A onda
de manifestações do mês de junho, que começou
com o movimento contra o aumento das passagens, e terminou com
milhões de pessoas nas ruas em centenas de cidades do país,
protestando contra a precariedade dos serviços públicos
em geral, saúde, educação, transporte, contra os
altos gastos com a Copa e Olimpíadas, contra a corrupção,
etc., ainda marca a realidade nacional. Foram feitas pequenas
concessões, como a revogação do aumento e a
retirada da PEC 37 (que tornaria ainda mais difícil investigar
a corrupção) e da “cura gay”. Mesmo assim, existe
uma nova atmosfera no país.
A
Jornada Mundial da Juventude e a visita do Papa receberam uma
gigantesca cobertura da mídia, também
com o objetivo de desviar o foco das questões e das
pautas trazidas à tona pelas manifestações.
Entretanto, encerrado esse momento de “trégua”, as
moblizações voltaram, não com a mesma
intensidade que tiveram no pico do mês de junho, mas ainda
assim de forma constante. Todos os dias há alguma manifestação
ocorrendo, em algum lugar do país, desde categorias mais
elitizadas, como médicos e delegados de polícia, até
os movimentos populares, como o que se seguiu à morte do
pedreiro Amarildo no Rio, em que vive-se um clima quase de rebelião
permanente contra o governo Sérgio Cabral. Em várias
cidades há ocupações de prédios públicos,
câmaras de vereadores, etc.
Dois
elementos da conjuntura podem levar a uma retomada de mobilizações
mais intensas. Primeiro, a revelação do esquema de
desvio de dinheiro do metrô de São Paulo pelos governos
do PSDB (que governa o estado há 20 anos, com Covas, Serra e
Alckmin), por meio de denúncia da empresa Siemens, motivou a
convocação de uma nova manifestação, em
14 de agosto, que está sendo chamada pelo MPL e diversos
setores. Pelos cálculos do MPL, sem esse desvio para a
corrupção, a passagem do metrô poderia cair de R$
3,00 para R$ 0,90. A grande mídia (Globo, Veja, Folha, etc.)
fez de tudo para abafar o escândalo e livrar a cara dos
tucanos, mas não conseguiu conter a força dos veículos
menores e alternativos na divulgação do esquema.
Segundo,
a aproximação das campanhas salariais de importantes
categorias nacionais, como bancários, correios, petroleiros e
metalúrgicos, que têm data base entre setembro e
outubro, e podem entrar em greve. Se essas categorias forem de alguma
forma influenciadas pelo exemplo das manifestações de
rua e conseguirem passar por cima das direções
sindicais governistas, como a CUT e seus satélites, e
conseguirem construir campanhas unificadas, como uma quase greve
geral, isso pode representar um enfrentamento de peso ao governo do
PT e ao projeto em curso no país.
A
política do PT para conter as mobilizações
O
governo Dilma se encontra debilitado, não só pela
demonstração da insatisfação popular nas
manifestações, mas pela insatisfação de
setores da classe dominante com a queda do ritmo da economia. A
unanimidade que havia em torno da atual gestão do país
pelo PT se desfez. O ministro Mantega está sendo fortemente
questionado e todos os dias surgem artigos e editoriais da imprensa
pedindo a sua saída ou a mudança da política
econômica. O PMDB, maior partido da base aliada no Congresso,
está votando contra o governo em vários projetos,
exigindo mais verbas e ministérios para seguir apoiando o PT.
Os empresários procuram diretamente Lula para discutir os
projetos para o país, não reconhecendo mais o governo
Dilma como interlocutor. Os governos estaduais, por sua vez, também
enfrentam problemas, sendo o caso mais grave o do já citado
Sergio Cabral, no Rio, que chegou ao ponto de trocar o comando da PM
e de anunciar publicamente que não renunciaria por conta dos
protestos diários (sinal de que essa possibilidade está
sendo cogitada).
Cabe é
claro a ressalva de que as manifestações de rua e a
mobilização das categorias organizadas constituem uma
realidade mais típica das grandes cidades e dos estados mais
ricos do país. O assistencialismo do governo e a imagem de
Lula ainda fazem com que a população apóie o PT
em amplas regiões do país. A população
mais pobre em vários estados ou mesmo na periferia das grandes
cidades ainda considera positiva a imagem de Lula e por tabela de
Dilma.
O PT
ainda conta com importantes recursos para enfrentar essa possível
nova onda de mobilizações. O seu controle sobre os
movimentos sociais, e especialmente o movimento sindical (através
da CUT e seus satélites), através do controle diretivo
das entidades, lhe permite lutar para modificar a pauta do debate
político a seu favor. De um lado, os sindicatos cutistas e
governistas em geral fazem a propaganda da reforma política
proposta por Dilma, como se essa fosse a resolução dos
problemas do país, tentando dar a entender que esse seria o
canal para satisfazer as demandas populares que vieram à tona
nas manifestações, desviando o foco do PT para os
demais partidos e o conjunto do sistema, desviando a luta para seus
próprios objetivos partidários. De outro lado, num
nível mais de vanguarda, junto aos ativistas independentes dos
movimentos, o PT dá vida ao fantasma do “golpe da direita”,
como se fosse uma ameaça concreta e imediata, contra a qual
seria preciso construir a “unidade da esquerda”, tentando com
isso impedir que se faça críticas ao governo pela
esquerda.
E
ainda, no âmbito dos movimentos populares, o PT tem o controle
sobre a maioria das direções dos principais Movimentos
Negros do país. Isso impede que campanhas importantes como,
por exemplo, a que é contra o genocídio da juventude
negra, tomem contornos de esquerda. Ao invés disso, o PT,
quando leva a discussão para as periferias, tenta canalizar as
demandas raciais para o apoio à imagem do governo Dilma.
Embora a população negra da periferia não tenha
peso no setor produtivo, dada sua exclusão do mercado formal
de trabalho, principalmente das categorias de ponta, e embora seja
também é o setor mai beneficiado pela política
de bolsas desse governo; essa população é a que
sente mais rápido e com maior intensidade o peso da inflação
sobre os alimentos, o que mais sofre com a falta de hospitais,
escolas e demais serviços públicos de qualidade, além
de serem as principais vítimas da polícia e grupos de
extermínio comandados ou não por ela. Daí a
maior radicalização das ações que ainda
ocorrem nas periferias, onde a violência da polícia é
maior, visto que, via de regra, não há cobertura da
imprensa, a não ser para qualificar os manifestantes como
“vândalos”.
A
esquerda deve unificar as lutas e apresentar um projeto socialista!
A
confiança da burocracia sindical governista no seu controle
sobre os aparatos faz com que tenha a tranquilidade de convocar um
Dia Nacional de Luta para 30 de agosto, uma reedição do
que aconteceu no dia 11 de julho, não com o intuito de fazer
uma verdadeira greve geral, mas de dar uma resposta à
insatisfação na base das categorias organizadas,
fazendo de conta que realiza alguma mobilização. O PT
tem a seu favor o controle da maioria dos
sindicatos, em nível nacional e
por isso tem muito mais facilidade para se reorientar e disputar a
pauta do debate na nova situação que está
instalada no país, fazendo desse dia mais um ato em defesa da
reforma política de Dilma.
As
principais organizações da esquerda (PSOL, PSTU, PCB,
PCO), por outro lado, ainda não se relocalizaram na conjuntura
e não conseguem apresentar um eixo político e uma
atuação capaz de capitalizar o processo de mobilizações
a favor de conquistas para a classe
trabalhadora. Isso
é resultado da falta de inserção cotidiana na
luta pelas necessidades da população no geral. O
PSTU faz críticas a partir de aspectos pontuais problemáticos
do movimento das manifestações (como a ação
dos Black Blocks) para com isso fugir
da responsabilidade de construir o movimento em seu conjunto,
buscando formas de lidar com todas as
forças e tendências.
A mídia
já começa a discutir as saídas eleitorais para o
país, mirando em 2014 e já enterrando o governo Dilma.
Mesmo com todo o desgaste dos partidos, sejam eles o PT, PMDB, PSDB,
etc., já se fala em possíveis nomes para a presidência
e os governos estaduais. Todos vão querer faturar
eleitoralmente em cima do desgaste provocado pelas manifestações.
A própria esquerda também já tenta se colocar
alternativa eleitoral, como se a solução dos problemas
levantados pelas manifestações fosse se dar votando em
candidatos do PSOL, PSTU, PCB ou PCO.
De nossa
parte, entendemos que, muito mais do que buscar saídas
eleitorais, a tarefa das organizações dos trabalhadores
deve ser a de apresentar propostas para a
construção de uma
saída classista para os processos de
luta que estão em curso, ainda que em menor intensidade.
Muito mais do que simplesmente criticar a política econômica
do governo, pedindo a redução dos juros (como setores
da burguesia fazem), a principal tarefa
das organizações de esquerda deve ser a de construir um
Movimento Político dos Trabalhadores, que questione
não apenas os aspectos pontuais da gestão do país
pelo PT, mas todo o conjunto do projeto em aplicação no
país. É preciso dizer claramente que não existem
saídas para as demandas populares e dos trabalhadores nos
marcos do capitalismo, que está em crise estrutural em escala
mundial.
Não
há como satisfazer as demandas por melhores serviços
públicos, por saúde, educação,
transporte, habitação, contra a carestia, por melhores
condições de trabalho e de vida, lazer, cultura,
igualdade racial, etc., sem romper com os pilares fundamentais
da política do governo, não só do
PT-PMDB-PSDB-DEM e demais partidos, mas
do próprio estado capitalista. É preciso romper com o
pagamento da dívida pública aos especuladores (que
consome metade do orçamento), com os empréstimos às
empresas, com os incentivos fiscais, etc., e direcionar tudo isso
para obras e serviços públicos em favor dos
trabalhadores. É preciso estatizar o sistema financeiro,
reestatizar as empresas privatizadas (Vale, Embraer, etc.), anular
o projeto de Correios S/A, sob
controle dos trabalhadores, etc., num conjunto de medidas crescentes,
que leve à construção de
organismos de poder próprios dos trabalhadores. É
preciso fazer um intenso debate ideológico contra as ideias da
classe dominante que ainda predominam e voltar a falar na necessidade
e na possibilidade do socialismo!
Daniel M.
Delfino
Setembro
2013
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