Os ataques de Serra
No início de janeiro de 2007 o governador de São Paulo José Serra (PSDB) lançou uma série de decretos que modificavam a estrutura organizacional das universidades estaduais paulistas (USP, UNESP, UNICAMP, FATECs). Os decretos criavam uma Secretaria de Ensino Superior acima dos reitores, na qual foi acomodado um aliado político de Serra, o médico José Aristodemo Pinotti, (DEM, ex-PFL). A nova Secretaria passaria a centralizar a administração das universidades, controlando seu orçamento, o que entre outras coisas impediria a contratação de professores e servidores, os investimentos em assistência (moradia estudantil), e a própria pesquisa e extensão das universidades.
Mais do que apenas recompensar um aliado político com uma sinecura, trata-se de um violento ataque contra a educação pública, pois fere diretamente a autonomia universitária. A possibilidade das universidades disporem sobre suas necessidades cotidianas fica prejudicada com a perda de controle sobre o orçamento. Esse projeto é coerente com a atual visão de gestão pública hegemônica no Brasil na era PSDB/PT: o Estado deve cada vez mais se retirar dos serviços públicos (educação, saúde, transporte, comunicações, etc.) e deixar tudo para a iniciativa privada.
A situação das universidades
Na visão neoliberal, as universidades devem ser colocadas diretamente a serviço das empresas. A lógica do mercado, e não o interesse científico, passa a determinar o que deve ser estudado. A pesquisa aplicada é privilegiada em detrimento da pesquisa básica. Os promotores desse modelo de gestão revelam aqui toda a sua miopia histórica, pois sem uma forte estrutura de pesquisa científica básica (na qual as universidades paulistas ocupam posição de liderança no Brasil e na América Latina) para formar novas gerações de cientistas, acadêmicos e técnicos, a própria pesquisa aplicada a longo prazo será asfixiada, e o Brasil continuará sendo um país eternamente dependente e um perpétuo importador de tecnologia.
Se a pesquisa básica nas áreas de matemática, física, química, biologia, etc., é considerada um “luxo” ou “desperdício”, que dizer então dos estudos em ciências humanas? Os setores da universidade que desenvolvem o pensamento crítico sobre a sociedade brasileira são os mais sucateados: não se contratam professores, os prédios são precários, as bibliotecas são pobres, não há laboratórios de informática, as salas de aula são superlotadas, etc. As condições para que estudantes oriundos de escolas públicas se mantenham na universidade (moradia, alimentação, transporte, etc.) também são as piores possíveis. Isso contribui para que as universidades públicas continuem sendo um “oásis” privativo da elite, praticamente vedado aos estudantes vindos da classe trabalhadora, aos negros, nordestinos e moradores da periferia.
A resposta dos estudantes
A situação de sucateamento do ensino público se agravaria ainda mais com a implantação dos decretos. Diante disso, os estudantes da USP, maior e mais importante universidade do país, e também aquela que concentra a maior parte dos problemas de inclusão, e a mais diretamente visada pelos decretos, foram à luta. Exigiram a abertura de discussões com a reitora Suely Vilela. Entretanto, a reitora se recusou a uma audiência pública, numa clara demonstração de que a burocracia universitária trabalharia pela implantação dos decretos. Diante da recusa da reitora em debater as suas reivindicações, os estudantes ocuparam a reitoria da USP, no dia 3 de maio.
A partir da ocupação da reitoria, o movimento se expande e toma corpo. As assembléias passam a receber milhares de estudantes, algo que não acontecia há muitos anos. No dia 16 de maio é declarada greve dos estudantes. No mesmo dia, os trabalhadores da USP também entram em greve. No dia 23 de maio é a vez dos professores da USP entrarem em greve. Com a greve dos três segmentos da universidade, o movimento alcança seu auge. Grandes atos, assembléias e passeatas com milhares de participantes colocam o problema da universidade no primeiro plano do debate.
A força do movimento
A mobilização da universidade integrou-se aos movimentos dos servidores estaduais em campanha salarial, principalmente professores, também alvejados pela política de Serra, bem como a setores do funcionalismo federal, MST, movimentos populares em geral, numa jornada de lutas que teve seu auge no dia 23 de maio. Ocupações e passeatas aconteceram em todo o país, numa tentativa de despertar a sociedade para a necessidade de lutar contra as reformas neoliberais em implantação pelos governos do PT e PSDB.
Cabe destacar que, assim como os sindicatos da CUT boicotaram as lutas em curso contra as reformas do governo Lula, o DCE (Diretório Central dos Estudantes) da USP, ligado à UNE (controlados por PT/PC do B/MR8-PMDB), boicotou a ocupação e a greve da universidade, sendo maciçamente rechaçado pelos estudantes e praticamente expulso das assembléias.
Cultura de greve
Os melhores momentos do movimento estiveram nas grandes passeatas e manifestações, e também nas formas de organização inovadores desenvolvidas para administrar o cotidiano da ocupação. Formaram-se comissões de limpeza, alimentação, segurança, informática e comunicação. Desenvolveram-se atividades de “cultura de greve”, com a presença na ocupação de professores como Paulo Arantes, Osvaldo Coggiola, Aziz Ab'Saber, Dalmo Dallari, que realizaram palestras e participaram de debates; e também de artistas como Tom Zé, Bnegão, e a Cooperifa (cooperativa de artistas de periferia). A maior parte das atividades foi tocada por estudantes não filiados a correntes políticas, os chamados “independentes”.
--> A esquerda organizada, e principalmente os partidos mais reconhecidos, como PSOL e PSTU, atuou de forma superficial e dispersa, não ajudando a construir a ocupação. Como reflexo de uma concepção política que separa trabalho braçal e intelectual, a esquerda se dividiu entre uma ala dos que “carregam o piano”, tocando as atividades cotidianas (fazendo comida, lavando os banheiros, cuidando da limpeza, compondo as rondas de segurança) e a ala dos que “aparecem na foto”, falando à imprensa ou ainda comparecendo somente nas assembléias apenas para dizer aos outros o que fazer (por sua vez um vício típico das pequenas organizações de ultra-esquerda). Os independentes erraram por sua inexperiência, e os organizados erraram por seu sectarismo e distanciamento, mas ainda assim houve acertos que se refletiram no fortalecimento do movimento.No início de janeiro de 2007 o governador de São Paulo José Serra (PSDB) lançou uma série de decretos que modificavam a estrutura organizacional das universidades estaduais paulistas (USP, UNESP, UNICAMP, FATECs). Os decretos criavam uma Secretaria de Ensino Superior acima dos reitores, na qual foi acomodado um aliado político de Serra, o médico José Aristodemo Pinotti, (DEM, ex-PFL). A nova Secretaria passaria a centralizar a administração das universidades, controlando seu orçamento, o que entre outras coisas impediria a contratação de professores e servidores, os investimentos em assistência (moradia estudantil), e a própria pesquisa e extensão das universidades.
Mais do que apenas recompensar um aliado político com uma sinecura, trata-se de um violento ataque contra a educação pública, pois fere diretamente a autonomia universitária. A possibilidade das universidades disporem sobre suas necessidades cotidianas fica prejudicada com a perda de controle sobre o orçamento. Esse projeto é coerente com a atual visão de gestão pública hegemônica no Brasil na era PSDB/PT: o Estado deve cada vez mais se retirar dos serviços públicos (educação, saúde, transporte, comunicações, etc.) e deixar tudo para a iniciativa privada.
A situação das universidades
Na visão neoliberal, as universidades devem ser colocadas diretamente a serviço das empresas. A lógica do mercado, e não o interesse científico, passa a determinar o que deve ser estudado. A pesquisa aplicada é privilegiada em detrimento da pesquisa básica. Os promotores desse modelo de gestão revelam aqui toda a sua miopia histórica, pois sem uma forte estrutura de pesquisa científica básica (na qual as universidades paulistas ocupam posição de liderança no Brasil e na América Latina) para formar novas gerações de cientistas, acadêmicos e técnicos, a própria pesquisa aplicada a longo prazo será asfixiada, e o Brasil continuará sendo um país eternamente dependente e um perpétuo importador de tecnologia.
Se a pesquisa básica nas áreas de matemática, física, química, biologia, etc., é considerada um “luxo” ou “desperdício”, que dizer então dos estudos em ciências humanas? Os setores da universidade que desenvolvem o pensamento crítico sobre a sociedade brasileira são os mais sucateados: não se contratam professores, os prédios são precários, as bibliotecas são pobres, não há laboratórios de informática, as salas de aula são superlotadas, etc. As condições para que estudantes oriundos de escolas públicas se mantenham na universidade (moradia, alimentação, transporte, etc.) também são as piores possíveis. Isso contribui para que as universidades públicas continuem sendo um “oásis” privativo da elite, praticamente vedado aos estudantes vindos da classe trabalhadora, aos negros, nordestinos e moradores da periferia.
A resposta dos estudantes
A situação de sucateamento do ensino público se agravaria ainda mais com a implantação dos decretos. Diante disso, os estudantes da USP, maior e mais importante universidade do país, e também aquela que concentra a maior parte dos problemas de inclusão, e a mais diretamente visada pelos decretos, foram à luta. Exigiram a abertura de discussões com a reitora Suely Vilela. Entretanto, a reitora se recusou a uma audiência pública, numa clara demonstração de que a burocracia universitária trabalharia pela implantação dos decretos. Diante da recusa da reitora em debater as suas reivindicações, os estudantes ocuparam a reitoria da USP, no dia 3 de maio.
A partir da ocupação da reitoria, o movimento se expande e toma corpo. As assembléias passam a receber milhares de estudantes, algo que não acontecia há muitos anos. No dia 16 de maio é declarada greve dos estudantes. No mesmo dia, os trabalhadores da USP também entram em greve. No dia 23 de maio é a vez dos professores da USP entrarem em greve. Com a greve dos três segmentos da universidade, o movimento alcança seu auge. Grandes atos, assembléias e passeatas com milhares de participantes colocam o problema da universidade no primeiro plano do debate.
A força do movimento
A mobilização da universidade integrou-se aos movimentos dos servidores estaduais em campanha salarial, principalmente professores, também alvejados pela política de Serra, bem como a setores do funcionalismo federal, MST, movimentos populares em geral, numa jornada de lutas que teve seu auge no dia 23 de maio. Ocupações e passeatas aconteceram em todo o país, numa tentativa de despertar a sociedade para a necessidade de lutar contra as reformas neoliberais em implantação pelos governos do PT e PSDB.
Cabe destacar que, assim como os sindicatos da CUT boicotaram as lutas em curso contra as reformas do governo Lula, o DCE (Diretório Central dos Estudantes) da USP, ligado à UNE (controlados por PT/PC do B/MR8-PMDB), boicotou a ocupação e a greve da universidade, sendo maciçamente rechaçado pelos estudantes e praticamente expulso das assembléias.
Cultura de greve
Os melhores momentos do movimento estiveram nas grandes passeatas e manifestações, e também nas formas de organização inovadores desenvolvidas para administrar o cotidiano da ocupação. Formaram-se comissões de limpeza, alimentação, segurança, informática e comunicação. Desenvolveram-se atividades de “cultura de greve”, com a presença na ocupação de professores como Paulo Arantes, Osvaldo Coggiola, Aziz Ab'Saber, Dalmo Dallari, que realizaram palestras e participaram de debates; e também de artistas como Tom Zé, Bnegão, e a Cooperifa (cooperativa de artistas de periferia). A maior parte das atividades foi tocada por estudantes não filiados a correntes políticas, os chamados “independentes”.
A tática da burguesia
Naturalmente, a imprensa burguesa esteve contra a ocupação e a greve. Os ocupantes e grevistas foram apresentados nos jornais e na TV como baderneiros, bagunceiros, irresponsáveis, vândalos, autoritários (porque “cercearam o direito dos que querem estudar”) ou de loucos, utópicos e dinossauros, porque muitos dos participantes do movimento defendem o socialismo como resposta para os problemas da sociedade.
A resposta do governo Serra foi a repressão. A polícia foi acionada mais de uma vez para reprimir manifestantes. O governador ameaçou usar a tropa de choque para desocupar a reitoria pela força. Serra, um ex-presidente da UNE na década de 60, ameaçou invadir o campus da USP, algo que aconteceu pela última vez em 1968, no momento mais duro da ditadura militar. O custo político dessa medida extrema mostrou-se tão elevado que forçou Serra a desistir. A ameaça de invasão mostrou-se um blefe. Os estudantes pagaram para ver, mantiveram-se na reitoria, e venceram a aposta.
Incapaz de usar sua arma derradeira, Serra recuou. No dia 31 de maio foi publicado um “decreto declaratório” com uma “nova interpretação” das medidas que provocaram a mobilização. Na prática, os decretos de ataque à universidade ficaram sem efeito. A partir daí, o movimento uspiano entrou num relativo refluxo. Professores e funcionários saíram da greve em função de suas próprias pautas. A maior parte dos cursos aprovou fim da greve estudantil. A ocupação começou a ficar isolada na própria USP.
Contradições e desafios futuros do movimento
Entretanto, no mesmo momento em que a greve refluía, a situação nacional estava justamente refletindo a repercussão dos acontecimentos da USP. O exemplo dos estudantes uspianos começou a ser seguido. Em várias faculdades do estado e universidades federais pelo Brasil afora pipocaram greves estudantis e ocupações de reitorias, greves de funcionários e de professores. Várias dessas ações enfrentaram-se com a repressão policial. Outras obtiveram conquistas em face dos governos reacionários. Reivindica-se aumento de salários, contratação de professores, melhorias na moradia e assistência estudantil, democratização e participação dos três segmentos na gestão das universidades. No geral, todas essas pautas formam uma luta pela defesa do ensino público, contra o sucateamento e privatização das universidades.
No dia 16 de junho realizou-se na própria USP um Encontro Nacional das Faculdades em luta, expressando um grau de mobilização em nível nacional que não era vivenciado há muito tempo no movimento estudantil. Mesmo em face desse cenário nacional, a assembléia do dia 21 de junho votou o fim da ocupação, depois de 51 dias.
Apesar de suas limitações, que são as limitações da nossa esquerda em geral (aparelhismo, fracionamento, distanciamento das bases, falta de programa), o movimento iniciado na USP apontou a única via capaz de enfrentar os ataques do imperialismo e dos governos neoliberais ao país: a luta direta. Os estudantes (com os partidos, sem os partidos ou apesar dos partidos) se articularam, debateram e construíram seu movimento, suas formas de organização, de decisão e de ação. Aceitaram o desafio e foram para a luta, erraram e acertaram, aprenderam e ensinaram, fortalecendo-se e crescendo no próprio combate, mostrando que é possível.
A ocupação e a greve terminaram, mas o movimento continua. Como disse um grafite nos muros da USP, “ocupe a reitoria que existe dentro de você!”
Daniel M. Delfino
22/06/2007
Um comentário:
Olá, vi seu blog no fórum da comunidade "A Mídia acha que sou Idiota".
Gostei muito do seu blog, pois expõe os fatos de um modo direto e sem distorções como alguns jornais e a TV principalmente fazem.
Certamente seu blog terá um link no meu blog, apesar de não ser tão bom quanto o seu, já que apresenta minha simples opnião sobre as coisas que vejo e ouço.
Parabéns pelo seu Blog!
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