Depois
de vários meses de idas e vindas, ameaças e chantagens,
o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha-PMDB, finalmente aceitou
colocar em tramitação um dos muitos pedidos de
impeachment contra a presidente Dilma Roussef-PT. Num gesto de
declaração de guerra escancaradamente revanchista,
mesquinho e casuístico, a abertura do processo de impeachment
foi anunciada imediatamente depois do PT divulgar que vai votar a
favor da cassação de Cunha na Comissão de Ética
da Câmara. A crise política que vinha se arrastando
desde o início do ano (na verdade, desde as eleições
de 2014), finalmente entrou na sua reta final. As cartas estão
na mesa.
Não
vem ao caso discutir os argumentos jurídicos a favor ou contra
a cassação de Dilma ou de Cunha. No final das contas a
questão não é jurídica ou técnica,
em termos de determinar quem é culpado ou inocente de algum
crime. Pois sabemos que tanto PT como PMDB cometeram todos os crimes
possíveis para os quais foi escrita alguma lei, assim como
também é criminoso até os ossos o PSDB, que está
assistindo essa disputa de camarote (com a exceção
pontual de Alckmin, que recebeu uma lição dos
secundaristas em São Paulo). A questão que realmente
importa é quem terá os votos necessários para
conseguir a cassação do outro. O impeachment precisa de
2/3 dos votos na Câmara (para depois ir à votação
no Senado), enquanto que a cassação do mandato de um
deputado precisa de maioria simples (50% mais um). Nos próximos
meses (o processo de impeachment tem 180 dias de prazo para
tramitação) teremos essa corrida entre Dilma e Cunha
pelos votos nos bastidores.
Supostamente,
o PT conta com maioria no Senado, e a decisão de votar contra
Cunha só deve ter sido tomada depois do partido assegurar
alguma margem de confiança de que o impeachment não
passará na Câmara. Os pedidos de impeachment já
vinham se acumulando há vários meses, e Cunha usava sua
prerrogativa de Presidente da Câmara para bloqueá-los,
na esperança de que o PT sustentasse seu mandato, quando
chegasse a hora. Toma lá dá cá, até que a
hora chegou, com o processo de cassação de Cunha
finalmente aterrissando na Comissão de Ética. Se o PT
resolveu rifar Cunha (e com isso aceitou a inevitabilidade da
abertura do processo de impeachment), é porque não teme
mais a votação na Câmara. É preciso ser
muito ingênuo para acreditar que o PT teria se posicionado
contra Cunha a partir de um arroubo de respeito pela “ética”,
como se estivesse respondendo à “pressão da sua
militância de base”, ou “resgatando sua história de
luta” (que na verdade ficou muito para trás, no passado
distante da década de 1980), etc. Quem acreditou nessa
hipótese receberá a visita do Papai Noel este ano.
A
aposta no isolamento de Cunha
Na
verdade, o que o PT deseja é exatamente fazer acreditar que
está se colocando contra Cunha pela esquerda. O PT quer que
todos os movimentos sociais, organizações, militantes,
ativistas e simpatizantes das causas da esquerda cerrem fileiras em
defesa do governo durante os meses de turbulência que teremos
pela frente, contra a ameaça da “direita” e do “golpe”.
Para isso, Cunha acabou se tornando um bode expiatório
bastante conveniente. Não faltará indignação
diante de todas as manobras e baixarias que Cunha, Temer e o PMDB
farão ao longo do processo de impeachment. Isso supostamente
mostrará o quanto o impeachment é um golpe de políticos
maquiavélicos, oportunistas, ressentidos, mesquinhos, sórdidos
prejudicando a nação.
Que
se trata de políticos maquiavélicos, oportunistas,
ressentidos, mesquinhos e sórdidos, não resta a menor
dúvida. O que faltará é lembrar, porém,
que a opção de governar com esses políticos do
PMDB foi feita pelo próprio PT, que agora vai ter que passar
por uma árdua provação se quiser recompor o
arranjo de sustentação do governo. Dilma teve que
suportar meses de desgaste (dos quais ainda não se recuperou e
talvez não se recupere inteiramente jamais), para criar as
condições necessárias para se livrar do “aliado”
incômodo. Foi preciso dar algum tempo para que Eduardo Cunha
ficasse à solta e em evidência num cargo de grande
projeção nacional para que viesse à tona o quão
abominável é esse personagem.
O
atual Presidente da Câmara mostrou ser bastante adequado ao
cargo, já que sintetiza em sua pessoa todas as vilezas do
Congresso mais reacionário da história. Além dos
seus próprios crimes pessoais, além de ser corrupto,
autoritário, machista, hipócrita, etc., Cunha deu livre
curso para as pautas nefastas do agronegócio, do aparato de
segurança e das igrejas evangélicas (a chamada “bancada
BBB” – boi, bala e bíblia). A lei da terceirização,
redução da maioridade penal, demarcação
das terras indígenas e quilombolas pelo Congresso, escola sem
partido, estatuto da família, PL do estupro, lei
antiterrorismo, financiamento privado de campanha, MP da “bengala”,
etc., estão todos identificados com o mandato de Cunha na
Presidência da Câmara.
O
Congresso abriu a caixa de Pandora, desengavetando todas as maldades
que a burguesia guardava para os trabalhadores há muito tempo
e não tinha oportunidade de por em pauta. Não foi
preciso transcorrer muito tempo para que a rejeição ao
Presidente da Câmara se acumulasse. Em particular, o movimento
de mulheres, com muita razão, se colocou na vanguarda dessa
rejeição e corretamente foi às ruas em várias
cidades para pedir o “Fora Cunha!” O passo seguinte foi esperar o
andamento normal dos processos de cassação na Comissão
de Ética, para que o PT pudesse se posicionar abertamente
contra Cunha. Calçado no repúdio popular a uma figura
tão odiosa, o PT obteve assim o antagonista ideal contra o
qual esgrimir a batalha pela sua sobrevivência política.
Um
antagonista que fará o próprio PSDB pensar duas vezes
antes de se associar a ele para conseguir o impeachment. Se o
afastamento for apenas de Dilma, quem assume é o vice Michel
Temer, também do PMDB, o que não resolve o problema
para o PSDB, que teria que se conformar em ser mero parceiro em um
governo de coalizão de Temer. Para o PMDB, uma confederação
de caciques sem nenhuma unidade ou centralismo a não ser o
fisiologismo visceral (para não dizer sem qualquer ideologia
própria ou projeto), é melhor manter Temer, seja como
presidente ou ainda como vice, do que embarcar na aventura de uma
eleição com o PSDB. Manter Temer pode inclusive
significar manter Dilma, já que uma das teses que fundamenta o
impeachment de uma (as tais “pedaladas fiscais”) pode implicar
necessariamente o do outro (Temer também assinou decretos
autorizando movimentações de verbas de forma
supostamente irregular). Em comparação com isso, não
seria uma tragédia para o PMDB a cassação de
Cunha, a não ser para o próprio Cunha.
Foi
com base nesse raciocínio que o PT provavelmente calculou a
viabilidade da jogada de votar contra Cunha. Isso não quer
dizer que Dilma não corre risco e que o impeachment é
impossível, mas que não é o mais provável.
O mais provável é que passemos vários meses
nessa disputa estéril (mas estrondosa, que vai ocupar todas as
manchetes e noticiários por um bom tempo, com a cobertura
exaustiva e bombástica de todos os lances) entre os setores
que são contra e a favor do impeachment.
As
manifestações de 13 e 16 de dezembro.
Logo
nos dias imediatamente seguintes à abertura do processo, Dilma
tentou se cercar do apoio de diversas entidades, como os governadores
de estados, OAB, CNBB, juristas, etc. Temer, por sua vez, vazou uma
carta patética para a imprensa, numa tentativa desastrada de
mostrar que cobrará do PT um preço muito alto pela
lealdade de sua facção no partido. Ou seja, os votos do
PMDB para salvar Dilma custarão muito mais verbas e cargos.
Era isso que a carta de Temer queria dizer nas entrelinhas, mas que
ficou soterrado pelo tom de vaidade ferida e ressentimento mesquinho,
que fizeram o feitiço virar contra o feiticeiro. Poucas vezes
na história o humor interferiu tanto na política, pois
a carta se prestou a tamanho volume de chacota que pode ser capaz de
reduzir o poder de barganha do doravante cognominado Mimimichel
Temer.
O
humor involuntário também correu solto nas
manifestações (ou “mini-festações”)
pró-impeachment de 13/12, que em comparação com
os protestos realizados em diversos momentos ao longo do ano,
reduziram-se numericamente e qualitativamente à sua expressão
mais essencial e caricata. Esses novos atos contra Dilma reduziram-se
a uma camada social mais reduzida, uma burguesia mais envenenada de
ódio de classe (e que é imbecil o suficiente para supor
que o PT representa a classe trabalhadora e as causas históricas
da esquerda), além de aderentes de “prestígio” como
Alexandre Frota, e atos “radicais” como a caminhada em shopping
centers. Isso não significa que o repúdio a Dilma tenha
diminuído em qualquer uma das classes sociais ou setores de
classe, mas que a rejeição a Cunha, Temer, Aécio,
etc., figuras nefastas que todos enxergam muito nitidamente que estão
por trás do impeachment, também é muito grande e
não motiva a mobilização.
De
outro lado, o PT, por sua vez, também está convocando
manifestações para o dia 16/12. Mas de maneira muito
habilidosa, o governo inseriu palavras de ordem de esquerda nas
convocações, como o repúdio ao “golpe” e
defesa da “democracia” (aproveitando-se de que as manifestações
da oposição burguesa coincidiram com o aniversário
do AI-5, que foi decretado em 13/12/1968 e abriu o período
mais duro da ditadura), o “Fora Cunha!” e “abaixo o ajuste
fiscal” (como se o ajuste fiscal não fosse peça
central da gestão Dilma Roussef!). Também vazaram
informes de que o PT está cobrando de Dilma um “giro à
esquerda” em seu governo, caso sobreviva ao impeachment. Toda essa
maquiagem de esquerda e o uso de aparatos dos movimentos sociais
controlados pelo PT, como CUT e UNE-PcdoB (aos quais lamentavelmente
se somaram o MST, MTST e setores do PSOL), deve fazer com que as
manifestações governistas do dia 16/12 sejam maiores do
que as da oposição burguesa. Nesse terreno da ruas,
pelo menos, o PT segue em vantagem.
A
verdadeira votação
Entrando
no período de fim de ano, a disputa não deverá
se desdobrar em novos atos de rua e provavelmente voltará para
os corredores palacianos. Enquanto o balcão de negócios
de compra e venda de votos e cargos come solto, fica em segundo plano
o principal: no mesmo dia em que foi anunciada a abertura do processo
de impeachment, em 02/12, o Congresso aprovou a autorização
para o aumento do déficit do governo, viabilizando o orçamento
de 2016 e o “ajuste fiscal”. Já em fins de novembro, a
bancada governista tinha conseguido destravar a chamada “pauta
bomba” no Congresso, mantendo o veto da Presidência a vários
itens que iriam aumentar gastos do governo e prejudicar o “ajuste
fiscal”. O mais bizarro nisso tudo é que a aprovação
do “ajuste fiscal” foi comemorada por alguns setores como uma
demonstração de que o governo do PT recompôs a
sua base de apoio no Congresso e de que portanto será capaz de
impedir o impeachment.
Desde
quando o “ajuste fiscal” deve ser comemorado???????????????
“Ajuste fiscal” é o nome que se dá para o corte de
gastos na saúde, educação, transporte, moradia,
etc., e o desvio desses gastos para o pagamento da dívida
pública, uma dívida fraudulenta, que consome quase
metade do orçamento federal, e não pára de
aumentar. Por isso usamos “ajuste” entre aspas, porque se trata
de um imenso desajuste das contas públicas em prol do capital
financeiro e contra os trabalhadores.
As
bolsas de valores subiram e o dólar caiu no dia do anúncio
do “ajuste fiscal”, que foi também o mesmo dia do anúncio
do impeachment. Cada um entenda como quiser: o mercado se mostrou
contente por conta da possibilidade da saída de Dilma, da
aprovação do “ajuste fiscal” ou ambas as
anteriores? Tudo é possível, pois para a burguesia,
tanto faz se ficam Dilma, Cunha ou Aécio no poder, o que
interessa é que o Estado consiga arrancar cada vez mais
dinheiro dos trabalhadores para desviar para os bancos, empreiteiras,
latifúndios, etc. O programa da “austeridade” (entre
aspas, porque na verdade se trata de imensa prodigalidade em favor
dos banqueiros e grandes empresas) é o único programa
de governo aceitável para o capitalismo em crise, e será
imposto em qualquer país e por qualquer partido que ocupe o
governo.
No
final das contas, o que vai decidir quem fica ou sai do cargo é
a avaliação da burguesia a respeito da capacidade de
Dilma-PT de aplicar o “ajuste fiscal”. Essa é a única
votação que interessa. Os congressistas que vão
decidir sobre o impeachment não vão atender ao apelo
das suas consciências, nem ao programa dos seus partidos, nem
muito menos aos interesses dos eleitores, mas à votação
que será feita nos próximos dias na FEBRABAN, CNI, CNA
e outras entidades patronais. Em condições normais de
temperatura e pressão, ou seja, excetuando-se um agravamento
da crise econômica (que não está nem um pouco
descartada), a burguesia deve permanecer com o governo do PT, em
lugar de apostar na aventura duvidosa do impeachment. Mais importante
do que tudo isso, o que nos interessa é qual deve ser a
posição dos trabalhadores.
Os
argumentos do PT
Como
dissemos, o PT aposta na mobilização das entidades dos
movimentos sociais sob seu controle para defender o mandato de Dilma,
com o discurso de que o “impeachment é golpe”, é
preciso “defender a democracia”, a “direita” é pior,
etc. Passemos em revista alguns desses argumentos. Em primeiro lugar,
impeachment não é golpe. Um golpe acontece quando a
classe dominante usa a força, a violência física
do aparato repressivo do Estado, para esmagar algum projeto ou
ascenso popular e operário que ameace seus interesses. Não
é o caso do Brasil hoje. Não há projeto popular
ou operário em andamento no país. O que há é
uma disputa pela gestão do Estado e das negociatas a ele
associadas por parte de grupos políticos que representam os
mesmos interesses de classe, os da burguesia. O impeachment nesse
contexto seria a mera remoção administrativa de um
gestor tornado inconveniente ou inoperante. E de resto, é um
mecanismo perfeitamente legal no interior da democracia burguesa.
Se
há divergências no interior da burguesia em relação
a qual partido melhor gerencia seus interesses, é porque a
crise capitalista em andamento no país (que se antecipou à
nova recorrência da crise mundial que se avizinha) estreitou as
margens que antes permitiam uma acomodação mais
tranquila para todos os diversos setores. Essa disputa surda no
interior da classe dominante provoca uma disputa aberta entre seus
representantes políticos, os partidos do sistema, como PT,
PSDB e PMDB, para seguir no leme do navio. Uma disputa
superestrutural, que não afeta a rota já traçada
e que será seguida por qualquer um dos prepostos colocados na
condução do Estado pela burguesia: a rota da
“austeridade”.
Repetimos,
portanto, não há golpe nenhum em andamento. Se se pode
falar de golpe, ele já foi dado pelo próprio PT, quando
usurpou as esperanças e o ideário da esquerda e os fez
naufragar. Se há um crescimento das ideias da direita, o maior
responsável por ele é o próprio PT, que durante
os anos de “vacas gordas” da era Lula criou o mito da “nova
classe média”, estimulou a “cidadania do crédito”,
surfou na onda do consumismo, do individualismo, da meritocracia.
Agora, na época de “vacas magras”, o PT colhe o
ressentimento das camadas sociais que se viram traídas em seus
sonhos de ascensão material. É nesse ambiente que
vicejam as ideias da direita e germes deletérios como
Bolsonaro e outros dessa laia.
Em
artigos anteriores publicados ao longo do ano analisamos
exaustivamente a transformação do PT em partido da
burguesia e o estrago em termos ideológicos que isso causou na
consciência da classe trabalhadora brasileira, portanto, não
nos deteremos aqui sobre esse tópico (ver: O PT colhe o que
plantou, as ervas daninhas do conservadorismo, e deve ser extirpado
junto com elas -
http://politicapqp.blogspot.com.br/2015/11/o-pt-colhe-o-que-plantou-as-ervas.html,
Nem dia 13, nem dia 15: todos os dias, na luta contra o capitalismo,
o Estado e a opressão! -
http://politicapqp.blogspot.com.br/2015/11/nem-dia-13-nem-dia-15-todos-os-dias-na.html,
A trajetória do PT, da negação do socialismo ao
naufrágio do 5º Congresso -
http://politicapqp.blogspot.com.br/2015/11/a-trajetoria-do-pt-da-negacao-do.html,
A questão não é apenas ser contra o PT e contra
a oposição (PSDB, PMDB, Veja, etc.), mas ser a favor do
que? -
http://politicapqp.blogspot.com.br/2015/11/a-questao-nao-e-apenas-ser-contra-o-pt.html).
A
confusão em torno de “direita” e “esquerda”
Para
fazer frente às ideias da direita, a última coisa a se
fazer seria defender o PT. A rigor, “direita” significa
manutenção da ordem social, ou seja, do capitalismo,
portanto o PT é parte da direita. É preciso denunciar o
PT pelo crime de haver desacreditado a ideia de um partido de
trabalhadores, os métodos de luta da classe, seus organismos,
sindicatos e movimentos sociais, perante a própria classe que
deveriam representar. Hoje os trabalhadores vêem esses
organismos como meros trampolins para oportunistas que querem se
eleger e roubar. É urgente romper com os governistas em todas
as frentes dos movimentos sociais e construir uma nova identidade da
esquerda.
“Esquerda”
significa transformação da ordem social, portanto fim
do capitalismo, do Estado e de todas as instituições.
Chega a ser patético que o PT defenda o mandato de Dilma em
nome da “democracia”, porque foi a presidente eleita nas urnas.
Se for assim, temos que defender também os mandatos de
Alckmin, Beto Richa, Cunha, etc., todos igualmente eleitos. A
esquerda sempre defendeu a revogabilidade de mandatos, fim dos
privilégios e altos salários, etc., em direção
ao fim da democracia burguesa e do Estado como os conhecemos.
Defendemos a democracia operária, um regime qualitativamente
superior de liberdade e participação.
Se
por conta do impeachment houvesse risco de uma mudança
qualitativa na escala da repressão e do autoritarismo estatal,
um golpe de verdade, com uso das forças armadas, invasão
imperialista, etc., seria dever do movimento dos trabalhadores
defender qualquer governo, mesmo que fosse um governo burguês
como o do PT. Não é esse o caso, repetimos, do atual
processo de impeachment, porque o governo que suceder ao PT vai usar
os mesmos instrumentos que a gestão Dilma já tem usado
sistematicamente contra os trabalhadores.
A
atual democracia burguesa, sob comando do PT, já pratica o
genocídio dos indígenas, quilombolas, seringueiros,
ribeirinhos e sem terra pelo latifúndio; o genocídio da
juventude negra nas periferias; a corrupção, abuso de
poder, tortura e violência policial desenfreada; repressão
aos movimentos sociais, greves, manifestações e
ocupações; prisões, demissões e
perseguições a militantes e ativistas. Quando essas
tarefas da repressão não são executadas
diretamente e deliberadamente pelo governo federal do PT, o são
com a sua conivência e cumplicidade pelos governos estaduais e
municipais, o legislativo e o judiciário.
Repressão,
tortura, genocídio, essa é a verdadeira face da
“democracia” que o PT aplica e defende. Essa “democracia” não
corre risco nenhum com o impeachment, nem vai sofrer qualquer
alteração qualitativa. Por essas e outras razões
reafirmamos que o PT faz parte da direita. A esquerda já foi
abandonada pelo PT há décadas, quando o partido
embarcou na ideia de gerir o Estado. O partido rompeu há
décadas o seu vínculo com a classe trabalhadora e
passou para o outro lado da trincheira, hoje é um instrumento
a serviço dos patrões. O que se faz urgente é
reconstruir um outro projeto, que não tenha como método
prioritário ocupar cargos no Estado e como estratégia
“reformar” o capitalismo. Esse foi o projeto do PT, que já
naufragou e tem que ser substituído por novas referências,
insistimos nisso.
Uma
nova geração de lutadores está se colocando em
movimento contra as consequências da crise capitalista, em
greves, manifestações, ocupações,
reinventando e renovando os métodos de luta. Desde a greve dos
garis do Rio até as ocupações de escolas em São
Paulo, um sopro de renovação e criatividade tem
percorrido os movimentos sociais, às vezes passando por cima
dos burocratas sindicais, estudantis, ONGs e partidos oportunistas.
Ação direta, horizontalidade, organização
de base, disputa de ideias nas redes sociais, são as armas dos
novos movimentos, que estão deixando as organizações
da esquerda tradicional para trás. É sobre essa base
que devemos construir novas referências e projetos para a
esquerda.
As
insuficiências da oposição de esquerda
Infelizmente,
o histórico da oposição de esquerda ao PT é
desastroso no que se refere à tarefa de construir uma
alternativa política e ideológica para os
trabalhadores. Os partidos legalizados, PSTU, PSOL, PCB, PCO e a
plêiade de organizações menores, todos juntos
somados, não são hoje um ator relevante na luta de
classes. Estão na 2ª divisão, ou seja, não
estão na disputa de alternativas para a sociedade, em que
prevalecem as os partidos burgueses, o PT as burocracias sindicais, a
mídia, as igrejas evangélicas e até o crime
organizado. Esses são os jogadores que estão de fato na
disputa. A oposição de esquerda ao PT não soube
construir um campo unitário de aglutinação das
lutas dos trabalhadores e movimentos sociais, que pudesse apresentar
uma alternativa política (muito além do meramente
eleitoral) e ideológica (contra o avanço da
meritocracia e outras ideias da direita).
Não
souberam construir esse campo, porque estiveram voltados para a
conquista de cargos no parlamento, ou de aparatos sindicais. Fazem
dessas disputas um fim em si mesmo, e não um meio para
supostamente avançar na organização dos
trabalhadores, como está em seus discursos. Tratam de maneira
separada a construção das suas organizações
da construção do conjunto do movimento. Traduzindo isso
para quem não está no dia a dia da militância: os
partidos e organizações estão mais preocupados
primeiro em convencer os trabalhadores, ativistas e simpatizantes das
causas da esquerda de que o seu partido ou organização
é o único verdadeiro e “revolucionário”
(comportando-se como uma igreja que quer fazer os descrentes
aceitarem Jesus), do que em convencê-los em primeiro lugar a
estar na luta, colocar-se em movimento, participar das greves, das
manifestações, dos debates. Ao agir dessa forma, os
partidos e organizações da esquerda mais afastam os
possíveis lutadores, mais fragmentam e enfraquecem a classe do
que ajudam na superação da crise de alternativas.
As
organizações de esquerda, ao transformar os meios em
fins, a tática em estratégia, o imediato em definitivo,
fazendo da necessidade virtude, perderam as referências de
classe, de um projeto independente e de ruptura da ordem capitalista
protagonizado pela classe trabalhadora. A oposição de
esquerda ao PT está perdida nas disputas mesquinhas por cargos
no parlamento e no aparato sindical, e não sabe que resposta
apresentar para a situação política atual.
Apresentam posições contraditórias e
equivocadas.
Atirando
para todos os lados
O
PCO e uma parte do PSOL tomaram a posição de defender o
governo do PT, acusando de “golpistas”, coniventes ou
abstencionistas todos os que se recusam a se alinhar com Dilma. Essa
posição vem como um alívio providencial para
quem nunca teve a preocupação de construir um projeto
anticapitalista próprio, enraizado na base da classe
trabalhadora e dos movimentos sociais, e agora pode preservar suas
credenciais de “esquerda” combatendo o espantalho da “direita
golpista” numa confortável posição à
sombra dos aparatos governistas e pelegos da CUT, UNE e MST. Sem
apontar nenhum horizonte estratégico de ruptura, essa posição
equivale a pura e simplesmente defender o governo.
E
Defender o governo do PT, depois de todos esses anos, é como
reconhecer a impotência e a nulidade de qualquer projeto de
transformação social, revolução e luta de
classes. Isso não é unidade de ação
contra um inimigo de classe, é capitulação total
a esse mesmo inimigo de classe com maquiagem vermelha. É
preferir o lobo em pele de cordeiro ao lobo sem disfarce. Ou
resumindo, é o mesmo que renunciar a qualquer papel relevante
ou intervenção própria na luta de classes. Para
defender o governo, não é preciso se preocupar em
mobilizar os trabalhadores: os mais de 30 mil burocratas petistas que
vivem de cargos no governo vão dar um jeito de fazer isso
desesperadamente para defender seus cabides de emprego, as verbas da
corrupção e negociatas de todos os tipos das quais
sobrevivem.
A
esquerda que se resigna ao lamentável papel de fazer unidade
com o governo deveria enfiar a viola no saco e ir pra casa, pois
atestou com isso a sua completa inutilidade histórica. Lutar
contra a direita (a outra direita, que existe para além do PT)
é um dever sim, mas é preciso fazer isso fora do campo
governista, com independência de classe e um projeto
estratégico.
Enquanto
uma parte do PSOL adota uma posição contra o
impeachment e de defesa do governo, outra parte embarca na defesa de
eleições gerais, admitindo implicitamente o
impeachment. Por outro lado, o PSTU não está dividido
como o PSOL (o que aliás é impossível, já
que o partido é centralizado burocraticamente pela sua cúpula
dirigente), mas está com posições
esquizofrênicas no movimento. A CSP-Conlutas, colateral
sindical do partido, através do Espaço Unidade de Ação,
está chamando à composição de uma 3ª
via dos trabalhadores, em contraposição ao PT e ao
bloco de oposição burguesa (a rigor, o correto seria
uma 2ª via, já que tanto PT quando a oposição
representam o mesmo projeto e o mesmo interesse de classe), o que até
seria correto se fosse feito através da base das categorias e
vinculado às lutas concretas.
Enquanto
no campo sindical diz uma coisa, o próprio PSTU enquanto
partido com legenda eleitoral diz outra, com a linha de “Fora
Dilma, Fora todos!” (nesse aspecto, o MRS é muito mais
coerente, e embarca no “Fora todos!” sem qualquer pudor ou
preocupação com uma “3ªvia”, errando por ação
ao invés de errar por vacilação como o PSTU).
Por mais que esse setor insista em que não querem fora apenas
a Dilma, mas também o Cunha, Aécio, etc., essa posição
acaba apenas engrossando o caldo do fora Dilma. Não está
colocado hoje um movimento que possa derrubar “Todos”, a questão
é justamente construí-lo com passos concretos, no dia a
dia, no chão de fábrica e nas ruas.
Saltar
diretamente da insatisfação popular para o “Fora
todos!”, sem mediações, organizações,
estruturas coletivas, formas de ação, programa, é
puro oportunismo. Abstratamente, essa palavra de ordem está
correta, pois tanto Dilma como Cunha, Temer, Aécio, etc., são
políticos burgueses e inimigos da nossa classe. Mas a política
não é uma abstração, é um cenário
composto por correlações de forças sociais muito
concretas e determinadas. É preciso identificar o caráter
de classe das forças que estão por trás do
impeachment, que também são burguesas. E mais do que
isso, é preciso buscar as mediações para uma
intervenção dos trabalhadores como sujeito independente
no processo. Tanto a defesa do governo (PCO e parte do PSOL) como a
admissão implícita do impeachment (PSTU e parte do
PSOL) se dão por fora de uma perspectiva de independência
de classe.
A
questão é ir além do capital
Na
verdade, o erro da oposição de esquerda é
enxergar todo o processo a partir de um viés superestrutural,
politicista, dirigista, em que a disputa se resume ao controle do
aparato do Estado, seja por meio de eleições ou de um
hipotético “governo dos trabalhadores” indeterminado. Não
se discutem as mediações necessárias para que se
construa (ou mesmo para que se eleja) um efetivo governo dos
trabalhadores. Não se discute quais são os organismos,
os movimentos, as frentes de luta, os passos concretos, as ideias e
projetos. A consciência dos trabalhadores é
menosprezada, pois do ponto de vista dessas organizações,
é tudo uma questão de “direção
revolucionária”, e não de uma alternativa societal
totalizante. A “direção” sabe tudo e tem o programa
pronto e acabado, e o papel das massas é seguí-los. Só
que não. A revolução não será
feita por massas conduzidas de improviso por algum agitador caído
de para-quedas. Uma revolução é uma ruptura
total com a ordem existente, a partir de organizações e
programas construídos num amplo processo de luta.
Tanto
a defesa do governo Dilma como a posição do “Fora
todos!” concentram toda a discussão na ideia de que o poder
político é a chave para resolver todos os problemas. Na
verdade, o poder político e o Estado são estruturas
derivadas do poder econômico, o poder que o capital exerce no
processo de reprodução social. A lógica da
mercadoria, o fetichismo do dinheiro, a alienação, a
transformação dos seres humanos em coisa e das coisas
em sujeitos, tudo isso se reproduz cotidianamente em cada local de
trabalho. É somente aí, na base da reprodução
social, onde se gera o poder do capital, que ele pode ser rompido, e
não na superestrutura do Estado. Por isso é um erro
grave defender o governo ou falar em “Fora Dilma, fora todos!”,
ou mesmo em “eleições gerais” ou “governo dos
trabalhadores”, no âmbito da superestrutura, sem deixar claro
que o poder dos trabalhadores deve ser construído
prioritariamente na sua organização de base, nos
microcosmos da reprodução social.
Enquanto
as organizações da oposição de esquerda
se digladiam em torno de slogans vazios, a classe trabalhadora corre
o risco de ser cooptada por alguns dos dois bandos patronais, o PT e
a oposição de direita. Isso é o resultado de
décadas de acomodação prática e paralisia
teórica. A desorientação da esquerda tem raízes
muito profundas, que estão no fato de que algumas questões
fundamentais permanecem em aberto. A derrota da luta pelo socialismo
no século XX e a sua degeneração em uma outra
forma de exploração como a que foi vivenciada na URSS
(e China, Cuba, etc.), ainda é uma questão em aberto.
O
problema não é apenas o fato de que não foram
encontradas respostas para essa derrota, mas que sequer são
colocadas as perguntas. Essas questões fundamentais nem sequer
são debatidas seriamente. Sem isso fazer esse debate, a
esquerda não consegue dizer qual é o socialismo que
defende e como alcançá-lo (sobre esse debate, ver os
textos: Por que as revoluções não levaram à
sociedade socialista? Um debate com Sérgio Lessa -
http://politicapqp.blogspot.com.br/2015/11/por-que-as-revolucoes-nao-levaram.html,
e Os 25 anos da queda do Muro de Berlim e o debate para reconstrução
da alternativa socialista -
http://politicapqp.blogspot.com.br/2015/11/os-25-anos-da-queda-do-muro-de-berlim-e.html).
A oposição de esquerda não consegue elaborar um
programa e uma estratégia convincentes. E atira para todos os
lados na crise atual.
Por
um programa que vá além da negação
Além
de denunciar o PT como um partido burguês que governa contra os
trabalhadores e denunciar a oposição burguesa como mais
uma armadilha oportunista; além de negar o movimento pelo
impeachment e negar a defesa do governo, temos que apresentar uma
alternativa pela positiva, um projeto dos trabalhadores. Tanto a
esquerda que coloca contra o impeachment (PCO e parte do PSOL) como a
que se coloca a favor (de maneira envergonhada, como PSTU e parte do
PSOL ou escancarada, como MRS) estão na verdade tentando
contornar o problema de como construir uma referência política
a partir do movimento real da classe. Querem dirigir artificialmente
o movimento da classe a partir da política.
Temos
que partir da realidade da crise capitalista e construir os pontos de
programa capazes de unificar as diversas reações e
processos de enfrentamento que a classe vem desenvolvendo.
Na
luta contra o desemprego, em defesa dos salários, direitos e
condições de trabalho, contra a precarização:
redução da jornada sem redução dos
salários, até que haja emprego para todos, estatização
das empresas que demitirem ou fecharem, sob controle dos
trabalhadores, fim da terceirização, direitos
trabalhistas para todos;
Na
luta contra a inflação e a disparada do custo de vida:
salário mínimo do DIEESE como piso para todas as
categorias, por um gatilho que reajuste automaticamente os salários
a cada aumento da inflação, abertura das planilhas de
custo das empresas;
Na
luta por educação, saúde, moradia, transporte e
serviços públicos universais, gratuitos e de qualidade:
não pagamento da dívida pública e uso desse
dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob
controle dos trabalhadores, investimento maciço nos serviços
públicos, com condições de trabalho e
valorização dos funcionários;
Na
luta contra a corrupção: cassação de
mandatos, prisão e expropriação dos bens de
todos os corruptos e corruptores, mandatos revogáveis para
todos os cargos públicos e salário médio de um
trabalhador para todos os ocupantes de cargos públicos;
Na
luta por democracia: direito de greve e de manifestação,
fim das perseguições, punições e
demissões de militantes e ativistas, fim da polícia
militar e do aparato repressivo do Estado voltado contra os
trabalhadores.
Em
todas essas lutas, denunciar o papel do PT como agente da burguesia,
gestor dos interesses do capital, e ao mesmo tempo combater as
ideologias individualistas, meritocráticas e autoritárias
da direita, e defender a ruptura do capitalismo e a construção
de um poder socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações
de luta. Esse programa precisa ser aperfeiçoado na prática,
não como uma receita pronta ou invenção
arbitrária, mas a partir do diálogo real com cada
processo de luta em andamento no país. Existe farta matéria
prima para a construção de um projeto e referências
de luta classistas e anticapitalistas, a partir das greves,
manifestações, ocupações, enfrentamentos
e ações diretas que têm se multiplicado.
É
hora de dar unidade e coerência a todas essas lutas. Basta
romper com os vícios burocráticos, as concepções
dogmáticas, a acomodação aos aparatos estatais e
sindicais, os métodos aparelhistas, o oportunismo, que
esterilizaram a esquerda à sombra do PT por décadas.
Essa é a única forma de escapar da armadilha do
“impeachment X defesa do governo” e construir uma agenda dos
trabalhadores.
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