5.6.09

Os trabalhadores brasileiros e a crise: que fazer?





As tendências da crise

O centro das discussões sobre a realidade atual está nos desdobramentos da crise econômica mundial. Está em curso um debate para determinar se se trata apenas de uma crise periódica, cuja superação aconteceria no curto ou médio prazo, ou de uma crise mais estrutural, que traz à tona desequilíbrios insuperáveis do sistema capitalista. Partilham da primeira opinião os ideólogos burgueses e também a esquerda reformista, que propagam a crença de que o capitalismo possa se recuperar da crise atual com “mínimos arranhões”. Para os marxistas revolucionários, a crise ainda está apenas no seu início e ainda trará importantíssimas conseqüências sociais e políticas.

O impasse teórico sobre a natureza da crise será resolvido nos próximos meses, conforme se definirem as tendências concretas da economia, em especial nos países centrais, relacionadas à produção industrial, ao nível de produtividade e emprego, à condição do dólar como moeda de reserva mundial (ameaçada pelo estratosférico déficit público estadunidense), etc. Entretanto, qualquer que seja o resultado ulterior dessas tendências, a crise já provocou enormes retrocessos nas condições de vida da classe trabalhadora mundial. Aquilo que, para a burguesia, poderá ser contabilizado como “arranhões mínimos” no funcionamento de seu sistema, já são de imediato tragédias monumentais na vida de milhões de trabalhadores, confrontados com o desemprego e a miséria.

O ataque sobre as condições de vida da classe é a única forma do capital recuperar sua taxa de lucro. As demissões, as reduções de salários e os cortes de direitos são a receita da burguesia para salvar o capital, sendo aplicados com a colaboração dos governos e burocracias sindicais do mundo inteiro. Em tese, o capital precisaria nivelar por baixo o grau de exploração da força de trabalho em escala global, forçando os trabalhadores do mundo inteiro a aceitar as condições salariais e laborais mais rebaixadas possíveis, que são aquelas já vigentes hoje na China e nos países asiáticos. Se isso ainda não foi conseguido nos países centrais, como Estados Unidos, Europa e Japão, é porque a burguesia até o momento não construiu politicamente uma correlação de forças suficientemente favorável para impor tais medidas sobre o proletariado desses países.

Em países intermediários, como o Brasil, há setores da classe trabalhadora que também estão numa condição econômica e social ligeiramente acima do nível mínimo chinês. Trata-se de uma minoria da classe, já que a maioria dos trabalhadores brasileiros vive entre o desemprego e o subemprego, o trabalho precário, terceirizado, temporário e informal, sem proteção social, sem regulamentação das condições de segurança e de saúde no trabalho, ou mesmo da duração da jornada, sem direito à organização, sindicalização ou greve; e com uma renda que mal cobre os custos de sobrevivência. Há um setor da classe, porém, que ainda está protegido por contratos de trabalho formais, previdência pública, seguridade social, legislação trabalhista, direito à organização e sindicalização, etc. Do ponto de vista do capital, esse setor é mais um alvo potencial da política geral de rebaixamento das condições de vida do proletariado global.

A situação do Brasil

Se não conseguir impor rapidamente uma derrota política brutal ao proletariado dos países centrais, ou deparar-se com uma resistência suficientemente forte, o capital poderá deslocar seu foco para os países periféricos que ainda possuem alguma margem de conquistas salariais e sociais disponíveis para serem “queimadas” na busca do nivelamento global, entre os quais o Brasil. Por enquanto, o desemprego, a redução de salários e o corte de direitos seguem avançando nos Estados Unidos, Europa e Japão, tendo provocado uma resistência mais significativa principalmente por parte dos trabalhadores europeus, que tem se mostrado insuficiente porém para barrar o processo. Em função disso, o ataque direto aos setores organizados do proletariado brasileiro ainda não é uma prioridade para a burguesia.

O Brasil tem sido relativamente poupado das conseqüências mais devastadoras da crise. Depois da primeira onda de demissões, especialmente nas montadoras e setores ligados à exportação, a situação foi momentaneamente estabilizada. Isso não se deve a nenhuma virtude, competência ou demonstração de habilidade do governo de plantão, mas ao fato de que a nossa vez ainda não chegou. Antes de partir para o ataque direto contra os trabalhadores, a burguesia ainda tem uma importante carta na manga, o controle sobre o Estado, que lhe permite socializar indiretamente as conseqüências da crise.

O Estado pode endividar-se, emitir títulos, gastar reservas cambiais, ampliar o crédito, baixar os juros, fornecer dinheiro às empresas e bancos com problemas, cortar investimentos em saúde, educação e serviços públicos, reforçar os programas assistenciais para manter os mais pobres sob controle e consumindo, etc. Com pequenas variações, essas têm sido as políticas de todos os governos burgueses em face da crise, e o caso de Lula no Brasil não é exceção. Essa margem de manobra do Estado permite à burguesia brasileira administrar a crise sem que os desequilíbrios se tornem explosivos.

A falsa recuperação e a propaganda governista

O fato de que uma explosão mais grave não tenha acontecido está sendo interpretado pela propaganda governista como indício de que uma recuperação já está à vista. Os índices econômicos oficiais apresentam um cenário estável, senão róseo. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho, houve uma variação positiva de 0,15% entre o número de admissões e desligamentos no primeiro quadrimestre do ano. Segundo o DIEESE, o desemprego nas principais regiões metropolitanas mais o Distrito Federal ficou em 15,3% em abril. A inflação medida pelo mesmo organismo ficou em 1,43% entre janeiro e abril de 2009.

Essa situação até que não parece ser muito ruim, considerando-se a ameaça de uma crise catastrófica que paira no horizonte. É preciso considerar porém o fato de que, segundo o mesmo DIEESE, o salário mínimo necessário (que constitucionalmente deve cobrir as despesas do trabalhador e sua família com alimentação, saúde, educação, vestuário, higiene, moradia, transporte, lazer e previdência) deveria estar na casa de R$ 1.972,64 – sendo que a remuneração média do trabalhador nas regiões metropolitanas (ou seja, onde a renda é mais alta) está em R$ 1.240,00 – e o salário mínimo oficial está em apenas R$ 465,00. Ou seja, a maior parte dos trabalhadores sobrevive com menos do que o mínimo necessário. Esse aperto imposto aos trabalhadores é o segredo para a recuperação da economia capitalista. O aperto permite aumentar a taxa de lucro num momento em que há uma diminuição da massa de mais-valia por conta das quedas na produção.

Para completar a propaganda governista, entram em cena os números das bolsas de valores, que há alguns meses têm apresentado altas significativas. O Ibovespa fechou o mês de maio aos 53.198 pontos, praticamente o mesmo nível de agosto de 2008 (55.680), imediatamente antes da eclosão da crise. Da mesma forma, o dólar também chegou a uma cotação (R$ 1,970 em maio) praticamente idêntica à de agosto de 2008 (R$ 1,905). Os índices das bolsas são tomados como indicadores da saúde do conjunto da economia, quando na realidade indicam apenas as expectativas de lucro dos capitalistas, as quais estão momentaneamente elevadas por conta do empenho do governo em ajudar as grandes empresas. Não há uma recuperação real e duradoura, mas um simples reflexo das políticas governamentais para salvar o capital.

Essa política envolve medidas como o pacote da habitação, que vai simplesmente desviar dinheiro do FGTS dos trabalhadores para as construtoras em apuros, sem qualquer traço de um projeto estrutural de reforma urbanística, que envolva, além da moradia de qualidade, obras de saneamento, infra-estrutura, transporte público, equipamentos públicos de lazer, etc. Há também atos puramente demagógicos, como a troca do presidente do Banco do Brasil por um nome mais afinado com a queda dos juros, mas que está longe de representar uma mudança real na atual política de um banco de mercado, em direção a um banco verdadeiramente público e de fomento.

A importância de uma alternativa ideológica

É importante destacar todas as falácias e embustes do governo para se contrapor ao discurso dos representantes de Lula no interior do movimento dos trabalhadores, as correntes do PT e seus satélites, que dirigem burocraticamente os principais organismos da classe, como CUT, UNE, MST, pastorais sociais, etc., impedindo os trabalhadores de entrar em luta. Os setores lulistas apresentam o discurso de que a ação do Estado pode livrar o Brasil da crise. Em função disso, defendem Lula e apontam o PT como suposta alternativa contra a ameaça da direita, o PSDB, DEMos e demais oportunistas, que trariam a volta das privatizações e outros ataques contra os trabalhadores.

Que a direita seja uma ameaça é um fato real, mas não é real que Lula e o PT sejam alternativas. Lula governa desde 2003 para a burguesia, os bancos, os latifúndiários, as grandes empresas e o capital internacional, que obtiveram lucros como nunca antes. O governo Lula seguiu pagando a dívida externa fraudulenta, privatizando patrimônio público, retirando direitos dos trabalhadores, reprimindo suas lutas, destruindo o meio ambiente, sucateando os serviços públicos, compactuando fisiologicamente com setores corruptos e conservadores, etc.; e ampliou em escala colossal o assistencialismo, que proporciona alívio temporário para a miséria, mas não muda estruturalmente a situação dos miseráveis.

Não só o governo Lula, mas o PT e os organismos que direige estão mortos para a luta dos trabalhadores. É preciso construir uma nova alternativa política e ideológica para organizar a classe trabalhadora brasileira. O PT e os organismos que dirige não são essa alternativa. Tornaram-se parte integrante da gestão burguesa da economia e do Estado. Em tempos de crise, o papel dessas burocracias como instrumento dos interesses burgueses e obstáculos para as lutas dos trabalhadores se torna ainda mais acentuado. Os sindicatos ligados à CUT e demais centrais pelegas assinam acordos de demissão, rebaixamento de salário e retirada de direitos. A direção do MST impede as ocupações de terras. A UNE apóia o sucateamento das universidades públicas. Essas direções demonstram assim seu compromisso com a defesa da ordem burguesa e a exploração capitalista.


Por um Encontro Nacional dos Trabalhadores e um programa socialista contra a crise!

Em função dessa política das direções dos principais organismos da classe, torna-se urgente discutir novas alternativas de organização. No período recente, a Conlutas tem se destacado por agrupar a vanguarda combativa do movimento sindical e popular. Entretanto, seu peso ainda é muito limitado. Está em discussão no movimento a possibilidade de unificação entre a Conlutas e a Intersindical, que também agrupa alguns sindicatos que romperam com a CUT. As direções dessas duas centrais realizaram um seminário em São Paulo (19,20 e 21 de abril) de onde tiraram inclusive um calendário que aponta para um possível congresso de unificação no início de 2010.

Somos a favor da construção de uma alternativa orgnizativa para a classe trabalhadora. Por isso defendemos a realização de um Encontro Nacional dos Trabalhadores para discutir a reorganização da classe. Entretanto, esse processo não pode seguir sendo discutido a partir das cúpulas das centrais. É preciso levar o debate para as bases da classe trabalhadora. Esse Encontro seria precedido de plenárias regionais, com convocação e agitação nas bases, nas portas de fábrica, faculdades e colégios, locais de grande concentração popular, etc. Também é preciso que Conlutas e Intersindical rompam com sua política de atos unificados com a CUT e demais centrais pelegas, como o de 30/03, que ao invés de apresentar uma alternativa, serviram apenas para confundir os trabalhadores.

Mais do que um simples debate sobre a possível unificação de Conlutas e Intersindical, é preciso discutir também que tipo de alternativa organizativa os trabalhadores necessitam. É preciso discutir formas de impedir que uma nova central não seja burocratizada e aparelha como a CUT foi pelo PT, estabelecendo formas democráticas de funcionamento, com decisão nas instâncias de base, rodízio dos dirigentes, transparência nas finanças, cuidado com a formação teórica e política dos ativistas e dos trabalhadores de modo geral.

Por último, se é correto dizer que a crise não chegou ao Brasil com todo seu impacto, também é fato que já causou estragos em vários setores, que sofreram demissões em massa (Embraer, Vale), reduções de salários, cortes no orçamento para despesas de pessoal de vários governos estaduais e municipais. Essa primeira onda da crise já provocou respostas por parte dos trabalhadores. Nos últimos meses aconteceram greves importantes, como a dos ferroviários do Rio, dos servidores da USP, dos trabalhadores da Sabesp, dos funcionários técnicos da Caixa Econômica Federal, de várias categorias de servidores públicos, estaduais e municipais, em especial da educação, em vários estados do norte e nordeste (Pará, Roraima, Piauí, Paraíba e Ceará).

Essas greves sinalizam a existência de uma disposição de luta por parte dos trabalhadores. É preciso avançar a partir dessas lutas isoladas, localizadas, parciais, economicistas, para uma luta da totalidade da classe contra a totalidade do sistema capitalista. Isso exige por parte das direções combativas a construção de uma alternativa organizativa que traga uma perspectiva de classe, em que os trabalhadores vejam a si mesmos como protagonistas de sua história, e reconheçam na burguesia e seus governantes de plantão os adversários. Para isso é preciso construir um programa socialista contra a crise, que questione não apenas os ataques conjunturais de que estamos sendo vítimas, mas a própria ordem capitalista, com suas crises, misérias e violências:

- Não às demissões! Estabilidade no emprego e readmissão dos demitidos!
- Redução da jornada de trabalho sem redução dos salários!
- Salário mínimo do DIEESE como piso para todas as categorias!
- Carteira assinada e direitos trabalhistas para todos, fim da terceirização, da informalidade e da precarização do trabalho!
- Cotas proporcionais para negros e negras em todos os empregos gerados e em todos os setores da sociedade!
- Reestatização da Embraer, da Vale e demais empresas privatizadas, sem indenização e sob controle dos trabalhadores!
- Estatização sob controle dos trabalhadores e sem indenização de todas as empresas que demitirem, se transferirem ou ameaçarem fechar!
- Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer!
- Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores! Fim da remessa de lucros para o exterior!
- Reforma agrária sob controle dos trabalhadores! Fim do latifúndio e do agronegócio! Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora!
- Por um governo socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta!
- Por uma sociedade socialista!

Daniel M. Delfino
05/06/2009

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Daniel. Bom seu artigo. Vc já é militante de algum partido ou movimento? Qual seria. Abraço, Josiane
meu mail josianelom@yahoo.com.br