer greves e assinar acordos por meio dos sindicatos. Mas no sentido real de representação, como liderança política e ideológica, já faz muitos anos que o PT deixou de ser referência para os trabalhadores. Há décadas os sindicatos filiados não organizam os locais de trabalho para lutar por questões cotidianas, não enfrentam as demissões no setor privado, a ditadura patronal nos locais de trabalho, o assédio moral, o adoecimento, os acidentes de trabalho, etc.; não realizam reuniões, plenárias e assembleias sistematicamente, não realizam campanhas políticas, assinam acordos rebaixados, mantêm dirigentes burocratizados, afastados dos locais de trabalho, etc.
As lutas e greves que ainda acontecem em categorias com maior tradição de organização, como funcionários públicos, bancários, professores, petroleiros, correios, metalúrgicos; acontecem contra e apesar dos sindicatos, passando por cima deles, não por causa deles. No caso de funcionários do BB, CEF, Correios e Petrobrás, em que o PT exerce a função de patrão, a sua gestão foi idêntica a de uma empresa privada (com exceção das demissões em massa). O PT implantou nessas empresas a sobrecarga de serviços, a cobrança de metas massacrantes, o assédio moral sistemático, causou o adoecimento físico e psicológico, trouxe o arrocho salarial, o sucateamento dos planos de previdência e saúde, as terceirizações, privatização de setores inteiros, etc. Quando os trabalhadores desses setores tentaram lutar, foram impedidos pelo PT na função de direção sindical, por meio das manobras mais rasteiras. A ponto de que a maioria dos trabalhadores hoje odeia o seu sindicato (e não apenas as diretorias, o que é muito grave), e é mais fácil mobilizá-los contra o PT (inclusive com o discurso da direita, o que é trágico) do que tem sido para as greves e lutas.
No que se refere ao distanciamento, o mesmo vale em alguma medida para os movimentos de sem terra e outros movimentos sociais específicos. Em todos eles a combatividade, a ação direta, a organização de base, a democracia interna, etc., foi substituída pela ditadura dos aparatos e burocratas petistas. Tudo isso faz com que o PT seja incapaz de mobilizar de fato em defesa do governo. Caso os burocratas petistas iniciem algum processo de convocação na base dos trabalhadores, e caso os trabalhadores comecem a comparecer em massa, os “dirigentes” correm o risco de serem atropelados por reivindicações próprias da classe, o que não interessa ao partido no momento. Por isso, as manifestações em defesa do governo terão que ser limitadas aos próprios burocratas e setores mais próximos. Claro que também haverá aqueles que sinceramente acreditam que é preciso defender o governo. Mas ambos estão longe de serem suficientes, ou representativos do que pensa a classe trabalhadora neste momento.

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Ao rejeitarmos as posições de defesa do PT, não se trata de desconhecer o perigo do crescimento da direita e da ultra-direita, nem de desconhecer o que representa o projeto do PSDB em termos de ataque aos trabalhadores, nem de uma exigência abstrata e ultra-esquerdista de que o PT se regenere imediatamente de todos os seus erros e se encaminhe para o “socialismo”, etc. Trata-se do fato objetivo de que o PT, para todos os efeitos, acabou, e a esquerda tem que aprender a viver sem ele.
Se o governo do PT for derrubado por um impeachment, e vier um governo PSDB/PMDB, não será o PT, a CUT e demais movimentos sociais sob seu controle que vão servir de defesa contra os ataques da burguesia, por todo o descrédito acumulado, pela incapacidade de mobilização, etc. Os mesmos dirigentes que durante décadas desconstruíram, sabotaram, traíram as lutas, não vão se tornar combativos da noite para o dia. Se tentarem, não serão seguidos pela base, pois os trabalhadores não são idiotas. As lutas que houverem não serão lideradas pelo PT, terão que ser conduzidas pela esquerda anti-governista que restar (se ela tiver competência para isso) e por uma nova geração de ativistas. Se o PT permanecer no governo, não será graças à mobilização dos trabalhadores, mas aos acordos (essa é a função da ida de Lula para o ministério) para que o PT aplique ele mesmo os ataques que a burguesia exige, essa seria a única condição para que Dilma termine o mandato.
De uma forma ou de outra, o PT não pode continuar sendo a referência. Quanto mais tempo os setores da esquerda organizada e simpatizantes permanecerem na defesa do PT, mais vão perpetuar a ilusão de que esse partido tem alguma relação com a esquerda. Quando mais tempo durar essa ilusão, mais tempo terá sido perdido na tarefa urgente de reconstruir a esquerda. Não podemos passar mais tempo sendo confundidos com o PT.
Para os trabalhadores, o PT é sinônimo de corrupção, neoliberalismo, ajuste fiscal, superávit primário, recessão, crise econômica, desemprego, inflação, hospitais e escolas sucateados, repressão, sindicalistas pelegos, etc. E os trabalhadores tem razão, o PT é tudo isso mesmo. A esquerda precisa se desvencilhar desse legado pavoroso e recomeçar sua caminhada com uma nova identidade. O primeiro passo para isso é abandonar a canoa furada do PT, arregaçar as mangas e ir à luta junto à base da classe trabalhadora e em todas as frentes.

16/03/2016


6.3.16

Os estertores da demagogia petista


OS ESTERTORES DA DEMAGOGIA PETISTA
Por novos métodos, e por mais ação para os trabalhadorxs!

Karen Carvalho
Daniel M. Delfino

Precisamos De Você.
Bertolt Brecht

Aprende - lê nos olhos,
lê nos olhos - aprende
a ler jornais, aprende:
a verdade pensa
com tua cabeça.

Faça perguntas sem medo
não te convenças sozinho
mas vejas com teus olhos.
Se não descobriu por si
na verdade não descobriu.

Confere tudo ponto
por ponto - afinal
você faz parte de tudo,
também vai no barco,
"aí pagar o pato, vai
pegar no leme um dia.

Aponte o dedo, pergunta
que é isso? Como foi
parar aí? Por que?
Você faz parte de tudo.

Aprende, não perde nada
das discussões, do silêncio.
Esteja sempre aprendendo
por nós e por você.

Você não será ouvinte
diante da discussão,
não será cogumelo
de sombras e bastidores,
não será cenário
para nossa ação


O espetáculo da “condução coercitiva” de Lula, na manhã da sexta-feira dia 4, orquestrado pela fração do judiciário que milita para o PSDB, em conluio com a TV Globo e outros abutres midiáticos, reacendeu o debate sobre a ameaça de “golpe” no Brasil e a necessidade de defender a “democracia” contra o perigo da “direita”. Uma ampla camada de simpatizantes da esquerda atendeu ao chamado e está se posicionando sinceramente contra a perseguição a Lula (e não apenas os burocratas da CUT, MST e outros movimentos sociais cooptados, que o fazem por profissão). Os atos marcados para o dia 13/03 e datas próximas, contra e a favor de Lula e do PT, devem atrair mais gente do que as mini-festações melancólicas do final de 2015 realizadas por conta do impeachment de Dilma. Todos sabem que o governo Dilma está morto e enterrado, incapaz de qualquer iniciativa própria, e a verdadeira ameaça para os adversários do PT é a possível volta de Lula em 2018.
Enquanto o requentado Fla-Flu partidário de PT x PSDB mais uma vez toma conta das redes sociais, perdemos desgraçadamente mais uma oportunidade de discutir a fundo os rumos da esquerda brasileira. Toda a discussão suscitada pelos acontecimentos em torno de Lula é uma perda de tempo, uma vez que o “golpe” já foi dado há muito tempo, pelo menos desde 2002, quando o PT foi eleito para governar para os capitalistas, mas os trabalhadores acreditaram que o o governo lhes seria favorável; a “democracia” está sendo solapada diariamente pelo próprio PT na forma da violência policial, da Lei Anti-terrorismo, da repressão aos movimentos sociais, da perseguição a ativistas e militantes, do genocídio indígena, etc., que mostram o quanto essa democracia favorece apenas uma classe social (e deve ser chamada pelo nome: democracia burguesa); e tudo isso só faz reafirmar que a “direita” é o próprio PT, já que a opção pela gestão do capitalismo não pode significar outra coisa além da continuidade da exploração e da opressão.
Por mais que tudo isso seja muito evidente, existe um setor de simpatizantes da esquerda que fecha os olhos para esses aspectos da realidade e insiste honestamente na necessidade de defender Lula, Dilma e o PT (e é com estes que precisamos dialogar, não com os burocratas que o fazem por profissão). Esse debate seria muito fácil, porém, se se tratasse apenas de mera cegueira ou fanatismo dos devotos incondicionais de Lula. Infelizmente nada é tão simples, e as ameaças que pairam por trás da ofensiva contra o PT são bastante reais. O ponto onde discordamos de todos esses companheiros é que os perigos que existem por trás da ofensiva contra o PT, por mais que sejam reais e se voltem contra os trabalhadores, não são justificativa para defender Lula e Dilma nem muito menos para apoiar o PT. Ao contrário, os dirigentes petistas são os responsáveis pelo crescimento dessas ameaças. Estão sendo atacados pela serpente que eles mesmos agasalharam no peito.

Para não sermos derrotados mesmo quando vencemos
A tragédia e o dilema da esquerda é que, entra governo, sai governo, com crise, sem crise, ela ainda não conseguiu se desvencilhar da seguinte armadilha: uma derrota do PT para a direita tradicional continua aparecendo como se fosse uma derrota da própria esquerda e dos trabalhadores, mas paradoxalmente, uma vitória do PT não é de forma alguma uma vitória da esquerda e dos trabalhadores.
Uma derrota do PT hoje para a direita tradicional fortalece as ideias e projetos conservadores: aprofundamento do ajuste fiscal, privatizações, cortes nos gastos sociais, retirada de direitos, demissões, repressão às lutas, retrocesso nos direitos humanos, genocídio da juventude negra na periferia, genocídio indígena, ideologia policialesca (“bandido bom é bandido morto”), tratamento das questões sociais como caso de polícia, acusação de “vitimismo” para descaracterizar as reivindicações de mulheres, negros e LGBTs (e com isso permitir que tenha livre curso a violência e a opressão contra esses setores), uso de ideologias religiosas como justificativa para reforçar a opressão e barrar avanços na liberalização de costumes (proibição do aborto, das drogas, etc.), defesa da ditadura militar, etc. Os atuais adversários do PT, que estão festejando o espetáculo da “condução coercitiva” de Lula, defendem exatamente essas ideias e projetos.
Uma vitória do PT, por outro lado, fortalece as seguintes ideias e projetos: aprofundamento do ajuste fiscal, privatizações, cortes nos gastos sociais, retirada de direitos, demissões, repressão às lutas, retrocesso nos direitos humanos, genocídio da juventude negra na periferia, genocídio indígena, ideologia policialesca (“bandido bom é bandido morto”), tratamento das questões sociais como caso de polícia, acusação de “vitimismo” para descaracterizar as reivindicações de mulheres, negros e LGBTs (e com isso permitir que tenha livre curso a violência e a opressão contra esses setores), uso de ideologias religiosas como justificativa para reforçar a opressão e barrar avanços na liberalização de costumes (proibição do aborto, das drogas, etc.), defesa da ditadura militar, etc. Esse é exatamente o legado ideológico do PT no governo e do PT como referência da classe trabalhadora brasileira desde o fim da ditadura.
O leitor não está lendo errado, as conseqüências da vitória ou da derrota do PT são as mesmas. A responsabilidade pelo avanço de ideias e projetos conservadores nos últimos anos é do próprio PT. A opção de governar para a classe dominante foi feita pelo PT e as conseqüências não poderiam ser diferentes. Um governo que acomodou Henrique Meirelles, Sarney, Collor, Renan, Maluf, Cassab, Kátia Abreu, Joaquim Levy, etc., não poderia resultar em outra coisa. A ilusão de que o capitalismo periférico brasileiro poderia proporcionar bem estar para todas as classes sociais, indefinidamente, sem qualquer alteração profunda na relação de subordinação ao imperialismo e na estrutura interna autoritária da sociedade e do Estado brasileiro, desabou como um castelo de cartas com a sucessão das crises econômicas.

A suposta extinção da desigualdade social e o retrocesso ideológico
Melhorias pontuais em favor dos trabalhadores também existiram na época do governo Sarney e seu plano cruzado, na época de FHC e seu plano real, ou mesmo na época da ditadura e do “milagre brasileiro”. Melhorias pontuais e temporárias são parte da história do capitalismo e seus ciclos de crise e crescimento. O critério para apoiar um projeto político não podem ser a supostas melhorias sociais que o PT trouxe, mas as mudanças estruturais. E essas não existiram! Os milhões de trabalhadores que “saíram da miséria” nos governos petistas já estão voltando, já que não se tratava de um movimento permenente de mudança da hierarquia do capitalismo mundial em favor do Brasil e sua população e sim de um momento conjuntural favorável de crescimento das economias que recebiam exportações brasileiras. Esse momento já se esgotou e a margem de manobra do PT foi embora com ele. Sem “melhorias” a oferecer, o que fica é o discurso da meritocracia, o ressentimento pela perda da “prosperidade”, o ódio e a desconfiança contra as classes sociais subalternas.
O resultado final do projeto petista de poder, portanto não poderia ser mais desastroso. Os movimentos sociais foram burocratizados e cooptados pelo Estado. As parcelas mais pauperizadas da classe trabalhadora estão entregues ao completo abandono, sem qualquer perspectiva de organização além das facções do crime organizado que grassam na periferia, tanto as que usam as armas como as que usam a Bíblia como ferramenta de trabalho. As camadas médias estão ressentidas com a perda do seu status sócio-econômico por conta da crise, e põem a culpa no governo do PT e nas esmolas distribuídas aos mais pobres. Quem se beneficia desse ressentimento é a elite quatrocentona, cujo discurso associa facilmente as esmolas dos programas sociais com “vitimismo”, oportunismo dos “vagabundos”, corrupção, crime e PT, manipulando essas camadas médias toscamente ignorantes e criando assim o clima político propício e a força necessária para esmagar o PT e de quebra jogar pela janela as poucas conquistas sociais que restarem (o verdadeiro alvo do ataque).
O PT fez os trabalhadores acreditarem que a cidadania poderia ser comprada com cartão de crédito. Quando a orgia consumista se esgota na ressaca do endividamento, vem à tona a impossibilidade de combater a desigualdade social no interior do capitalismo. A crise dissipa as ilusões de ascensão social e expõe a ausência de projeto de sociedade, que o PT não soube ou não quis construir. O discurso do PT no governo não ia além do reforço ao individualismo, à meritocracia, ao consumismo. Na ausência de um projeto de sociedade, sobram os projetos pessoais estilhaçados pelos vai vens da conjuntura econômica, buscando desesperadamente uma tábua de salvação nos mais diversos subprodutos ideológicos da bancarrota capitalista. Uma periferia desesperada, sem acreditar que lhe puxaram o tapete da ascensão social, e as camadas médias assustadas com os rolezinhos dos pobres no shopping center, ambos convergem para o anseio por soluções místicas e autoritárias: só Jesus e a Rota salvam!
A direita tradicional prontamente se apresenta para oferecer as soluções autoritárias contra o “caos social”. O discurso contra o crime, contra a desordem, contra a baderna, passa a encontrar ampla audiência. Da mesma forma, o discurso religioso fundamentalista e moralista, de controle dos corpos, policiamento dos costumes, cerceamento do prazer, também soa atraente. Habilidosamente, os ideólogos da direita fazem desaparecer a diferença entre um protesto social contra a miséria (um bloqueio de avenida) e as ações individuais provocadas pela miséria (a escalada do crime), de modo que a única solução para a baderna generalizada passe a ser o recrudescimento da violência policial. Os trabalhadores, manipulados pelo medo, pela ignorância e pela falta de projeto e de alternativa, são levados a endossar discursos e projetos políticos que se voltam contra sua própria classe.

Defender o quê, cara pálida?
Não deixa de ser irônico que o encarceramento por corrupção seja o tratamento final dispensado pela elite brasileira aos seus mais aplicados serviçais. Nunca ela lucrou tanto como nos governos do PT. Que o digam o agronegócio, as empreiteiras, os bancos e até a mídia “golpista” (de 2000 a 2012, o que significa uma década de PT, o governo federal despejou R$ 5,8 bilhões em verbas de publicidade apenas na Globo, de um total de R$ 10,7 bilhões – dados da Secretaria de Comunicação da Presidência). Mas isso não significa que essa classe social tenha alguma lealdade ao PT. Assim que deixarem de ser eficientes na gestão do capitalismo, os “companheiros” serão descartados. Agora que está sendo chutado, o PT pateticamente se queixa da ingratidão da classe dominante, e quer apelar para que os trabalhadores o defendam. Depois de estar 13 anos no governo, executando o projeto da burguesia, o PT quer nos fazer acreditar que a esquerda precisa defendê-lo. O PT chama o MST e o MTST para defendê-lo, depois de favorecer o agronegócio e as empreiteiras, negando qualquer possibilidade de avanço na reforma agrária e urbana. A base dos movimentos sociais é usada como bucha de canhão para defender os mandatos dos burocratas petistas.
É essa então a armadilha em que estamos e que temos que recusar. Defender a continuidade do PT como referência para os trabalhadores significa defender a continuidade desse mesmo projeto fracassado. O fracasso do PT ainda aparece como uma derrota da esquerda e dos trabalhadores, enquanto que a sua vitória concretamente não é a nossa vitória, dissemos acima. A explicação para esse paradoxo é que a esquerda não conseguiu construir nenhum outro projeto alternativo, independente e oposto ao PT. A derrota do PT ainda aparece como derrota da esquerda, porque a esquerda tragicamente ainda não conseguiu construir uma outra identidade separada do PT.

O projeto petista e o real significado de luta dos trabalhadores
Evidentemente, não é fácil nem rápido construir um outro projeto semelhante ao que foi o próprio PT na origem. O PT surgiu da covergência de uma série de lutas sociais que vinham sendo travadas desde o fim da ditadura. Confluíram para a formação do PT: o lento e paciente trabalho de base de ativistas inspirados na Teologia da Libertação, atuando durante muitos anos nos bairros, nos movimentos de moradia, por melhorias mínimas como o asfalto de ruas, constução de creches, postos de saúde, escolas, a ação semelhante entre os trabalhadores sem terra no campo, o movimento contra a carestia, movimento estudantil, movimento pela anistia, a atividade de intelectuais de esquerda, os movimentos de mulheres, de negros e LGBTs, as correntes que vinham da luta armada, as organizações trotskystas e a retomada das greves e do sindicalismo combativo. Todas essas forças contribuíram para a formação do PT.
Mas na disputa entre projetos políticos no interior do partido acabou prevalecendo o projeto dos sindicalistas, de uma atuação reformista, economicista e imediatista. As tendências socialistas e revolucionárias foram gradualmente isoladas e por fim expulsas do partido. A partir da década de 1990, esse projeto suplantou a combatividade, a organização de base e a disputa político-ideológica, buscando transformar o partido numa ferramenta eleitoral para Lula. A vitória desse projeto somente viria em 2002, quando a elite já estava suficientemente convencida da adaptação do PT. O partido já tinha deixado de ser uma força contra o sistema para ser uma força do sistema.
Se hoje os simpatizantes petistas defendem os governos de Lula e Dilma com o argumento de que esse era “o governo possível”, que “não há correlação de forças” contra a burguesia, que “não há como” impor medidas mais populares e mais hostis ao empresariado, etc., se hoje tudo isso acontece, repetimos, é por opção da própria direção do PT. O PT era a direção da CUT e a referência para os demais movimentos sociais. Cabia ao PT defender nos organismos da classe uma política de ofensiva e de mobilização em defesa das reivindicações dos trabalhadores, dos explorados e oprimidos. Ao contrário, foi a própria direção do PT que optou pelo caminho oposto, pela conciliação de classe, pelo “sindicalismo cidadão”, pela desmobilização, pelo abandono das lutas, por deixar de lado o método da ação direta, pelo esvaziamento das instâncias de base, pelo fim da organização nos locais de trabalho, pela burocratização e fim da democracia nos sindicatos, por deixar de fazer qualquer disputa ideológica e por defender a possibilidade de melhorias no interior do capitalismo.
O PT ressignificou o que é a luta dos trabalhadores. Deixou de ser a mudança do capitalismo e passou a ser a busca de acomodação no interior do capitalismo. Nada mais além disso pode ser feito pelos trabalhadores e para os trabalhadores. O fracasso do PT leva ao descrédito a luta pelo socialismo e todas as demais lutas sociais, contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia, etc. Tudo isso passa a ser enxovalhado e ridicularizado, a partir da confusão que se faz dessas lutas com o projeto do PT.

A crise de alternativa e a desqualificação da luta dos trabalhadores
Essa opção foi feita depois da campanha eleitoral de 1989, uma campanha que polarizou enormemente a sociedade e trouxe um sentido de pertencimento e identificação para imensas parcelas dos trabalhadores que se engajaram e participaram. A partir dessa campanha a direção do partido percebeu que poderia chegar ao governo pela via das eleições. Mas para além dos aspectos internos da política brasileira, o que determinou a opção do PT foi a mudança na conjuntura mundial a partir da queda do Muro de Berlim e da URSS. Como se acreditava que o regime que existia naqueles países era socialista (mas não era), a conclusão que se impunha era de que o socialismo tinha fracassado e qualquer tentativa de ultrapassar o capitalismo estaria também condenada ao fracasso. Logo, a única coisa que restava fazer era tentar administrar o capitalismo de maneira mais “humana” e mais favorável aos trabalhadores. E foi isso que o PT se dedicou a fazer.
Entretanto, nem a URSS e os países que seguiam seu “modelo” eram socialistas, nem o capitalimo tem condições de oferecer um futuro para a humanidade (nem sequer de ser “humanizado”, atenuado, administrado, etc.). Mas a escolha de administrar o capitalismo que foi feita naquele momento traçou um caminho sem volta para o PT, com cujas conseqüências agora arcamos. O abandono da luta direta, da combatividade, da independência de classe, da mobilização, da organização de base, da democracia nos sindicatos e organismos dos movimentos sociais, da disputa de ideologias e projetos de sociedade; tudo isso em prol da transformação do PT em instrumento eleitoral viável para alçar os burocratas do partido à condição de gestores do capitalismo brasileiro, conduz em linha direta não só à corrupção e degeneração do próprio PT, mas também ao crescimento da direita tradicional que hoje ameaça o PT e os trabalhadores.
Conforme assinalamos acima, não existe vazio ideológico. No vácuo do fracasso do projeto petista, prolifera o discurso da ultra-direita e sua defesa oportunista de soluções autoritárias. O retrocesso ideológico está combinado com o retrocesso intelectual. A atividade dos intelectuais de esquerda que contribuíram para a constução do PT, construindo conhecimento científico a serviço da luta de classes, foi substituído pela atividade de acadêmicos que produzem discursos auto-referenciados, centrados no próprio discurso. A pós-modernidade cria uma localização a partir da qual o discurso opressor na prática não pode ser superado, já que não há mais relação entre o discurso e uma base social concreta. Os nexos que permitem entender as mais variadas formas de exploração e de opressão estão sendo desfeitos por um discurso que nega explicitamente a existência de qualquer nexo totalizador de inteligibilidade do real. A crise da alternativa socialista é uma crise de alternativa da humanidade.
O fenômeno com o qual estamos nos deparando agora é a conseqüência de uma verdade cruel e dramática: não existe meio termo possível entre capitalismo e socialismo. Ou se opta por um ou pelo outro. Achar que é possível optar por um meio termo, como fez o PT, vendendo a ideia de que é possível humanizar o capitalismo, administrá-lo, atenuá-lo, etc., e toda essa ladainha que já estamos ouvindo há décadas, leva a um beco sem saída. O capitalismo e suas crises levam a um aprofundamento da miséria material e espiritual em todas as suas formas, guerras entre países e guerra social entre as classes, violências de todos os tipos, individualismo, ignorância, fanatismo, ódio, etc. É nesse caldo nefasto que o Brasil está submergindo depois de 13 anos de governo petista, tudo por conta da opção equivocada de administrar o capitalismo.

Por um projeto socialista para o atual momento histórico
Superar a crise em que o PT afundou a esquerda brasileira só é possível por meio do relançamento de um projeto socialista. A esquerda precisa superar os limites da atuação economicista, sindicalista, reformista, imediatista e eleitoralista que caracterizou o PT. É preciso construir uma prática e uma teoria totalizante, que aborde os indivíduos concretos em suas múltiplas demandas concretas, sejam eles assalariados de qualquer categoria, moradores da periferia, mulheres, negros, LGBTs, indígenas, trabalhadores rurais, estudantes, etc., relacionando todas essas demandas concretas ao capitalismo e oferecendo uma alternativa socialista. Um projeto socialista relançado tem que construir uma nova forma de se relacionar com os trabalhadores, implantando na prática cotidiana do movimento relações de participação democrática real e vivências as mais igualitárias e plenas possíveis. Somente assim pode ser formar uma nova consciência socialista para o atual período histórico.
Se a esquerda quer sair dessa armadilha e deixar de estar submetida à imagem do PT, deixando de sofrer as conseqüências da falência do PT, e criando uma contraposição a todos aqueles projetos e ideias nefastos da direita tradicional, é preciso criar uma nova identidade. Um novo projeto de esquerda precisa ir além da prática reformista, economicista e imediatista que caracterizou o PT, à qual até mesmo as correntes revolucionárias que existiram no interior do partido de alguma forma se submeteram. As ilusões reformistas e eleitoreiras reproduzidas pelo PT têm que ser descartadas. A esquerda tem que apresentar um projeto totalizante que trate o trabalhador não apenas como assalariado, que se interessa apenas por salários e horas de trabalho, mas como ser em busca de emancipação contra todos os aspectos da sua alienação.
Os principais projetos criados por fora do PT nas últimas décadas também fracassaram, e é preciso que se faça um balanço muito sério disso também. Se um projeto com a abrangência que teve o PT não se cria de uma hora para outra, as principais organizações de esquerda que existem por fora do PT também não nasceram ontem e já têm tempo de estrada suficiente para produzir algo muito melhor do que fizeram.
O PSTU (legalizado como partido há mais de 20 anos, desde 1994) se converteu numa mini-burocracia sindical de esquerda, mais preocupado em acomodar seus dirigentes nos aparatos sindicais em pacífica convivência com a burocracia cutista e governista do que em revolucionar os organismos dos trabalhadores e organizar a luta. O PSOL (fundado há mais de 10 anos, em 2003) se converteu numa mini-burocracia eleitoral, com um programa vago de críticas pontuais à política econômica do PT (e não ao conjunto do projeto de gestão do capitalismo) e defesa abstrata da “ética”, tentando reeditar o PT reformista da década de 1990 e não o das lutas da década de 1980. O PCO não tem outra função além de atacar o PSTU e as demais correntes da esquerda, e na prática do movimento funciona como auxiliar do próprio PT e da CUT. O PCB não consegue superar sua herança stalinista.
Toda uma miríade de organizações menores não consegue construir uma alternativa viável, em parte por estar doutrinariamente presa a fórmulas e discursos retirados de clássicos do marxismo-leninismo-trotskysmo (isso quando não reciclam coisas ainda piores, como os grupos stalinistas e maoístas que ainda existem), sem a capacidade de fazer uma análise marxista concreta da situação concreta atual. A esquerda se recusa a fazer um balanço das experiências do século XX, separar o joio do trigo e empreender um esforço teórico e prático de superação dos métodos empregados até hoje. No interior da própria esquerda reina a desorientação e a perda de referências de classe e de projeto.

Ousar lutar, ousar vencer
A falta de trabalho de base, de disputa ideológica, de enraizamento nas lutas, faz com que a esquerda não tenha base social própria entre os trabalhadores e não consiga apresentar uma alternativa de projeto político. Com isso, fica refém de alternativas igualmente superestruturais e igualmente equivocadas: embarcar no Fora Dilma, Fora Todos (que acaba se colocando, mesmo que negue, ao lado da oposição burguesa, como faz o PSTU, os morenistas e parte do PSOL) ou descaradamente defender o PT (como faz o PCO e parte do PSOL). A única força capaz de derrotar os projetos da oposição burguesa não serão as instituições do Estado, que trabalham para a mesma burguesia, mas a própria organização da classe trabalhadora! É essa organização que é preciso construir.
Por falar em trabalhadores, estes também sentem as conseqüências da crise. Não é apenas a burguesia que está enfurecida porque caíram os seus lucros, nem as camadas médias que se ressentem de que as migalhas antes destinadas aos mais pobres pelo Estado (que na verdade destina as mais gordas fatias do orçamento aos super ricos através do mecanismo da dívida pública) supostamente corroeram o seu padrão de vida (sentimento mesquinho e patético pelo seu grau de ignorância). Os trabalhadores são os que na verdade sentem de forma mais pesada os efeitos da crise. Demissões, arrocho salarial, inflação, endividamento, intensificação do trabalho, precarização dos serviços públicos, sucateamento das escolas, hospitais, transportes, cortes de verbas, etc. Isso dá motivos de sobra para que os trabalhadores se mobilizem.
As lutas já vem ocorrendo. As greves aumentaram constantemente desde o início da década, e também as manifestações de rua e outras formas de luta. Mas ainda é preciso muito mais do que isso. É preciso unificar todas essas lutas e a partir delas apresentar uma alternativa de projeto para os trabalhadores, contra o governo do PT e a oposição do PSDB. Para se tornar referência de luta e não se confundir com o oportunismo e o peleguismo do PT, a esquerda precisa retomar os métodos radicalizados: ocupação de fábricas e empresas que ameaçarem, demitirem ou fecharem, bloqueio de ruas e avenidas, ocupação de prédios públicos, piquetes radicalizados. Para massificar o apoio às propostas da esquerda, é preciso construir um movimento de organização nos locais de trabalho contra os abusos dos chefes e patrões, e não apenas meras chapas de oposição como tem feito o movimento sindical. É preciso relançar na sociedade o debate sobre um projeto anticapitalista e socialista. A esquerda precisa sair da sua condição de coadjuvante e das suas disputas internas mesquinhas para ser capaz de enfrentar a ofensiva da oposição ao PT e se desvencilhar da armadilha do próprio PT.