Em
fevereiro de 2015 foi divulgada uma lista com os nomes de 100 mil
pessoas e 20 mil empresas que movimentaram cerca de 180 bilhões
de euros em contas secretas na filial suíça do banco
HSBC, no período de 1988 a 2007. A lista foi entregue a
autoridades francesas em 2009 por um ex-funcionário da área
de informática do banco, o italiano Hervé Falciani. O
vazamento da lista foi feito por uma organização
chamada Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos
(ICIJ na lista em inglês), que compilou os resultados do
trabalho de 130 jornalistas em 45 países. O escândalo
foi chamado de “Swissleaks”. Foi o maior vazamento de informações
sobre contas secretas na Suíça até hoje.
O
sistema de contas secretas permite que qualquer indivíduo
deposite qualquer quantia num banco, sem precisar declarar a origem
do dinheiro, recebendo apenas um número de identificação
da conta. Esse sistema é característico da Suíça,
onde se instalam bancos especializados nesse tipo de operação.
O HSBC, o segundo maior banco do mundo, é apenas um dos bancos
que fazem esse tipo de serviço. Portanto, podemos suspeitar
que o escândalo Swissleaks é apenas a ponta do iceberg.
A Suíça
lava mais branco
Há
25 anos o ativista suíço Jean Ziegler denunciou no
livro “A Suíça lava mais branco” o funcionamento
dos bancos suíços e seu papel na lavagem de dinheiro
sujo proveniente de crimes praticados no mundo inteiro. Em resposta,
Ziegler, que era membro do Parlamento, teve sua imunidade cassada,
foi alvo de processos por difamação, ameaças de
morte, multas milionárias que tem que pagar até hoje,
perdeu sua casa e está foragido do país, vivendo como
funcionário da ONU.
Os
bancos suíços, entre eles a subsidiária do HSBC,
orientam seus clientes milionários a transferir seu dinheiro
para paraísos fiscais, e de lá levá-los para as
contas secretas. Paraísos fiscais são países
minúsculos, como Ilhas Caimã ou Ilhas Virgens
Britânicas, que não cobram impostos de estrangeiros que
abrem empresas para trazer seu dinheiro. Milionários do mundo
inteiro e grandes empresas abrem filiais de fachada em paraísos
fiscais, transferem o dinheiro de seus países de origem para
essas filiais e de lá para a Suíça. Segundo
Ziegler, o esquema começou na 2ª Guerra Mundial, quando a
Suíça foi neutra, mas ajudou os nazistas a esconder
dinheiro roubado de toda a Europa. Ainda segundo o ativista, 27% da
riqueza mundial está depositado em bancos suíços.
O
sistema de contas secretas permite acobertar vários tipos de
crimes. O principal deles, e que talvez seja o responsável
pelo maior volume depositado na Suíça, é o de
sonegação fiscal. Ou seja, dinheiro que deveria ter
pago impostos nos países de origem, mas que é
transferido por empresas e pessoas físicas para o exterior, a
fim de evitar a tributação. Enquanto os pobres e os
trabalhadores não deixam de pagar seus impostos diretos e
indiretos, os ricos e super ricos, que tem acesso a esse tipo de
esquema, podem transferir seu dinheiro para o exterior. Com isso,
quem sofre são os serviços públicos, que deixam
de receber o dinheiro que poderia financiar a saúde, a
educação, moradia, transportes, etc.
Quem tem
contas na Suíça
A
sonegação fiscal é o crime de esconder dinheiro
de origem legal, de maneira ilegal, para não pagar impostos.
Mas além dela, os bancos suíços recebem também
dinheiro de origem diretamente ilegal. Por exemplo, o dinheiro da
corrupção. Ditadores como o sanguinário “Baby
Doc” Duvalier do Haiti, ou Aziza Kuslum, responsável pela
guerra civil em Burundi nos anos 90, escondiam seu dinheiro na Suíça.
Políticos corruptos do mundo inteiro, como o brasileiro Paulo
Maluf, também têm contas na Suíça. Além
disso, criminosos notórios, como traficantes de drogas, ou de
armas, de órgãos humanos, de escravos, etc., podem
chegar na Suíça com uma mala de dinheiro e abrir uma
conta secreta, sem ter que responder perguntas. Isso facilita também
a transferência de recursos usados em ações
terroristas.
Em 2008,
durante a crise mundial, no auge da indignação pública
contra os bancos que foram o estopim da crise, os Estados Unidos
pressionaram a Suíça acabar com o sistema de contas
secretas, sob pena de não poder operar mais em Wall Street.
Mas a medida, se vier de fato a acontecer, só terá
efeito a partir de 2018. O HSBC alega que mudou suas práticas
a partir de 2007, por isso a lista do Swissleaks revela apenas as
operações feitas até aquela data. Mesmo assim, é
razoável supor que operações semelhantes
continuem sendo feitas por outros bancos, por pessoas dessa mesma
lista ou outras ainda não reveladas. O governo francês
está de posse da lista há vários anos e somente
agora ela foi divulgada.
O Brasil
na lista
O Brasil
é o 4º país com o maior número de nomes da
lista, sendo de cerca de 7.000 pessoas, que movimentaram
aproximadamente R$ 20 bilhões. Esse valor é
praticamente o mesmo que o governo quer obter com as medidas
provisórias 664 e 665, que reduzem os pagamentos do Seguro
Desemprego, abonos do PIS e pensões por mortes. Ou seja, essas
medidas são desnecessárias, o governo não
precisaria cortar dinheiro dos trabalhadores. Bastaria recuperar o
que foi enviado ao exterior por esse seleto grupo de correntistas.
A lista
do Swissleaks está provocando escândalo no mundo
inteiro, por envolver, além de políticos e criminosos,
celebridades como o piloto Fernando Alonso, o ator Christian Slater,
o jogador Diego Forlán, etc. Mas no Brasil, curiosamente,
reina um estrondoso silêncio. Não fosse pela ação
de blogueiros e jornalistas independentes, não saberíamos
que figuras como a família Steinbruch, controladores da CSN, a
família Queiroz Galvão, da empreiteira homônima,
a família Safra, do banco também homônimo, estão
na lista. Também fazem parte dela Pedro Barusco, delator da
Petrobrás, e também os engenheiros envolvidos no cartel
da CPTM e Metrô de São Paulo. Muitos dos que aparecem na
lista são doadores de campanhas eleitorais, a maioria do PSDB,
mas também do PT.
O que
explica o silêncio sobre a lista no Brasil é o fato de
que boa parte dos donos da mídia também está na
lista. As famílias Marinho, da Globo, Saad, da Bandeirantes,
Bloch, da extinta Manchete, Frias da Folha de São Paulo, Masci
de Abreu, da rede CBS de Rádio, Queiroz, donos de TVs no
nordeste, além de jornalistas, o apresentador Ratinho, etc.,
todos têm ou tiveram contas na lista do HSBC. O jornalista
Fernando Rodrigues, do UOL, que recebeu a lista completa do ICIJ,
ainda não a divulgou.
A moral
dessa história é que o sistema capitalista não
tem nenhuma moral. A lei só vale para os que não podem
pagar por ela, os trabalhadores. Quem pode pagar compra advogados,
juízes, auditores, autoridades, gerentes, e esconde seu
dinheiro na Suíça e paraísos fiscais. Podemos
também concluir que toda “guerra às drogas” e
“guerra ao terror”, é uma fachada, pois sem fechar os
canais de financiamento dessas atividades é impossível
combatê-las. E esses canais jamais serão fechados, pois
toda a classe dominante os utiliza. Praticamente toda a burguesia, os
grandes empresários, donos de indústrias,
latifundiários, redes de serviços e comércio,
etc., todos sonegam impostos e desviam o dinheiro. Sem esse tipo de
esquema, a burguesia não poderia desfrutar de sua riqueza.
Como diria Orwell, todos são iguais perante a lei, “mas
alguns são mais iguais que os outros”.
Daniel M.
Delfino
Maio 2015
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