6.11.15

O caso Swissleaks: cai mais uma máscara da burguesia



Em fevereiro de 2015 foi divulgada uma lista com os nomes de 100 mil pessoas e 20 mil empresas que movimentaram cerca de 180 bilhões de euros em contas secretas na filial suíça do banco HSBC, no período de 1988 a 2007. A lista foi entregue a autoridades francesas em 2009 por um ex-funcionário da área de informática do banco, o italiano Hervé Falciani. O vazamento da lista foi feito por uma organização chamada Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ na lista em inglês), que compilou os resultados do trabalho de 130 jornalistas em 45 países. O escândalo foi chamado de “Swissleaks”. Foi o maior vazamento de informações sobre contas secretas na Suíça até hoje.
O sistema de contas secretas permite que qualquer indivíduo deposite qualquer quantia num banco, sem precisar declarar a origem do dinheiro, recebendo apenas um número de identificação da conta. Esse sistema é característico da Suíça, onde se instalam bancos especializados nesse tipo de operação. O HSBC, o segundo maior banco do mundo, é apenas um dos bancos que fazem esse tipo de serviço. Portanto, podemos suspeitar que o escândalo Swissleaks é apenas a ponta do iceberg.

A Suíça lava mais branco
Há 25 anos o ativista suíço Jean Ziegler denunciou no livro “A Suíça lava mais branco” o funcionamento dos bancos suíços e seu papel na lavagem de dinheiro sujo proveniente de crimes praticados no mundo inteiro. Em resposta, Ziegler, que era membro do Parlamento, teve sua imunidade cassada, foi alvo de processos por difamação, ameaças de morte, multas milionárias que tem que pagar até hoje, perdeu sua casa e está foragido do país, vivendo como funcionário da ONU.
Os bancos suíços, entre eles a subsidiária do HSBC, orientam seus clientes milionários a transferir seu dinheiro para paraísos fiscais, e de lá levá-los para as contas secretas. Paraísos fiscais são países minúsculos, como Ilhas Caimã ou Ilhas Virgens Britânicas, que não cobram impostos de estrangeiros que abrem empresas para trazer seu dinheiro. Milionários do mundo inteiro e grandes empresas abrem filiais de fachada em paraísos fiscais, transferem o dinheiro de seus países de origem para essas filiais e de lá para a Suíça. Segundo Ziegler, o esquema começou na 2ª Guerra Mundial, quando a Suíça foi neutra, mas ajudou os nazistas a esconder dinheiro roubado de toda a Europa. Ainda segundo o ativista, 27% da riqueza mundial está depositado em bancos suíços.
O sistema de contas secretas permite acobertar vários tipos de crimes. O principal deles, e que talvez seja o responsável pelo maior volume depositado na Suíça, é o de sonegação fiscal. Ou seja, dinheiro que deveria ter pago impostos nos países de origem, mas que é transferido por empresas e pessoas físicas para o exterior, a fim de evitar a tributação. Enquanto os pobres e os trabalhadores não deixam de pagar seus impostos diretos e indiretos, os ricos e super ricos, que tem acesso a esse tipo de esquema, podem transferir seu dinheiro para o exterior. Com isso, quem sofre são os serviços públicos, que deixam de receber o dinheiro que poderia financiar a saúde, a educação, moradia, transportes, etc.

Quem tem contas na Suíça
A sonegação fiscal é o crime de esconder dinheiro de origem legal, de maneira ilegal, para não pagar impostos. Mas além dela, os bancos suíços recebem também dinheiro de origem diretamente ilegal. Por exemplo, o dinheiro da corrupção. Ditadores como o sanguinário “Baby Doc” Duvalier do Haiti, ou Aziza Kuslum, responsável pela guerra civil em Burundi nos anos 90, escondiam seu dinheiro na Suíça. Políticos corruptos do mundo inteiro, como o brasileiro Paulo Maluf, também têm contas na Suíça. Além disso, criminosos notórios, como traficantes de drogas, ou de armas, de órgãos humanos, de escravos, etc., podem chegar na Suíça com uma mala de dinheiro e abrir uma conta secreta, sem ter que responder perguntas. Isso facilita também a transferência de recursos usados em ações terroristas.
Em 2008, durante a crise mundial, no auge da indignação pública contra os bancos que foram o estopim da crise, os Estados Unidos pressionaram a Suíça acabar com o sistema de contas secretas, sob pena de não poder operar mais em Wall Street. Mas a medida, se vier de fato a acontecer, só terá efeito a partir de 2018. O HSBC alega que mudou suas práticas a partir de 2007, por isso a lista do Swissleaks revela apenas as operações feitas até aquela data. Mesmo assim, é razoável supor que operações semelhantes continuem sendo feitas por outros bancos, por pessoas dessa mesma lista ou outras ainda não reveladas. O governo francês está de posse da lista há vários anos e somente agora ela foi divulgada.
O Brasil na lista
O Brasil é o 4º país com o maior número de nomes da lista, sendo de cerca de 7.000 pessoas, que movimentaram aproximadamente R$ 20 bilhões. Esse valor é praticamente o mesmo que o governo quer obter com as medidas provisórias 664 e 665, que reduzem os pagamentos do Seguro Desemprego, abonos do PIS e pensões por mortes. Ou seja, essas medidas são desnecessárias, o governo não precisaria cortar dinheiro dos trabalhadores. Bastaria recuperar o que foi enviado ao exterior por esse seleto grupo de correntistas.
A lista do Swissleaks está provocando escândalo no mundo inteiro, por envolver, além de políticos e criminosos, celebridades como o piloto Fernando Alonso, o ator Christian Slater, o jogador Diego Forlán, etc. Mas no Brasil, curiosamente, reina um estrondoso silêncio. Não fosse pela ação de blogueiros e jornalistas independentes, não saberíamos que figuras como a família Steinbruch, controladores da CSN, a família Queiroz Galvão, da empreiteira homônima, a família Safra, do banco também homônimo, estão na lista. Também fazem parte dela Pedro Barusco, delator da Petrobrás, e também os engenheiros envolvidos no cartel da CPTM e Metrô de São Paulo. Muitos dos que aparecem na lista são doadores de campanhas eleitorais, a maioria do PSDB, mas também do PT.
O que explica o silêncio sobre a lista no Brasil é o fato de que boa parte dos donos da mídia também está na lista. As famílias Marinho, da Globo, Saad, da Bandeirantes, Bloch, da extinta Manchete, Frias da Folha de São Paulo, Masci de Abreu, da rede CBS de Rádio, Queiroz, donos de TVs no nordeste, além de jornalistas, o apresentador Ratinho, etc., todos têm ou tiveram contas na lista do HSBC. O jornalista Fernando Rodrigues, do UOL, que recebeu a lista completa do ICIJ, ainda não a divulgou.
A moral dessa história é que o sistema capitalista não tem nenhuma moral. A lei só vale para os que não podem pagar por ela, os trabalhadores. Quem pode pagar compra advogados, juízes, auditores, autoridades, gerentes, e esconde seu dinheiro na Suíça e paraísos fiscais. Podemos também concluir que toda “guerra às drogas” e “guerra ao terror”, é uma fachada, pois sem fechar os canais de financiamento dessas atividades é impossível combatê-las. E esses canais jamais serão fechados, pois toda a classe dominante os utiliza. Praticamente toda a burguesia, os grandes empresários, donos de indústrias, latifundiários, redes de serviços e comércio, etc., todos sonegam impostos e desviam o dinheiro. Sem esse tipo de esquema, a burguesia não poderia desfrutar de sua riqueza. Como diria Orwell, todos são iguais perante a lei, “mas alguns são mais iguais que os outros”.

Daniel M. Delfino
Maio 2015




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