A
derrota da política de bloqueio econômico
O
presidente dos Estados Unidos Barack Obama e o presidente de Cuba
Raul Castro anunciaram em 17 de dezembro de 2014 o início da
normalização das relações diplomáticas
entre os dois países. Depois de 54 anos de bloqueio contra a
ilha, o governo do imperialismo mais poderoso do mundo reconheceu a
derrota da política de isolamento, que não conseguiu
dobrar a heróica resistência do povo cubano. As leis
restritivas que impediam os negócios com Cuba começarão
a ser revogadas. Durante todas essas décadas qualquer empresa
ou país que fizesse negócios com Cuba estava proibida
de fazer negócios com os Estados Unidos. Com isso, o
imperialismo esperava asfixiar economicamente a ilha, e quase o
conseguiu. A falta de intercâmbio com o resto do mundo tornou a
vida em Cuba sinônimo de miséria material, falta de
insumos básicos, peças para automóveis,
eletrodomésticos, telecomunicações, etc.
Na
década de 1990, depois que Cuba deixou de receber subsídios
da União Soviética, a população encontrou
ânimo para suportar as privações e manter a
independência nacional, permanecendo como único pais
dito "socialista" no continente. A década de 2000
trouxe algum alívio com o aporte do governo chavista da
Venezuela, mesmo que não tenha chegado aos mesmos níveis
da ajuda que era dada pela URSS. E mesmo com toda essa dificuldade e
pobreza material, Cuba também foi sinônimo de avanço
social, com a educação superior alcançando toda
a população e a saúde pública formando
médicos que trabalham em dezenas de países (inclusive o
Brasil). Durante décadas, Cuba era o único país
da América Latina sem prostituição, menores
abandonados ou moradores de rua.
Na
verdade, a tentativa de derrotar o regime dos irmãos Castro
asfixiando economicamente o país saiu pela culatra, pois
serviu como argumento para defender o governo. Durante décadas
a burocracia cubana tinha uma justificativa real para toda a penúria
e escassez que a população enfrentava, que era a
existência do bloqueio estadunidense. E tinha as conquistas
sociais na educação, saúde, esporte, como
demonstração dos méritos do regime existente no
país. Nesse sentido, a política de bloqueio mais ajudou
a sustentar o regime burocrático castrista do que a
derrotá-lo.
A
disputa em torno do ritmo da restauração capitalista
Essa
politica era impulsionada pelos "gusanos" (vermes, em
castelhano), os burgueses cubanos exilados em Miami depois da
revolução de 1959. Durante décadas este setor
teve um peso desproporcional na política estadunidense em
relação à Cuba, tendo como única e
central exigência a recuperação das suas
propriedades expropriadas pela revolução. Essa
exigência deixou de ser realista, e uma nova geração
de políticos estadunidenses reconheceu a derrota de tal
política. O passo decisivo para que o imperialismo
estadunidense mudasse a sua abordagem em relação à
Cuba foi dado pela própria burocracia cubana, no VI Congresso
do Partido Comunista Cubano, em 2011, que referendou uma linha de
reformas de mercado.
A
burocracia cubana acelerou as medidas de restauração
capitalista (algumas das quais já tinha sido iniciadas na
década de 1990, com a abertura na área de turismo):
maior facilidade para ida e volta de cidadãos cubanos ao
exterior e para o envio de dinheiro, permissão para a abertura
de negócios privados, a autorização para
negociação com moedas estrangeiras (que na prática
legalizou o mercado negro), o estabelecimento de salários em
valores diferentes, acabando com a igualdade, o arrocho e as
demissões no serviço público, etc.
Com
essas medidas, os interesses da burocracia cubana começam a
convergir com os dos gusanos e do imperialismo: a restauração
completa do capitalismo na ilha. A disputa que existe entre a
burocracia e o imperialismo se dá em torno do ritmo da
restauração e do controle político sobre o
processo. A burocracia cubana optou por um “modelo chinês”,
em que as reformas de mercado são aplicadas sem romper com a
ditadura política do Partido Comunista. Com isso, querem
impedir uma restauração violenta e traumática,
ao estilo da URSS e leste europeu. O imperialismo, por sua vez,
deseja uma abertura mais rápida e agita a bandeira da
“democracia”, contra o regime de partido único e em favor
de eleições.
O ponto
de apoio do imperialismo é a existência de uma burguesia
cubana em formação, com cerca de 500 mil proprietários
de pequenos negócios, numa população de 11
milhões de habitantes. A burocracia, por sua vez, não
abre mão do seu controle político e já sinalizou
que a aproximação com os Estados Unidos não
significa que vão abrir mão do “socialismo”. Ou
seja, não vão abrir mão da ditadura do Partido
Comunista. Tragicamente, “socialismo” virou sinônimo de
regime de partido único e ditadura da burocracia, uma confusão
que é preciso desfazer, caso se queira defender uma política
que mantenha as conquistas da Revolução de 1959. Não
há uma saída socialista que não passe pela
organização dos trabalhadores cubanos, de maneira
independente e em oposição à burocracia.
É
necessária uma nova revolução
Em que
pese o heroísmo do povo cubano ao enfrentar décadas de
bloqueio econômico e o gigantismo das conquistas sociais da
revolução num país pequeno e isolado, Cuba nunca
foi socialista (e na verdade, nem a própria URSS). A Revolução
de 1959, liderada pela guerrilha de Fidel e Che Guevara, tomou o
poder para derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista, que havia
transformado Cuba em bordel da máfia e da burguesia
estadunidenses. A falta de colaboração da burguesia
cubana obrigou o governo revolucionário a nacionalizar as
empresas. A nacionalização, por sua vez, os tornou
inimigos dos Estados Unidos. E a hostilidade os Estados Unidos
obrigou Cuba a se aproximar da União Soviética. Para
receber ajuda soviética, finalmente, Cuba adotou o “modelo”
stalinista de ditadura da burocracia.
Esse
“detalhe” da formatação stalinista pareceu
insignificante diante de pontos positivos como: a vitória da
revolução a poucos quilômetros do litoral
estadunidense; a derrota da invasão da Baía dos Porcos,
em 1961, quando os gusanos, apoiados pela CIA, tentaram recuperar o
poder; o acordo de convivência a que se chegou depois da crise
dos mísseis em 1963; a frustração de todas as
tentativas de assassinar Fidel ao longo de décadas; a epopéia
de Che Guevara para levar a revolução a outros países,
primeiro no Congo, depois na Bolívia; as conquistas da
educação e da saúde públicas; etc. Esses
feitos da revolução cubana transformaram Che e Fidel em
mitos da esquerda latinoamericana e mundial.
Mas o
fato fundamental, e que no final das contas determinou o destino da
revolução, é que Cuba não avançou
para um regime de democracia operária, com assembleias dos
trabalhadores decidindo todas as questões e representantes com
mandatos revogáveis. Ao contrário, a guerrilha se
converteu em partido, o partido se fundiu ao Estado, e o Estado
manteve o controle de todos os aspectos da vida, sem abertura real
para que os trabalhadores decidam. A burocracia do partido reteve
todo o poder político e através dele uma série
de privilégios sociais, enquanto ao povo cubano restava a luta
cotidiana contra a escassez. Para avançar a um regime
verdadeiramente socialista, a burocracia teria que se dissolver
enquanto burocracia, ou seja, abrir mão dos seus privilégios,
e partilhar o poder com os trabalhadores.
A
burocracia não dará esse passo. Ao contrário,
está se convertendo em burguesia. Os trabalhadores cubano
terão que lutar para reconstruir organismos próprios e
independentes, para fazer valer seus interesses contra a burocracia,
a burguesia que está germinando, os gusanos e o imperialismo.
Pelo fim
da ditadura do partido e pelo direito de organização
dos trabalhadores!
Contra
os privilégios da burocracia!
Contra
as privatizações e as medidas de restauração
capitalista!
Controle
operário da produção e da economia!
Pelo fim
imediato de qualquer bloqueio!
Solidariedade
internacional ao povo cubano!
Em
defesa das conquistas sociais da revolução!
Daniel M.
Delfino
Dezembro
2014
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