10.12.16

Primeiramente, construir a greve geral


A volta dos coxinhas e a continuidade da crise
No dia 4/12 aconteceram em várias cidades novas “mini-festações” contra a corrupção, contra a tentativa de anistia do caixa 2 que estava em discussão no Congresso, contra o presidente do Senado Renan Calheiros e em favor da Operação Lava Jato (sic) e do juiz Sérgio Moro. Essas manifestações reuniram setores das camadas médias da população, pequenos empresários, profissionais liberais, assalariados de alta renda, etc., aproximadamente com a mesma composição dos atos que proporcionaram o contexto cênico para o processo de impeachment de Dilma, mas em número muito menor e mais esvaziado do que em tal movimento.
Esses novos atos “coxinhas” aconteceram no contexto de uma fritura do governo Temer (o mesmo que foi entronizado na sequência do movimento coxinha anterior), cujo fundamento é a continuidade da crise econômica. Com a remoção de Dilma, a burguesia esperava encaminhar uma solução rápida para a crise, mediante a implantação de uma agenda de “ajustes” mais radicais do que aqueles que vinham sendo aplicados pelos governos do PT contra os trabalhadores. A burguesia precisa de todas as formas reduzir salários e direitos, rebaixar as condições de trabalho, aumentar a intensificação e a exploração do trabalho, cortar benefícios sociais, sucatear serviços públicos, desviar mais recursos do Estado, como forma de retomar a lucratividade.
Mas as políticas chamadas de “austeridade” (que na verdade são de uma imensa prodigalidade em favor dos banqueiros e grandes empresas), ao invés de alavancar uma retomada do crescimento, estão asfixiando a economia desde a gestão de Joaquim Levy/Bradesco no ministério do segundo governo Dilma, e não produziram outra coisa que não a explosão do desemprego e da miséria. Agora, a burguesia quer ainda mais desemprego e miséria, e de forma mais acelerada. A deterioração das condições de vida dos trabalhadores, o aumento da exploração e da miséria são condições para que o capitalismo continue funcionando no Brasil e em qualquer lugar do mundo, no atual contexto de crises cada vez mais graves e recuperações cada vez mais pífias.

A fritura de Temer
Uma solução real para a crise (para não falar de uma revolução socialista) teria que partir do não pagamento da dívida pública e da tributação das grandes fortunas, dos lucros e dividendos, para que o Estado tivesse condições de investir em políticas sociais e serviços públicos. Essa solução real não está no horizonte imediato, nem do atual governo, nem do PT, e infelizmente não há outra força social organizada capaz de defendê-la. Sendo assim, a crise vai continuar, e com ela o desemprego, a miséria, a violência e outros sintomas de barbarização social galopante. A questão atual é que o governo Temer também não está sendo capaz de aplicar esses ataques e a burguesia começa a perder a paciência.
Essa incapacidade do governo se manifesta nas seguidas crises e defecções: seis ministros já abandonaram o governo em seis meses, em meio a denúncias das mais diversas. O penúltimo deles apresentou provas de que o próprio presidente o pressionou a usar seu cargo de maneira ilegal para favorecer um outro ministro, que viria a ser o último a cair. Uma operação abafa foi montada para tentar defender Temer, destacando mais a quebra de confiança no ato de um ministro gravar a conversa com seu superior do que a gravidade do que foi gravado (curiosamente, os mesmos que se indignaram hipocritamente com essa gravação silenciaram convenientemente quando o vazamento da conversa de Dilma e Lula serviu para alavancar o impeachment). Mesmo assim, a sequência de escândalos enterrou de vez qualquer possibilidade de que o governo Temer pudesse ser ainda percebido por algum incauto apoiador como algo qualitativamente diferente do anterior chefiado por Dilma.
E na verdade, era impossível que assim o fosse, já que Temer e sua facção eram também integrantes do governo anterior (Meirelles/BankBoston e Geddel foram ministros de Lula, etc.). O PT era o setor mais coeso e ideologicamente consistente no governo “impeachmado” (o que não quer dizer que fosse “de esquerda”, nem “socialista”, nem sequer desenvolvimentista), de modo que o que sobrou sob o comando de Temer foi a sua banda podre. Não se poderia esperar que esse setor mais putrefato do governo anterior pudesse realizar uma gestão efetiva, funcional, consistente.
O PT foi afastado do governo federal e foi massacrado nas eleições municipais subsequentes sob a justificativa de que se tratava de uma quadrilha de corruptos e incompetentes. Na verdade, era uma organização que vivia do aparelhamento do Estado e da demagogia de um passado de lutas e de um favorecimento meramente decorativo dos mais pobres. Mas foi com o estigma de corrupto e incompetente que o PT foi removido, mediante intenso trabalho midiático de destruição da sua imagem. Agora, sem qalquer bombardeio midiático e por suas próprias deficiências escancaradas, ficou muito evidente que Temer e sua turma são tão corruptos e incompetentes quanto o PT, e isso no tempo recorde de pouco mais de seis meses. O discurso de que a remoção do PT seria uma faxina para remover o que estava atrasando o país não convence mais ninguém, nem os néscios que acreditaram nele, porque a imundície continua sendo soprada incansavelmente pelo ventilador.
O papel dos partidos e dos poderes do Estado
Para a burguesia essa inconsistência de Temer é um problema, pois a classe dominante precisa de gestores com prestígio e autoridade para efetivar os ataques. Nesse sentido, já começam a surgir rumores de que Temer também poderia ser afastado para que um novo gestor fosse entronizado, por meio de eleição indireta (conforme previsto para o caso do sucessor de um presidente impeachmado cair na segunda metade do mandato) em 2017, sendo o nome de FHC cogitado em alguns círculos para ocupar esse posto. A vantagem desse nome para a burguesia decorreria da diferença específica entre o PSDB e os demais partidos burgueses.
O PT tem enorme influência sobre o Poder Executivo, graças ao papel de Lula em todas as eleições presidenciais diretas no país, desde 1989, seja como candidato, seja como fiador de Dilma, e novamente como nome forte para 2018. O PMDB controla o legislativo devido à habilidade de costurar acordos fisiológicos regionais com todos os tipos de caciques e coronéis e as lideranças dos partidos de aluguel menores. O PSDB, por sua vez, controla o Judiciário, escapando assim ileso de condenações e investigações por corrupção, mesmo estando tão metido em negociatas quanto os outros dois. Na verdade, os atuais atritos entre Executivo, Legislativo e Judiciário expressam uma disputa nos bastidores entre PMDB e PSDB pelo controle do Estado.
Justamente nesse momento, por coincidência, a mídia começa a dar destaque para o conflito entre o Judiciário e o Legislativo (mais especificamente, o Senado de Renan Calheiros), por conta da votação de medidas anti-corrupção (perfumaria inútil, já que a corrupção é inerente ao Estado capitalista), as quais foram descaracterizadas pelo Congresso, que ainda por cima quis emplacar medidas contra o abuso de poder de juízes e procuradores do ministério público. O Judiciário respondeu removendo Renan da presidência do Senado, temporariamente, apenas como chantagem para que ele retirasse de pauta o projeto sobre abuso de poder, o que foi obtido de modo a que mais uma vez tudo terminasse em pizza.
Nesse meio tempo, porém, os setores mais coxinhas da sociedade ficaram alvoroçados com a ousadia do Legislativo e se perfilaram em apoio ao Judiciário e seus novos herois, os procuradores, o juiz Moro, etc. A característica do Judiciário como um poder supostamente neutro, técnico, imparcial, combina perfeitamente com a ideologia tecnocrática e meritocrática das camadas médias da população, que se iludem com essa miragem de uma limpeza ética do Estado (mesmo que também venham à tona as iniquidades do Judiciário, supersalários e benefícios espúrios, etc.). Dessa forma, o Judiciário se habilita como uma espécie de reserva política do Estado burguês, num momento em que o Executivo e o Legislativo estão profundamente questionados e desmoralizados para aplicar as medidas da classe dominante. Nessa divisão de tarefas os três poderes se revezam no primeiro plano da cena, mas a essência burguesa do Estado se mantém a mesma em qualquer caso.
Rapinantes farejando a carniça
O PT e seus defensores chegaram a se assanhar com a fritura de Temer, como se isso representasse algum tipo de desagravo em favor de Dilma. Ao mesmo tempo, a incapacidade da Lava Jato (sic) de encontrar provas contra Lula vai ser usada para credenciá-lo como opção para 2018. Para os petistas e seus simpatizantes, os coxinhas que sairam a se manifestar contra Temer estariam dando provas de analfabetismo político, ou sendo forçados a admitir que foram manipulados como massa de manobra em favor do impeachment. Mas na verdade não é disso que se trata. O PT se recusa ainda a reconhecer que caiu do governo (e foi massacrado nas eleições municipais) por não ter sido capaz de atender reivindicações mínimas (explícitas ou implícitas) da base da classe trabalhadora que ele carrega indevidamente no seu nome, para não falar em organizar essa classe para a luta (sobre isso, ver nosso texto sobre as eleições municipais: http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/10/e-preciso-uma-politica-para-alem-do-voto.html ). Sem isso, o PT não teria e não teve base social para resistir, e não adianta reclamar dos coxinhas que não reconhecem a própria burrice. Mesmo assim, amparado nessa ilusão, o PT sonha em capitalizar em cima da fritura de Temer, e em reabilitar as figuras de Lula e Dilma. Mas num primeiro momento, o beneficiário imediato mais provável da fritura de Temer pareceu ser o PSDB e FHC. Do ponto de vista tucano, a narrativa não poderia ser mais perfeita: depois de construir o repúdio ao PT com a ajuda da mídia (aquela pecha de corrupção e incompetência) e de deixar as medidas mais impopulares sob o encargo do PMDB, o PSDB apareceria como algo isento de todos esses pecados. Mais ou menos da mesma forma como Dória foi tirado da cartola direto para a Prefeitura de São Paulo, com sua imagem repugnantemente irretocável de mauricinho da Avenida Paulista. O que há de mais velho e elitista na política nacional apresentado com o “novo” e “não político”.
Não se pode deixar de notar o quanto esse plano de voltar à presidência pela via indireta seria uma expressão da imensa vaidade ferida de FHC, que jamais engoliu o fato de que Lula tenha sido muito mais popular do que ele sonhou em ser. Vaidade e maquiavelismo mediante, a ameaça foi suficientemente crível para que alguns já se antecipassem lançando o “Fora FHC”. Quando o balão de ensaio com o nome de FHC alçou seu vôo, os mais afoitos começaram a falar em “golpe dentro do golpe”, numa analogia ao endurecimento do regime militar, o advento de uma linha dura implacável na repressão, principalmente a partir de 1968. De acordo com essa versão, o PSDB seria o verdadeiro beneficiário final e autor intelectual secreto do “golpe” contra Dilma, que lhe permitiria assim alcançar novamente a presidência que não consegue pelas urnas.
FHC chegou até a escrever um artigo jornalístico (disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/04/opinion/1480858759_359019.html ), requentando a sua velha imagem de intelectual. No texto ele se posiciona habilidosamente em um lugar “equilibrado” no debate sobre a realidade contemporânea, reafirmando como de praxe a crença no capitalismo, mas derramando lágrimas de crocodilo em falsa solidariedade com os desfavorecidos da globalização e também se colocando “à esquerda” de fenômenos como Trump. Tudo isso no típico linguajar weberiano, falando muito e não dizendo nada, mas mesmo assim aparecendo como “isento”, respeitável, ao gosto tecnocrático da burguesia brasileira. Com isso, busca aparecer como aquele gestor “neutro” e técnico que a classe dominante espera em momentos de crise.
O império contra-ataca
Em meio à sua fritura acelerada e à visão de tucanos eriçando a plumagem, Temer dobrou as apostas e lançou a proposta da Reforma da Previdência, para unificar novamente a burguesia em seu favor, tentando mostrar que será sim capaz de aplicar a ferro e fogo os “ajustes” mais pesados e antipopulares. De quebra, não deixou também de dar uma leve queimada nos tucanos, em especial Alckmin, contra quem coincidentemente vazaram denúncias de propina, enquanto Moro queimava a si mesmo ao se permitir trocar confidências amáveis com Aécio em um evento público, para deleite das redes sociais.
O anúncio da Reforma da Previdência suspendeu as especulações anteriores e obrigou a burguesia a defender o seu gerente de plantão. As mini-festações coxinhas do dia 4/12 já chegaram a expressar o apoio à PEC 55 (ex-241) como um “remédio amargo” de que o país precisa para se recuperar da crise em que, de acordo com os organizadores, o PT nos meteu. Agora, a fritura está em banho maria e todos os esforços da mídia estão voltados para alavancar o mito do suposto déficit da Previdência e da necessidade inadiável da sua reformulação, para construir o apoio necessário para essa medida, em que Temer não poderá mais se permitir uma derrota.
Mesmo com essa dificuldade e lentidão da burguesia e seus capangas no Estado para contornar a resistência ou mau humor da população, os ataques acabarão passando, se essa resistência não se transformar em força organizada. E aqui cabe, mais do que discutir as opções e personagens da burguesia, encontrar uma perspectiva para a resistência dos trabalhadores. Toda a discussão conduzida até aqui serve apenas para nos localizar sobre como se conduzem as facções da classe dominante. Como num filme de máfia, depois que o equilíbrio é rompido, todos os aspirantes ao posto de chefão atraiçoam uns aos outros, atiram para todos os lados, e não se sabe quem irá prevalecer no final. Esse é o cenário na superestrutura política.
Na base da sociedade, na classe trabalhadora, a hostilidade potencial contra medidas como a Reforma da Previdência e a terceirização geral não vai se transformar em resistência efetiva se não houver um impulso real de organização e mobilização. Sem isso, as medidas de ajuste vão passar, seja com Temer ou FHC, e também com Lula, é preciso dizer. Nunca é demais lembrar o papel do PT na gestação de todo esse processo, porque tanto os petistas orgânicos quanto aqueles que se aproximaram da órbita petista na esteira da malfadada resistência ao “golpe” já se apressam em construir uma narrativa em que a continuidade da crise ou seu aprofundamento, tanto na esfera da economia como na política, sucessivos escândalos de corrupção, crise entre os poderes, etc., provam que teria sido melhor manter Dilma na presidência, e assim, mostram que a solução para os problemas do país será eleger novamente Lula em 2018.
Essa narrativa que está sendo construída pelo PT e seus satélites só pode levar a mais derrotas. Ela oculta o fato de que as medidas de “ajuste” requeridas pela burguesia somente serão derrotadas mediante um imenso processo de organização e mobilização que é urgente construir. A narrativa do “golpe”, e a do “golpe dentro do golpe”, a tentativa de reabilitar Lula e Dilma, etc., só servem para substituir ações reais de luta (que o PT nunca desenvolveu nem fará agora) pela esperança vazia de uma vitória eleitoral.
Um novo mandato de Dilma ou de Lula (ou de Ciro Gomes, coligado com o PT, como também já está sendo cogitado alternativamente) não vai servir como defesa contra as medidas da burguesia. O PT não tem desacordo com essas medidas, tanto assim que tentou permanecer no governo federal praticamente implorando para que a burguesia lhe permitisse implantá-las. A resistência do PT ao “golpe” na verdade não existiu, porque uma resistência real significaria romper os acordos com a burguesia que permitiriam que o partido continuasse como participante do jogo político e eventualmente voltasse ao governo.

De novo sobre o petismo como beco sem saída
O PT não resistiu ao “golpe” mesmo tendo o controle direto sobre a CUT (e indireto sobre alguns outros aparatos que dirigem movimentos sociais como UNE, MST e MTST), a qual tem sob seu comando mais de 3000 sindicatos e entidades filiadas. Dezenas de milhares de dirigentes sindicais petistas encastelados nessas entidades estão dispostos a deixar passar retrocessos que vão fazer os direitos trabalhistas recuar em nada menos do que um século inteiro, porque têm muito mais medo de algo muito pior para eles, um processo de mobilização real a partir da base das categorias, que os arranque dos seus cargos. A mobilização necessária para enfrentar os ataques não vai ser feita pelo PT, da mesma forma como este não fez mobilização alguma para enfrentar o “golpe”.
O PT não quer, não pode e não seria capaz de mobilizar de fato os trabalhadores. O PT não quer porque seus integrantes já se tornaram parte da gestão do capitalismo brasileiro, por meio de vínculos com os fundos de pensão, diretorias de estatais, etc. A CUT não era apenas uma central governista quando o PT estava no governo, é uma central pró-capitalista, que pratica o mesmo tipo de sindicalismo pelego e de conciliação de classes vigente no restante do mundo, em que as entidades sindicais funcionam como co-gestores ao lado dos departamentos de recursos humanos das empresas.
O PT não pode mobilizar os trabalhadores, porque para isso teria que colocar em discussão as pautas verdadeiras da classe. Caso fosse feito aquilo que seria realmente necessário para enfrentar os “ajustes” da burguesia, um gigantesco movimento de reuniões nos locais de trabalho, plenárias, assembleias, em cada categoria, incansáveis, sucessivas, insistentes, convergindo para plenárias gerais entre categorias, panfletagens massivas em locais de grande circulação, terminais de ônibus, trens, etc., atos de rua, manifestações de massa, ocupações, trancamento de vias públicas e estradas, paralisação da produção e por fim se avolumando uma greve geral; caso tudo isso fosse posto em movimento, as demandas da classe iriam passar por cima da própria CUT, do PT e de seus interesses como gestores do capitalismo.
Finalmente, o PT também não seria capaz de mobilizar de fato, nem numa situação de vida ou morte (do ponto de vista de Dilma, aliá, a morte já ocorreu), nem sequer num nível inferior ao que foi descrito acima, porque esses dirigentes sindicais da CUT não têm moral para isso. Graças ao tipo de sindicalismo praticado pela central nas últimas décadas, os seus dirigentes estão há anos ou décadas afastados dos locais de trabalho, não pisam no chão de fábrica, na sala de aula, na agência bancária, não conhecem mais a realidade dos trabalhadores (porque não a vivem), e não são reconhecidos pelos trabalhadores como um dos seus (porque de fato já não são).

Correndo contra o tempo
O PT e a CUT são instrumentos da gestão capitalista do país, e quanto mais se prolongar a ilusão de que podem ter alguma utilidade para o enfrentamento dos ataques da burguesia, seja no terreno eleitoral ou prático da luta de classes, mais tempo vamos demorar para construir as medidas necessárias para a resistência, como esboçadas acima. Romper com qualquer ilusão no PT, na CUT e seus satélites e partir para o trabalho de organização e mobilização da classe são as tarefas urgentes.
Infelizmente, a maior parte das organizações baseadas na classe trabalhadora que fazem oposição ao PT ainda estão muito aquém dessa tarefa. O eleitoralismo do PSOL e a acomodação sindical do PSTU/Conlutas impedem que os processos de organização necessária tomem corpo. Derrotas graves como a PEC 55 e a Reforma do Ensino Médio já passaram e vão exigir um esforço colossal e prolongado para serem eventualmente revertidas, e outras mais vão passar se não houver uma resistência mais massiva da classe, para a qual seria preciso uma reorientação radical dessas organizações (ou talvez o surgimento de organizações novas, que não sejam mais do mesmo). Perdemos os anos de 2015 e 2016 oscilando entre um apoio envergonhado à remoção de Dilma por parte do PSTU e uma defesa mais ou menos disfarçada do PT por parte do PSOL e os demais.
O “Fora Temer” que unificou todos eles, sem que os trabalhadores tenham uma alternativa de poder real para enfrentar o Estado, na prática serve apenas para jogar água no moinho de saídas eleitorais, em que se sobressaem algumas das forças listadas acima (o PT ou o próprio PSDB). Ao invés de buscar esse tipo de saída superestrutural (do tipo “fora fulano” ou “volta fulano”) as organizações baseadas na classe trabalhadora tinham que buscar construir junto à classe um programa para o enfentamento da crise no país à partir de suas reivindicações e lutas concretas. O foco tinha que ser a luta concreta contra cada um dos ataques da burguesia e o levantamento de reivindicações opostas. Contra a Reforma do ensino médio, contra a PEC do fim do mundo, contra a Refoma da Previdência, etc., em defesa dos salários, direitos e serviços públicos.
Ao mesmo tempo, paralelamente, tem que ser feito o enfrentamento ideológico em defesa dos movimentos sociais e organismos da classe, contra o descrédito em que o PT os lançou (mais uma razão para romper e criticar o mais radicalmente possível o PT), e que por sua vez abriu caminho para o avanço de concepções reacionárias, desde os neopentecostais até os defensores da ditadura, do patriarcado, etc. É preciso fazer a defesa dos sindicatos, dos movimentos sociais, do feminismo, das cotas, etc., insistentemente e em todos os fóruns possíveis, porque não se pode conceder que sejam tratados como “coisa do PT”.

Lutar, enquanto ainda há tempo
A preocupação principal das organizações tinha que ser a busca dessa inserção na base da classe trabalhadora e a organização concreta de suas demandas. Prolongar a ilusão de que algum tipo de solução superestrutural do tipo “fora fulano” ou “volta fulano” sirva para alguma coisa na verdade atrapalha na construção das medidas de luta necessárias. As palavras de ordem voltadas para o poder político se transformaram numa espécie de fetiche para as organizações, que mascara com uma falsa radicalidade a falta de capacidade de disputar realmente o poder, a falta de uma base social real, a falta de penetração ideológica junto à classe. Da mesma forma, os atos superestruturais como os dos dias 11, 25 não acumulam a força necessária, apenas desgastam a militância das organizações e prolongam a ilusão de que “algo está sendo feito”.
Ao invés de atos superestruturais negociados com a cúpula das centrais pró-capitalistas, pelegas e burocráticas, as organizações combativas tinham que concentrar todos os seus esforços para construir uma agitação massiva diretamente sobre a base das categorias, sobre as principais estruturas e concentrações de trabalhadores, terminais de transporte público, redes sociais, etc., chamando os trabalhadores a se organizar e lutar. É preciso romper com essa prática ossificada e inútil, protocolar, de “chamado” às centrais pelegas, CUT, CTB, Farsa sindical, etc., para que “organizem a greve geral”. Essas grandes centrais não vão fazê-lo, pelos motivos que descrevemos acima em relação à natureza da CUT. Ir aos locais de trabalho, reunir-se com os trabalhadores, panfletar, fazer com que a base da classe exija e pressione por mobilização é a única forma de garantir que isso aconteça.
O Brasil entra de vez na rota mundial da luta contra a “austeridade”, ao lado de países como os da periferia europeia, que estão vivenciando o desmonte das suas conquistas sociais. Lá como aqui, as burocracias sindicais e os partidos eleitorais “de esquerda” (ou até “extrema esquerda” tipo Syriza) são os agentes diretos ou indiretos da implantação dos ataques contra os trabalhadores, por meio da ação, enquanto governo, ou da omissão enquanto braço sindical da burguesia. Temos que aprender com as lutas que já estão se travando nesses países, e entender que é preciso concentrar todas as forças das organizações da classe (que são hoje minoritárias) em ir diretamente às bases e contornar o obstáculo das direções pró-capitalistas.


Sobre a descriminalização do aborto


No dia 29/11 uma decisão do Supremo Tribunal Federal absolveu médicos por terem realizado um aborto antes do 3º mês de gestação. Como se trata de um julgamento da mais alta corte do país, com efeito vinculante sobre instâncias inferiores, na prática descriminalizou-se o aborto no país antes do 3º mês. Note-se que a decisão foi tomada em favor de uma ação que visava inocentar os médicos e funcionários de uma clínica, não como um reconhecimento do direito da mulher. Dessa forma, a decisão está longe de garantir o atendimento adequado para que o procedimento seja feito sem risco no sistema de saúde público, ele apenas permite que os envolvidos sejam inocentados em ações judiciais futuras. Ainda será preciso uma luta imensa para que esse direito seja plenamente garantido.
Mesmo porque, imediatamente depois do julgamento, os setores reacionários que são maioria no Congresso se articularam para iniciar um movimento visando modificar a legislação, de modo a neutralizar a decisão do STF. O debate então se espalhou por toda a sociedade, polarizando o país entre os contrários e favoráveis à decisão, e aqui apresentamos uma contribuição. Em meio a tantos retrocessos e ataques contra os direitos e condições de vida do conjunto da população (como a PEC 55 votada em primeiro turno no Senado na mesma semana e o anúncio da Reforma da Previdência), essa rara decisão sensata do STF precisa ser defendida da pressão reacionária, pelos seguintes motivos:

1. Da forma como está estabelecida, a proibição do aborto é desigual e injusta para com metade da população, a metade feminina. A mulher está proibida de abortar, mas o homem não está obrigado a se responsabilizar pela criança que gerou. Independentemente da continuidade ou não do relacionamento que deu origem à gravidez, a responsabilidade pela criança gestada tinha que ser dos dois envolvidos. Essa responsabilidade não pode recair apenas sobre a mulher, pelo simples fato biológico de que ela carregará as consequências da relação no próprio corpo na forma de uma gestação. A gestação não existira sem a participação dos dois, portanto os dois tinham que ser igualmente responáveis pelas consequências. Mas isso não acontece, e a sociedade hipocritamente absolve os homens e condena as mulheres obrigando-as a arcar sozinhas com a gravidez.
O abandono masculino está plenamente legalizado e acontece aos milhões (5,5 milhões de crianças não possuem sequer o nome do pai na certidão de nascimento, conforme http://exame.abril.com.br/brasil/brasil-tem-5-5-milhoes-de-criancas-sem-pai-no-registro/), de modo que esses milhões de bebês se tornaram um encargo exclusivo das mães. Além disso, o simples ato do registro não obriga os pais a dividir cuidado, sustento e preocupação com os filhos, como é socialmente exigido das mães. Para além dos milhões de homens que nem sequer registram os filhos, há outros tantos ou muitos milhões mais que se omitem e se ausentam completamente. Ressalte-se ainda que o abandono masculino é muito mais cruel do que o aborto, porque atinge um ser humano já vivo, capaz de sentir e pensar, que sofrerá as consequências pelo resto da vida, enquanto que o aborto antes do 3º mês atinge fetos ainda em formação, que nem sequer sentem nem pensam.
O mero pagamento de pensão alimentícia (quando acontece regularmente) ou visitas periódicas está muito aquém do necessário para compensar o volume de tempo e esforço que é exigido da mãe. Por quê continua sendo considerado “natural” que a mãe tenha toda a responsabilidade com os filhos, ou não só isso, que seja carinhosa, amorosa, faça sacrifícios pessoais, financeiros, de tempo, etc., em favor dos filhos, de uma forma que não é exigido dos pais? Por quê o tratamento é assim desigual? Só há duas formas de se reparar essa injustiça: ou se obriga os pais a ter igual responsabilidade na criação dos filhos, ou se autoriza o aborto para as mulheres, dando a elas o direito de também se desresponsabilizar com o resultado de uma relação sexual, como os homens já fazem.
Alguns vão dizer que há pais que são excelentes ou “melhores” que certas mães, mas eles são justamente a exceção que se destaca porque contrasta com a regra geral que é a omissão masculina. Outros vão dizer que nem todas as mães cumprem assim tão fielmente com os “seus deveres”, nem todas são assim tão responsáveis, cuidadosas, amorosas, etc., com seus filhos. Mas isso justamente ilustra o fato de que muitas mulheres e jovens não querem, não estão preparadas e não têm condições de serem mães, e deveria lhes ser permitida a alternativa de interromper a gravidez antes de gerar um filho que não poderão criar, como é permitido aos homens fugir do problema covardemente.

2. Uma segunda injustiça na proibição do aborto está no fato de que mesmo probido ele continua sendo praticado aos milhões, mas com mais riscos para algumas mulheres do que outras. Uma pequena parte das mulheres, as que tem mais recursos financeiros, podem fazer aborto de maneira mais segura e discreta (claro que nunca de forma 100% segura, já que não há como responsabilizar os médicos em clínicas clandestinas, mesmo as mais caras), mas a grande maioria, as mulheres e jovens pobres, são obrigadas a fazê-lo de maneira ainda mais precária, sujeitas a mortes e sequelas, que acontecem aos milhões. Estando proibido ou não, o aborto será feito. A proibição apenas pune as mulheres, principalmente as pobres. A descriminalização criará a base para que se possa exigir legalmente o tratamento adequado para que se possa evitar mortes, sequelas e sofrimentos para milhões de mulheres. Trata-se de um problema de saúde pública, de defesa da vida das mulheres, não de moral.

3. Além de ser injusta, a proibição do aborto é extremamente hipócrita, porque é feita em nome da “defesa da vida”. Antes de pensar na vida dos que ainda não nasceram, não se pensa na vida dos centenas de milhões, ou mesmo bilhões, que já estão nascidos e vivem hoje em meio à miséria, fome, violência, doenças, ignorância, barbárie, catástrofes. E isso num mundo que possui plenas condições para prover uma vida de conforto e realização para todos, mas não o faz porque está estruturado de maneira profundamente injusta. Quem está realmente preocupado com a vida tem que lutar para mudar esse mundo, para melhorar as vidas dos que já estão vivos, antes que possa receber mais vidas.
Toda a histeria em “defesa da vida” deveria estar engajada numa luta real para acabar com as injustiças desse mundo, acabar com a pobreza, com a fome, com as doenças, etc. Para isso, é preciso lutar por mudanças sociais muito profundas e que exigirão esforços enormes. Para não falarmos em uma revolução de fato, que exigiria medidas com as quais nem todos ainda concordam, há uma série de outras mudanças possíveis e necessárias: é preciso acabar com o desemprego (reduzindo a jornada de trabalho sem redução de salário, por exemplo), garantir direitos para todos, acabar com a sonegação de impostos que faz com que os pobres paguem muito mais do que os ricos, acabar com o parasitismo financeiro do sistema da dívida pública que asfixia os países pobres (quase todo o montante das dívidas é ilegal, abusivo), garantir financiamento público para educação, saúde, moradia, transporte, etc., acabar com as consequências da mudança climática e da poluição do ar, das águas, do solo, acúmulo de lixo, etc., que atinge principalmente os países pobres, etc.
Medidas desse tipo exigiriam um engajamento gigantesco. Quem diz que está defendendo a vida tinha que estar lutando pela implantação dessas medidas, participando de partidos políticos, sindicatos, associações profissionais, movimentos sociais, manifestações, etc., e não apenas destilando platitudes morais sobre a “vida” na internet, eivadas de preconceitos e superficialidade. Participar de atividades religiosas nesse caso não conta, já que essas estão voltadas para “salvar a alma” das pessoas, não melhorar sua vida material. Estamos falando aqui de participação política e social real.
Defender a vida significa defender que todos tenham alimentação, moradia, saúde, educação, emprego, lazer, cultura, meio ambiente saudável, etc. Quando tudo isso for atingido no mundo inteiro, aí sim poderemos debater sobre a “defesa da vida” para os que ainda não nasceram. Sem isso, o que se tem hoje, para a imensa maioria da humanidade, é uma sobrevida miserável, e quando a vida de bilhões de pessoas é esse rosário de misérias e sofrimentos que conhecemos nos países pobres, todo discurso em “defesa da vida. é uma grosseira hipocrisia e não merece o menor crédito.
Para além da hipocrisia inerente a esse tipo de “defesa da vida”, ainda mais bizarro é o caso dos dementes que defendem a vida dos fetos, mas ao mesmo tempo dizem que “bandido bom é bandido morto”. São contra a descriminalização do aborto, mas são a favor da pena de morte, numa contradição verdadeiramente patológica. Querem obrigar as pessoas a nascer e viver, mas em condições as mais precárias e brutais, e quando essas pessoas se transformam em crminosos, querem ter o direito de matá-las. Justifica-se assim a violência policial e o extermínio de jovens pobres, pretos e periféticos, simplesmente porque não se quer conceder o direito das mulheres pobres e periféricas decidir se poderão cuidar daquela vida ou não. Querem tirar o poder das mulheres decidir sobre os fetos que carregam, mas ao mesmo tempo querem dar à polícia e à justiça o direito de decidir sobre a vida de seres humanos formados.
Aquele feto cuja mãe foi obrigada a gestar, mas sem a menor condição de se desenvolver humanamente, sem cuidados, sem afeto, sem moradia, sem acesso à saúde, educação, lazer, etc., submetido a maus tratos constantes da sociedade, privação, brutalidade, etc., se transforma no “bandido”, como se fosse uma raça à parte, não mais humano, que pode ser odiado e morto (isso sem falar no aspecto de que nenhuma autoridade policial e judicial pode ser investida do poder de decidir sobre a morte das pessoas, ainda mais notoriamente corruptas como no Brasil). Um mundo de irracionalidade, sofrimento e violência se reproduz cada vez mais bárbaro, entre outras coisas, além das razões estruturais da miséria, simplesmente porque não se permite que as mulheres decidam sobre a sua condição de gestar ou não os filhos.

4. Defender a descriminalização do aborto não significa fazer apologia do aborto, são coisas completamente diferentes. O aborto é a última medida de proteção para a mulher que engravida de forma não planejada, e que não quer ou não pode dar continuidade à gestação. Ninguém pratica aborto por esporte ou somente porque é permitido. Aliás, depois que é legalizado, o número de abortos diminui nos países que adotam essa medida, porque as mulheres têm acesso a acompanhamento médico adequado (ver por exemplo o caso do Uruguai, conforme https://noticias.terra.com.br/mundo/america-latina/uruguai-apos-legalizacao-desistencia-de-abortos-sobe-30,2e4163764976c410VgnCLD200000b1bf46d0RCRD.html ).
Somente os críticos do aborto o confundem propositalmente com método contraceptivo, com a suposição de que as mulheres passarão a engravidar em maior número simplesmente porque o aborto passaria a ser permitido. Essa suposição é inteiramente falsa, não condiz com a realidade de países onde a prática é legalizada. O aborto é sempre a última medida, antes disso é necessário educação sexual para prevenir e contraceptivos para não engravidar. Mas em caso de gravidez não planejada, é preciso que haja aborto seguro para proteger a vida e a saúde da mulher.
O receio de que o número de gestações e abortos aumente em função da descriminalização esconde em muitos casos uma concepção reacionária sobre a sexualidade da mulher. Muitos dos que querem proibir o aborto o fazem porque encaram a gravidez como castigo e querem punir mulheres que ousaram ter uma vida sexual ativa, como se tivessem que ser castigadas por fazer aquilo que todos os homens fazem. Trata-se de mais uma forma de hipocrisia e de controle patriarcais sobre a vida das mulheres, disfarçado de preocupação moral com a vida dos fetos.

5. O Estado é laico e não pode ter o direito de interferir na vida dos cidadãos com base nas crenças religiosas de uma parte da população, por mais disseminadas que estejam. Mesmo que 99% da população resolva acreditar em duendes, ou no Sr. Spock, ou em Gandalf, o Cinzento, ou em alguém que nasceu de uma mulher virgem, isso não lhes dá o direito de obrigar o restante 1% a viver de acordo com essa crença. Não é porque essa parte da população acredita que o feto já possui alma que a população inteira precisa se submeter a essa crença e proteger a vida dos fetos a qualquer custo, obrigando as mulheres a concluir a gestação de filhos que não poderão criar. Não é porque essa maioria acredita que o dever da mulher é ser mãe que toda mulher está obrigada a ser mãe. Quem achar que é errado abortar, porque ofende a sua religião, que não aborte, mas não obrigue as demais a seguir as regras da sua religião.
Cada um deve ter o direito de viver de acordo com as suas crenças, mas sem obrigar os demais a seguí-las. Quem quer divulgar as regras da sua religião, que o faça a quem está disposto a ouvir e seja capaz de convencer por métodos de persuasão racionais, não pela força. Aliás, quem realmente acredita na própria religião não precisa perder tempo tentando convencer os outros daquilo que considera verdade, precisa acreditar que essa verdade vai se impor e se provar verdadeira, pois do contrário não seria verdade. E antes de qualquer outra coisa, o convencimento verdadeiro só acontece por meio do exemplo e não por pregação. Então, quem realmente acredita numa religião deve viver de acordo com ela e se tornar exemplo para os demais, e assim fazer com que o sigam, não tentar impor regras aos outros. Nem muito menos usar a autoridade do Estado para impor essas regras.

6. O Estado não pode ter esse grau de interferência na vida privada dos cidadãos, de fiscalizar o útero das mulheres e obrigar que, uma vez engravidando, mesmo que de maneira não planejada, se tornem mães. O Estado não pode ter o poder decidir o que o indivíduo faz com seu próprio corpo, desde que não prejudique a vida de outros. Desde usar drogas (que é diferente de abusar de drogas e cometer crimes por conta do uso de drogas) a abortar um feto, nada disso interfere na vida de outro ser humano, e portanto não poderia ser criminalizado.
Por outro lado, se adotarmos o princípio de que a sociedade não pode interferir no comportamento de ninguém, desde que esse comportamento não prejudique a outrem, consequentemente torna-se preciso decidir em que momento um feto se torna “alguém” cuja vida passaria a ser de interesse da sociedade proteger. Mas ressaltamos que só consideramos esse princípio válido para uma sociedade que tenha condições de realmente proteger a vida dos seus integrantes. Portanto, essa consideração somente seria válida para uma sociedade que no mínimo tenha passado pelas reformas que mencionamos no ponto 3, não para a sociedade atual, que não respeita a vida de ninguém.
Nessa sociedade hipotética, que tivesse condições de proporcionar uma vida minimamente humana para todos, seria preciso, sim, estabelecer um critério para definir a partir de que momento um feto passa a ser considerado humano, já que nesse momento a defesa da sua vida passa a ser de interesse da sociedade. Um feto na véspera do parto não é um simples feto, não é a mesma coisa que um feto no 3º mês de gestação, já é um bebê humano viável e semiconsciente. A questão a ser respondida então é: a partir de que momento um feto deixa de ser um simples feto? Conforme as pesquisas científicas, os primeiros indícios de atividade cerebral consistente com aquilo que consideramos pensamento ou consciência não acontecem antes do 6º mês de gravidez (ver por exemplo o artigo de Carl Sagan e Ann Druyan, disponível em https://espacosevolutivo.wordpress.com/2013/07/17/aborto/, o qual apresenta uma série de outros elementos relevantes para esse debate).

Mas para não ficarmos num terreno puramente hipotético, discutindo sobre o que deveria fazer uma sociedade que tivesse condições de proporcionar uma vida decente para seus integrantes, e lidando com a sociedade que temos em mãos, o princípio a ser reafirmado é de que o Estado não pode ter o direito de interferir na decisão das mulheres sobre seu próprio corpo. Ainda assim, a presente decisão do STF que estamos discutindo abrange apenas abortos realizados antes do 3º mês, o que dá uma margem bastante segura para que se possa considerar que não há nada além de um punhado de células nos fetos abortados, muito distante de um ser com consciência e portanto com direitos. Dessa forma, o direito que deve ser protegido aqui é o das mulheres de decidir sobre seu próprio corpo.

9.12.16

Sobre Fidel Castro e a Revolução Cubana


A morte de Fidel Castro encerra um capítulo da história do século XX, e pela sua importância exige que se faça uma avaliação de sua trajetória, e do processo que ela sintetiza, a Revolução Cubana, para que se possa tirar lições desse processo e fudamentos para as lutas que precisamos seguir travando no século XXI.
Para começar, é preciso fazer algumas delimitações. Como em qualquer balanço histórico, é preciso empregar uma abordagem concreta, dialética, que é o oposto da prática rotineira e superficial que consiste em classificar personagens e fenômenos altamente complexos na moldura simplista de “heróis” e “vilões”, “contra” e “a favor”. Rejeitamos essa prática de saída, pois esse simplismo bidimensional só serve para atrapalhar o real ententimento da história. Ao mesmo tempo, de nada adianta a posição eclética, puramente jornalística, que neutraliza o papel dos personagens históricos, meramente declarando que seu legado possui “aspectos positivos e negativos” misturados, sem qualificar o peso relativo de cada um e sem tirar conclusões utilizáveis para um posicionamento político efetivo.
Dito isso, em meio ao festival de impropérios fanáticos e homenagens quase religiosas, precisamos estabelecer alguns parâmetros. Começaremos discutindo os pontos do legado de Fidel e da Revolução Cubana que consideramos válidos e permanentes, ou seja, que podem ser reivindicados e aplicados ainda hoje como princípios para a luta. Uma vez feita essa exposição, apresentaremos num segundo momento alguns limites do processo cubano que merecem ser objeto de exame, por poderem fornecer orientações para contornar problemas e evitar derrotas em lutas presentes e futuras.
Adotamos esse procedimento para enfatizar que somente consideraremos válidas e endossaremos críticas ao processo cubano que partam do reconhecimento da existência de um legado positivo que deve ser reivindicado. Qualquer crítica que não reconheça os quatro pontos imediatamente seguintes será desconsiderada, e qualquer leitor que não concordar com estes pontos, baseado num fetichismo da “democracia” burguesa e em preconceitos pacifistas contra a violência revolucionária, está dispensado de ler a segunda parte, onde tratamos dos limites da Revolução Cubana, porque não poderá tirar nenhum proveito dela.
1. Independência nacional.
Este talvez seja o mais duradouro legado de Fidel e da Revolução Cubana (embora esteja hoje periclitante). Cuba conseguiu deixar a condição de protetorado dos Estados Unidos (antes consagrado em lei na infame Emenda Platt[1]), de semicolônia exportadora de produtos primários e o lamentável papel de bordel bordel da máfia. Depois da Revolução o país conseguiu se manter independente durante décadas, resistindo à invasão da Baía dos Porcos em 1961, passando pela crise dos mísseis em 1962[2], e Fidel pessoalmente sobreviveu a centenas de atentados e tentativas de assassinato, vindo a falecer de morte natural. Nesse aspecto, ele foi vitorioso, e os reacionários do mundo inteiro o odeiam ainda mais por isso. Talvez ninguém tenha como ele desafiado a maior potência imperialista do mundo e sobrevivido para contar a história.
Os “gusanos” (vermes) de Miami, a elite cubana que fugiu do país depois da Revolução, e que durante décadas ambicionou derrubar Fidel e retomar suas propriedades expropriadas, foi também derrotada. A pressão que fizeram sobre nada menos do que 10 presidentes[3] estadunidenses para concretizar essas ambições não funcionou. O infame bloqueio comercial que proibia qualquer país de negociar com Cuba, sob pena de não poder negociar com os Estados Unidos, tentando asfixiar a ilha pela miséria, também foi enfrentado com grande heroísmo pelo povo cubano.
Aliás, o ridículo argumento de que a “pobreza”[4] de Cuba prova o “fracasso do socialismo” só prova a ignorância e a má fé de quem o utiliza (antes de qualquer coisa, pelo fato de que Cuba não pôde chegar a ser realmente socialista, como discutiremos mais adiante), pois o bloqueio mostra a extrema crueldade do imperialismo para com os povos que ousam desafiá-lo. Um país pequeno, pobre e atrasado foi proibido de ter intercâmbio com o restante do mundo (contou com o apoio da URSS durante um certo período e, mais recentemente, da Venezuela em menor escala), teve que caminhar apenas com as próprias pernas, e mesmo assim obteve conquistas impressionantes. Se isso prova alguma coisa, é a vitalidade da Revolução e a vantagem de romper com o capitalismo. Mesmo porque, a vinculação de outros países de mesmo porte e população com os Estados Unidos e o capitalismo não serviu para livrá-los da pobreza, e na verdade os mantém atrás de Cuba em uma série de indicadores sociais e por larga margem de distância.
Somente depois de 2014 a política dos Estados Unidos para Cuba foi modificada, com a retomada de relações diplomáticas e o histórico encontro entre Obama e Raúl Castro, irmão e sucessor de Fidel (entretanto, sem que o sórdido bloqueio tenha sido levantado). Os Estados Unidos abandonaram a irracional e inexequível política dos gusanos e adotaram uma abordagem mais sensata e eficiente (do seu ponto de vista), sinalizando com a promessa ou possibilidade de fim do bloqueio em troca de concessões do governo cubano em seu regime político e econômico. Infelizmente, a atual direção cubana caminha para a aceitação desse tipo de relação, renunciando aos poucos à independência conquistada e mantida a tão alto custo.

2. Luta anti-imperialista
Cuba foi um símbolo da luta anti-imperialista de meados do século XX e um exemplo para o mundo. No contexto do pós-II Guerra e da decomposição dos antigos impérios coloniais europeus, dezenas de novos países nasceram na África e na Ásia, muitas vezes tendo que travar guerras de independência contra potências coloniais e imperialistas, como nos casos da Indochina, Argélia, Angola, Moçambique, etc. O exemplo de Cuba, conquistando sua independência nacional debaixo do nariz da maior potência imperialista do mundo, incendiou a imaginação de revolucionários não apenas na América Latina, mas inspirou também as lutas na Ásia, África e outras regiões periféricas.
Nesse cenário surgiu o “terceiromundismo” como um movimento característico das décadas de 1950 e 1960, envolvendo países que lutavam contra a dominação imperialista, mas recusavam também a tutela direta da URSS. Eram os chamados “países não alinhados”, nem à URSS nem aos Estados Unidos. Esse movimento teve expressões continentais e regionais como o pan-africanismo, o nacionalismo árabe ou nasserismo (liderado pelo egípcio Gamal Abdel Nasser) e o chamado “populismo” latino-americano (de Vargas, Perón, Cárdenas, etc.). Cuba chegou a ser uma expressão desse movimento, a mais avançada na América Latina, ou a única bem sucedida (no restante do continente, os movimentos nacionalistas foram sufocados por golpes militares patrocinados direta ou indiretamente pelos Estados Unidos [5]), até posteriormente vir a se filiar definitivamente no bloco soviético.
A crise dos mísseis em 1962 removeu o risco de invasão direta dos Estados Unidos por um longo período, mas deixou também as relações com a URSS de certa forma temporariamente estremecidas, a ponto de Cuba buscar durante alguns poucos anos se inserir no circuito dos países “não alinhados” e desenvolver uma política externa mais independente. A morte do Che em 1967 acabou com as esperanças de que uma nova revolução na América Latina pudesse tirar Cuba do isolamento num período breve (embora setores militantes da época tenham tirado a conclusão oposta e embarcado mais decididamente na estratégia da luta armada, que acabaria derrotada). A partir da década de 1970, se aprofunda uma vinculação mais estreita de Cuba com a URSS e o internacionalismo e anti-imperialismo passam a ser impulsionados nos momentos em que coincidiam com a política externa soviética.
Assim, Cuba continuou dando apoio à luta armada em países como Angola e Namíbia, casos em que se tratava de movimentos autênticos de independência nacional, mas ao mesmo tempo apoiou a URSS na repressão da Primavera de Praga em 1968 e também apoiou o regime da Etiópia, que não manifestava a mínima veleidade anticapitalista. O apoio cubano à luta armada na América Latina diminuiu, e mesmo quando essa etratégia foi vitoriosa, como na Nicarágua em 1979, a liderança cubana desaconselhou os sandinistas a adotarem medidas anticapitalistas.
A vinculação direta à URSS deixou Cuba desamparada na década de 1990 quando o regime existente no Leste Europeu desmoronou. Sem os subsídios e parcerias do bloco soviético, Cuba entrou no chamado “período especial”, enfrentando extrema escassez e maiores dificuldades, sendo obrigada a abrir gradualmente setores de sua economia e buscar formas de contornar o bloqueio estadunidense e conseguir parceiras limitadas com alguns países (esse curso se aprofundaria nas décadas seguintes, com a permissão de circulação de moedas estrangeiras, abertura de negócios privados, diferenciações salariais, etc., abrindo caminho para a restauração completa do capitalismo).
Mesmo assim, Cuba resistiu como uma referência anti-imperialista na América Latina. Na década passada, a Venezuela de Chávez ocupou parcialmente o papel que antes cabia à URSS, subsidiando combustíveis e empregando médicos cubanos em seus programas sociais. Essa relação era possível durante um breve momento, em que durou a alta dos preços das matérias primas latino americanas no mercado mundial, que não foi muito além da crise mundial de 2008. O esgotamento desse ciclo precipitou o fim de todos os governos nacionalistas reciclados (pálidos reflexos do nacionalismo terceiromundista de meados do século passado) na década de atual, tais como o chavismo, kirchnerismo, lulopetismo, etc.
É nesse contexto mais geral que Cuba inicia o movimento de normalizar relações com os Estados Unidos, depois de muitas décadas de heroica resistência internacionalista. Independentemente das conveniências políticas e diplomáticas que guiaram a política externa cubana em certos momentos, os soldados cubanos no passado e os médicos cubanos hoje, atuando em dezenas de países, são um exemplo de solidariedade internacional e humanismo. Hoje Cuba ainda é reconhecida internacionalmente por “exportar” sua medicina para lugares onde o imperialismo só envia bombas.

3. Universalização dos serviços públicos. Foi dito acima que Cuba viveu um estado de pobreza forçada desde a Revolução em 1959, devido ao bloqueio estadunidense. Sem relações internacionais normais, e contando com limitado apoio da URSS (e depois em menor escala da Venezuela), Cuba teve que administrar seus parcos recursos da melhor forma que pôde, e a escolha foi priorizar a saúde e a educação públicas. Assim, mesmo com recursos limitados, o pequeno país caribenho conseguiu universalizar o acesso à saúde e educação públicas para toda a população e com alta qualidade. Todas as crianças cubanas frequentam a escola pública e todas estudam até a universidade. A medicina cubana é referência mundial em várias áreas e “exporta” seus serviços para o mundo inteiro. Os indicadores sociais do país são os melhores da América Latina em muitos pontos, estando acima de gigantes regionais como Brasil, Argentina e México. Os atletas cubanos são respeitados em competições internacionais de várias modalidades.
Para os que criticam a Revolução Cubana, os indicadores sociais e o alto nível da educação e da saúde públicas são um obstáculo muito sério, já que mostram o que é possível fazer com poucos recursos. Considerando a qualidade de vida da população cubana e a da maioria da população na América Latina, maioria pobre e explorada, vivendo nas favelas e periferias do continente, pode-se dizer que a revolução valeu à pena somente pelas conquistas citadas nesse ponto. O exemplo de que a ruptura do capitalismo conduz a um nível de vida superior para a maioria da população de um país é o que os reacionários do mundo inteiro também odeiam em Cuba, e por isso tentam desmerecer suas conquistas, difamando a Revolução, lembrando que muitos cubanos fogem do país, etc.
Mas o que deveria ser considerado nesse caso é que países periféricos submetidos ao capitalismo e que produzem um volume de riqueza muito maior do que Cuba vêem milhões de seus habitantes perecerem na miséria, na doença, na ignorância (e também fugindo em massa para buscar vida melhor em outras paragens), enquanto minúsculas elites desfrutam de luxo e conforto. As elites latinoamericanas se destacam por sua vergonha e ódio do próprio povo, sabotando o desenvolvimento de seus próprio países, sonegando impostos, remetendo sua riqueza para o exterior, boicotando e hostilizando as poucas políticas sociais que ainda surgem, etc. A prioridade dos governos dos países periféricos em alimentar o parasitismo financeiro dos especuladores, mantendo os povos como escravos de dívidas públicas fraudulentas[6], contrasta com a prioridade cubana para o bem estar da população.

4. A tomada do poder pela via revolucionária
A Revolução Cubana se concretizou com a derrota militar da ditadura de Fulgêncio Batista pelas forças do MR-26-7[7]. Entretanto, a guerrilha desenvolvida no interior do país era uma das forças de oposição ao governo de Batista, entre várias outras. O sargento Batista governava Cuba desde a década de 1930 e era odiado por toda a população. Greves gerais aconteceram em 1957 e 1958 e ajudaram a enfraquecer o governo. Batista somente se sustentava no poder devido a uma brutal repressão, por isso a população apoiaria qualquer um que se dispusesse a tomar medidas radicais contra ele. A guerrilha de Fidel veio cumprir esse papel.
Fidel era o líder incontestável da guerrilha (embora não pudesse ter feito tudo o que fez sem o auxílio de colaboradores altamente qualificados como Che Guevara e Camilo Cienfuegos), mas sua ideologia de formação nunca foi socialista ou comunista, e sim nacionalista radical. O socialismo em Cuba, antes da Revolução, era representado oficialmente por um Partido Comunista que, como praticamente todos os PCs stalinistas da época, era uma burocracia encastelada nas entidades dos trabalhadores, como os sindicatos, com uma linha política conciliatória, de evitar a confrontação, adaptar-se ao governo de plantão e sobretudo impedir qualquer processo de organização dos trabalhadores desde a base e a partir dos locais de trabalho. As greves e lutas populares eram impulsionadas por setores de base combativos, atuando independentemente da direção do PC. O MR-26-7 de Fidel, da mesma forma, desenvolveu sua luta de maneira independente do PC, e a opção pela luta armada representava a radicalidade que a população esperava e não via nos stalinistas.
Mais extraordinário porém do que a coragem para enfrentar a aventura da luta armada foi a disposição de Fidel e seus colaboradores de ir até o fim depois de haver tomado o poder. Ir até o fim significou nacionalizar as propriedades da elite que fugiu amedrontada para Miami com a vitória da Revolução, e sustentar a estatização contra a pressão do gigante estadunidense. Foi a insistência dos Estados Unidos em reverter a revolução e devolver a propriedade aos gusanos que obrigou Fidel a manter a estatização, para manter a independência do país. O MR-26-7 se fundiu com o PC e Fidel se tornou seu dirigente máximo e governante do país, assegurando o apoio da URSS. O único “modelo” de “socialismo” disponível, aquele que vinha da URSS, foi implantado na ilha de cima para baixo. O “socialismo”, portanto, veio como uma consequência da Revolução, não como seu objetivo inicial.
Ainda que não correspondesse a autênticos critérios socialistas, conforme discutiremos na segunda parte, a transformação havida em Cuba foi muito mais profunda e radical do que a de outros países em que setores nacionalistas chegaram ao poder. O que distinguiu Fidel e a liderança cubana foi essa capacidade de ir até onde inúmeros outros líderes não foram, ultrapassando a barreira de classe social (Fidel era filho de proprietário rural) e estatizando a propriedade privada dos meios de produção. Basta lembrar de casos como o de Jango ou Allende, que acreditaram nas “instituições democráticas” até o seu final trágico. Fidel não era socialista na origem, mas não hesitou em confiscar as propriedades da elite cubana, para garantir a continuidade da revolução e a independência do país. O povo cubano apoiou essa decisão e conquistou um senso de autoconfiança e orgulho nacional que raríssimos povos do mundo têm.
Em contraste com a liderança cubana e Fidel à frente, muitos outros movimentos que se dizem “socialistas”, “comunistas”, “de esquerda” ou “radicais” no mundo inteiro não tiveram a disposição de se propor a derrubar um governo e expropriar a burguesia. O cretinismo parlamentar, o eleitoralismo, o reformismo, a veneração do Estado e suas instituições caracterizam a maioria das organizações socialistas. Não se propõem objetivos radicais e nem muito menos têm a coragem de anunciá-los publicamente como parte de uma disputa ideológica anticapitalista, fragilidades que a liderança cubana não teve em seu momento heróico.

Respeitadas as conquistas da independência nacional, da luta anti-imperialista, da opção pelo bem estar da população e da disposição de subverter as instituições burguesas, e tendo como pressuposto a necessidade de dar continuidade a essas lutas, passamos então em revista os limites do processo cubano.

1. Personalismo
A liderança de Fidel foi decisiva para a vitória da Revolução e sua continuidade por décadas a fio. Mas ao mesmo tempo, o modelo de liderança centralizada falhou em construir uma nova geração de militantes que pudessem garantir a sobrevivência da Revolução na ausência de Fidel e da geração revolucionária. O governo passou a Raul Castro, irmão do Comandante e também ele próprio um remanescente da geração do MR-26-7. Não há uma preocupação em construir processos mais coletivos de decisão, que aos poucos eduquem camadas mais amplas do partido e da população para o exercício do poder, num sentido efetivamente socialista.
Fidel concentrava em si o poder de tomar todas as decisões, acima das instâncias do partido, do Estado e da sociedade cubana como um todo. Tamanha dependência em relação às qualidades de um único indivíduo não poderia ser uma via segura para garantir a permanência das conquistas da Revolução. Mesmo tendo se afastado do governo formal há 10 anos, Fidel continuou sendo a bússola que orientava o PC cubano. Inclusive a decisão de buscar a normalização das relações com os Estados Unidos, a partir de 2014, não teria sido tomada sem a sua aprovação. Somente nos momentos finais ele deixou de atuar politicamente.

2. O regime de partido único.
A vinculação do destino da Revolução ao apoio da URSS implicou na adoção do mesmo tipo de instituições que vigoravam no bloco soviético. Isso significou que o Estado cubano seria dirigido por um único partido, o PC, sob a liderança de Fidel. Nenhum outro tipo de organização seria permitida. Toda a crítica ou oposição interna seria classificada automaticamente como contra-revolucionária.
Aqui, evidentemente, não estamos nos referindo aos defensores da restauração capitalista, agentes diretos ou indiretos dos Estados Unidos, gusanos, espiões, sabotadores, etc. Em relação a estes, o tratamento não poderia ser outro que não a prisão ou fuzilamento, conforme a gravidade de seus crimes. O problema para nós é o bloqueio e a censura de todo o pensamento político divergente, mesmo aquele localizado no âmbito socialista e revolucionário, que apoiasse as conquistas da revolução que listamos na primeira parte do texto. Os trotskistas e anarquistas, por exemplo, eram proibidos de se organizar, se reunir, se manifestar, publicar suas posições, etc. Até mesmo os homossexuais foram perseguidos, como se sua orientação sexual pudesse representar uma forma de dissidência contra-revolucionária (nas últimas décadas foram feitos esforços reais para corrigir o grave erro da homofobia, maiores do que os que se fazem em muitos países capitalistas).
A situação de Cuba como um país sitiado, em guerra, bloqueado pela maior potência do planeta, precisou ser enfrentada com o máximo de unidade da população em torno do legado da revolução. Mas a unidade para a ação jamais poderia ser pretexto para a unidade forçada de pensamento, que esterilizou as possibilidades de discussão dos rumos da Revolução para camadas mais amplas do que o restrito círculo dos colaboradores diretos do Comandante.
A ausência de autonomia das organizações populares em face do Estado e do partido marcou a Revolução Cubana desde a origem. Com o passar das décadas, o controle total da produção pela burocracia do Estado, das Forças Armadas e do partido permitiu o desenvolvimento de privilégios para uma minoria da população, da corrupção pura e simples, dos mercados clandestinos de bens importados, moedas paralelas, prostituição, etc. Os valores da Revolução, expressos pela boca de uma burocracia autoritária, privilegiada e crescentemente corrupta (ou conivente com a corrupção, a despeito das campanhas de “retificação” lançadas por Fidel) passaram a soar como mentiras hipócritas para a população cansada. E no entanto, mesmo assim, a despeito de tudo, essa população mantém a sua altivez e orgulho da sua história de luta e independência[8].
A maior parte da população ainda apoia em última instância o sistema, mesmo que veja a necessidade de mudança. E mesmo esse setor mais crítico, no entanto, não encontra alternativa de projeto dentro de um marco de referência marxistas e socialistas, devido a décadas de censura que impediam a existência de outras correntes revolucionárias dissidentes do PC cubano ou dentro dele. Assim, a única referência alternativa que aparece é a restauração capitalista, defendida por um constante bombardeio ideológico imperialista, contra o qual fica cada vez mais difícil resistir.

3. A opção pela luta armada e o modelo de organização do tipo partido-exército.
Como dissemos, a guerrilha do MR-26-7 era uma das forças de oposição ao governo de Batista, mas não era a única. A estratégia da luta armada era uma das formas de enfrentar a ditadura, mas não era a única possível. O tipo de organização do MR-26-7, o partido-exército, com sua estrutura centralizada, verticalizada e hierárquica, se transformou em molde para as instituições do Estado pós-revolucionário e da sociedade cubana. Fidel comandava o partido, e o partido comandava o Estado, que era proprietário, patrão e dirigente político de todo o país. Todas as instituições, sindicatos, associações de mulheres, culturais, de juventude, etc., eram correias de transmissão das ordens do partido. O lema da Revolução Cubana era “comandante-em-chefe, ordene!”
Esse tipo de estrutura diverge do tipo de organização necessária para a uma efetiva transição socialista. O partido-exército substituiu as organizações da classe trabalhadora nas tarefas da tomada do poder e da estatização da economia. Dessa forma, a estatização não se transformou numa efetiva socialização da propriedade, com a deliberação entregue a organismos dos trabalhadores, estruturados desde a base até uma instância geral de coordenação democrática. Não houve um processo prévio de organização da combatividade popular para a geração de organismos de luta de base, que pudessem se transformar em organismos de poder, conforme uma estratégia socialista. Esse tipo de organização não faz parte da estratégia da luta armada do MR-26-7, nem da burocracia do PC stalinista.

4. O planejamento burocrático
Na ausência de organismos populares de poder, a nacionalização das propriedades resultou em uma simples estatização e não uma efetiva socialização da economia. Existe uma distância astronômica entre as duas coisas. A estatização é um processo meramente jurídico, que altera o título de propriedade das empresas, que passam de privadas para estatais. O proprietário ou gestor capitalista são substituídos pelo diretor nomedo pelo Estado “socialista”, na verdade burocrático, colocado acima dos trabalhadores, conforme as características que descrevemos acima. O Estado cubano, com as características centralizadoras, hierárquicas, verticalizadas e autoritárias que descrevemos, estava colocado acima do controle da população cubana. O controle social, que não existia, seria o requisito necessário para que se pudesse falar em socialização da propriedade e da produção.
O aspecto fundamental para que se possa falar em uma autêntica transição socialista é a mudança da situação dos trabalhadores de objetos passivos das decisões (que são um monopólio do capitalista, do gestor ou do burocrata do partido) para sujeito ativo no processo de tomada de decisão através de organismos coletivos soberanos. Ainda que isso não possa ser implantado imediatamente em qualquer situação, conforme a condição histórica de cada país, a configuração imediata dos “elos frágeis” da cadeia em que foi feita a revolução, etc., uma revolução autenticamente socialista tem que tender para isso ou apontar para essa situação como seu objetivo declarado desde o começo.
A inexistência de efetivo controle social da produção pelos trabalhadores, substituído pelo controle burocrático do planejamento centralizado, manteve todas as decisões essenciais sob controle estrito da burocracia. Ao fim e ao cabo, depois de muitas décadas de resistência, o monopólio burocrático do poder facilitou a opção final da camada governante de caminhar para a restauração capitalista, a partir do VI Congresso do PC cubano em 2011 (ainda sob a direção de Fidel, mesmo que informal). Foi adotada a “via chinesa” de restauração capitalista, ou seja, a criação de zonas econômicas especiais, abertas a empresas estrangeiras, sem as garantias dos mesmos direitos trabalhistas e salários vigentes no restante do país, a autorização para a abertura de negócios privados em toda a ilha (acessível apenas a quem já tivesse acumulado previamente algum capital meidante o acesso a privilégios burocráticos, corrupção, mercado clandestino, remessas de parentes do exterior); e ao mesmo tempo mantendo o controle político do Estado pelo PC.
Dessa forma, a burocracia cubana (assim como já fez a chinesa) têm os meios para converter gradualmente seus descendentes em proprietários privados. Uma burguesia de pleno direito se gesta aos poucos no interior da sociedade cubana, erodindo a igualdade social, ao passo que os trabalhadores vão se convertendo em assalariados de empresas privadas, como em um país capitalista típico, mas ao mesmo tempo submetidos a uma ditadura política da burocracia. E tudo isso, cinicamente, em nome da Revolução e do socialismo.

É preciso considerar, em face desse levantamento dos limites do processo cubano, o aspecto de que o desenvolvimento de uma autêntica transição socialista é um fardo pesado demais para ser colocado exclusivamente sob os ombros da pequena ilha caribenha, enfrentando o cerrado bloqueio da maior potência imperialista do mundo. Seria absurdo esperar que o socialismo mundial partisse de Cuba. Como os marxistas revolucionários clássicos sempre souberam, o socialismo só é possível mediante uma revolução mundial, que socialize as forças produtivas dos países mais desenvolvidos, e as coloque a serviço e sob controle da humanidade. Antes que isso seja concretizado, as rupturas parciais do capitalismo, ainda que heróicas e importantes, não conseguirão ir além de conquistas parciais. Dessa frma, Cuba não pode ser “culpada” de ter se limitado a algumas conquistas parciais: muito pelo contrário, deve ser respeitada pelo gigantismo desssas conquistas em face de uma situação de extremo isolamento e adversidade.
Se nem sequer a Rússia, país muito maior e de muito mais abundantes recursos populacionais e naturais, conseguiu superar as dificuldades da transição, retrocedendo para uma forma intermediária e interrompida, seria de se esperar que Cuba tivesse muito menos condições de fazê-lo. Ainda mais pelo fato de ter como modelo exatamente essa mesma forma de transição interrompida vigente na URSS. Os limites do processo cubano foram em boa parte derivados da “importação” de um “modelo” de “socialismo” trazido já pronto da URSS, sendo que na própria URSS a transição socialista já havia sido interrompida.
O sistema de economia estatal centralmente planificada e ditadura de partido único, que levou o nome de “socialismo” e “comunismo” durante o século XX, foi exportado pela URSS para uma séria de outros países. Primeiramente, no Leste Europeu, conforme esses países foram libertados do nazismo, e depois em outros países, como China e Vietnã, mediante revoluções autóctones. A tragédia de Cuba é que esse sistema foi implantado em Cuba não pela influência externa de uma potência “socialista”, mas na sequência de uma também autêntica revolução nacional e anti-imperialista de ressonância mundial. Ao adotar um rumo anticapitalista (conforme o modelo disponível, o da URSS), essa Revolução se tornou ainda mais extraorinária.
Trata-se assim de uma revolução nacional, anti-imperialista e anticapitalista, mas não socialista[9]. A única revolução realmente socialista do século XX foi a de 1917 na Rússia, que desenvolveu autênticos organismos de poder, os soviets (conselhos) de operários, camponeses e soldados. A tragédia do retrocesso da revolução e da interrupção da transição na URSS é a grande tragédia do século XX, da qual a Revolução Cubana, com toda a sua grandeza, é também de certa forma uma derivação, e cujos limites herdou.
O processo cubano mostra as consequências positivas de uma ruptura do capitalismo (a conquista da independência nacional e de melhorias nas condições de vida da população), mas ao mesmo tempo mostra as consequências negativas da ausência de uma estratégia efetivamente socialista e de organismos de poder estruturados desde a base da classe trabalhadora, como garantia de uma transição real (substituídos por uma estrutura burocrática colocada acima da sociedade, que desenvolve privilégios e interesses separados do conjunto da população, e que por fim opta pela restauração do capitalismo). A firmeza com que os revolucionários cubanos enfrentaram o imperialismo e as tarefas da construção de uma nova sociedade deve servir de exemplo para todos, temperada com o conhecimento histórico dos limites e das vias alternativas necessárias para que novas revoluções não retrocedam, fundamentalmente, a necessidade de uma efetiva socialização da tomada de decisões.
Aqui é preciso distinguir entre duas ordens de questões, os limites materiais e as opções estratégicas. Os limites materiais são determinados pelo fato de que Cuba é uma país pobre, cujas únicas atividades econômicas são a produção de cana de açúcar e o turismo, e praticamente mais nada. Partindo dessas condições, aquilo que o país realizou foi extraordinário. As opções estratégicas foram determinadas pelo projeto que os dirigentes cubanos, com Fidel à frente, implantaram no país, uma economia centralmente planificada, sob controle de um Estado de partido único. Essa forma de organização impediu que houvesse uma socialização do poder, de modo que camadas mais amplas da população se apropriassem das decisões. Dessa forma, ficou mais fácil para a burocracia dirigente do partido-Estado encaminhar a restauração capitalista ao estilo chinês, mantendo o poder político e sem abrir a possibilidade de participação popular nas decisões.
Reconhecer o papel histórico de Fidel e a importância da revolução que ele conduziu não pode nos impedir de enxergar ao mesmo tempo os limites desse processo. Fechar os olhos para a restauração capitalista em andamento (que está sendo feita sob controle da mesma camada dirigente que governou o país), fazendo de conta que se trata de uma “modernização”, ou “recuo tático”, ou “imposição das condições objetivas”, não servirá como um guia para tomar posições úteis na defesa do legado da Revolução. Os processos históricos não são feitos para se encaixar em fórmulas unilaterais e unidimensionais, em que campeiam herois e vilões, erros e acertos puros, vitórias e derrotas. Eles são aquilo que são em si mesmos, complexos e contraditórios, e é assim que temos que aprender com seus personagens.

[1] Dispositivo introduzido na Constituição cubana em 1902 que autorizava os Estados Unidos a monitorar e intervir em assuntos internos cubanos, desde questões de segurança até alfândega, com o uso de forças militares para remover governos e reprimir movimentos sociais. Isso foi usado basicamente para proteger interesses estadunidenses nos negócios da produção açucareira (principal atividade econômica da ilha), transportes e turismo.

[2] Episódio considerado o de maior risco de confronto aberto entre Estados Unidos e URSS durante a Guerra Fria, quando descobriu-se que os soviéticos estavam prestes a instalar mísses nucleares em Cuba, a poucos quilômetros do litoral estadunidense. O mundo temeu por uma guerra nuclear e a paranóia atingiu níveis de massa nos Estados Unidos. A crise se resolveu com a desistência da URSS em instalar os mísseis e a retirada dos mísseis estadunidenses na Turquia, bem como garantia de que os Estados Unidos respeitariam a soberania de Cuba.

[3] Eisenhower, Kennedy, L. Johnson, Nixon, Gerald Ford, Jimmy Carter, Ronald Reagan, Bush pai, Clinton, Bush filho.

[4] O texto contido no link a seguir traz uma discussão mais sistemática e detalhada sobre a “miséria” cubana e alguns outros mitos que circulam sobre Fidel e seu país: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/12/mitos-fidel-castro-internet.html

[5] Ditaduras assolaram países da região por anos ou décadas, sendo os casos mais marcantes: Guatemala e Paraguai em 1954, Haiti em 1957, Brasil e Bolívia em 1964, República Dominicana em 1965, Peru em 1968, Chile e Uruguai em 1973, Argentina em 1966 e 1976, além de uma série de golpes de estado e guerras civis na América Central.

[6] O Brasil destina algo entre 40% e 50% da sua arrecadação federal anual para o pagamento da dívída pública, o que resulta num montante em torno de R$ 900 bilhões por ano. Essa dívida é ilegítima, tem origem em empréstimos assumidos na época da ditadura (portanto ilegais) e securitizados em títulos na década de 1990 (convertidos em papéis negociáveis no mercado financeiro). Essa dívida na verdade já foi paga várias vezes, mas a cada ano continua se pagando essa fortuna e a dívida mesmo assim não para de aumentar, porque os seus juros são definidos pelos próprios banqueiros que lucram com ela, encastelados na direção do Banco Central (cinicamente chamado de “independente” pelos economistas e jornalistas burgueses). Em outras palavras, os banqueiros definem o quanto o conjunto da população deve pagar de juros a eles, e asfixiam a economia do país, aniquilam empregos, serviços públicos, etc., para continuar lucrando. Em contraste com isso, o percentual da arrecadação federal destinado à saúde e educação somados não passa de 10%.

[7] Movimento Revolucionário 26 de Julho, o exército guerrilheiro liderado por Fidel, assim batizado em homenagem à data da sua primeira e fracassada tentativa de desafiar a ditadura, num ataque ao quartel de La Moncada em 1953.

[8] As manifestações de massa em toda a ilha por ocasião das cerimônias fúnebres em honra a Fidel fornecem um eloquente exemplo a respeito da gratidão e reconhecimento do povo ao Comandante.

[9] O socialismo pressupõe uma revolução mundial, que garanta a socialização das forças produtivas dos países mais avançados. Isso já havia sido impedido com a derrota da revolução nos países avançados da Europa ao final da 1ª Guerra Mundial (em especial na Alemanha em 1919 e 1923) e o isolamento da transição na Rússia. Além disso, em cada país onde o poder do capitalismo seja rompido, é preciso mais do que simplesmente mudar as relações de propriedade, e sim a mudança no nível de controle operário da produção.





29.11.16

Agressão na escola do MST: como chegamos a esse ponto?



Como foi que chegamos a esse ponto? Policiais entram atirando na escola do MST. Policiais retiram estudantes que ocupavam o Centro Paula Souza, sem mandado judicial. Violência nua e crua, brutal, irracional, animalesca, grotesca e debilóide, mas ainda assim friamente calculada pelos seus sórdidos orquestradores. Abuso de poder, arbitrariedade e ações ilegais das “autoridades” se multiplicam. Corruptos e corruptores são espetaculosamente presos, processados, delatados, liberados, alguns sim, outros não, condenados e absolvidos no tribunal da “opinião pública”, ao sabor das conveniências e obediências do momento. A fachada do Estado democrático de direito cai por terra.
O atrevimento não tem limites. Gastos com a saúde e a educação pública congelados por 20 anos. Aposentadoria somente aos 65 anos, e igual para homens e mulheres. Negociação podendo prevalecer sobre a CLT e retirar direitos que nos custaram um século de lutas para serem conquistados. Enquanto isso, no andar de cima, bilhões de dólares remetidos ilegalmente ao exterior agora repatriados sem pagar imposto. Banquetes nababescos para celebrar o corte nos já precários investimentos que garantem a sobrevida de serviços públicos sucateados.
O cinismo e a desfaçatez dominam impunes os meios de comunicação, que repetem o refrão de que não há alternativa a não ser passar a conta da crise para os explorados, os oprimidos e miseráveis. O ódio corre solto contra as vítimas da opressão que ousam se levantar. A crueldade dos privilegiados não tem mais pudor nenhum em exibir seu desprezo arrogante e agressivo contra a massa sofredora.
Como foi que chegamos a esse ponto? Como foi que deixamos essa situação se estabelecer sem sermos capazes de reagir? Onde estão as organizações da nossa classe? Onde estão os sindicatos, as federações, as centrais sindicais? Por quê não mobilizam suas bases? Onde estão as reuniões nos locais de trabalho, as plenárias, as assembleias, as greves, os piquetes? Onde estão os trabalhadores? Onde estão os metalúrgicos, os petroleiros, os químicos, os bancários, os professores? Onde estão as empregadas domésticas, os motoboys, os vigilantes, os frentistas, as balconistas?
Os trabalhadores são a esmagadora maioria da sociedade, são os 99%. Por quê estão imóveis no chão de fábrica, na sala de aula, no guichê do caixa, no assento do motorista? Por quê não se dialoga sobre suas verdadeiras demandas? Por quê as organizações da classe lhes viraram as costas? Por quê não há quem ponha o pé no barro e vá dialogar com eles e elas? Por quê se permitiu que a crença nas saídas individuais, no empreendedorismo, na “meritocracia”, substituísse a confiança nas saídas coletivas? Como os trabalhadores podem estar imóveis, assistindo os arautos do ódio na TV, nas igrejas, nos jornais, na internet, nos celulares?
Por quê os trabalhadores não se movem? Por quê não há lutas? Por quê as ruas não estão cheias? Por quê não há reuniões, comícios, atos panfletagens? Por quê se ocupam escolas, mas não as fábricas? Por quê se enchem algumas praças, mas não se bloqueiam as estradas e avenidas? Por quê se fazem falas em algumas universidades, mas não nos bairros e comunidades? Por quê se fazem alguns discursos, mas não se diz o necessário?
Como foi que chegamos a esse ponto? Por quê não se falam mais as verdades essenciais? Em que lugar do caminho esquecemos os traços mais elementares do mundo em que vivemos? Por que deixamos de falar em luta de classes? Por quê deixamos de falar em capitalismo? Em mais valia? Em alienação? Em que lugar esquecemos que o Estado não é um espaço neutro em disputa, o Estado e todas as suas instituições são o inimigo? Como se instalou a ilusão de que o capital pode ser administrado ou “humanizado” ao invés de destruído pela força da classe trabalhadora organizada e consciente? Por que deixamos de nos preparar para a luta como ela deve ser feita, desde os locais de trabalho, estudo e moradia, e não nas cúpulas dos palácios, entidades e aparelhos? Por que deixamos de falar em revolução e emancipação?
Alguns (parte de boa fé, mas muitos de má fé) acharam que era possível contornar essas verdades essenciais, distribuindo migalhas em cartões eletrônicos (débito ou crédito, conforme se tratasse das “classes” C, D ou E). Agora, todos pagam o preço desse trágico engano.
Quanto sangue e quantas lágrimas ainda serão derramadas até que voltemos a falar com os trabalhadores sobre as verdades essenciais?



25.10.16

É preciso uma política para além do voto




O resultado do primeiro turno das eleições municipais de 2016 caiu como uma bomba sobre os setores que tinham alguma esperança na recuperação do PT depois daquilo que chamam de “golpe” (para entender porque usamos “golpe” entre aspas e não defendemos o PT, ver textos anteriores, como: http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/09/fora-austeridade-nenhum-direito-menos.html). A derrota nas eleições municipais consolidou a perda de espaço do partido, resultante da política austericida de “ajuste” contra os trabalhadores, que afastou a sua base eleitoral da última década. Ao mesmo tempo que esse eleitorado se distanciou, do lado oposto foi organizada uma forte oposição antipetista por meio do massacre midiático e judicial dos últimos dois anos, que teve como ponto mais alto (ou baixo) a remoção de Dilma da presidência.
Derivando ainda do balanço do primeiro turno, apresentamos como anexo deste texto algumas reflexões correlatas sobre os seguintes pontos: 1º) o tamanho numérico da derrota eleitoral petista, 2º) a questão do eleitorado “pobre de direita”, 3º) o fato de que, a rigor, não existe “esquerda” e “direita” e sim classes sociais, e 4º) os limites históricos do reformismo; para contemplar quem tiver a preocupação de ir além do tema principal, mas colocadas em separado e ao final, para não atrapalhar os leitores que querem ir direto ao ponto.

Uma luz no fim do túnel...
Se o resultado das eleições municipais refletisse apenas a “despetização” do Estado, essa questão não teria o menor interesse. Afinal, de qualquer forma, os burocratas do PT estão com a sua vida resolvida, ao contrário da classe trabalhadora. O problema é que essa despetização vem acompanhada de uma ofensiva reacionária contra tudo aquilo que é identificado como “esquerda” (o anexo 3 explica porque também usamos “esquerda” entre aspas): sindicatos, greves, movimentos sociais, ocupações, feminismo, cotas para negros, defesa da população LGBT, etc. Tudo isso foi embalado num mesmo pacote, como sendo “coisa do PT”, que portanto deve ir para o lixo. A despetização do Estado se torna dessa forma um problema para os trabalhadores, mas não porque significa que devêssemos defender o PT, e sim porque temos que tirar lições de como esse partido foi defenestrado para repensar a construção de novas organizações da nossa classe.
Essa manobra oportunista das forças reacionárias de identificar os movimentos sociais com o PT para desacreditá-los todos em bloco foi facilitada pelo papel do próprio PT como direção dos movimentos nas últimas décadas, ao transformá-los em aparatos para sustentação dos seus dirigentes, descolados ou até opostos às lutas (como no caso dos sindicatos da CUT, principais organizações da classe no Brasil, ultraburocratizados e pelegos). O maior crime do PT, portanto, foi ter desacreditado o conjunto das lutas sociais (e seus organismos como instrumentos de ação coletiva para resolução dos problemas da nossa classe), de modo que as lutas agora precisarão ser retomadas num contexto muito mais difícil, em que a classe patronal exige o aprofundamento do ajustes contra os trabalhadores.
Nesse contexto difícil, surge a disputa do 2º turno da eleição municipal no Rio de Janeiro, com Marcelo Freixo do PSOL aparecendo como uma espécie de luz no fim do túnel para esses setores de “esquerda” que se assustaram com o tamanho da catástrofe do PT. Em massa, as organizações socialistas e pessoas preocupadas com o “golpe” e com o que está por trás dele declaram seu apoio mais ou menos crítico ao candidato do PSOL, contra um oponente da Igreja Universal. O principal argumento em favor dessa campanha é a necessidade de enfrentar a ameaça reacionária crescente no país. Em nome dessa necessidade, boa parte das organizações socialistas relativiza o critério do recorte de classe e de um programa efetivamente socialista, ausentes na campanha do PSOL, para fazer unidade em termos eleitorais com um setor “democrático” e “progressista” contra o reacionarismo.

Os argumentos em defesa da candidatura Freixo
Os setores socialistas que estão aderindo à campanha de Freixo (mais conhecido fora do Rio de Janeiro como o alter-ego do personagem Fraga do filme Tropa de Elite 2) muitas vezes reconhecem os vários problemas dessa campanha de um ponto de vista socialista, tais como: o PSOL não tem um programa de ruptura com o capitalismo (que de resto não é possível em escala municipal); não discute temas nacionais e sociais gerais (rebaixando-se à despolitização típica das pautas municipais); tem um histórico de alianças com partidos empresariais de aluguel; já recebeu doações empresariais para suas campanhas; admite candidatos oportunistas do tipo Erundina (ou seja, faz quase qualquer coisa para obter mais votos e mandatos); em sua campanha não faz a denúncia da democracia burguesa (e portanto reforça a ilusão de que se pode mudar fundamentalmente a realidade por meio do voto, em detrimento da necessidade de organização para a luta); etc. Mesmo reconhecendo tudo isso, as organizações socialistas entendem que o voto crítico se justifica em função de uma conjuntura excepcional.
Segundo essa leitura, na atual conjuntura, de certa forma, o 2º turno no Rio de Janeiro se tornou uma disputa nacional entre as forças reacionárias que querem aproveitar a derrocada do PT para facilitar o ataque aos trabalhadores, de um lado, e as forças que, de outro lado, mesmo por fora do PT, querem encontrar uma alternativa para enfrentar esses ataques. A importância simbólica dessa disputa teria portanto tido o efeito de unificar o conjunto das forças que atuam em nome da classe trabalhadora, nos termos que definimos por exemplo em nosso texto sobre o 1º turno (ver: http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/09/a-esquerda-e-as-eleicoes-sucumbindo.html). A disputa eleitoral carioca teria se tornado um fato central da luta de classes nacional, motivando uma unificação das forças socialistas e democráticas (informal, improvisada e precária, mas real), justificando assim a relativização dos critérios de classe e programa.
Além disso, não é preciso nenhum esforço para mostrar o quão nefasta é a candidatura do bispo Crivella, apoiado por todo o arco das forças reacionárias da cidade, desde o crime organizado, milícias, partidos saudosistas da ditadura, igrejas, cartolas do futebol, etc. Derrotar essas forças reacionárias no terreno eleitoral se impõe como uma espécie de questão de honra. Um voto em Freixo, mesmo com todos os limites apontados em termos de um critério socialista, é também um voto contra Crivella e o reacionarismo.

...ou trem na direção contrária
Entretanto, mesmo colocados todos esses elementos, e nos solidarizando com esse sentimento da necessidade de derrotar o reacionarismo, somos forçados a colocar em discussão algumas questões mais profundas. O fato de que o principal terreno de disputa tenha se transferido para a campanha eleitoral não pode ser tomado senão como uma medida do tamanho da derrota das organizações socialistas e da perspectiva dos trabalhadores, independentemente do resultado das eleições. O ponto de partida dessa discussão tem que ser o reconhecimento da atual fragilidade da classe trabalhadora no que se refere aos enfrentamentos da luta de classes real. O fato de que os sindicatos estejam ocupados por pelegos e burocratas da CUT (e Farsa Sindical, CTB, UGT, etc.) e portanto incapazes de desencadear uma greve geral contra os ajustes (e que as forças de oposição no movimento sindical sejam incapazes de incidir sobre a base das categorias para forçar a greve geral) tem que ser tomado como índice do quanto estamos recuados.
Isso para não falar no restante dos movimentos sociais, de luta pela terra, por moradia, feministas, anti-racistas, indígenas, estudantis, etc. Mesmo somando-se todos esses movimentos, mais as oposições sindicais combativas, partidos e organizações socialistas e anarquistas, ainda assim estamos falando de uma força minoritária na sociedade diante do governo federal, Congresso, Judiciário, entidades patronais, mídias, igrejas, “think tanks” reacionários, etc. A classe patronal e seus capangas estão unificados e dispostos a passar o rolo compressor. É preciso partir desse reconhecimento para dimensionar corretamente o tamanho da tarefa que têm pela frente as forças socialistas, em termos de esforço para recontruir a organização da classe e sua consciência. Tendo dimensionado isso, podemos colocar as eleições municipais no seu devido lugar.
Mesmo que Freixo hipoteticamente vença a disputa eleitoral, isso não significa que as forças reacionárias que se unificaram contra ele estarão derrotadas no terreno que realmente conta, no dia a dia da reprodução social. O crime organizado, as milícias, as igrejas, os cartolas do futebol, etc., todos eles continuarão existindo e impondo seu poder militar, econômico, social e cultural sobre a cidade do Rio (como fazem no restante do país), independentemente de quem seja o prefeito eleito.
As eleições existem justamente para produzir a ilusão de que é possível travar algum enfrentamento sem lutas sociais reais, e com isso conseguem exatamente o efeito de esvaziar as lutas. É preciso refletir sobre o significado da posição de se defender a vitória de Freixo em nome de uma luta simbólica, mesmo que nacionalizada, contra o reacionarismo. O fato de que essa disputa seja simbólica precisa ser entendido no sentido de que o simbólico é tão somente o oposto semântico daquilo que é efetivamente material, concreto, real. No terreno da disputa material, concreta, real, no processo de reprodução social, nos locais de trabalho, estudo e moradia, no microcosmo de cada atividade social, as forças reacionárias ainda terão que ser enfrentadas.
E mesmo uma hipotética administração do PSOL poderá fazer muito pouco ou nada em relação a isso, pois estará muito ocupada gerindo a máquina da prefeitura carioca. A Carta aos Cariocas (“Compromisso com o Rio” lançado pela campanha de Freixo nesta segunda-feira dia 24/10, e disponível em http://www.marcelofreixo.com.br/compromisso) não deveria deixar dúvidas a respeito dos rumos de um hipotético governo Freixo. O enfrentamento real seguirá tendo que ser feita, praticamente no mesmo patamar, recomeçando do zero, quase como se a disputa eleitoral na prática não tivesse existido.
Não pode deixar de ser discutido o fato de que os militantes do PSOL ou o próprio Freixo não possam sequer subir os morros cariocas, pois o poder efetivo nesses locais é exercido pelo crime organizado (e quando falamos de crime organizado, as milícias e as forças policiais, apodrecidas até a medula pela corrupção são apenas mais uma das facções em disputa). Esse problema não poderá ser enfrentado sem um movimento, necessariamente nacional, pela descriminalização das drogas, políticas efetivas de redução de danos, reforma do sistema penal, desmilitarização das polícias, etc. A campanha eleitoral não está batendo de frente com essa questão, mas contornando-a. Se as questões sociais mais sérias não são enfrentadas em suas causas mais profundas, por mais complexas e demoradas que sejam as soluções, de que serve todo o esforço da campanha? Se a campanha (e a hipotética gestão da prefeitura, baseada no compromisso citado) não servem para acumular as forças necessárias para esse enfrentamento mais profundo, de que adianta fazer a campanha?

Revolução ou reforma
A questão espinhosa que se coloca então, no fundo dessa polêmica, é a da estratégia de longo prazo mais adequada para enfrentar as mazelas da sociedade capitalista. Ou se tem a posição de que tudo o que se pode fazer é lutar contra essas mazelas por meio das opções pré-definidas e delimitadas da democracia burguesa (políticas públicas a serem aplicadas por gestores que terão que ser eleitos), ou se tem a posição de que a alternativa ao capitalismo precisa ser construída desde o princípio em oposição ao Estado e suas instituições, enraizando-se na base da classe trabalhadora e em todas as suas esferas de atividade.
A posição de que uma revolução socialista não está colocada na agenda histórica para o momento imediato, e de que tudo o que se pode fazer é lutar defensivamente contra o aprofundamento da barbárie (crime organizado, feminicídio, LGBTfobia, racismo, retrocessos nos salários e direitos trabalhistas, etc.), tendo como instrumento algumas políticas públicas limitadas; é uma posição perfeitamente legítima. Dessa posição alguns deduzem que a única alternativa viável de ação é a obtenção de mandatos eletivos para lutar por políticas públicas mais favoráveis. Essa dedução reformista, embora não seja a única possível (também é possivel lutar por políticas públicas por meio da pressão externa de movimentos sociais organizados, que podem ser anticapitalistas ou não, sem a obtenção de cargos públicos, desde que haja movimentos organizados para isso, o que constitui na verdade o centro da questão), é bastante coerente com a escolha se engajar na campanha de Freixo.
Mais tortuoso é o raciocínio daqueles que querem se engajar na campanha de Freixo, mas ao mesmo tempo seguem dizendo que perseguem um projeto socialista. Não é coerente de forma alguma dizer que a alternativa da luta eleitoral (mesmo que seja para eleger Freixo neste momento de importância simbólica excepcional) é somente algum tipo de “desvio temporário” em relação ao “verdadeiro objetivo”, que supostamente seguiria sendo o de organizar a revolução. As organizações socialistas que adotam esse discurso estão sendo desonestas, pois a estratégia reformista e a revolucionária são excludentes. Uma vez que se opta pelo caminho de disputar algum espaço no interior do Estado, não é mais possível voltar atrás.
O Estado tem essa lógica, ele existe exatamente para isso, para transferir e imobilizar a luta de classes para o terreno superestrutural da política, invisibillizar a divisão da sociedade em classes e ocultar as suas lutas e mobilizações cotidianas. O politicismo e o superstruturalismo inerente a ele são implacáveis ao tragar para o interior do Estado as mais honestas e comprometidas intenções de transformação. Depois de obter um primeiro mandato, é preciso conseguir a reeleição, e depois é preciso conseguir uma bancada maior, e depois cargos de nível estadual, depois federal, e assim sucessivamente. A disputa eleitoral absorve inevitavelmente e definitivamente os que se dedicam a ela. Não se trata portanto de uma questão moral, de se ter militantes mais ou menos honestos como candidatos, mas de um problema material, estrutural, que diz respeito à lógica profunda da sociedade de classes, do Estado e do capital.

A tentação da superestrutura
Muitas organizações socialistas dizem que “em determinadas condições” a disputa de eleições é necessária para ajudar a avançar a luta. O problema é que não há critério algum para determinar quais são essas “condições” que autorizam a disputa eleitoral, pois o fato é que essas organizações acabam se envolvendo em praticamente todas: ou lançam candidatos ou defendem voto crítico e de alguma forma fazem campanha. Em absolutamente todas as eleições se encontram sofismas para legitimar a posição de que é necessário fazer alguma campanha. Então, efetivamente, não se trata de que “determinadas condições” autorizam disputar eleições como é repetidamente alegado, mas de que objetivamente as organizações se envolvem em todas. Há um inegável desvio eleitoralista profundamente enraizado nas organizações socialistas, que teimam em encontrar pretextos para sempre se voltar para a discussão da disputa no interior do Estado, em absolutamente todas as eleições.
A lógica da disputa de espaços no interior do Estado faz com que as organizações que a adotam passem a girar indefinidamente em torno disso. O vínculo com a luta de classes real, no solo da reprodução social, é cortado irremediavelmente. É espantoso, quase inacreditável, que seja preciso repetir essa advertência ainda hoje, exatamente no momento em que estamos diante do estrepitoso colapso do PT, que acaba de protagonizar epicamente mais um dos muitos fiascos do reformismo em sua caminhada mundial (ver anexo 4 sobre os limites históricos do reformismo). No momento em que o PT acaba de encenar pela enésima vez a tragédia do reformismo, completando o ciclo de uma organização que surgiu nas lutas, para progressivamente se afastar delas, enveredar pela gestão do Estado do capital, passar para o outro lado da trincheira de classe, tornar-se um instrumento do capital contra os trabalhadores e terminar sendo ignominiosamente descartada; a única opção que resta para as organizações socialistas é... eleger um candidato? Começar o mesmo ciclo de novo?
A alternativa para combater o reacionarismo não pode jamais ser a de repetir a estratégia do PT. O que fez diferença para determinar que o PT fosse derrubado, no final das contas, foi a falta de apoio real na classe trabalhadora. De que adianta o PT controlar a CUT, com suas mais de 3.000 entidades filiadas, que nominalmente representam 23 milhões de trabalhadores, se em cada local de trabalho esses milhões de trabalhadores não reconhecem os dirigentes petistas, nem sequer sindicalmente, muito menos politicamente e ideologicamente no sentido mais geral, não se movem pelas ideias que esses dirigentes representam (na verdade, os cutistas não defendem ideias, e sim o seu próprio mandato), não se sentem representados por elas, etc. Ideologicamente, politicamente, o PT não dirige os trabalhadores, e sim dirige administrativamente as entidades sindicais, como cascas vazias (o mesmo vale para os demais movimentos sociais, consideradas as suas especificidades e formas de funcionamento). As organizações socialistas vão pelo mesmo caminho, quando desprezam a tarefa de organizar os trabalhadores a partir da base, a partir dos locais de trabalho, no caso do exemplo sindical, para ter alguma força no enfrentamento ao capital.
Não deixa de ser oportunista o comportamento de praticamente todas as organizações socialistas que, subitamente, nesta conjuntura excepcional, “descobrem” que é preciso apoiar a campanha de Freixo, porque ela supostamente representa uma batalha “fundamental” da luta de classes. É uma forma de desonestidade dessas organizações, já que nunca estiveram construindo o PSOL, e de repente, percebem que é preciso apoiar uma campanha deste partido. Falta seriedade e ao mesmo tempo humildade a essas organizações que se acham no direito de emitir posições (“voto crítico no Freixo!”, ou “somos todos fulano!”) de última hora, num zigue-zague frenético, correndo atrás do próprio rabo, reagindo a cada fato ou factóide. Tentam alcançar alguma visibilidade superestrutural, sem ter a preocupação de que essas posições emitidas estejam enraizadas em algum setor da classe trabalhadora. Mais grave do que isso, não conseguem desenvolver uma estratégia própria, independente das pautas, calendários e armadilhas impostas pela classe capitalista e seu Estado.

Não existem atalhos
Para as organizações socialistas que não são apenas eleitorais e se mantém atuando na luta de classes real, a única opção diante do reacionarismo não pode ser a de engajar-se oportunisticamente numa disputa eleitoral, como infelizmente fazem em absolutamente todos os casos. Por mais que a revolução socialista não esteja de fato na agenda histórica e no momento imediato, e que seja preciso sim lutar defensivamente contra o aprofundamento da barbárie em todas as suas formas, inclusive no nível de políticas públicas, mesmo assim, disso não decorre que seja preciso se subordinar à lógica da disputa eleitoral. É possível sim reconhecer que as posições reacionárias estão na ofensiva, a classe trabalhadora está no momento realmente imobilizada, as organizações socialistas estão de fato extremamente marginalizadas e minoritárias; e mesmo assim, reconhecendo tudo isso, é possível seguir apostando na organização e na luta independente do Estado e oposta a ele como alternativas.
Não só é possível como é a única escolha viável. É a única forma de construir uma base real para uma futura transição socialista. A questão na verdade não é se a revolução é viável hoje ou não, mas se o que fazemos hoje ajuda a encaminhar a revolução em algum dia do futuro, por mais remoto que seja. O que fazemos hoje não pode reforçar as crenças reformistas no Estado, no direito e nas eleições como instâncias de resolução dos problemas da classe. Por mais que as perspectivas de luta estejam extremamente marginalizadas, não há outra forma de constituir a classe trabalhadora como sujeito revolucionário, classe em si e para si, em luta contra o sistema do capital em todas as suas dimensões, que não seja insistindo na organização de base para a luta.
Ou se luta desde já para que a classe trabalhadora acredite em saídas coletivas para os problemas, desde os mais imediatos (calçamento das ruas, abrigos para mulheres vítimas de violência, construção de escolas, eleição de CIPAs combativas, greves, etc.) até as questões gerais, e se organize para isso de forma independente do Estado e seus partidos e instituições, a partir de cada local de trabalho, moradia ou estudo, cada mínima atividade social; ou não será possível em nenhum momento futuro a luta pela revolução. Não se trata aqui de fazer uma campanha ofensiva pelo voto nulo, como se fosse importante ou prioritário retirar o maior número de votos de pessoas “iludidas” com Freixo, pois isso não faria a menor diferença, à luz do que viemos discutindo. O que estamos buscando fazer é alertar para o fato de que não existe atalho para a revolução: ou se busca enraizamento real na base da classe trabalhadora e em suas lutas como alicerces para uma transição, ou as disputas eletorais e superestruturais, que parecem tão urgentes, em longo prazo não vão construir nada além de novos castelos de cartas.

Anexos

1. O tamanho da derrota do PT
O PT perdeu 61% dos votos que recebeu em relação a 2012. Em número de cidades governadas, caiu de 635 para no máximo 263 (caso vença nas 7 cidades em que ainda vai para 2º turno). Em número de habitantes governados, caiu de 37,9 milhões para 6,1 milhões. O resultado desse massacre do PT foi um crescimento importante do PSDB, que aumentou em 25% a sua votação (dados coletados por Valter Pomar em https://espacoacademico.wordpress.com/2016/10/12/a-esquerda-frente-a-derrota/). Mas quem cresceu mesmo foi o candidato “brancos, nulos e abstenções” (ver https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/03/O-que-votos-brancos-e-nulos-as-absten%C3%A7%C3%B5es-e-a-queda-da-participa%C3%A7%C3%A3o-dos-jovens-t%C3%AAm-a-revelar).
Em muitas cidades, o não voto venceu, como em São Paulo (3,095 milhões de votos contra 3,085 de João Dólar, eleito no 1º turno) e Rio (em que teve mais votos do que a soma dos dois candidatos que vão ao 2º turno). Em 22 capitais o não voto estaria em 1º ou 2º lugar. Considerando-se que em São Paulo o milionário João Dólar se elegeu com o discurso de “não político” e “gestor”, um embuste bastante banal, a derrota dos “políticos” tradicionais foi ainda maior. O aumento do número de não votos não pode ser creditado apenas às ausências de domicílio eleitoral, erro no momento do voto, discrepâncias no cadastro do TRE, etc. Afinal, esse contingente de não votos “acidentais” e resiual se mantém constante eleição após eleição. O que temos em 2016 é um aumento do número de abstenções, brancos e nulos por motivo de desencanto.
Trata-se de uma migração do voto petista para o desalento eleitoral. E isso não necessariamente quer dizer que há um avanço na combatividade desse eleitorado, já que boa parte dos não votantes não está realmente procurando opções para se organizar e mudar a realidade. Ao contrário, está achando que não é mais possível mudá-la, nem por meio do voto, como pensava antes, nem muito menos por qualquer outro meio (ação direta, greve, manifestação, abaixo-assinado, associativismo, etc.). Resumindo, parte dos eleitores do PT nos últimos anos migrou para o PSDB (e parte destes como “voto castigo” ao PT, não por crença no “programa” do PSDB) e a maior parte migrou para o não voto.

2. A questão do “pobre de direita”
Na ressaca da derrota, muitos dos apoiadores do PT identificaram o fenômeno da migração do eleitorado que havia votado em Haddad em 2012 para a candidatura de João Dólar este ano. Em especial, os votos da periferia, que “se esperava” que seguiriam sendo dados ao PT. Cunhou-se então a expressão “pobre de direita” para dar nome a essa migração, como se fosse um caso particular e extraordinário, uma espécie de aberração exclusivamente brasileira e paulistana. A concepção que está por trás dessa expressão é de que o “pobre” deveria saber que o seu voto tem que ser necessariamente dado ao PT, como se esse eleitorado devesse ter algum tipo de fidelidade ao partido. Os ricos e a classe média votam no PSDB, e os “pobres” votam no PT, é o que seria a narrativa “correta” e esperada das eleições, e o fato de neste ano os “pobres” não terem se comportado como esperado foi motivo de espanto e decepção.
O que esta concepção está dizendo é que quando os “pobres” deixam de votar no PT e parte deles vota no PSDB (e uma parte na verdade maior vai para os brancos, nulos e abstenções), o erro é dos eleitores e não do próprio PT. São os eleitores que “erraram” ao não saber reconhecer qual é a sua “verdadeira opção”, e não o partido. Tal concepção expressa dois problemas sérios. Primeiro, uma visão paternalista do eleitorado, em que os “pobres” não pensam por si mesmos, não fazem suas escolhas com base nas suas referências, e têm que ser guiados por alguém para decidir. Essa visão não quer reconhecer que os “pobres” rejeitaram em massa o partido, porque não se viram contemplados pela gestão petista. As maquiagens de Haddad na prefeitura (das quais as ciclovias e a redução da velocidade de trânsito nas avenidas se tornaram o maior símbolo), que chegaram a ser festejadas por alguns mais alucinados como atestado da “melhor gestão da história da prefeitura”, não significaram absolutamente nada para a massa desse eleitorado pobre, que continua sofrendo com o transporte público caro, demorado e lotado, o trânsito parado, poluição, etc., para além dos problemas mais gerais do desemprego, suacateamento dos serviços públicos, etc.
Então, o eleitorado “pobre” aplicou um massivo voto castigo ao PT, que os petistas simplesmente não querem reconhecer como merecido, e para isso inventam a ficção do “pobre de direita” para se autodesculpar. Que esse voto castigo tenha sido dado em parte com alguma expectativa de que João Dólar fará um governo melhor, expectativa essa que será também amargamente frustrada, não vem ao caso. Pois isso não pode servir para ocultar o fato de que foi o próprio PT que construiu esse abismo em relação ao seu eleitorado antes cativo. Tanto no nível federal (em que os “pobres” não se entusiasmaram em favor do impeachment, mas também não se moveram de forma alguma para defender o mandato de Dilma) quanto no municipal ou mesmo parlamentar, o PT fez questão de seguir governando para a classe patronal, os bancos, empreiteiras, agronegócio, etc., com quem buscou fazer acordos até o último minuto para se sustentar, com a promessa de seguir aprofundando o ajuste. Foi o PT que virou as costas para a classe de quem esperava votos.
O segundo problema dessa concepção que explica a derrota eleitoral por meio do misterioso surgimento do “pobre de direita” é que ela esquece a questão elementar de que o pobre sempre é “de direita”. Em outras palavras, como disseram Marx e Engels, “a ideologia dominante numa determinada sociedade é sempre a ideologia da classe dominante”. Seria uma aberração se os “pobres” não fossem “de direita”. Como poderia ser de outra forma? Afinal de contas, quem está organizando os “pobres”? Com certeza o PT não está (pois não pode permitir que suas reivindicações autênticas se manifestem, ou pior ainda, que os “pobres” se auto-organizem como sujeitos independentes para lutar por elas, e se voltem contra o projeto do partido de gestão para o capital). Como o PT poderia querer ter o voto dos “pobres”?
Na verdade, quem manda nos bairros “pobres” são as igrejas evangélicas e o crime organizado. Quem orienta ideologicamente essa população são as corporações da mídia tradicional, com sua narrativa meritocrática, brutal e irracional da vida social. Como esse eleitorado poderia ter outro tipo de pensamento que não “de direita”? Como poderia ter outros parâmetros e referências para avaliar as opções eleitorais que não os temas da corrupção, eficiência da gestão, etc.? Os petistas que estão decepcionados com os “pobres” por terem votado “errado” querem esconder com essa autocomiseração patética a omissão de quem não fez a lição de casa e esperava que os votos caíssem do céu.
Além do fato da gestão tecnocrática de Haddad não ter feito nenhuma mudança fundamental (não enfrentou as máfias das empresas de ônibus, não aumentou o IPTU da burguesia nacional concentrada em São Paulo, etc.), o PT não fez o trabalho de base, não está presente no dia a dia dos bairros pobres, não está organizando essa população, não está disputando a sua consciência contra a ideologia burguesa, porque não pode se engajar nas batalhas que essa população enfrenta, porque isso exigiria bater de frente com os interesses do capital, dos quais o PT se tornou defensor. Então o PT não fez e não vai fazer a sua lição de casa, e isso não é motivo de surpresa nenhuma. O que é realmente grave e deveria estar sendo discutido ao invés dessa ladainha do “pobre de direita” é o fato, este sim muito grave, que as organizações da “esquerda” também não façam essa lição de casa, como dissemos na parte principal do texto.

3. Não existe “esquerda” nem “direita”
O uso das expressões “esquerda” e “direita” no debate político serve mais para confundir do que para esclarecer, porque deixa em segundo plano a distinção fundamental, que está baseada na divisão da sociedade em classes sociais. “Esquerda” e “direita” são denominações abstratas usadas para rotular pacotes de ideias e programas políticos ao gosto do freguês (igualdade social, direitos humanos, cotas, intervencionismo estatal, etc.), e ainda por cima de maneira relativística. Um determinado partido está “à direita” do outro, que por sua vez está “à direita” de um terceiro, enquanto que mais um outro está “à esquerda” de todos eles, etc. Tudo é relativo e nada tem posição fixa, num deslizamento lateral infinito e indeterminado. Essa escala de gradação geométrica não diz nada sobre a base social real, e mais especificamente, o projeto de sociedade que cada partido defende.
Rigorosamente falando, só existem duas posições políticas possíveis, a defesa da sociedade capitalista existente e a sua superação por uma revolução socialista, em direção ao comunismo. É em relação a esse critério fundamental que os partidos devem ser classificados. Dessa forma, só existem dois tipos de organizações políticas: os partidos empresariais, que defendem os interesses da classe capitalista, e as organizações da classe trabalhadora. No primeiro grupo temos tanto os partidos chamados “de esquerda” como PT, PCdoB, PDT, PSB, PV, REDE, como os da “direita”: PSDB, PMDB, DEM, PTB, PR, PP, PSC. Todos esses são partidos empresariais, partidos da classe capitalista, partidos que defendem a continuidade do capitalismo.
Em relação às organizações da classe trabalhadora, temos somente quatro organizações eleitoralmente legalizadas: PSOL, PSTU, PCB e PCO (e ainda com ressalvas), e uma miríade de pequenas organizações socialistas e anarquistas que atuam na luta de classes sem se apresentar com candidaturas nas eleições (por mais que algumas pateticamente desejem ou embarquem nas candidaturas alheias).
No grupo das organizações da classe trabalhadora eleitoralmente legalizadas, merecem ressalvas o PSOL e o PCO, por motivos diferentes. O PSOL se compõe de várias tendências agrupadas um tanto artificialmente, sendo que uma parte delas são organizações socialistas autênticas, que estão baseadas na classe trabalhadora e defendem propostas efetivamente socialistas. Mas a direção do PSOL está firmemente controlada por um setor eleitoreiro, que dilui o programa do partido e abandona qualquer referência de transformação social para se apresentar como melhor gestor da sociedade capitalista existente e assim obter votos entre as camadas médias da população (não deixa de ser portanto uma contradição que algumas organizações socialistas atuem por dentro do PSOL). O PCO tem uma característica fortemente sectária, de não construir ações conjuntas com as demais organizações da classe, realizar ataques verbais violentos a todas elas, e funcionar na prática como ajudante do PT no movimento sindical.
Dessa forma, restam PSTU e PCB como organizações mais autenticamente baseadas na classe trabalhadora, mas cada um também com uma série de outros problemas (ver por exemplo: http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/07/a-queda-do-muro-de-berlim-da-esquerda.html). De modo geral, o que unifica praticamente todas as organizações socialistas e baseadas na classe trabalhadora é essa fixação superestrutural na disputa de eleições, tanto para o Estado como, em menor escala, para sindicatos e entidades, como se isso substituísse a disputa real, pela organização da classe e sua consciência, em escala microscópica e local. Quem optar pelo caminho, mais longo e mais difícil, que é o da organização dos trabalgadores a partir da sua base, vai se tornar a referência para a classe trabalhadora nesse novo ciclo histórico pós-PT. Quem insistir nessas velhas práticas superestruturais vai desaparecer com o próprio PT.

4. Limites históricos do reformismo
O reformismo no início do século XX mantinha a promessa (irrealizável) de chegar ao socialismo por meio de melhoras graduais no capitalismo. À medida em que chegávamos ao fim do século XX, abandona-se qualquer referência ao socialismo e as forças reformistas se conformam com a mera gestão do capitalismo, com o pretexto de humanizá-lo (o que também é impossível). Por fim, na virada do século, todas as siglas do reformismo estão engajadas em contra-reformas, ajustes, medidas de “austeridade” e desmonte do estado de bem estar social, qualquer que seja o grau que ele tenha alcançado em cada país (no Brasil nunca chegou a existir de fato), administrando melancolicamente a barbárie capitalista.
No capítulo brasileiro dessa triste novela, a degeneração do PT que mencionamos de passagem no texto, surgindo como uma organização baseada na classe trabalhadora para se transformar num partido empresarial e gestor dos interesses do capital, não pode ser interpretada apenas como um caso de traição pessoal de seus dirigentes (é isso também, com todos os detalhes sórdidos da corrupção, locupletação com os fundos de pensão, etc., mas não só isso), pois o elemento fundamental, estrutural, é a inviabilidade da opção reformista de buscar melhorias duradouras no interior do capitalismo, na atual conjuntura histórica. O capitalismo vive seu momento de crise esturural (conforme aponta Mészáros), em que não são mais possíveis reformas ao estilo do “welfare state” das décadas de 1950 e 60. Todos os partidos que chegam à gestão do Estado são forçados a adotar medidas de “austeridade” e contra-reformas neoliberais.
Na impossibilidade de mudanças duradouras, tudo o que os governos sociais-liberais ou reformistas-de-contra-reformas podem fazer é tentar explorar momentos conjunturalmente favoráveis no mercado mundial, como os progressistas da América Latina fizeram na década passada, para recapitalizar o Estado e adquirir a margem para algumas medidas redistributivas e assistenciais, completadas com o acesso ao consumo. Foram essas as medidas que sustentaram o PT no governo federal por alguns mandatos, até que a cojuntura mundial mudou, a margem de gestão se esgotou e a burguesia veio exigir raivosamente o fim da farra “esquerdista”.
Não foi apenas o PT no Brasil, mas todas as organizações históricas da “esquerda” eleitoral institucional (trabalhismo inglês, SPD alemão, PS francês, PSOE espanhol, etc.) se converteram em sociais-liberais na década de 1990, decepcionando seus eleitores em todos os casos em que chegaram ao governo. Os “progressistas” latino americanos (Lula, Chávez, Kirchner, Correa, Morales, etc.) seguiram na mesma toada na década de 2000. E agora, mais recentemente, a nova “esquerda radical” protagonizou o mesmo espetáculo patético, com o Syriza, na Grécia. Todos, ao chegar ao governo, precisam se comprometer com o pagamento de dívidas públicas que abocanham fatias imensas do orçamento, reduzindo suas margens de gestão, forçando-os a realizar cortes cada vez mais profundos nas políticas sociais, aposentadorias, privatizações, etc. O Estado funciona como órgão centralizador e distribuidor da mais-valia gerada na sociedade, depauperando os fundos públicos que sustentavam raquíticas políticas públicas, e desviando-os em direção aos bancos e especuladores.
Dessa forma, as opções se tornam cada vez mais estreitas. Ou se enfrenta o capital com a força organizada da classe trabalhadora, com medidas de ruptura (não pagamento da dívida pública, estatização do sistema financeiro, taxação de grandes fortunas, controle de capitais, limitação das remessas de lucros, investimento maciço em educação, saúde, moradia, transporte, saneamento, etc., direitos trabalhistas para todos, fim da terceirização e precarização, salário mínimo vital, etc.), ou não vale à pena se apresentar em eleições.