A
insatisfação com o governo Dilma é cada vez
maior entre os trabalhadores. As razões concretas são a
alta dos preços que mais pesam para o trabalhador (alimentos,
aluguéis, conta de luz, gasolina), as demissões e a
ameaça de desemprego crescente, os ataques contra os direitos
(PIS, seguro desemprego, pensões), a lei da terceirização
(que mesmo não sendo de autoria do PT, entra no mesmo pacote
porque se percebe claramente que o governo não fez nada para
detê-la), o endividamento, o arrocho salarial, os serviços
públicos que continuam precários. Tudo isso foi
agravado pela sensação de traição das
promessas da campanha eleitoral de 2014 (desde o anúncio do
ministério, literalmente loteado entre os segmentos da classe
patronal) e pela continuidade dos escândalos de corrupção
envolvendo o PT.
Aproveitando-se
disso, o movimento pelo impeachment de Dilma ressurge com força,
através de manifestações marcadas para o dia
16/08. O PSDB está agora oficialmente convocando a população
a se manifestar pela saída de Dilma (depois que se fechou a
disputa entre os seus caciques para escolher o candidato à
sucessão, na figura de Aécio). O Presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, do PMDB, está manobrando para viabilizar a
votação do impeachment no Congresso. A grande imprensa
está há meses em campanha permanente contra o governo,
bombardeando a população apenas com as denúncias
de corrupção que envolvem o PT (poupando os demais
partidos) e as más notícias da situação
da economia. Grupos bancados por interesses estadunidenses, como
“revoltados on line”, “vem pra rua”, “movimento Brasil
livre” etc., também estão convocando para o dia 16.
É
certo que o volume da convocação deve diminuir
bastante, depois que a FIESP, FIRJAN e a Globo emitiram notas e
editoriais em favor da “governabilidade”, o que para bom
entendedor significa: “a tentativa de derrubar Dilma e a luta do PT
para defender seus cargos podem causar meses de confusão e
instabilidade no país, que seriam ruins para os negócios.
Não queremos isso agora. Portanto, vamos parar com esse
movimento por enquanto, deixar o PT aplicar o ajuste, atrair o ódio
dos eleitores por mais alguns anos, e trocar de governo ordenadamente
em 2018.” A “confusão” que os patrões temem é
o aumento da mobilização dos trabalhadores.
Nem dia
16...
Ainda que
esses setores importantes da burguesia brasileira estejam dando seu
recado, as manifestações devem ocorrer, e o que é
pior, dessa vez, é possível que uma quantidade
numericamente significativa de trabalhadores compareça a essas
manifestações. Evidentemente, mesmo que se confirme uma
presença considerável de trabalhadores, seria um erro
participar desses atos. Os trabalhadores que estiverem presentes,
dispersos e sem organização, não vão
mudar o caráter do ato, que é claramente de direita. O
rumo político desses atos não está em disputa,
não pode ser revertido em direção à
esquerda. O processo que está por trás dos atos do dia
16 não favorece os interesses da nossa classe. Trata-se de uma
disputa entre dois blocos burgueses, pró-patronais e
pró-capitalistas. A pior derrota dos trabalhadores seria tomar
partido de algum desses blocos, ao invés de desenvolver uma
política independente.
No novo
governo que hipoteticamente surgiria desse movimento, a mesma
situação de deterioração da economia e os
ataques aos trabalhadores continuariam. Os problemas da economia não
são resultado apenas da gestão do Estado pelo PT, mas
de uma crise profunda do capitalismo, que em breve deve se manifestar
mais uma vez com toda sua virulência em escala mundial,
piorando ainda mais a situação do nosso país.
Diante dessas crises, os gestores do capitalismo não têm
outra escolha além de atacar os salários, direitos e
condições de vida dos trabalhadores, para tentar salvar
os lucros dos capitalistas. Isso está acontecendo no mundo
inteiro, mesmo em países com governos ditos de “esquerda”,
como a Grécia com o Syriza, que foi eleito para acabar com a
austeridade, mas vai aplicá-la a ferro e fogo. É o que
o PT está fazendo, e o que os seus opositores vão
fazer. Não há saída para a crise, do ponto de
vista dos capitalistas, a não ser atacar os trabalhadores, e
do ponto de vista dos trabalhadores, a não ser uma saída
anticapitalista.
...nem dia
20
Isso quer
dizer, portanto, que também não se deve defender o
governo do PT. No dia 20/08, os aparatos dos movimentos sociais
dirigidos direta ou indiretamente pelo PT, como CUT, MST e MTST,
entre outros estão também convocando manifestações
em defesa da “democracia” e contra o “golpe”. Essas
manifestações também podem atrair um número
importante de trabalhadores, e inclusive de ativistas conscientes,
preocupados com a ameaça da direita que está presente
na ofensiva pelo impeachment. As bancadas do agronegócio, da
repressão policial e do fundamentalismo neopentecostal,
chamadas de “BBB” (boi, bala e bíblia), que formaram uma
espécie de bloco no Congresso e tomaram a iniciativa política
no país, representam os interesses mais reacionários e
estão aprovando todos os projetos da sua pauta
(terceirização, redução da maioridade
penal, lei antiterrorismo). O seu avanço faz com que se sintam
encorajados a ponto de querer derrubar a presidente.
Entretanto,
ainda assim seria um erro reforçar as manifestações
governistas. A luta contra a ameaça dessa ala da direita deve
ser travada de maneira completamente independente do PT. Mesmo
porque, o PT é uma outra ala dessa mesma direita. É
sempre preciso insistir no significado correto das palavras.
“Direita” significa defesa da ordem social existente, ou seja, o
capitalismo, e “esquerda” significa mudança da ordem
social, portanto fim do capitalismo. É por isso que nem o
Syriza na Grécia, nem o PT no Brasil são de esquerda.
Ambos tentam se acomodar às margens de manobra disponíveis
para a gestão do capitalismo. Como essas margens estão
se estreitando devido à crise estrutural do capital, o seu
caráter de defesa do capitalismo, do lucro, dos interesses da
classe dominante, da exploração e da opressão,
acaba vindo à tona.
O governo
do PT segue sendo um governo burguês, oposto aos trabalhadores,
que busca de todas as formas atender os interesses da classe
dominante. Quanto mais se deteriora a situação da
economia e os empresários vêem seus lucros ameaçados,
mais o PT se apressa a atender seus interesses, encaminhando medidas
como o ajuste fiscal, cortes de verbas, incentivos para setores
específicos, a lei que permite reduzir salários, etc.
Ao mesmo tempo, os aparatos dirigidos pelo PT impedem que as lutas em
defesa dos salários, direitos e condições de
vida dos trabalhadores se desenvolvam. As empresas demitem, rebaixam
salários, terceirizam, desrespeitam os direitos trabalhistas,
sem que os sindicatos encaminhem as lutas. Não há mais
organização nos locais de trabalho, não há
mais democracia nas assembleias, os sindicatos e demais organizações
estão burocratizados.
De maneira
oportunista, o PT usa a ameaça da “direita” e do “golpe”
para blindar Dilma, e impedir que se desenvolvam críticas ao
governo. Enquanto a classe trabalhadora se apresenta indecisa e
dividida entre os atos do dia 16 e do dia 20, o PT já escolheu
de que lado vai ficar. Ao invés de romper com a burguesia e
colocar as organizações sob sua direção a
serviço da luta e da mobilização, o PT
aprofundou sua aliança com o grande capital nacional, através
do loteamento do ministério, da política econômica
de Joaquim Levy, do ajuste fiscal e outras medidas. Essa opção
não é recente, ela já estava traçada
desde o momento em que o partido optou por administrar o capitalismo
brasileiro.
Na
verdade, desde muito antes de chegar ao governo com Lula em 2003, o
PT já tinha se transformado no seu oposto. Já não
era mais um partido de trabalhadores, um partido de classe, um
partido de luta de classes, mas um partido eleitoral. A CUT já
não praticava mais o sindicalismo combativo, mas um
sindicalismo de conciliação de classes, um sindicalismo
“cidadão”, sindicalismo “de resultado” (slogan da
concorrente, a Força Sindical), que priorizava as negociações,
as câmaras setoriais, etc. Desde aquele momento, o PT se
afastou da sua antiga base social, se afastou da sua história,
renegou sua trajetória de luta, desfez o acúmulo de
politização. É tarde demais para que o partido
queira se apresentar como representante da esquerda contra a ofensiva
da direita. A direita “golpista” é uma cobra que o próprio
PT agasalhou no seu peito. Agora, no momento em que o PT mais precisa
de uma base social para enfrentar o ataque da bancada “BBB”, ela
não está mais presente.
Construir
nas lutas uma alternativa
Entretanto,
a dramaticidade da situação social reside em que neste
momento a classe trabalhadora também precisa de uma nova
referência. Dissemos que seria um erro estar nas manifestações
do dia 16 contra o PT, mas também é um erro estar no
dia 20 a favor do PT. O que fazer então? Há alguns que
dizem que não tomar partido de um bloco ou de outro é
“abstencionismo” ou ficar “em cima do muro”, ou “perder o
bonde da história”, ou ainda, “ser conivente com o golpe”,
etc. Entretanto, insistimos em que é necessário
encontrar uma saída classista para a situação, e
não capitular a nenhum dos dois blocos burgueses em disputa.
A única
saída está nas lutas concretas da classe trabalhadora,
contra a crise capitalista e todos os seus sintomas. É preciso
combater os ajustes aplicados pelo PT, e é preciso derrubar a
pauta reacionária da bancada BBB (proibição dos
professores falarem sobre política, estatuto da família,
transferência da demarcação das terras indígenas
e quilombolas para o Congresso – a lista de abominações
parece não ter fim). Quando dissemos que é preciso
encontrar uma saída classista, isso não é uma
pura declaração de princípios, de quem não
quer se comprometer ou está se “abstendo” da luta de
classes. Muito pelo contrário, significa um compromisso muito
concreto com as lutas e as demandas dos trabalhadores. Existe uma
base material muito concreta para uma luta independente dos dois
blocos burgueses que disputam os rumos do país.
A classe
trabalhadora brasileira não está parada simplesmente
assistindo aos ataques que lhe são disparados de todos os
lados. O número de lutas e greves no país tem aumentado
de maneira sustentada. Entre 2004 e 2007 o DIEESE registra uma média
de 300 greves por ano. A partir de 2008 esse número começa
a aumentar. Tivemos 518 greves em 2009, 446 greves em 2010, 554 em
2011 e 873 em 2012. A partir de 2013, não é mais
possível encontrar dados sobre o número de greves no
DIEESE (?). As principais centrais sindicais também não
informam esse número. 2013 foi o ano das chamadas jornadas de
junho, em que a insatisfação com a situação
do país motivou protestos de todas as camadas sociais, e
inclusive, é claro, muitas greves. Em 2014 tivemos a
emblemática greve dos garis no Rio e os protestos contra a
Copa. Não há razões para acreditar que as lutas
tenham diminuído no país.
Nos
próximos meses, entre setembro e outubro, temos as datas bases
de importantes categorias nacionais, como bancários,
metalúrgicos, funcionários dos Correios e petroleiros.
Isso sem falar na greve dos funcionários das universidades
federais e outros segmentos do funcionalismo, em andamento há
várias semanas. Essas campanhas vão acontecer em um
país em situação de crise econômica e
política, com uma grave deterioração nas
condições de vida dos trabalhadores, e muitos ataques
em andamento (terceirização, lei de redução
dos salários, demissões). A luta contra a carestia e o
arrocho salarial, contra as demissões e contra a terceirização
diz respeito muito diretamente a cada uma dessas categorias, e também
aos demais trabalhadores. O papel da esquerda é ter uma
intervenção política nessas campanhas, fazendo
com que as diversas categorias atuem da forma mais unitária
possível, em torno de bandeiras de luta que dizem respeito aos
interesses do conjunto da classe.
O ponto de
partida dessa intervenção é lutar para unificar
as campanhas, enfrentando as barreiras impostas pela burocracias
governistas e pelegas no controle dos aparatos sindicais. É
tarefa da esquerda atuar ofensivamente na base das categorias,
defendendo a unificação das lutas. Por um calendário
conjunto de mobilização! Datas conjuntas para uma greve
nacional das categorias! Comando de greve eleito nas assembleias de
base e com mandatos revogáveis! Piquetes e manifestações
unificadas!
A partir
dessas campanhas, temos que iniciar um movimento para impor a pauta
dos trabalhadores no debate político do país.
- Contra a
inflação, reposição das perdas salariais,
salário mínimo do DIEESE como piso!
- Contra
as demissões, redução de jornada sem redução
de salário, até que haja emprego para todos!
-
Estatização das empresas que demitirem ou fecharem, sob
controle dos trabalhadores!
-
Estatização do sistema financeiro sob controle dos
trabalhadores!
- Não
pagamento da dívida pública e uso desse dinheiro num
programa de obras e serviços públicos sob controle dos
trabalhadores!
Essas
demandas evidentemente se enfrentarão com a lógica do
lucro capitalista e o Estado a seu serviço, com todas as suas
instituições e partidos, mídia, etc. Por isso, é
preciso defender também a luta por uma ruptura do capitalismo,
por um governo dos trabalhadores baseado em suas organizações
de luta.
Daniel M.
Delfino
Agosto 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário