O
resultado do primeiro turno das eleições municipais de
2016 caiu como uma bomba sobre os setores que tinham alguma esperança
na recuperação do PT depois daquilo que chamam de
“golpe” (para entender porque usamos “golpe” entre aspas e
não defendemos o PT, ver textos anteriores, como:
http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/09/fora-austeridade-nenhum-direito-menos.html).
A derrota nas eleições municipais consolidou a perda de
espaço do partido, resultante da política austericida
de “ajuste” contra os trabalhadores, que afastou a sua base
eleitoral da última década. Ao mesmo tempo que esse
eleitorado se distanciou, do lado oposto foi organizada uma forte
oposição antipetista por meio do massacre midiático
e judicial dos últimos dois anos, que teve como ponto mais
alto (ou baixo) a remoção de Dilma da presidência.
Derivando
ainda do balanço do primeiro turno, apresentamos como anexo
deste texto algumas reflexões correlatas sobre os seguintes
pontos: 1º) o tamanho numérico da derrota eleitoral
petista, 2º) a questão do eleitorado “pobre de
direita”, 3º) o fato de que, a rigor, não existe
“esquerda” e “direita” e sim classes sociais, e 4º) os
limites históricos do reformismo; para contemplar quem tiver a
preocupação de ir além do tema principal, mas
colocadas em separado e ao final, para não atrapalhar os
leitores que querem ir direto ao ponto.
Uma luz
no fim do túnel...
Se o
resultado das eleições municipais refletisse apenas a
“despetização” do Estado, essa questão não
teria o menor interesse. Afinal, de qualquer forma, os burocratas do
PT estão com a sua vida resolvida, ao contrário da
classe trabalhadora. O problema é que essa despetização
vem acompanhada de uma ofensiva reacionária contra tudo aquilo
que é identificado como “esquerda” (o anexo 3 explica
porque também usamos “esquerda” entre aspas): sindicatos,
greves, movimentos sociais, ocupações, feminismo, cotas
para negros, defesa da população LGBT, etc. Tudo isso
foi embalado num mesmo pacote, como sendo “coisa do PT”, que
portanto deve ir para o lixo. A despetização do Estado
se torna dessa forma um problema para os trabalhadores, mas não
porque significa que devêssemos defender o PT, e sim porque
temos que tirar lições de como esse partido foi
defenestrado para repensar a construção de novas
organizações da nossa classe.
Essa
manobra oportunista das forças reacionárias de
identificar os movimentos sociais com o PT para desacreditá-los
todos em bloco foi facilitada pelo papel do próprio PT como
direção dos movimentos nas últimas décadas,
ao transformá-los em aparatos para sustentação
dos seus dirigentes, descolados ou até opostos às lutas
(como no caso dos sindicatos da CUT, principais organizações
da classe no Brasil, ultraburocratizados e pelegos). O maior crime do
PT, portanto, foi ter desacreditado o conjunto das lutas sociais (e
seus organismos como instrumentos de ação coletiva para
resolução dos problemas da nossa classe), de modo que
as lutas agora precisarão ser retomadas num contexto muito
mais difícil, em que a classe patronal exige o aprofundamento
do ajustes contra os trabalhadores.
Nesse
contexto difícil, surge a disputa do 2º turno da eleição
municipal no Rio de Janeiro, com Marcelo Freixo do PSOL aparecendo
como uma espécie de luz no fim do túnel para esses
setores de “esquerda” que se assustaram com o tamanho da
catástrofe do PT. Em massa, as organizações
socialistas e pessoas preocupadas com o “golpe” e com o que está
por trás dele declaram seu apoio mais ou menos crítico
ao candidato do PSOL, contra um oponente da Igreja Universal. O
principal argumento em favor dessa campanha é a necessidade de
enfrentar a ameaça reacionária crescente no país.
Em nome dessa necessidade, boa parte das organizações
socialistas relativiza o critério do recorte de classe e de um
programa efetivamente socialista, ausentes na campanha do PSOL, para
fazer unidade em termos eleitorais com um setor “democrático”
e “progressista” contra o reacionarismo.
Os
argumentos em defesa da candidatura Freixo
Os
setores socialistas que estão aderindo à campanha de
Freixo (mais conhecido fora do Rio de Janeiro como o alter-ego do
personagem Fraga do filme Tropa de Elite 2) muitas vezes reconhecem
os vários problemas dessa campanha de um ponto de vista
socialista, tais como: o PSOL não tem um programa de ruptura
com o capitalismo (que de resto não é possível
em escala municipal); não discute temas nacionais e sociais
gerais (rebaixando-se à despolitização típica
das pautas municipais); tem um histórico de alianças
com partidos empresariais de aluguel; já recebeu doações
empresariais para suas campanhas; admite candidatos oportunistas do
tipo Erundina (ou seja, faz quase qualquer coisa para obter mais
votos e mandatos); em sua campanha não faz a denúncia
da democracia burguesa (e portanto reforça a ilusão de
que se pode mudar fundamentalmente a realidade por meio do voto, em
detrimento da necessidade de organização para a luta);
etc. Mesmo reconhecendo tudo isso, as organizações
socialistas entendem que o voto crítico se justifica em função
de uma conjuntura excepcional.
Segundo
essa leitura, na atual conjuntura, de certa forma, o 2º turno no
Rio de Janeiro se tornou uma disputa nacional entre as forças
reacionárias que querem aproveitar a derrocada do PT para
facilitar o ataque aos trabalhadores, de um lado, e as forças
que, de outro lado, mesmo por fora do PT, querem encontrar uma
alternativa para enfrentar esses ataques. A importância
simbólica dessa disputa teria portanto tido o efeito de
unificar o conjunto das forças que atuam em nome da classe
trabalhadora, nos termos que definimos por exemplo em nosso texto
sobre o 1º turno (ver:
http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/09/a-esquerda-e-as-eleicoes-sucumbindo.html).
A disputa eleitoral carioca teria se tornado um fato central da luta
de classes nacional, motivando uma unificação das
forças socialistas e democráticas (informal,
improvisada e precária, mas real), justificando assim a
relativização dos critérios de classe e
programa.
Além
disso, não é preciso nenhum esforço para mostrar
o quão nefasta é a candidatura do bispo Crivella,
apoiado por todo o arco das forças reacionárias da
cidade, desde o crime organizado, milícias, partidos
saudosistas da ditadura, igrejas, cartolas do futebol, etc. Derrotar
essas forças reacionárias no terreno eleitoral se impõe
como uma espécie de questão de honra. Um voto em
Freixo, mesmo com todos os limites apontados em termos de um critério
socialista, é também um voto contra Crivella e o
reacionarismo.
...ou
trem na direção contrária
Entretanto,
mesmo colocados todos esses elementos, e nos solidarizando com esse
sentimento da necessidade de derrotar o reacionarismo, somos forçados
a colocar em discussão algumas questões mais profundas.
O fato de que o principal terreno de disputa tenha se transferido
para a campanha eleitoral não pode ser tomado senão
como uma medida do tamanho da derrota das organizações
socialistas e da perspectiva dos trabalhadores, independentemente do
resultado das eleições. O ponto de partida dessa
discussão tem que ser o reconhecimento da atual fragilidade da
classe trabalhadora no que se refere aos enfrentamentos da luta de
classes real. O fato de que os sindicatos estejam ocupados por
pelegos e burocratas da CUT (e Farsa Sindical, CTB, UGT, etc.) e
portanto incapazes de desencadear uma greve geral contra os ajustes
(e que as forças de oposição no movimento
sindical sejam incapazes de incidir sobre a base das categorias para
forçar a greve geral) tem que ser tomado como índice do
quanto estamos recuados.
Isso
para não falar no restante dos movimentos sociais, de luta
pela terra, por moradia, feministas, anti-racistas, indígenas,
estudantis, etc. Mesmo somando-se todos esses movimentos, mais as
oposições sindicais combativas, partidos e organizações
socialistas e anarquistas, ainda assim estamos falando de uma força
minoritária na sociedade diante do governo federal, Congresso,
Judiciário, entidades patronais, mídias, igrejas,
“think tanks” reacionários, etc. A classe patronal e seus
capangas estão unificados e dispostos a passar o rolo
compressor. É preciso partir desse reconhecimento para
dimensionar corretamente o tamanho da tarefa que têm pela
frente as forças socialistas, em termos de esforço para
recontruir a organização da classe e sua consciência.
Tendo dimensionado isso, podemos colocar as eleições
municipais no seu devido lugar.
Mesmo
que Freixo hipoteticamente vença a disputa eleitoral, isso não
significa que as forças reacionárias que se unificaram
contra ele estarão derrotadas no terreno que realmente conta,
no dia a dia da reprodução social. O crime organizado,
as milícias, as igrejas, os cartolas do futebol, etc., todos
eles continuarão existindo e impondo seu poder militar,
econômico, social e cultural sobre a cidade do Rio (como fazem
no restante do país), independentemente de quem seja o
prefeito eleito.
As
eleições existem justamente para produzir a ilusão
de que é possível travar algum enfrentamento sem lutas
sociais reais, e com isso conseguem exatamente o efeito de esvaziar
as lutas. É preciso refletir sobre o significado da posição
de se defender a vitória de Freixo em nome de uma luta
simbólica, mesmo que nacionalizada, contra o reacionarismo. O
fato de que essa disputa seja simbólica precisa ser entendido
no sentido de que o simbólico é tão somente o
oposto semântico daquilo que é efetivamente material,
concreto, real. No terreno da disputa material, concreta, real, no
processo de reprodução social, nos locais de trabalho,
estudo e moradia, no microcosmo de cada atividade social, as forças
reacionárias ainda terão que ser enfrentadas.
E mesmo
uma hipotética administração do PSOL poderá
fazer muito pouco ou nada em relação a isso, pois
estará muito ocupada gerindo a máquina da prefeitura
carioca. A Carta aos Cariocas (“Compromisso com o Rio” lançado
pela campanha de Freixo nesta segunda-feira dia 24/10, e disponível
em http://www.marcelofreixo.com.br/compromisso)
não deveria deixar dúvidas a respeito dos rumos de um
hipotético governo Freixo. O enfrentamento real seguirá
tendo que ser feita, praticamente no mesmo patamar, recomeçando
do zero, quase como se a disputa eleitoral na prática não
tivesse existido.
Não
pode deixar de ser discutido o fato de que os militantes do PSOL ou o
próprio Freixo não possam sequer subir os morros
cariocas, pois o poder efetivo nesses locais é exercido pelo
crime organizado (e quando falamos de crime organizado, as milícias
e as forças policiais, apodrecidas até a medula pela
corrupção são apenas mais uma das facções
em disputa). Esse problema não poderá ser enfrentado
sem um movimento, necessariamente nacional, pela descriminalização
das drogas, políticas efetivas de redução de
danos, reforma do sistema penal, desmilitarização das
polícias, etc. A campanha eleitoral não está
batendo de frente com essa questão, mas contornando-a. Se as
questões sociais mais sérias não são
enfrentadas em suas causas mais profundas, por mais complexas e
demoradas que sejam as soluções, de que serve todo o
esforço da campanha? Se a campanha (e a hipotética
gestão da prefeitura, baseada no compromisso citado) não
servem para acumular as forças necessárias para esse
enfrentamento mais profundo, de que adianta fazer a campanha?
Revolução
ou reforma
A
questão espinhosa que se coloca então, no fundo dessa
polêmica, é a da estratégia de longo prazo mais
adequada para enfrentar as mazelas da sociedade capitalista. Ou se
tem a posição de que tudo o que se pode fazer é
lutar contra essas mazelas por meio das opções
pré-definidas e delimitadas da democracia burguesa (políticas
públicas a serem aplicadas por gestores que terão que
ser eleitos), ou se tem a posição de que a alternativa
ao capitalismo precisa ser construída desde o princípio
em oposição ao Estado e suas instituições,
enraizando-se na base da classe trabalhadora e em todas as suas
esferas de atividade.
A
posição de que uma revolução socialista
não está colocada na agenda histórica para o
momento imediato, e de que tudo o que se pode fazer é lutar
defensivamente contra o aprofundamento da barbárie (crime
organizado, feminicídio, LGBTfobia, racismo, retrocessos nos
salários e direitos trabalhistas, etc.), tendo como
instrumento algumas políticas públicas limitadas; é
uma posição perfeitamente legítima. Dessa
posição alguns deduzem que a única alternativa
viável de ação é a obtenção
de mandatos eletivos para lutar por políticas públicas
mais favoráveis. Essa dedução reformista, embora
não seja a única possível (também é
possivel lutar por políticas públicas por meio da
pressão externa de movimentos sociais organizados, que podem
ser anticapitalistas ou não, sem a obtenção de
cargos públicos, desde que haja movimentos organizados para
isso, o que constitui na verdade o centro da questão), é
bastante coerente com a escolha se engajar na campanha de Freixo.
Mais
tortuoso é o raciocínio daqueles que querem se engajar
na campanha de Freixo, mas ao mesmo tempo seguem dizendo que
perseguem um projeto socialista. Não é coerente de
forma alguma dizer que a alternativa da luta eleitoral (mesmo que
seja para eleger Freixo neste momento de importância simbólica
excepcional) é somente algum tipo de “desvio temporário”
em relação ao “verdadeiro objetivo”, que
supostamente seguiria sendo o de organizar a revolução.
As organizações socialistas que adotam esse discurso
estão sendo desonestas, pois a estratégia reformista e
a revolucionária são excludentes. Uma vez que se opta
pelo caminho de disputar algum espaço no interior do Estado,
não é mais possível voltar atrás.
O Estado
tem essa lógica, ele existe exatamente para isso, para
transferir e imobilizar a luta de classes para o terreno
superestrutural da política, invisibillizar a divisão
da sociedade em classes e ocultar as suas lutas e mobilizações
cotidianas. O politicismo e o superstruturalismo inerente a ele são
implacáveis ao tragar para o interior do Estado as mais
honestas e comprometidas intenções de transformação.
Depois de obter um primeiro mandato, é preciso conseguir a
reeleição, e depois é preciso conseguir uma
bancada maior, e depois cargos de nível estadual, depois
federal, e assim sucessivamente. A disputa eleitoral absorve
inevitavelmente e definitivamente os que se dedicam a ela. Não
se trata portanto de uma questão moral, de se ter militantes
mais ou menos honestos como candidatos, mas de um problema material,
estrutural, que diz respeito à lógica profunda da
sociedade de classes, do Estado e do capital.
A
tentação da superestrutura
Muitas
organizações socialistas dizem que “em determinadas
condições” a disputa de eleições é
necessária para ajudar a avançar a luta. O problema é
que não há critério algum para determinar quais
são essas “condições” que autorizam a
disputa eleitoral, pois o fato é que essas organizações
acabam se envolvendo em praticamente todas: ou lançam
candidatos ou defendem voto crítico e de alguma forma fazem
campanha. Em absolutamente todas as eleições se
encontram sofismas para legitimar a posição de que é
necessário fazer alguma campanha. Então, efetivamente,
não se trata de que “determinadas condições”
autorizam disputar eleições como é repetidamente
alegado, mas de que objetivamente as organizações se
envolvem em todas. Há um inegável desvio eleitoralista
profundamente enraizado nas organizações socialistas,
que teimam em encontrar pretextos para sempre se voltar para a
discussão da disputa no interior do Estado, em absolutamente
todas as eleições.
A lógica
da disputa de espaços no interior do Estado faz com que as
organizações que a adotam passem a girar
indefinidamente em torno disso. O vínculo com a luta de
classes real, no solo da reprodução social, é
cortado irremediavelmente. É espantoso, quase inacreditável,
que seja preciso repetir essa advertência ainda hoje,
exatamente no momento em que estamos diante do estrepitoso colapso do
PT, que acaba de protagonizar epicamente mais um dos muitos fiascos
do reformismo em sua caminhada mundial (ver anexo 4 sobre os limites
históricos do reformismo). No momento em que o PT acaba de
encenar pela enésima vez a tragédia do reformismo,
completando o ciclo de uma organização que surgiu nas
lutas, para progressivamente se afastar delas, enveredar pela gestão
do Estado do capital, passar para o outro lado da trincheira de
classe, tornar-se um instrumento do capital contra os trabalhadores e
terminar sendo ignominiosamente descartada; a única opção
que resta para as organizações socialistas é...
eleger um candidato? Começar o mesmo ciclo de novo?
A
alternativa para combater o reacionarismo não pode jamais ser
a de repetir a estratégia do PT. O que fez diferença
para determinar que o PT fosse derrubado, no final das contas, foi a
falta de apoio real na classe trabalhadora. De que adianta o PT
controlar a CUT, com suas mais de 3.000 entidades filiadas, que
nominalmente representam 23 milhões de trabalhadores, se em
cada local de trabalho esses milhões de trabalhadores não
reconhecem os dirigentes petistas, nem sequer sindicalmente, muito
menos politicamente e ideologicamente no sentido mais geral, não
se movem pelas ideias que esses dirigentes representam (na verdade,
os cutistas não defendem ideias, e sim o seu próprio
mandato), não se sentem representados por elas, etc.
Ideologicamente, politicamente, o PT não dirige os
trabalhadores, e sim dirige administrativamente as entidades
sindicais, como cascas vazias (o mesmo vale para os demais movimentos
sociais, consideradas as suas especificidades e formas de
funcionamento). As organizações socialistas vão
pelo mesmo caminho, quando desprezam a tarefa de organizar os
trabalhadores a partir da base, a partir dos locais de trabalho, no
caso do exemplo sindical, para ter alguma força no
enfrentamento ao capital.
Não
deixa de ser oportunista o comportamento de praticamente todas as
organizações socialistas que, subitamente, nesta
conjuntura excepcional, “descobrem” que é preciso apoiar a
campanha de Freixo, porque ela supostamente representa uma batalha
“fundamental” da luta de classes. É uma forma de
desonestidade dessas organizações, já que nunca
estiveram construindo o PSOL, e de repente, percebem que é
preciso apoiar uma campanha deste partido. Falta seriedade e ao mesmo
tempo humildade a essas organizações que se acham no
direito de emitir posições (“voto crítico no
Freixo!”, ou “somos todos fulano!”) de última hora, num
zigue-zague frenético, correndo atrás do próprio
rabo, reagindo a cada fato ou factóide. Tentam alcançar
alguma visibilidade superestrutural, sem ter a preocupação
de que essas posições emitidas estejam enraizadas em
algum setor da classe trabalhadora. Mais grave do que isso, não
conseguem desenvolver uma estratégia própria,
independente das pautas, calendários e armadilhas impostas
pela classe capitalista e seu Estado.
Não
existem atalhos
Para as
organizações socialistas que não são
apenas eleitorais e se mantém atuando na luta de classes real,
a única opção diante do reacionarismo não
pode ser a de engajar-se oportunisticamente numa disputa eleitoral,
como infelizmente fazem em absolutamente todos os casos. Por mais que
a revolução socialista não esteja de fato na
agenda histórica e no momento imediato, e que seja preciso sim
lutar defensivamente contra o aprofundamento da barbárie em
todas as suas formas, inclusive no nível de políticas
públicas, mesmo assim, disso não decorre que seja
preciso se subordinar à lógica da disputa eleitoral. É
possível sim reconhecer que as posições
reacionárias estão na ofensiva, a classe trabalhadora
está no momento realmente imobilizada, as organizações
socialistas estão de fato extremamente marginalizadas e
minoritárias; e mesmo assim, reconhecendo tudo isso, é
possível seguir apostando na organização e na
luta independente do Estado e oposta a ele como alternativas.
Não
só é possível como é a única
escolha viável. É a única forma de construir uma
base real para uma futura transição socialista. A
questão na verdade não é se a revolução
é viável hoje ou não, mas se o que fazemos hoje
ajuda a encaminhar a revolução em algum dia do futuro,
por mais remoto que seja. O que fazemos hoje não pode reforçar
as crenças reformistas no Estado, no direito e nas eleições
como instâncias de resolução dos problemas da
classe. Por mais que as perspectivas de luta estejam extremamente
marginalizadas, não há outra forma de constituir a
classe trabalhadora como sujeito revolucionário, classe em si
e para si, em luta contra o sistema do capital em todas as suas
dimensões, que não seja insistindo na organização
de base para a luta.
Ou se
luta desde já para que a classe trabalhadora acredite em
saídas coletivas para os problemas, desde os mais imediatos
(calçamento das ruas, abrigos para mulheres vítimas de
violência, construção de escolas, eleição
de CIPAs combativas, greves, etc.) até as questões
gerais, e se organize para isso de forma independente do Estado e
seus partidos e instituições, a partir de cada local de
trabalho, moradia ou estudo, cada mínima atividade social; ou
não será possível em nenhum momento futuro a
luta pela revolução. Não se trata aqui de fazer
uma campanha ofensiva pelo voto nulo, como se fosse importante ou
prioritário retirar o maior número de votos de pessoas
“iludidas” com Freixo, pois isso não faria a menor
diferença, à luz do que viemos discutindo. O que
estamos buscando fazer é alertar para o fato de que não
existe atalho para a revolução: ou se busca
enraizamento real na base da classe trabalhadora e em suas lutas como
alicerces para uma transição, ou as disputas eletorais
e superestruturais, que parecem tão urgentes, em longo prazo
não vão construir nada além de novos castelos de
cartas.
Anexos
1. O
tamanho da derrota do PT
O PT
perdeu 61% dos votos que recebeu em relação a 2012. Em
número de cidades governadas, caiu de 635 para no máximo
263 (caso vença nas 7 cidades em que ainda vai para 2º
turno). Em número de habitantes governados, caiu de 37,9
milhões para 6,1 milhões. O resultado desse massacre do
PT foi um crescimento importante do PSDB, que aumentou em 25% a sua
votação (dados coletados por Valter Pomar em
https://espacoacademico.wordpress.com/2016/10/12/a-esquerda-frente-a-derrota/).
Mas quem cresceu mesmo foi o candidato “brancos, nulos e
abstenções” (ver
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/03/O-que-votos-brancos-e-nulos-as-absten%C3%A7%C3%B5es-e-a-queda-da-participa%C3%A7%C3%A3o-dos-jovens-t%C3%AAm-a-revelar).
Em
muitas cidades, o não voto venceu, como em São Paulo
(3,095 milhões de votos contra 3,085 de João Dólar,
eleito no 1º turno) e Rio (em que teve mais votos do que a soma
dos dois candidatos que vão ao 2º turno). Em 22 capitais
o não voto estaria em 1º ou 2º lugar.
Considerando-se que em São Paulo o milionário João
Dólar se elegeu com o discurso de “não político”
e “gestor”, um embuste bastante banal, a derrota dos “políticos”
tradicionais foi ainda maior. O aumento do número de não
votos não pode ser creditado apenas às ausências
de domicílio eleitoral, erro no momento do voto, discrepâncias
no cadastro do TRE, etc. Afinal, esse contingente de não votos
“acidentais” e resiual se mantém constante eleição
após eleição. O que temos em 2016 é um
aumento do número de abstenções, brancos e nulos
por motivo de desencanto.
Trata-se
de uma migração do voto petista para o desalento
eleitoral. E isso não necessariamente quer dizer que há
um avanço na combatividade desse eleitorado, já que boa
parte dos não votantes não está realmente
procurando opções para se organizar e mudar a
realidade. Ao contrário, está achando que não é
mais possível mudá-la, nem por meio do voto, como
pensava antes, nem muito menos por qualquer outro meio (ação
direta, greve, manifestação, abaixo-assinado,
associativismo, etc.). Resumindo, parte dos eleitores do PT nos
últimos anos migrou para o PSDB (e parte destes como “voto
castigo” ao PT, não por crença no “programa” do
PSDB) e a maior parte migrou para o não voto.
2. A
questão do “pobre de direita”
Na
ressaca da derrota, muitos dos apoiadores do PT identificaram o
fenômeno da migração do eleitorado que havia
votado em Haddad em 2012 para a candidatura de João Dólar
este ano. Em especial, os votos da periferia, que “se esperava”
que seguiriam sendo dados ao PT. Cunhou-se então a expressão
“pobre de direita” para dar nome a essa migração,
como se fosse um caso particular e extraordinário, uma espécie
de aberração exclusivamente brasileira e paulistana. A
concepção que está por trás dessa
expressão é de que o “pobre” deveria saber que o
seu voto tem que ser necessariamente dado ao PT, como se esse
eleitorado devesse ter algum tipo de fidelidade ao partido. Os ricos
e a classe média votam no PSDB, e os “pobres” votam no PT,
é o que seria a narrativa “correta” e esperada das
eleições, e o fato de neste ano os “pobres” não
terem se comportado como esperado foi motivo de espanto e decepção.
O que
esta concepção está dizendo é que quando
os “pobres” deixam de votar no PT e parte deles vota no PSDB (e
uma parte na verdade maior vai para os brancos, nulos e abstenções),
o erro é dos eleitores e não do próprio PT. São
os eleitores que “erraram” ao não saber reconhecer qual é
a sua “verdadeira opção”, e não o partido.
Tal concepção expressa dois problemas sérios.
Primeiro, uma visão paternalista do eleitorado, em que os
“pobres” não pensam por si mesmos, não fazem suas
escolhas com base nas suas referências, e têm que ser
guiados por alguém para decidir. Essa visão não
quer reconhecer que os “pobres” rejeitaram em massa o partido,
porque não se viram contemplados pela gestão petista.
As maquiagens de Haddad na prefeitura (das quais as ciclovias e a
redução da velocidade de trânsito nas avenidas se
tornaram o maior símbolo), que chegaram a ser festejadas por
alguns mais alucinados como atestado da “melhor gestão da
história da prefeitura”, não significaram
absolutamente nada para a massa desse eleitorado pobre, que continua
sofrendo com o transporte público caro, demorado e lotado, o
trânsito parado, poluição, etc., para além
dos problemas mais gerais do desemprego, suacateamento dos serviços
públicos, etc.
Então,
o eleitorado “pobre” aplicou um massivo voto castigo ao PT, que
os petistas simplesmente não querem reconhecer como merecido,
e para isso inventam a ficção do “pobre de direita”
para se autodesculpar. Que esse voto castigo tenha sido dado em parte
com alguma expectativa de que João Dólar fará um
governo melhor, expectativa essa que será também
amargamente frustrada, não vem ao caso. Pois isso não
pode servir para ocultar o fato de que foi o próprio PT que
construiu esse abismo em relação ao seu eleitorado
antes cativo. Tanto no nível federal (em que os “pobres”
não se entusiasmaram em favor do impeachment, mas também
não se moveram de forma alguma para defender o mandato de
Dilma) quanto no municipal ou mesmo parlamentar, o PT fez questão
de seguir governando para a classe patronal, os bancos, empreiteiras,
agronegócio, etc., com quem buscou fazer acordos até o
último minuto para se sustentar, com a promessa de seguir
aprofundando o ajuste. Foi o PT que virou as costas para a classe de
quem esperava votos.
O
segundo problema dessa concepção que explica a derrota
eleitoral por meio do misterioso surgimento do “pobre de direita”
é que ela esquece a questão elementar de que o pobre
sempre é “de direita”. Em outras palavras, como disseram
Marx e Engels, “a ideologia dominante numa determinada sociedade é
sempre a ideologia da classe dominante”. Seria uma aberração
se os “pobres” não fossem “de direita”. Como poderia
ser de outra forma? Afinal de contas, quem está organizando os
“pobres”? Com certeza o PT não está (pois não
pode permitir que suas reivindicações autênticas
se manifestem, ou pior ainda, que os “pobres” se auto-organizem
como sujeitos independentes para lutar por elas, e se voltem contra o
projeto do partido de gestão para o capital). Como o PT
poderia querer ter o voto dos “pobres”?
Na
verdade, quem manda nos bairros “pobres” são as igrejas
evangélicas e o crime organizado. Quem orienta ideologicamente
essa população são as corporações
da mídia tradicional, com sua narrativa meritocrática,
brutal e irracional da vida social. Como esse eleitorado poderia ter
outro tipo de pensamento que não “de direita”? Como
poderia ter outros parâmetros e referências para avaliar
as opções eleitorais que não os temas da
corrupção, eficiência da gestão, etc.? Os
petistas que estão decepcionados com os “pobres” por terem
votado “errado” querem esconder com essa autocomiseração
patética a omissão de quem não fez a lição
de casa e esperava que os votos caíssem do céu.
Além
do fato da gestão tecnocrática de Haddad não ter
feito nenhuma mudança fundamental (não enfrentou as
máfias das empresas de ônibus, não aumentou o
IPTU da burguesia nacional concentrada em São Paulo, etc.), o
PT não fez o trabalho de base, não está presente
no dia a dia dos bairros pobres, não está organizando
essa população, não está disputando a sua
consciência contra a ideologia burguesa, porque não
pode se engajar nas batalhas que essa população
enfrenta, porque isso exigiria bater de frente com os interesses do
capital, dos quais o PT se tornou defensor. Então o PT não
fez e não vai fazer a sua lição de casa, e isso
não é motivo de surpresa nenhuma. O que é
realmente grave e deveria estar sendo discutido ao invés dessa
ladainha do “pobre de direita” é o fato, este sim muito
grave, que as organizações da “esquerda” também
não façam essa lição de casa, como
dissemos na parte principal do texto.
3. Não
existe “esquerda” nem “direita”
O uso
das expressões “esquerda” e “direita” no debate
político serve mais para confundir do que para esclarecer,
porque deixa em segundo plano a distinção fundamental,
que está baseada na divisão da sociedade em classes
sociais. “Esquerda” e “direita” são denominações
abstratas usadas para rotular pacotes de ideias e programas políticos
ao gosto do freguês (igualdade social, direitos humanos, cotas,
intervencionismo estatal, etc.), e ainda por cima de maneira
relativística. Um determinado partido está “à
direita” do outro, que por sua vez está “à direita”
de um terceiro, enquanto que mais um outro está “à
esquerda” de todos eles, etc. Tudo é relativo e nada tem
posição fixa, num deslizamento lateral infinito e
indeterminado. Essa escala de gradação geométrica
não diz nada sobre a base social real, e mais especificamente,
o projeto de sociedade que cada partido defende.
Rigorosamente
falando, só existem duas posições políticas
possíveis, a defesa da sociedade capitalista existente e a sua
superação por uma revolução socialista,
em direção ao comunismo. É em relação
a esse critério fundamental que os partidos devem ser
classificados. Dessa forma, só existem dois tipos de
organizações políticas: os partidos
empresariais, que defendem os interesses da classe capitalista, e as
organizações da classe trabalhadora. No primeiro grupo
temos tanto os partidos chamados “de esquerda” como PT, PCdoB,
PDT, PSB, PV, REDE, como os da “direita”: PSDB, PMDB, DEM, PTB,
PR, PP, PSC. Todos esses são partidos empresariais, partidos
da classe capitalista, partidos que defendem a continuidade do
capitalismo.
Em
relação às organizações da classe
trabalhadora, temos somente quatro organizações
eleitoralmente legalizadas: PSOL, PSTU, PCB e PCO (e ainda com
ressalvas), e uma miríade de pequenas organizações
socialistas e anarquistas que atuam na luta de classes sem se
apresentar com candidaturas nas eleições (por mais que
algumas pateticamente desejem ou embarquem nas candidaturas alheias).
No grupo
das organizações da classe trabalhadora eleitoralmente
legalizadas, merecem ressalvas o PSOL e o PCO, por motivos
diferentes. O PSOL se compõe de várias tendências
agrupadas um tanto artificialmente, sendo que uma parte delas são
organizações socialistas autênticas, que estão
baseadas na classe trabalhadora e defendem propostas efetivamente
socialistas. Mas a direção do PSOL está
firmemente controlada por um setor eleitoreiro, que dilui o programa
do partido e abandona qualquer referência de transformação
social para se apresentar como melhor gestor da sociedade capitalista
existente e assim obter votos entre as camadas médias da
população (não deixa de ser portanto uma
contradição que algumas organizações
socialistas atuem por dentro do PSOL). O PCO tem uma característica
fortemente sectária, de não construir ações
conjuntas com as demais organizações da classe,
realizar ataques verbais violentos a todas elas, e funcionar na
prática como ajudante do PT no movimento sindical.
Dessa
forma, restam PSTU e PCB como organizações mais
autenticamente baseadas na classe trabalhadora, mas cada um também
com uma série de outros problemas (ver por exemplo:
http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/07/a-queda-do-muro-de-berlim-da-esquerda.html).
De modo geral, o que unifica praticamente todas as organizações
socialistas e baseadas na classe trabalhadora é essa fixação
superestrutural na disputa de eleições, tanto para o
Estado como, em menor escala, para sindicatos e entidades, como se
isso substituísse a disputa real, pela organização
da classe e sua consciência, em escala microscópica e
local. Quem optar pelo caminho, mais longo e mais difícil, que
é o da organização dos trabalgadores a partir da
sua base, vai se tornar a referência para a classe trabalhadora
nesse novo ciclo histórico pós-PT. Quem insistir nessas
velhas práticas superestruturais vai desaparecer com o próprio
PT.
4.
Limites históricos do reformismo
O
reformismo no início do século XX mantinha a promessa
(irrealizável) de chegar ao socialismo por meio de melhoras
graduais no capitalismo. À medida em que chegávamos ao
fim do século XX, abandona-se qualquer referência ao
socialismo e as forças reformistas se conformam com a mera
gestão do capitalismo, com o pretexto de humanizá-lo (o
que também é impossível). Por fim, na virada do
século, todas as siglas do reformismo estão engajadas
em contra-reformas, ajustes, medidas de “austeridade” e desmonte
do estado de bem estar social, qualquer que seja o grau que ele tenha
alcançado em cada país (no Brasil nunca chegou a
existir de fato), administrando melancolicamente a barbárie
capitalista.
No
capítulo brasileiro dessa triste novela, a degeneração
do PT que mencionamos de passagem no texto, surgindo como uma
organização baseada na classe trabalhadora para se
transformar num partido empresarial e gestor dos interesses do
capital, não pode ser interpretada apenas como um caso de
traição pessoal de seus dirigentes (é isso
também, com todos os detalhes sórdidos da corrupção,
locupletação com os fundos de pensão, etc., mas
não só isso), pois o elemento fundamental, estrutural,
é a inviabilidade da opção reformista de buscar
melhorias duradouras no interior do capitalismo, na atual conjuntura
histórica. O capitalismo vive seu momento de crise esturural
(conforme aponta Mészáros), em que não são
mais possíveis reformas ao estilo do “welfare state” das
décadas de 1950 e 60. Todos os partidos que chegam à
gestão do Estado são forçados a adotar medidas
de “austeridade” e contra-reformas neoliberais.
Na
impossibilidade de mudanças duradouras, tudo o que os governos
sociais-liberais ou reformistas-de-contra-reformas podem fazer é
tentar explorar momentos conjunturalmente favoráveis no
mercado mundial, como os progressistas da América Latina
fizeram na década passada, para recapitalizar o Estado e
adquirir a margem para algumas medidas redistributivas e
assistenciais, completadas com o acesso ao consumo. Foram essas as
medidas que sustentaram o PT no governo federal por alguns mandatos,
até que a cojuntura mundial mudou, a margem de gestão
se esgotou e a burguesia veio exigir raivosamente o fim da farra
“esquerdista”.
Não
foi apenas o PT no Brasil, mas todas as organizações
históricas da “esquerda” eleitoral institucional
(trabalhismo inglês, SPD alemão, PS francês, PSOE
espanhol, etc.) se converteram em sociais-liberais na década
de 1990, decepcionando seus eleitores em todos os casos em que
chegaram ao governo. Os “progressistas” latino americanos (Lula,
Chávez, Kirchner, Correa, Morales, etc.) seguiram na mesma
toada na década de 2000. E agora, mais recentemente, a nova
“esquerda radical” protagonizou o mesmo espetáculo
patético, com o Syriza, na Grécia. Todos, ao chegar ao
governo, precisam se comprometer com o pagamento de dívidas
públicas que abocanham fatias imensas do orçamento,
reduzindo suas margens de gestão, forçando-os a
realizar cortes cada vez mais profundos nas políticas sociais,
aposentadorias, privatizações, etc. O Estado funciona
como órgão centralizador e distribuidor da mais-valia
gerada na sociedade, depauperando os fundos públicos que
sustentavam raquíticas políticas públicas, e
desviando-os em direção aos bancos e especuladores.
Dessa
forma, as opções se tornam cada vez mais estreitas. Ou
se enfrenta o capital com a força organizada da classe
trabalhadora, com medidas de ruptura (não pagamento da dívida
pública, estatização do sistema financeiro,
taxação de grandes fortunas, controle de capitais,
limitação das remessas de lucros, investimento maciço
em educação, saúde, moradia, transporte,
saneamento, etc., direitos trabalhistas para todos, fim da
terceirização e precarização, salário
mínimo vital, etc.), ou não vale à pena se
apresentar em eleições.
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