3.11.15

As lutas que se aproximam: a necessidade de unificá-las e de um projeto socialista para o Brasil



A onda de manifestações do mês de junho, que começou com o movimento contra o aumento das passagens, e terminou com milhões de pessoas nas ruas em centenas de cidades do país, protestando contra a precariedade dos serviços públicos em geral, saúde, educação, transporte, contra os altos gastos com a Copa e Olimpíadas, contra a corrupção, etc., ainda marca a realidade nacional. Foram feitas pequenas concessões, como a revogação do aumento e a retirada da PEC 37 (que tornaria ainda mais difícil investigar a corrupção) e da “cura gay”. Mesmo assim, existe uma nova atmosfera no país.
A Jornada Mundial da Juventude e a visita do Papa receberam uma gigantesca cobertura da mídia, também com o objetivo de desviar o foco das questões e das pautas trazidas à tona pelas manifestações. Entretanto, encerrado esse momento de “trégua”, as moblizações voltaram, não com a mesma intensidade que tiveram no pico do mês de junho, mas ainda assim de forma constante. Todos os dias há alguma manifestação ocorrendo, em algum lugar do país, desde categorias mais elitizadas, como médicos e delegados de polícia, até os movimentos populares, como o que se seguiu à morte do pedreiro Amarildo no Rio, em que vive-se um clima quase de rebelião permanente contra o governo Sérgio Cabral. Em várias cidades há ocupações de prédios públicos, câmaras de vereadores, etc.
Dois elementos da conjuntura podem levar a uma retomada de mobilizações mais intensas. Primeiro, a revelação do esquema de desvio de dinheiro do metrô de São Paulo pelos governos do PSDB (que governa o estado há 20 anos, com Covas, Serra e Alckmin), por meio de denúncia da empresa Siemens, motivou a convocação de uma nova manifestação, em 14 de agosto, que está sendo chamada pelo MPL e diversos setores. Pelos cálculos do MPL, sem esse desvio para a corrupção, a passagem do metrô poderia cair de R$ 3,00 para R$ 0,90. A grande mídia (Globo, Veja, Folha, etc.) fez de tudo para abafar o escândalo e livrar a cara dos tucanos, mas não conseguiu conter a força dos veículos menores e alternativos na divulgação do esquema.
Segundo, a aproximação das campanhas salariais de importantes categorias nacionais, como bancários, correios, petroleiros e metalúrgicos, que têm data base entre setembro e outubro, e podem entrar em greve. Se essas categorias forem de alguma forma influenciadas pelo exemplo das manifestações de rua e conseguirem passar por cima das direções sindicais governistas, como a CUT e seus satélites, e conseguirem construir campanhas unificadas, como uma quase greve geral, isso pode representar um enfrentamento de peso ao governo do PT e ao projeto em curso no país.

A política do PT para conter as mobilizações
O governo Dilma se encontra debilitado, não só pela demonstração da insatisfação popular nas manifestações, mas pela insatisfação de setores da classe dominante com a queda do ritmo da economia. A unanimidade que havia em torno da atual gestão do país pelo PT se desfez. O ministro Mantega está sendo fortemente questionado e todos os dias surgem artigos e editoriais da imprensa pedindo a sua saída ou a mudança da política econômica. O PMDB, maior partido da base aliada no Congresso, está votando contra o governo em vários projetos, exigindo mais verbas e ministérios para seguir apoiando o PT. Os empresários procuram diretamente Lula para discutir os projetos para o país, não reconhecendo mais o governo Dilma como interlocutor. Os governos estaduais, por sua vez, também enfrentam problemas, sendo o caso mais grave o do já citado Sergio Cabral, no Rio, que chegou ao ponto de trocar o comando da PM e de anunciar publicamente que não renunciaria por conta dos protestos diários (sinal de que essa possibilidade está sendo cogitada).
Cabe é claro a ressalva de que as manifestações de rua e a mobilização das categorias organizadas constituem uma realidade mais típica das grandes cidades e dos estados mais ricos do país. O assistencialismo do governo e a imagem de Lula ainda fazem com que a população apóie o PT em amplas regiões do país. A população mais pobre em vários estados ou mesmo na periferia das grandes cidades ainda considera positiva a imagem de Lula e por tabela de Dilma.
O PT ainda conta com importantes recursos para enfrentar essa possível nova onda de mobilizações. O seu controle sobre os movimentos sociais, e especialmente o movimento sindical (através da CUT e seus satélites), através do controle diretivo das entidades, lhe permite lutar para modificar a pauta do debate político a seu favor. De um lado, os sindicatos cutistas e governistas em geral fazem a propaganda da reforma política proposta por Dilma, como se essa fosse a resolução dos problemas do país, tentando dar a entender que esse seria o canal para satisfazer as demandas populares que vieram à tona nas manifestações, desviando o foco do PT para os demais partidos e o conjunto do sistema, desviando a luta para seus próprios objetivos partidários. De outro lado, num nível mais de vanguarda, junto aos ativistas independentes dos movimentos, o PT dá vida ao fantasma do “golpe da direita”, como se fosse uma ameaça concreta e imediata, contra a qual seria preciso construir a “unidade da esquerda”, tentando com isso impedir que se faça críticas ao governo pela esquerda.
E ainda, no âmbito dos movimentos populares, o PT tem o controle sobre a maioria das direções dos principais Movimentos Negros do país. Isso impede que campanhas importantes como, por exemplo, a que é contra o genocídio da juventude negra, tomem contornos de esquerda. Ao invés disso, o PT, quando leva a discussão para as periferias, tenta canalizar as demandas raciais para o apoio à imagem do governo Dilma. Embora a população negra da periferia não tenha peso no setor produtivo, dada sua exclusão do mercado formal de trabalho, principalmente das categorias de ponta, e embora seja também é o setor mai beneficiado pela política de bolsas desse governo; essa população é a que sente mais rápido e com maior intensidade o peso da inflação sobre os alimentos, o que mais sofre com a falta de hospitais, escolas e demais serviços públicos de qualidade, além de serem as principais vítimas da polícia e grupos de extermínio comandados ou não por ela. Daí a maior radicalização das ações que ainda ocorrem nas periferias, onde a violência da polícia é maior, visto que, via de regra, não há cobertura da imprensa, a não ser para qualificar os manifestantes como “vândalos”.

A esquerda deve unificar as lutas e apresentar um projeto socialista!
A confiança da burocracia sindical governista no seu controle sobre os aparatos faz com que tenha a tranquilidade de convocar um Dia Nacional de Luta para 30 de agosto, uma reedição do que aconteceu no dia 11 de julho, não com o intuito de fazer uma verdadeira greve geral, mas de dar uma resposta à insatisfação na base das categorias organizadas, fazendo de conta que realiza alguma mobilização. O PT tem a seu favor o controle da maioria dos sindicatos, em nível nacional e por isso tem muito mais facilidade para se reorientar e disputar a pauta do debate na nova situação que está instalada no país, fazendo desse dia mais um ato em defesa da reforma política de Dilma.
As principais organizações da esquerda (PSOL, PSTU, PCB, PCO), por outro lado, ainda não se relocalizaram na conjuntura e não conseguem apresentar um eixo político e uma atuação capaz de capitalizar o processo de mobilizações a favor de conquistas para a classe trabalhadora. Isso é resultado da falta de inserção cotidiana na luta pelas necessidades da população no geral. O PSTU faz críticas a partir de aspectos pontuais problemáticos do movimento das manifestações (como a ação dos Black Blocks) para com isso fugir da responsabilidade de construir o movimento em seu conjunto, buscando formas de lidar com todas as forças e tendências.
A mídia já começa a discutir as saídas eleitorais para o país, mirando em 2014 e já enterrando o governo Dilma. Mesmo com todo o desgaste dos partidos, sejam eles o PT, PMDB, PSDB, etc., já se fala em possíveis nomes para a presidência e os governos estaduais. Todos vão querer faturar eleitoralmente em cima do desgaste provocado pelas manifestações. A própria esquerda também já tenta se colocar alternativa eleitoral, como se a solução dos problemas levantados pelas manifestações fosse se dar votando em candidatos do PSOL, PSTU, PCB ou PCO.
De nossa parte, entendemos que, muito mais do que buscar saídas eleitorais, a tarefa das organizações dos trabalhadores deve ser a de apresentar propostas para a construção de uma saída classista para os processos de luta que estão em curso, ainda que em menor intensidade. Muito mais do que simplesmente criticar a política econômica do governo, pedindo a redução dos juros (como setores da burguesia fazem), a principal tarefa das organizações de esquerda deve ser a de construir um Movimento Político dos Trabalhadores, que questione não apenas os aspectos pontuais da gestão do país pelo PT, mas todo o conjunto do projeto em aplicação no país. É preciso dizer claramente que não existem saídas para as demandas populares e dos trabalhadores nos marcos do capitalismo, que está em crise estrutural em escala mundial.
Não há como satisfazer as demandas por melhores serviços públicos, por saúde, educação, transporte, habitação, contra a carestia, por melhores condições de trabalho e de vida, lazer, cultura, igualdade racial, etc., sem romper com os pilares fundamentais da política do governo, não só do PT-PMDB-PSDB-DEM e demais partidos, mas do próprio estado capitalista. É preciso romper com o pagamento da dívida pública aos especuladores (que consome metade do orçamento), com os empréstimos às empresas, com os incentivos fiscais, etc., e direcionar tudo isso para obras e serviços públicos em favor dos trabalhadores. É preciso estatizar o sistema financeiro, reestatizar as empresas privatizadas (Vale, Embraer, etc.), anular o projeto de Correios S/A, sob controle dos trabalhadores, etc., num conjunto de medidas crescentes, que leve à construção de organismos de poder próprios dos trabalhadores. É preciso fazer um intenso debate ideológico contra as ideias da classe dominante que ainda predominam e voltar a falar na necessidade e na possibilidade do socialismo!

Daniel M. Delfino
Setembro 2013


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