Antes de
começar, uma observação preliminar de caráter
pessoal: a opção de dividir o presente texto em partes
e publicá-lo em três dias, um após o outro, pode
se provar uma das mais felizes na carreira deste escriba (ou a mais
desastrosa, dependendo do grau de concordância do leitor com o
texto), porque permitiu acompanhar uma conjuntura que se desenvolveu
com enorme velocidade, apresentando novos desdobramentos a cada dia.
A nosso ver, esses desdobramentos aprofundaram e confirmaram as
avaliações que fizemos nas duas partes anteriores.
Resumo
dos últimos capítulos
O
movimento pelo impeachment confirmou o seu caráter de direita,
com elementos de ultra direita. O PT arriscou uma espécie de
tudo ou nada ao lançar a jogada da nomeação de
Lula ao Ministério para escapar da prisão. Ao fazer
isso, o PT deu a brecha para que a oposição burguesa
transformasse a não nomeação de Lula e sua
prisão numa espécie de questão de honra.
Inteligentemente, o movimento pelo impeachment ganhou os corações
e as mentes das massas. Imensas parcelas da população
foram mobilizadas pela oposição burguesa e pela mídia
para achar que a nomeação como forma de escapar da
justiça é uma espécie de gota d'água, o
tapa na cara, o insulto definitivo, que não se pode aceitar.
De quebra, pode servir até como o pretexto final para o
impeachment de Dilma, sem a necessidade de queimar também
Temer. Os dias 16 e 17 de março presenciaram uma imensa
mobilização de ódio contra a nomeação
de Lula.
Entretanto,
o volume das manifestações em defesa do PT na
sexta-feira dia 18 mostrou que o governo pode conseguir uma
sobrevida. O simples fato de que as manifestações não
tenham sido esvaziadas, não tenham sido um fiasco, mas que
tenham levado um número significativo de pessoas, não
só burocratas petistas encastelados nos movimentos sociais,
mas gente “de verdade”, que foi atraída pelo chamado a
defender a “democracia”, é uma vitória para o PT. É
claro que muitos dos que estiveram nos atos de sexta-feira dia 18 não
são petistas, nem são organizados pelo PT, nem
pretendem ser, e mantém reservas críticas ao governo.
Marcharam em repúdio ao que enxergam como um golpe, em repúdio
ao PSDB, à rede Globo e ao restante da mídia, à
ultra-direita que está pondo as manguinhas de fora. Mas
indiscutivelmente, o PT será o beneficiário dessa
mobilização, pois conseguiu transformar a não
prisão de Lula e sua nomeação ao Ministério
numa espécide de questão de honra também para um
grande número de pessoas com simpatias de esquerda.
Num país
onde tudo tende para a futebolização, muita gente, ao
ver o aspecto fascistóide das mobilizações
contra a nomeação ministerial, ao ver o cinismo da
cobertura seletiva da mídia, ao tremer de indignação
diante de fuguras como Aécio, Alckmin, Cunha, Gilmar Mendes,
etc., fizeram questão de mostrar que “torcem para o outro
time”, e marcharam ao lado do PT. O brasileiro não suporta
ver o outro time ganhando, no caso, o time da direita e da ultra
direita, da mídia, PSDB, Bolsonaro, etc. Por isso, muitos
escolheram o lado “vermelho”. A crise terminal do PT pode ter
sido adiada e o governo Dilma pode continuar, respirando por
aparelhos. Teremos nos próximos dias o vai vém jurídico
em torno da nomeação ministerial de Lula. Mas no campo
ideológico, o PT conseguiu o que queria, aparecer como a única
alternativa existente contra à direita mobilizada, por mais
algum tempo. Ponto para o PT, derrota da esquerda anti governista.
O
caráter de classe do atual movimento anti PT
A crise
política que está se desenrolando tem origem no fato de
que a utilidade do PT para a burguesia foi esgotada. Depois de
amortecer, contornar, bloquear, sabotar a luta de classes,
desorganizar e despolitizar os trabalhadores, o PT está sendo
descartado impiedosamente pela burguesia. Agora, trata-se de produzir
o seu sepultamento, com tons dramáticos de uma desforra
ideológica da direita. Até o momento, o principal
componente social do movimento pelo impeachment são as camadas
médias de pequenos empresários e assalariados de alta
renda. Esse setor social enxerga no PT a causa de todos os problemas,
acha que foram os mais pobres que roubaram a sua prosperidade por
meio de programas sociais que os “bandidos” do PT criaram para
cooptar eleitoralmente a população pobre. Também
não demonstra muita confiança na direita tradicional
(PSDB) e tem bastante simpatia pelo discurso anti partido (como boa
parte dos trabalhadores). Um setor minoritário tem sido
atraído pelos discursos de ódio e tende mesmo para o
fascismo.
Para
este setor, vale qualquer coisa para barrar a manobra desesperada da
nomeação ministerial de Lula. Inclusive, violar algumas
leis, exceder as prerrogativas do judiciário, extrapolar a
alçada de um juiz de primeira instância, romper o sigilo
da comunicação presidencial, etc. Os mais exaltados
partem para a ação direta. Grupos e indivíduos
com perfil fascistóide ocuparam a Avenida Paulista desde a
quarta-feira 16, dia da nomeação (curiosamente,
passaram dias obstruindo a avenida sem nenhuma repressão por
parte da PM de Alckmin, sempre tão diligente na tarefa de
massacrar manifestações dos trabalhadores para impedir
“perturbações da ordem”) para tentar impedir a
manifestação de defensores do PT marcada para a
sexta-feira dia 18, sendo removidos somente na manhã da
própria sexta-feira.
A nosso
ver, tudo isso confirma a posição de que este movimento
pelo impeachment, tal como atualmente colocado, não deve ser
apoiado pela esquerda, não representa os trabalhadores. Mas
mais do que o fato de ser claramente ilegal, o critério
decisivo para não apoiar e não participar desse
movimento é o seu conteúdo de classe, político e
ideológico, os projetos que ele favorece. A orquestração
entre o judiciário, mídia e grupos organizados de
direita e ultra direita confere um caráter abertamente anti
operário, anti popular e anti esquerdista a esse movimento
pelo impeachment.
A
oposição de direita sente o momento como favorável
e está na ofensiva (ou simplesmente aposta na desestabilização
total do país e no quanto pior melhor). O movimento pelo
impeachment e pela “despetização” do Estado de modo
geral visa não apenas varrer a burocracia petista do controle
do Estado, mas também varrer as poucas conquistas sociais que
restam, intensificar a exploração e a opressão,
dar espaço aos discursos de ódio, etc. O governo Dilma
somente ressitiu ao longo de 2015 porque a grande burguesia estava
dividida em relação à sua permanência. Uma
parte da classe patronal vinha tendo paciência com o governo
devido à falta de alternativa melhor do seu ponto de vista de
classe, mas essa paciência está se esgotando e cada vez
mais segmentos da burguesia abandonam essa posição.
Entretanto, um substituto ideal ainda não foi gestado (como
demonstra a rejeição de Alckmin e Aécio nas
manifestações), e por isso a crise pode se arrastar por
um certo período até uma definição. Ou
mesmo, o PT recobrar forças para se manter no governo até
2018, como demonstrou o dia 18 de março.
Não
vai ter golpe, já teve
Apesar
desses elementos de crescimento da direita e ilegalidades, seguimos
afirmando que não se trata de golpe e de ditadura, visto que
não haverá mudança de regime. O regime político
atual já é repressivo o suficiente, sem a necessidade
de uma ditadura formal. A ditadura patronal e policial já come
solta no país faz anos, antes e durante os governos do PT. Por
isso toda a histeria petista contra o “golpe” não é
uma defesa genuína da democracia no sentido real, das
liberdades demcráticas para os trabalhadores, que já
são reprimidos todos os dias. É puro desespero para
permanecer nos seus cargos.
O regime
democrático burguês, as instituições, o
legislativo, o judiciário, as forças armadas, etc., não
estão em crise, estão em pleno funcionamento. A falta
de iniciativa do governo do PT e a sua condição de
refém das exigências cada vez mais nefastas da burguesia
(como o ajuste fiscal, a Lei Antiterrorismo, etc.) não
significa que o conjunto do regime, para além do gerente de
plantão, não tenha forças e condições
de impor medidas contra os trabalhadores, a repressão, etc.
Não será necessário um golpe, fundamentalmente,
porque não há um inimigo a ser debelado pela força,
não há mobilização dos trabalhadores, não
há um projeto alternativo que precise ser derrotado.
Violar
algumas leis não significa necessariamente um golpe ou uma
ditadura. Caso se chegue ao ponto do impeachment, Dilma será
removida, ao final, por um processo conduzido legalmente pelos
poderes da República, o Legislativo e o Judiciário, sem
o uso das Forças Armadas, sem quebra da institucionalidade.
Não será necessário fechar o Congresso,
suspender as garantias individuais, revogar a Constituição,
instalar uma ditadura de fato, etc. O regime político seguirá
sendo formalmente democrático. Será no máximo um
golpe à paraguaia, como o que derrubou Fernando Lugo em 2012.
Se houve
algum golpe, este já foi dado pelo PT, o estelionato eleitoral
que fez imensas camadas da população acreditarem que
teriam um governo que lhes seria favorável. No final das
contas, esse governo seguiu sendo tão anti democrático
e anti popular como qualquer governo burguês. Os instrumentos
do Estado de direito não precisarão ser alterados para
favorecer os interesses da burguesia, que não precisará
de um AI 5. Os instrumentos repressivos do Estado já estavam
sendo usados contra os trabalhadores durante o governo do PT e
seguirão sendo. Evidentemente, o PT vai lutar desesperadamente
de todas as formas contra essa manobra para lhe tirar o governo, e
uma das formas é difundir uma histeria contra o “golpe”,
como se impedir a prisão de Lula fosse uma questão de
honra da “democracia”.
No
momento em que o PT apela para que os trabalhadores o defendam, em
nome da “democracia”, é importante perguntar: onde estavam
o PT e a “democracia” para impedir que Rafael Braga fosse preso
por portar produto de limpeza numa manifestação? Onde
estavam o PT e a “democracia” para impedir as mortes de Amarildo,
Cláudia e tantos outros milhares de trabalhadores e jovens
pobres, pretos e periféricos vítimas do genocídio
policial? Onde estavam o PT e a “democracia” para impedir o
genocídio dos índios guaranis nas mãos dos
jagunços do agronegócio? Onde estavam o PT e a
“democracia” para impedir a desocupação do
Pinheirinho em 2012? Onde estavam o PT e a “democracia” em todas
as greves que foram traídas, sabotadas, desconstruídas,
boicotadas, esvaziadas, impedidas sequer de começar, desde a
histórica greve dos petroleiros de 1995 até a dos
professores de São Paulo em 2015?
A
resposta a todas essas perguntas é a mesma, o PT estava
governando para a burguesia: destinando 45% da arrecadação
federal para a dívida pública, ou seja, para o bolso de
especuladores e assaltantes engravatados, visto que se trata de uma
dívida fraudulenta. O PT estava destruindo a já
precária proteção da legislação
ambiental com o novo código florestal, permitindo que o
agronegócio destrua livremente a fronteira agrícola e
extermine indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses. O
PT estava concedendo isenções fiscais para montadoras
de automóveis. O PT estava fazendo acordos com empreiteiras.
Enquanto os trabalhadores precisaram de organização, de
projeto, de luta, o PT estava favorecendo a classe dominante, já
por 4 mandatos presidenciais.
E sim, o
PT estava chafurdando na corrupção. É preciso
dizer sem medo que o PT se corrompeu, e não ceder à
chantagem de que a “luta contra a corrupção é
pauta da direita”. Essa desculpa foi muito conveniente, durante
muitos anos, para uma “esquerda” que rouba. Essa “esquerda”
que rouba não representa os trabalhadores, não é
esquerda. Durante muitos anos, na sua época de organização
classista e combativa, o próprio PT lutou contra a corrupção
nos governos burgueses, como uma de suas pautas. Foi muito citada nos
últimos dias a frase do próprio Lula em 1988, de que no
Brasil, pobre que rouba vai preso e rico vira ministro...
O PT
pode espernear o quanto quiser para ocultar o fato de que já
se passou para o outro lado da trincheira de classe. E não tem
mais volta. O próprio PT destruiu os seus vínculos
orgânicos com a classe trabalhadora, ao aparelhar e
burocratizar as organizações dos trabalhadores, como
sindicatos e movimentos sociais. O PT os usou-os para bloquear as
lutas, esterilizar os processos microscópicos de resistência
em cada local de trabalho, em cada bairro, cada espaço de
disputa ideológica. O PT precisa apelar para setores mais
amplos do que a burocracia partidária para que o defendam,
pessoas que não estão na militância organizada,
mas que têm simpatia pelas causas históricas da
esquerda, exibindo o epantalho do “golpe” da direita e da
ditadura como ameaça, quando na verdade ele próprio
exerce o governo numa “democracia” extremamente autoritária
e hostil aos trabalhadores.
A
comparação com 1964 é bastante ilutrativa. Onde
estava Jango às vésperas do golpe? No comício da
Central do Brasil, no Rio de janeiro, em 13 de março,
assumindo a plataforma das Reformas de Base demandadas pela
mobilização popular. Onde está Dilma em 2016, às
vésperas do impeachment? Assinando a Lei Anti terrorismo,
criminalizando os movimentos sociais. Essa comparação
deveria encerrar a discussão em relação ao
“golpe”.
Cenas
dos próximos capítulos
Quando
dissemos que o PT destruiu os vínculos orgânicos com a
classe trabalhadora, a sua relação com a base dos
trabalhadores por meio dos movimentos sociais organizados,
sindicatos, etc., o menor dos problemas é o que isso
representa para o próprio PT (o fato de que estejam nas
diretorias e nas cúpulas dos movimentos sociais ainda confere
recursos e poder de mobilização ao partido, como vimos
no dia 18). O maior dos problemas é que a gestão do PT
destruiu os vínculos de organização e identidade
da classe em si mesma. Os trabalhadores não apenas não
se identificam com a direção petista dos movimentos
sociais, mas não se identificam com os próprios
movimentos. Não rejeitam somente os petistas na direção
dos sindicatos, rejeitam os próprios sindicatos.
As
décadas de gestão do PT mudaram a forma como a grande
massa dos trabalhadores enxergam os sindicatos, principalmente, e o
restante dos movimentos sociais, em menor medida. Deixaram de ser
vistos como organizações da classe, como organizações
suas, espaços de resistência e construção
coletiva. Passaram a ser vistos como trampolins para que os
dirigentes petistas saiam candidatos ao parlamento e ao executivo. E
uma vez eleitos, esses dirigentes vão fatalmente se corromper.
É assim que os trabalhadores vêem os “sindicalistas”,
como uma espécie de profissão. Os militantes da
oposição de esquerda anti governista nos sindicatos
ainda são chamados de “vocês do sindicato” pelos
trabalhadores de base, como se fossem da mesma turma. Enfrentam a
mesma rejeição que o PT, a mesma dificuldade para
organizar os trabalhadores.
Os
trabalhadores rejeitam os próprios instrumentos de organização
por onde poderiam construir uma saída classista para a crise
do país. Sem as organizações nos locais de
trabalho, CIPAs, comissões de fábrica, representantes
de base, grupos clandestinos de trabalhadores, com um caráter
independente e combativo, para lutar contra a ditadura da patronal
nos microcosmos da reprodução social, não será
possível construir um movimento dos trabalhadores. Da mesma
forma, esse movimento não será possível sem
organizações do mesmo tipo que agrupem os trabalhadores
a partir da base nos bairros, no campo, nos movimentos de mulheres,
negros, LGBTs, juventude, estudantes, coletivos culturais, etc.
Ao que
parece, conforme saem os números das manifestações
do dia 18 e a repercussão positiva desta nos círculos
de debate, um amplo setor de pessoas com simpatias de esquerda cedeu
a mais essa enésima chantagem para defender o indefensável.
Deram uma sobrevida ao PT como alternativa de esquerda. Entendemos
isso como um erro grave, pois o PT não servirá como
instrumento de luta contra os ataques que estão por vir. Será
preciso construir outros instrumentos, outros coletivos, outros
movimentos, outros fóruns. Quanto antes a esquerda se
diferenciar do PT, melhor para a construção desses
novos instrumentos.
Não
será uma tarefa fácil. Os trabalhadores estão
massivamente insatisfeitos com o governo do PT, em particular depois
da traição do discurso da última campanha
eleitoral e o subsequente aprofundamento da crise econômica, do
ajuste fiscal, etc. Em alguns setores importantes há lutas e
mobilizações, mas de forma atomizada e insuficiente
para conter os ataques da patronal de modo geral e enfrentar a crise.
Há ódio ao PT e em menor medida ao PSDB, e grande
rejeição dos políticos em geral. Reina a
desorganização, a falta de confiança nas
entidades, sindicatos, associações, movimentos,
partidos, por conta do exemplo desastroso da trajetória do PT
e da CUT. A classe está dispersa, desprovida de organismos,
identidade, ideologia e projeto.
Se não
é nem impeachment nem defesa do governo, o que é?
A
sensibilidade e a paixão “esquerdista” de milhares de
pessoas foi capturada pelo projeto de defender o PT e foi perdida (ao
menos temporariamente) para o projeto urgente de reconstruir uma
referência de esquerda para o país. A esquerda anti
governista desapareceu na irrelevância nos dias mais agudos da
crise atual, desde o dia 4/03, data da condução
coercitiva de Lula, até o retorno triunfal (do ponto de vista
da burocracia) do apoio ao PT nas ruas no dia 18/03. Com sua
incompetência e insignificância, a oposição
de esquerda não foi capaz de organizar um ato, uma
manifestação, uma declaração, um
acontecimento sequer minimamente digno de nota durante todos esses
dias. Está marcando um ato para o distante 1º de abril,
dia da mentira. A esquerda anti governista se converte em piada
pronta...
A
situação é grave, ou mesmo dramática, do
ponto de vista de um projeto dos trabalhadores. Não será
resolvida por meio de uma palavra de ordem genial, como dissemos na
parte 2. As táticas devem ser o ponto de chegada, e não
o ponto de partida, e as palavras de ordem de um programa de
reivindicações devem ser o resultado de um processo
real de construção, que seja a síntese mais
avançada do movimento em seu processo de relançamento.
O que podemos alinhavar por enquanto são algumas orientações
gerais para a reconstrução do movimento e de uma
perspectiva dos trabalhadores:
-
independência de classe: nem se somar ao atual movimento pelo
impeachment, nem defesa do governo. Não ceder à
tentação superestruturalista, imediatista, oportunista,
de surfar em alguma dessas ondas, fazendo unidade com os inimigos de
classe (que são a oposição burguesa e o PT), com
base em miragens eleitorais ou acordos de cúpula. É
preciso resgatar o sentido de identidade de classe, como fundamento
para um movimento futuro que vise superar não apenas a crise
atual, mas o próprio sistema capitalista, e isso só é
possível sem depositar nenhuma confiança em agentes
substitutos, sejam eles quais forem. A emancipação dos
trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores;
-
unificação das lutas: todas as greves, lutas e
mobilizações têm que ser apoiadas, divulgadas,
amplificadas. É preciso que os trabalhadores reaprendam que a
luta de cada setor da classe beneficia a todos, e que as lutas
conjuntas têm muito mais chances de serem bem sucedidas. Para
isso, é preciso unificar os calendários das campanhas
salariais, as assembleias, os atos, os piquetes, etc., de forma a
potencializar as forças no enfrentamento com a patronal e o
Estado;
-
unidade da esquerda: construir frentes, fóruns, blocos,
espaços que agrupem as organizações e ativistas
hoje dispersos, de forma que os participantes das lutas tenham um
ambiente comum onde possa ser discutida a linha política e os
rumos da luta. Realizar encontros, plenárias, congressos, a
partir da base e dos setores em luta, convergindo para encontros
nacionais, de forma orgânica e representativa do que houver de
mobilização. Nenhum dos partidos ou centrais sindicais
hoje existentes tem a capacidade de propiciar sozinhos esse ambiente.
Temos que criar uma estrutura acima e superior a todos eles, que
possa proporcionar a síntese necessária das lutas em
curso e o seu programa real, nascido do solo da luta de classes (e a
partir daí desenvolver as bandeiras e palavras de ordem). Esse
agrupamento pode ter uma expressão eleitoral para projetar as
lutas (e não o contrário, como hoje acontece, em que os
partidos se servem da luta de classes para se projetar nas eleições)
e uma expressão sindical que sirva como referência de
organização (e não, como acontece hoje, chapas
de oposição que só aparecem na época das
eleições sindicais e campanhas salariais, sem
funcionamento regular e vida orgânica) para os enfrentamentos
gerais e imediatos. Para o grave momento atual, temos que contar com
o maior número de partidos, organizações
políticas, correntes sindicais, movimentos e coletivos de luta
pela terra e por moradia, movimentos e coletivos de juventude,
movimentos e coletivos de mulheres, negros e LGBTs, grupos culturais,
intelectuais, ativistas individuais, etc. Todos têm que dar sua
contribuição e construir democraticamente um movimento
políticos dos trabalhadores;
-
organização de base: retomar o trabalho de base que
esteve presente na fundação do PT, com a formação
de organizações por local de trabalho, de estudo e de
moradia. Oposições sindicais, coletivos, associações,
etc., todos os espaços e formas de organização
possíveis têm que ser aproveitados para estabelecer o
diálogo com os trabalhadores. Em geral a esquerda erra por
colocar o carro na frente dos bois: começa querendo convencer
os trabalhadores do seu partido ou central sindical (numa disputa
acirrada e dispersiva com as demais correntes), antes que estejam
devidamente convencidos e consolidados em uma frente de luta, um
coletivo de base de qualquer natureza. Temos que percorrer o caminho
inverso, atraindo os trabalhadores, discutindo suas demandas e
questões imediatas, estabelecendo uma relação de
confiança, para que seja possível elevar gradualmente
sua consciência dessas demandas imediatas em direção
às gerais;
-
disputa ideológica: enfrentar o discurso da direita que tem
ganho espaço na esteira da decomposição do PT,
contrapondo a defesa da luta dos trabalhadores e dos setores
oprimidos e denunciando as contradições do capitalismo
e seus defensores, usando todos os meios de comunicação,
desde panfletagens de massa até as redes sociais da internet.
Temos que ter a consciência de que estamos num momento em que
algo do porte do que foi o PT na sua origem tem que ser construído
de novo, do zero. Não necessariamente um partido político
eleitoral ou uma central sindical, mas um processo por meio do qual a
classe possa se colocar como sujeito histórico. O problema
fundamental é que toda a disputa em torno da permanência
ou não do PT no governo concentra a discussão no
controle do Estado. E enquanto se discute o Estado, não se
discute o capital, a mais valia, a exploração, a lei do
valor e o fetichismo que seguem governando nossas vidas diariamente.
Precisamos construir um novo movimento político dos
trabalhadores, e ao mesmo tempo precisamos construir uma nova
consciência radicalmente anticapitalista.
19/03/2016
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