Na parte
1 analisamos as posições que tendem para uma defesa do
PT e do governo Dilma. Agora, debatemos as posições que
defendem a queda do governo (junto com a queda da oposição
burguesa), mas com muitos problemas e limites.
Fora
Dilma, Fora Todos!
Há
um setor da esquerda que defende que o governo do PT deve mesmo cair,
porém fazem questão de acrescentar que não são
apenas contra Dilma, Lula e o PT, mas também contra Aécio,
Cunha, Renan, o Congresso, etc. Defendem Fora Dilma e Fora Todos. O
problema dessa posição é que ela não
considera o fator mais elementar: quem vai derrubar quem, cara
pálida? Existe algum movimento colocado no cenário que
possa ir além da derrubada de Dilma e derrubar também
todos os demais? Qual é o caráter de classe, a base
social, a ideologia, as organizações que compõem
o atual movimento pelo impeachment? Será que esse movimento
tem alguma coisa a ver com a esquerda, a classe trabalhadora, as suas
lutas, suas reivindicações e seu projeto histórico?
Deixamos a resposta a essas indagações mais para o
final.
Por
enquanto basta dizer que, na nossa visão, o atual movimento
para derrubar Dilma não vai derrubar “todos” (Aécio,
Cunha, Renan, Congresso, etc.). O movimento pelo impeachment vai
parar na queda de Dilma (adicionalmente, talvez se acrescente a
prisão de Lula como cereja do bolo), pois como disse o
jornalista Ricardo Noblat num ato falho de sincericídio, é
preciso derrubar logo a presidente para que a Operação
Lava Jato pare de prejudicar a classe política
(https://twitter.com/BlogdoNoblat/status/708353342653788160?ref_src=twsrc%5Etfw).
Ou seja, para que a corrupção possa voltar ao normal,
sem ter que repassar a fatia do PT.
O
movimento que está sendo orquestrado para derrubar Dilma e
remover o PT da gestão do Estado (e do festim da corrupção)
vai parar por aí mesmo, no PT, e não vai derrubar
“todos”. Para que houvesse um “Fora Todos!”, teria que haver
um outro movimento, um movimento dos trabalhadores. E é isso o
que está ausente do cenário. Os trabalhadores não
estão se mobilizando para derrubar o governo do PT, nem muito
menos para derrubar também a oposição de direita
(e também não estão se mobilizando para apoiar
ou defender o governo, como vimos acima). Boa parte dos trabalhadores
rejeitam o governo do PT, e uma parte pode chegar a ter a vaga
esperança de que a saída de Dilma e a mudança de
governo resolva os problemas. Mas daí até se mobilizar,
seja pelo impeachment, seja pelo “Fora Todos!”, a distância
é muito grande (mesmo porque a oposição de
direita também é bastante rejeitada).
Se os
trabalhadores não estão se mobilizando pelo impeachment
(no máximo têm uma esperança vaga de melhoria), e
por tudo o que dissemos desde o início, a conclusão
óbvia é de que esse movimento está sendo
construído com uma outra base social e ideologia, a da
burguesia. O impeachment é uma posição que está
ganhando peso na classe patronal, como possível saída
para a crise política e econômica, depois de muita
vacilação, idas e vindas, divisões e
reacomodações do empresariado desde a eleição
de 2014. Subjacente a esse movimento está aquilo a que nos
referimos como a desforra ideológica da ultra direita contra
todas as causas da esquerda. Defender o “Fora Todos!” no contexto
do impeachment ou reconhecer o impeachment como se fosse uma espécie
de primeira etapa do “Fora Todos!” (primeiro cai a Dilma e
supostamente em seguida cairiam os demais) é desconhecer,
desconsiderar, ignorar completamente a sua base social de classe e
sua ideologia. Ou seja, é fazer unidade de ação
com a burguesia.
Insistir
que tem que derrubar Dilma junto com “todos” os outros e que
sejam os trabalhadores que o façam só serve para
realçar o vazio e a impossibilidade de que isso aconteça
concretamente no curto prazo. Não são os trabalhadores
que estão mobilizados para derrubar Dilma, nem para derrubar
“todos” os demais, e nem para defender Dilma e o PT, simplesmente
porque não estão mobilizados em nenhum grau. A
participação dos trabalhadores no movimento pelo
impeachment, nos atos convocados pela direita, é minoritária,
incidental e fragmentada. Sem a presença massiva dos
trabalhadores, suas reivindicações, organizações
e métodos de luta, o caráter do movimento acaba sendo
dado pelo direita e pela ultra direita.
Mesmo
que as camadas médias que são maioria nos atos pelo
impeachment não estejam em sua maioria cooptadas pelas ideias
da ultra direita, nem defendam a ditadura militar, nem acreditem ou
apoiem as lideranças da ultra direita (Bolsonaro, Feliciano,
Malafaia), ainda assim o caráter dos atos é de direita,
anti popular, anti operário. Seu discurso é contra a
esquerda, contra os movimentos sociais, contra a luta dos
trabalhadores, contra o socialismo, ainda que entenda tudo isso de
modo difuso e fudamentalmente equivocado (dizendo “vai pra Cuba”
aos petistas, como se o PT e Cuba tivessem alguma coisa a ver com
comunismo). Os atos são construídos por partidos da
oposição burguesa e ONGs neoliberais financiadas pelo
imperialismo e convocadas pela mídia. Este movimento não
está em disputa, e não pode ser apoiado. Pegar carona
nesse movimento não vai servir para fazer avançar o
projeto dos trabalhadores, porque é preciso que a classe
esteja mobilizada com reivindicações, métodos e
ideias próprias. Esse é o cerne da questão. Os
trabalhadores não estão presentes no cenário
político como classe, e sem isso qualquer proposta da esquerda
não poderá se concretizar.
Eleições
gerais
Uma
versão mais atenuada do “Fora Dilma, Fora Todos!” é
a que defende a convocação de eleições
gerais como saída para o impasse político. O que está
por trás dessa posição é a percepção
de que o desgaste do governo pode favorecer as organizações
de esquerda nas próximas eleições Algumas
organizações têm a avaliação de que
pode se repetir no Brasil o mesmo fenômeno de crescimento da
votação da extrema esquerda eleitoral que vem ocorrendo
em outros países, como Syriza na Grécia, Podemos na
Espanha, Jeremy Corbin na liderança do Partido Trabalhista
inglês e Bernie Sanders travando uma disputa honrosa pela
indicação do Partido Democrata nos Estados Unidos
(deixemos de lado temporariamente a avaliação do que
significam esses fenômenos, pois exigiriam um texto para cada
um). O correspondente desses fenômenos no Brasil seria, por
exemplo, uma votação do PSOL ou talvez até mesmo
do PSTU nas próximas eleições, que seja
significativamente superior à sua irrisória média
histórica.
Independente
dessa avaliação estar correta ou não, de ser
possível ou não uma votação expressiva
dessas organizações nas eleições, o
problema dessa posição é o seu imediatismo,
quase oportunismo. É uma tentativa de colher algo de positivo
do cenário de decomposição do PT, mesmo que seja
simplesmente a eleição de alguns parlamentares. Os mini
aparatos de esquerda salivam com a possibilidade de emplacar alguns
de seus dirigentes e figuras públicas em mandatos periféricos,
minoritários, numa correlação completamente
desfavorável no geral, em que os projetos da direita
tradicional teriam uma vitória esmagadora. A solução
do problema para esses partidos, aquilo que vieram buscando por toda
sua existência, uma maior projeção eleitoral,
está longe de ser a solução dos problemas para a
classe trabalhadora.
Concretamente,
na luta de classes real, a eleição de alguns
parlamentares ou mesmo prefeitos dos partidos de esquerda legalizados
(PSOL, PSTU, PCB e PCO), não vai mudar muita coisa. Porque as
eleições são um reflexo distorcido da luta de
classes. No dia a dia da reprodução social, a
capacidade de controle da burguesia e o grosso do aparato do Estado
seguirá sendo usado contra os trabalhadores. Uma mudança
real teria que vir de um processo massivo de mobilização
e organização da classe trabalhadora. Essa deveria ser
a prioridade de qualquer organização de esquerda. Nesse
contexto, eleições gerais seriam um atalho que levaria
a um beco sem saída, não um caminho para que as
demandas dos trabalhadores possam ser atendidas.
De certa
forma, defender eleições gerais, com o objetivo de que
os partidos de esquerda tenham uma votação maior,
equivale a reciclar a estratégia que levou ao fracasso do PT,
a conquista de espaço no Estado. O PT trocou a luta de classes
pela luta eleitoral e se tornou um partido burguês, cooptado
pelo sistema. Querer repetir a ilusão de que as eleições
podem melhorar a vida dos trabalhadores é repetir a história
como farsa. O caminho a ser retomado vai na direção
oposta, insistimos, a da mobilização e organização
dos trabalhadores. A participação nas eleições
tem que ser no máximo um instrumento secundário e
subordinado.
Assembleia
Constituinte
Uma
outra versão da proposta de eleições gerais é
a que defende uma Assembleia Constituinte como saída para a
crise política. O problema dessa proposta é
desconsiderar a correlação de forças políticas
e ideológicas desfavorável aos trabalhadores que foi
criada pelo naufrágio histórico do PT. Nessa atual
correlação de forças, uma Assembleia
Constituinte seria composta por representantes da direita mais
raivosa e anti-popular. Alguns elementos progressistas que constam
da atual Constituição de 1988, como por exemplo, a
função social da propriedade, o salário mínimo,
o SUS, entre outros, poderiam ser removidos. É claro que esses
elementos só existem no papel, pois no dia a dia da reprodução
social eles são atropelados pelo poder econômico do
capital. Entretanto, eles ao menos constam no papel, e foram postos
lá como resultado da correlação de forças
da década de 1980, uma década de intensa mobilização
e luta social.
É
claro que a mobilização daquela época esteve
longe de obter todas as conquistas que poderia, mas foi capaz de
impor alguns elementos progressivos na Constituição. A
luta para que sejam postos em prática efetivamente ainda pode
servir como ponto de partida para mobilizações (como
por exemplo, a proposta de auditoria cidadã da dívida,
que foi prevista na Constituição, mas nunca aplicada).
No cenário atual, pelo contrário, em que as legislações
mais reacionárias estão sendo aprovadas pelo Congresso
(Lei da terceirização, Lei Anti-terrorismo, etc.), as
pautas da direita tem muito mais chance de serem incluídas:
pena de morte, fim do direito de greve, etc.
Os
defensores da Assembleia Constituinte fazem questão de dizer
que defendem uma Constituinte apoiada na mobilização
dos trabalhadores. Mas aí é que está a questão.
Se há mobilização dos trabalhadores, é
possível impor qualquer coisa: Constituinte, não
pagamento da dívida, reestatização das empresas
privatizadas, etc. O cardápio é vasto e cada um pode
escolher a sua reivindicação preferida. O problema,
pela enésima vez, não é escolher entre “Fora
Dilma, Fora Todos!” ou “Assembleia Constituinte”, ou mesmo
defesa contra o “golpe”, é como construir o processo de
mobilização para tornar efetiva qualquer uma dessas
saídas. E com isso temos a chave para passar ao próximo
capítulo.
- x -
O
problema de todas essas posições, tanto as que defendem
a permanência do governo quanto as que defendem a sua saída
é observarem a política do ponto de vista da
superestrutura, do poder político, do Estado e suas
instituições, não do ponto de vista marxista, da
política revolucionária, da luta de classes, da
correlação de forças, dos projetos de classe e
suas respectivas ideologias. Ao se concentrar na superestrutura,
essas posições buscam soluções que não
envolvem o trabalho de base e a construção de vínculos
orgânicos, estruturas, organizações, projetos e
ideologias próprios da classe trabalhadora. Sem ter feito a
lição de casa, sem pegar no pesado, sem enfiar a mão
na massa, sem meter o pé no barro, envolver-se no dia a dia da
classe trabalhadora, fazendo pacientemente todo o percurso desde suas
lutas mais moleculares até as questões mais gerais; sem
ter feito nada disso as organizações que adotam essa
metodologia superestrutural imaginam que podem mesmo assim se
apropriar de movimentos criados por outras forças políticas
e se tornar lideranças dos processos.
As
organizações da esquerda brasielria imaginam que podem
cair de pára quedas nos atos pelo impeachment ou pegar carona
na defesa do governo e com isso passar direto para a liderança
da classe trabalhadora. Dessa forma, a política revolucionária
se reduz a simples política, deixa de ter uma base social de
classe e passa a ser puro discurso. Passa a ser uma espécie de
competição de táticas, um “concurso de
palavras de ordem”: a organização que tiver a tática
mais “revolucionária” vai liderar os trabalhadores e
chegar ao poder. Trata-se então de um problema de
“criatividade”. Quem for mais inventivo, mais competente no
marketing, mais genial na comunicação, vai conseguir
resolver a crise em favor dos trabalhadores. É como se o
mérito do Partido Bolchevique na Revolução Russa
fosse o de inventar a palavra de ordem de “Pão, paz e
terra!”. Mais de quinze anos de mobilização e de
organização entre os trabalhadores não tiveram
nada a ver com o seu sucesso, foi tudo uma questão de
criatividade nas palavras de ordem. Essa é a leitura
histórica da esquerda brasileira, a se julgar pela sua atuação
na crise atual.
Estamos
fazendo uma caricatura propositalmente forçada para mostrar o
quão gravemente está distorcida a teoria, a metodologia
e a prática das organizações de esquerda no
Brasil. A teoria inteira se baseia em uma frase de Trotsky: “a
crise da humanidade é a crise da sua direção
revolucionária”, arrancada do Programa de Transição
de 1938. Como cada organização se considera ela própria
“a direção revolucionária” dos trabalhadores
brasileiros, basta fazer com que os trabalhadores reconheçam
isso (inventando as palavras de ordem mais “revolucionárias”)
para que esta organização os conduza ao poder. O fato
elementar de que, para que haja uma direção
revolucionária é preciso que haja antes um movimento
revolucionário a ser dirigido não perturba os nossos
bravos revolucionários. Se a realidade não se encaixa
na sua “teoria”, dane-se a realidade!
O fato
de que os trabalhadores, quando tomados em si, tais como existem
imediatamente, não são revolucionários, mas
reformistas quando muito, de que se preocupam apenas com as suas
questões imediatas, de que raciocinam em termos de nação
e de indivíduo, não de classe social, de que acreditam
no que diz a televisão e a igreja para formar a sua visão
de mundo, de que partilham de preconceitos e reproduzem a opressão
entre suas diversas camadas, etc., também não é
um problema, do ponto de vista da esquerda brasileira. A lição
de que “a ideologia dominante numa determinada sociedade é a
ideologia da classe dominante” também foi esquecida. Na sua
santa ingenuidade (ou ignorância), essas organizações
concebem os trabalhadores como se fossem por definição
revolucionários, e só não sabem disso porque
ainda não ouviram o partido. Vão saber quando aceitarem
Jesus, digo, o partido, como seu salvador.
O que há
de “trotskismo” nessa concepção é tema para
um outro (e caudaloso) debate. Qualquer que seja a sua fonte, o nome
que se pode dar a ela é de substituísmo, pois entende
que alguma outra força social pode substituir os trabalhadores
em suas tarefas. De um lado, há os que acham que é
possível disputar o movimento do impeachment pela esquerda, um
movimento que foi construído por partidos da oposição
burguesa, pela mídia reacionária e por ONGs liberais
financiadas pelo imperialismo. De outro, há os que acham
possível disputar o governo do PT, ou defendê-lo, para
que a partir daí os trabalhadores tomem a ofensiva. Nem uma
coisa nem outra são possíveis, por mais geniais que
sejam os que defendem uma ou outra posição na arte de
criar palavras de ordem. Para que os trabalhadores se coloquem em
cena no processo político é preciso que o façam
como classe, como coletivo, de forma organizada, estruturada, a
partir dos seus locais de trabalho, de estudo e de moradia. Não
há como saltar essa etapa e partir direto para a ofensiva,
pegando carona na rejeição ao governo (ou na defesa
deste).
A etapa
de reconstruir a organização da classe terá que
ser cumprida, qualquer que seja o desfecho da atual crise política,
a queda do governo via impeachment ou a sua permanência até
o fim do mandato. Em qualquer um desses cenários, é
preciso construir uma outra referência de projeto para os
trabalhadores. É preciso preparar a classe para um cenário
de enfrentamento direto com a patronal, sem a mediação
da burocracia petista, após o seu apodrecimento e decomposição
final.
17/03/2016
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