Como foi que
chegamos a esse ponto? Policiais entram atirando na escola do MST.
Policiais retiram estudantes que ocupavam o Centro Paula Souza, sem
mandado judicial. Violência nua e crua, brutal, irracional,
animalesca, grotesca e debilóide, mas ainda assim friamente
calculada pelos seus sórdidos orquestradores. Abuso de poder,
arbitrariedade e ações ilegais das “autoridades” se
multiplicam. Corruptos e corruptores são espetaculosamente
presos, processados, delatados, liberados, alguns sim, outros não,
condenados e absolvidos no tribunal da “opinião pública”,
ao sabor das conveniências e obediências do momento. A
fachada do Estado democrático de direito cai por terra.
O atrevimento não
tem limites. Gastos com a saúde e a educação
pública congelados por 20 anos. Aposentadoria somente aos 65
anos, e igual para homens e mulheres. Negociação
podendo prevalecer sobre a CLT e retirar direitos que nos custaram um
século de lutas para serem conquistados. Enquanto isso, no
andar de cima, bilhões de dólares remetidos ilegalmente
ao exterior agora repatriados sem pagar imposto. Banquetes nababescos
para celebrar o corte nos já precários investimentos
que garantem a sobrevida de serviços públicos
sucateados.
O cinismo e a
desfaçatez dominam impunes os meios de comunicação,
que repetem o refrão de que não há alternativa a
não ser passar a conta da crise para os explorados, os
oprimidos e miseráveis. O ódio corre solto contra as
vítimas da opressão que ousam se levantar. A crueldade
dos privilegiados não tem mais pudor nenhum em exibir seu
desprezo arrogante e agressivo contra a massa sofredora.
Como foi que
chegamos a esse ponto? Como foi que deixamos essa situação
se estabelecer sem sermos capazes de reagir? Onde estão as
organizações da nossa classe? Onde estão os
sindicatos, as federações, as centrais sindicais? Por
quê não mobilizam suas bases? Onde estão as
reuniões nos locais de trabalho, as plenárias, as
assembleias, as greves, os piquetes? Onde estão os
trabalhadores? Onde estão os metalúrgicos, os
petroleiros, os químicos, os bancários, os professores?
Onde estão as empregadas domésticas, os motoboys, os
vigilantes, os frentistas, as balconistas?
Os trabalhadores
são a esmagadora maioria da sociedade, são os 99%. Por
quê estão imóveis no chão de fábrica,
na sala de aula, no guichê do caixa, no assento do motorista?
Por quê não se dialoga sobre suas verdadeiras demandas?
Por quê as organizações da classe lhes viraram as
costas? Por quê não há quem ponha o pé no
barro e vá dialogar com eles e elas? Por quê se permitiu
que a crença nas saídas individuais, no
empreendedorismo, na “meritocracia”, substituísse a
confiança nas saídas coletivas? Como os trabalhadores
podem estar imóveis, assistindo os arautos do ódio na
TV, nas igrejas, nos jornais, na internet, nos celulares?
Por quê os
trabalhadores não se movem? Por quê não há
lutas? Por quê as ruas não estão cheias? Por quê
não há reuniões, comícios, atos
panfletagens? Por quê se ocupam escolas, mas não as
fábricas? Por quê se enchem algumas praças, mas
não se bloqueiam as estradas e avenidas? Por quê se
fazem falas em algumas universidades, mas não nos bairros e
comunidades? Por quê se fazem alguns discursos, mas não
se diz o necessário?
Como foi que
chegamos a esse ponto? Por quê não se falam mais as
verdades essenciais? Em que lugar do caminho esquecemos os traços
mais elementares do mundo em que vivemos? Por que deixamos de falar
em luta de classes? Por quê deixamos de falar em capitalismo?
Em mais valia? Em alienação? Em que lugar esquecemos
que o Estado não é um espaço neutro em disputa,
o Estado e todas as suas instituições são o
inimigo? Como se instalou a ilusão de que o capital pode ser
administrado ou “humanizado” ao invés de destruído
pela força da classe trabalhadora organizada e consciente? Por
que deixamos de nos preparar para a luta como ela deve ser feita,
desde os locais de trabalho, estudo e moradia, e não nas
cúpulas dos palácios, entidades e aparelhos? Por que
deixamos de falar em revolução e emancipação?
Alguns (parte de
boa fé, mas muitos de má fé) acharam que era
possível contornar essas verdades essenciais, distribuindo
migalhas em cartões eletrônicos (débito ou
crédito, conforme se tratasse das “classes” C, D ou E).
Agora, todos pagam o preço desse trágico engano.
Quanto sangue e
quantas lágrimas ainda serão derramadas até que
voltemos a falar com os trabalhadores sobre as verdades essenciais?
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