7.11.15

A questão não é apenas ser contra o PT e contra a oposição (PSDB, PMDB, Veja, etc.), mas ser a favor do que?




A insatisfação com o governo Dilma é cada vez maior entre os trabalhadores. As razões concretas são a alta dos preços que mais pesam para o trabalhador (alimentos, aluguéis, conta de luz, gasolina), as demissões e a ameaça de desemprego crescente, os ataques contra os direitos (PIS, seguro desemprego, pensões), a lei da terceirização (que mesmo não sendo de autoria do PT, entra no mesmo pacote porque se percebe claramente que o governo não fez nada para detê-la), o endividamento, o arrocho salarial, os serviços públicos que continuam precários. Tudo isso foi agravado pela sensação de traição das promessas da campanha eleitoral de 2014 (desde o anúncio do ministério, literalmente loteado entre os segmentos da classe patronal) e pela continuidade dos escândalos de corrupção envolvendo o PT.
Aproveitando-se disso, o movimento pelo impeachment de Dilma ressurge com força, através de manifestações marcadas para o dia 16/08. O PSDB está agora oficialmente convocando a população a se manifestar pela saída de Dilma (depois que se fechou a disputa entre os seus caciques para escolher o candidato à sucessão, na figura de Aécio). O Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB, está manobrando para viabilizar a votação do impeachment no Congresso. A grande imprensa está há meses em campanha permanente contra o governo, bombardeando a população apenas com as denúncias de corrupção que envolvem o PT (poupando os demais partidos) e as más notícias da situação da economia. Grupos bancados por interesses estadunidenses, como “revoltados on line”, “vem pra rua”, “movimento Brasil livre” etc., também estão convocando para o dia 16.
É certo que o volume da convocação deve diminuir bastante, depois que a FIESP, FIRJAN e a Globo emitiram notas e editoriais em favor da “governabilidade”, o que para bom entendedor significa: “a tentativa de derrubar Dilma e a luta do PT para defender seus cargos podem causar meses de confusão e instabilidade no país, que seriam ruins para os negócios. Não queremos isso agora. Portanto, vamos parar com esse movimento por enquanto, deixar o PT aplicar o ajuste, atrair o ódio dos eleitores por mais alguns anos, e trocar de governo ordenadamente em 2018.” A “confusão” que os patrões temem é o aumento da mobilização dos trabalhadores.

Nem dia 16...
Ainda que esses setores importantes da burguesia brasileira estejam dando seu recado, as manifestações devem ocorrer, e o que é pior, dessa vez, é possível que uma quantidade numericamente significativa de trabalhadores compareça a essas manifestações. Evidentemente, mesmo que se confirme uma presença considerável de trabalhadores, seria um erro participar desses atos. Os trabalhadores que estiverem presentes, dispersos e sem organização, não vão mudar o caráter do ato, que é claramente de direita. O rumo político desses atos não está em disputa, não pode ser revertido em direção à esquerda. O processo que está por trás dos atos do dia 16 não favorece os interesses da nossa classe. Trata-se de uma disputa entre dois blocos burgueses, pró-patronais e pró-capitalistas. A pior derrota dos trabalhadores seria tomar partido de algum desses blocos, ao invés de desenvolver uma política independente.
No novo governo que hipoteticamente surgiria desse movimento, a mesma situação de deterioração da economia e os ataques aos trabalhadores continuariam. Os problemas da economia não são resultado apenas da gestão do Estado pelo PT, mas de uma crise profunda do capitalismo, que em breve deve se manifestar mais uma vez com toda sua virulência em escala mundial, piorando ainda mais a situação do nosso país. Diante dessas crises, os gestores do capitalismo não têm outra escolha além de atacar os salários, direitos e condições de vida dos trabalhadores, para tentar salvar os lucros dos capitalistas. Isso está acontecendo no mundo inteiro, mesmo em países com governos ditos de “esquerda”, como a Grécia com o Syriza, que foi eleito para acabar com a austeridade, mas vai aplicá-la a ferro e fogo. É o que o PT está fazendo, e o que os seus opositores vão fazer. Não há saída para a crise, do ponto de vista dos capitalistas, a não ser atacar os trabalhadores, e do ponto de vista dos trabalhadores, a não ser uma saída anticapitalista.

...nem dia 20
Isso quer dizer, portanto, que também não se deve defender o governo do PT. No dia 20/08, os aparatos dos movimentos sociais dirigidos direta ou indiretamente pelo PT, como CUT, MST e MTST, entre outros estão também convocando manifestações em defesa da “democracia” e contra o “golpe”. Essas manifestações também podem atrair um número importante de trabalhadores, e inclusive de ativistas conscientes, preocupados com a ameaça da direita que está presente na ofensiva pelo impeachment. As bancadas do agronegócio, da repressão policial e do fundamentalismo neopentecostal, chamadas de “BBB” (boi, bala e bíblia), que formaram uma espécie de bloco no Congresso e tomaram a iniciativa política no país, representam os interesses mais reacionários e estão aprovando todos os projetos da sua pauta (terceirização, redução da maioridade penal, lei antiterrorismo). O seu avanço faz com que se sintam encorajados a ponto de querer derrubar a presidente.
Entretanto, ainda assim seria um erro reforçar as manifestações governistas. A luta contra a ameaça dessa ala da direita deve ser travada de maneira completamente independente do PT. Mesmo porque, o PT é uma outra ala dessa mesma direita. É sempre preciso insistir no significado correto das palavras. “Direita” significa defesa da ordem social existente, ou seja, o capitalismo, e “esquerda” significa mudança da ordem social, portanto fim do capitalismo. É por isso que nem o Syriza na Grécia, nem o PT no Brasil são de esquerda. Ambos tentam se acomodar às margens de manobra disponíveis para a gestão do capitalismo. Como essas margens estão se estreitando devido à crise estrutural do capital, o seu caráter de defesa do capitalismo, do lucro, dos interesses da classe dominante, da exploração e da opressão, acaba vindo à tona.
O governo do PT segue sendo um governo burguês, oposto aos trabalhadores, que busca de todas as formas atender os interesses da classe dominante. Quanto mais se deteriora a situação da economia e os empresários vêem seus lucros ameaçados, mais o PT se apressa a atender seus interesses, encaminhando medidas como o ajuste fiscal, cortes de verbas, incentivos para setores específicos, a lei que permite reduzir salários, etc. Ao mesmo tempo, os aparatos dirigidos pelo PT impedem que as lutas em defesa dos salários, direitos e condições de vida dos trabalhadores se desenvolvam. As empresas demitem, rebaixam salários, terceirizam, desrespeitam os direitos trabalhistas, sem que os sindicatos encaminhem as lutas. Não há mais organização nos locais de trabalho, não há mais democracia nas assembleias, os sindicatos e demais organizações estão burocratizados.
De maneira oportunista, o PT usa a ameaça da “direita” e do “golpe” para blindar Dilma, e impedir que se desenvolvam críticas ao governo. Enquanto a classe trabalhadora se apresenta indecisa e dividida entre os atos do dia 16 e do dia 20, o PT já escolheu de que lado vai ficar. Ao invés de romper com a burguesia e colocar as organizações sob sua direção a serviço da luta e da mobilização, o PT aprofundou sua aliança com o grande capital nacional, através do loteamento do ministério, da política econômica de Joaquim Levy, do ajuste fiscal e outras medidas. Essa opção não é recente, ela já estava traçada desde o momento em que o partido optou por administrar o capitalismo brasileiro.
Na verdade, desde muito antes de chegar ao governo com Lula em 2003, o PT já tinha se transformado no seu oposto. Já não era mais um partido de trabalhadores, um partido de classe, um partido de luta de classes, mas um partido eleitoral. A CUT já não praticava mais o sindicalismo combativo, mas um sindicalismo de conciliação de classes, um sindicalismo “cidadão”, sindicalismo “de resultado” (slogan da concorrente, a Força Sindical), que priorizava as negociações, as câmaras setoriais, etc. Desde aquele momento, o PT se afastou da sua antiga base social, se afastou da sua história, renegou sua trajetória de luta, desfez o acúmulo de politização. É tarde demais para que o partido queira se apresentar como representante da esquerda contra a ofensiva da direita. A direita “golpista” é uma cobra que o próprio PT agasalhou no seu peito. Agora, no momento em que o PT mais precisa de uma base social para enfrentar o ataque da bancada “BBB”, ela não está mais presente.

Construir nas lutas uma alternativa
Entretanto, a dramaticidade da situação social reside em que neste momento a classe trabalhadora também precisa de uma nova referência. Dissemos que seria um erro estar nas manifestações do dia 16 contra o PT, mas também é um erro estar no dia 20 a favor do PT. O que fazer então? Há alguns que dizem que não tomar partido de um bloco ou de outro é “abstencionismo” ou ficar “em cima do muro”, ou “perder o bonde da história”, ou ainda, “ser conivente com o golpe”, etc. Entretanto, insistimos em que é necessário encontrar uma saída classista para a situação, e não capitular a nenhum dos dois blocos burgueses em disputa.
A única saída está nas lutas concretas da classe trabalhadora, contra a crise capitalista e todos os seus sintomas. É preciso combater os ajustes aplicados pelo PT, e é preciso derrubar a pauta reacionária da bancada BBB (proibição dos professores falarem sobre política, estatuto da família, transferência da demarcação das terras indígenas e quilombolas para o Congresso – a lista de abominações parece não ter fim). Quando dissemos que é preciso encontrar uma saída classista, isso não é uma pura declaração de princípios, de quem não quer se comprometer ou está se “abstendo” da luta de classes. Muito pelo contrário, significa um compromisso muito concreto com as lutas e as demandas dos trabalhadores. Existe uma base material muito concreta para uma luta independente dos dois blocos burgueses que disputam os rumos do país.
A classe trabalhadora brasileira não está parada simplesmente assistindo aos ataques que lhe são disparados de todos os lados. O número de lutas e greves no país tem aumentado de maneira sustentada. Entre 2004 e 2007 o DIEESE registra uma média de 300 greves por ano. A partir de 2008 esse número começa a aumentar. Tivemos 518 greves em 2009, 446 greves em 2010, 554 em 2011 e 873 em 2012. A partir de 2013, não é mais possível encontrar dados sobre o número de greves no DIEESE (?). As principais centrais sindicais também não informam esse número. 2013 foi o ano das chamadas jornadas de junho, em que a insatisfação com a situação do país motivou protestos de todas as camadas sociais, e inclusive, é claro, muitas greves. Em 2014 tivemos a emblemática greve dos garis no Rio e os protestos contra a Copa. Não há razões para acreditar que as lutas tenham diminuído no país.
Nos próximos meses, entre setembro e outubro, temos as datas bases de importantes categorias nacionais, como bancários, metalúrgicos, funcionários dos Correios e petroleiros. Isso sem falar na greve dos funcionários das universidades federais e outros segmentos do funcionalismo, em andamento há várias semanas. Essas campanhas vão acontecer em um país em situação de crise econômica e política, com uma grave deterioração nas condições de vida dos trabalhadores, e muitos ataques em andamento (terceirização, lei de redução dos salários, demissões). A luta contra a carestia e o arrocho salarial, contra as demissões e contra a terceirização diz respeito muito diretamente a cada uma dessas categorias, e também aos demais trabalhadores. O papel da esquerda é ter uma intervenção política nessas campanhas, fazendo com que as diversas categorias atuem da forma mais unitária possível, em torno de bandeiras de luta que dizem respeito aos interesses do conjunto da classe.
O ponto de partida dessa intervenção é lutar para unificar as campanhas, enfrentando as barreiras impostas pela burocracias governistas e pelegas no controle dos aparatos sindicais. É tarefa da esquerda atuar ofensivamente na base das categorias, defendendo a unificação das lutas. Por um calendário conjunto de mobilização! Datas conjuntas para uma greve nacional das categorias! Comando de greve eleito nas assembleias de base e com mandatos revogáveis! Piquetes e manifestações unificadas!
A partir dessas campanhas, temos que iniciar um movimento para impor a pauta dos trabalhadores no debate político do país.
- Contra a inflação, reposição das perdas salariais, salário mínimo do DIEESE como piso!
- Contra as demissões, redução de jornada sem redução de salário, até que haja emprego para todos!
- Estatização das empresas que demitirem ou fecharem, sob controle dos trabalhadores!
- Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores!
- Não pagamento da dívida pública e uso desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores!
Essas demandas evidentemente se enfrentarão com a lógica do lucro capitalista e o Estado a seu serviço, com todas as suas instituições e partidos, mídia, etc. Por isso, é preciso defender também a luta por uma ruptura do capitalismo, por um governo dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta.

Daniel M. Delfino

Agosto 2015

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