A
Revolução Espanhola foi a última revolução
anticapitalista no continente europeu. Depois das derrotas dos
processos revolucionários na Alemanha (1919 e 1923), Italia
(1920) e Hungria (1920), a revolução socialista ficou
confinada nos limites da União Soviética. Dentro da
URSS, porém, uma contra revolução burocrática,
que se consolidou na década de 1930, liquidou quase todas as
conquistas sociais e políticas da grande revolução
de 1917, estabelecendo um novo modo de exploração, sob
controle da burocracia stalinista, praticamente tão brutal
quanto o capitalismo.
Isso
acontecia no momento em que o capitalismo enfrentava a crise mais
séria de toda a sua história, iniciada com a quebra da
Bolsa de Valores de Nova York em 1929 e que se prolongou ao longo da
década de 1930 com o nome de Grande Depressão. Um dos
subprodutos da crise foi a ascensão do regime nazista na
Alemanha (1933), seguindo o exemplo do fascismo italiano (Mussolini
chegou ao poder em 1922), uma forma brutal de regime político
que garantiu a imposição das demandas do grande capital
e a destruição das organizações
operárias. A consequência final da crise seria a II
Guerra Mundial.
Antecedentes
da Revolução Espanhola
Foi
nesse cenário sombrio do início dos anos 1930 que
começou a Revolução Espanhola, como uma
revolução democrática e burguesa em 1931. A
revolução derruba a monarquia, separa Igreja e Estado,
concede direitos e autonomia às nacionalidades, entre outras
tarefas básicas que na Espanha estavam atrasadas.
A
Espanha atravessou o século XIX numa longa decadência,
depois da perda do império colonial nas primeiras décadas
do século, com a independência dos países da
América Latina, que passaram imediatamente para a órbita
de influência britânica. Em 1898 foi-se a última
dessas colônias, quando Cuba foi virtualmente anexada pelos
Estados Unidos depois da guerra de independência. A decadência
do império ultramarino espanhol tornou mais evidente a pobreza
e a mediocridade do país. A Espanha vivia sob o peso de uma
monarquia carcomida e uma sufocante influência da Igreja
Católica.
As
instituições mais reacionárias da Igreja, como a
Inquisição, a Companhia de Jesus e a Opus Dei
alcançaram seu máximo poder no país ibérico.
Não foi à toa que o anticlericalismo e o ateísmo
se tornaram os mais avançados distintivos de radicalidade e
oposicionismo, e se desenvolveram mais na esquerda espanhola do que
em qualquer outro país europeu. O Papa Bento XVI, membro da
juventude hitlerista na adolescência, fez questão de
canonizar dezenas de “mártires” da fé católica.
Trata-se de padres e freiras que colaboraram com os fascistas
espanhois, denunciando e entregando à morte os anarquistas e
socialistas em várias aldeias e cidades, prova do seu papel
reacionário e anti popular. Esses traidores e delatores, hoje
“santificados”, foram devidamente executados pelos
revolucionários.
O
governo republicano instalado em 1931 era altamente instável,
já que seria incapaz de atender as demandas dos operários
e camponeses e ao mesmo tempo manter a propriedade privada
capitalista. Desde o início a Igreja, setores das Forças
Armadas, latifundiários e grandes empresários começaram
as articulações para preparar um golpe fascista. A luta
de classes se polarizava com um forte ascenso operário. Já
em 1934 havia sido proclamada uma Comuna na região das
Astúrias, no norte do país, como resultado de um acordo
entre a Confederação Nacional do Trabalho (CNT),
controlada pelos anarquistas, e o Partido Socialista Operário
Espanhol (PSOE). A Comuna foi reprimida pelo governo, mas abriu
caminho para a colaboração entre socialistas e
anarquistas.
A
estratégia stalinista da Frente Popular
A
Revolução Espanhola estava inserida no contexto da luta
de classes internacional. A direção do movimento
revolucionário internacional estava sob controle da
Internacional Comunista (IC) sediada em Moscou e já convertida
em instrumento do stalinismo. A prioridade da IC era a defesa do
regime burocrático stalinista e não a luta pela
revolução internacional. Sendo assim, as seções
locais da IC, os Partidos Comunistas (PCs), deveriam funcionar como
órgãos a serviço da diplomacia stalinista e não
da revolução em cada país. A ascensão de
Hitler em 1933 levou Stalin a buscar acordos com as potências
imperialistas como França e Inglaterra para que o ajudassem a
se defender da Alemanha. Isso resultou na política das Frentes
Populares, que era a colaboração de classes entre os
PCs de cada país e a “ala esquerda” e democrática
das burguesias nacionais.
A Frente
Popular composta pela esquerda republicana burguesa, pelo PSOE, pelo
PC espanhol e pelos anarquistas venceu as eleições em
1936. Quase imediatamente, foi deflagrado um golpe para derrubar o
novo governo, sob comando do general Franco, liderando parte das
Forças Armadas em um movimento fascista que abrigava toda a
direita e foi chamado de “Falange”.
A guerra
civil e a derrota da Revolução
O golpe
fascista transformou a Revolução em uma guerra civil
entre os republicanos e os falangistas. A Revolução
Espanhola foi uma causa que unificou e motivou toda a esquerda
mundial. Milhares de voluntários de vários continentes
se incorporaram nas milícias republicanas formadas para
combater as forças do general Franco. A guerra civil espanhola
é universalmente considerada, e com razão, uma espécie
de laboratório para a II Guerra Mundial, que estava por vir.
De um lado estavam as brigadas internacionais, os voluntários
da esquerda mundial. De outro lado, Hitler e Mussolini enviaram sua
força aérea, seus tanques e artilharia para serem
testados na Espanha. O resultado mais célebre de um desses
“testes” foi o bombardeio da cidade basca de Guernica. A barbárie
da guerra foi eternizada na célebre pintura de Picasso, que
leva o nome dessa cidade e retrata a sua destruição,
tendo se tornado imagem icônica do século XX.
Além
da desproporção de forças provocada pelo apoio
da Alemanha e da Italia às tropas franquistas (em comparação
com a omissão dos países “democráticos” como
Inglaterra e França, que deixaram a república espanhola
ser massacrada), a revolução espanhola foi derrotada
também por suas debilidades internas, entre as quais
principalmente o problema da direção política e
do projeto de sociedade.
A
estratégia da Frente Popular foi duramente criticada por
Trotsky, que insistia na necessidade da independência de classe
e do internacionalismo. O setor mais avançado da esquerda
espanhola, o Partido Operario de Unificação Marxista
(POUM), liderado por Andres Nin e baseado no operariado da Catalunha,
aderiu ao programa da Frente Popular, o que liquidou as chances de
vitória da Revolução. Nin, que tinha
anteriormente relações de proximidade com Trotsky, foi
convencido pelo argumento de que a prioridade era a luta contra o
fascismo e para isso era necessária a aliança com a
burguesia republicana, o que transformou o POUM em ala esquerda da
Frente Popular, ao lado do PSOE e do PC stalinista.
Trotsky
defendia uma política de independência de classe e
avanço da revolução, ao invés de
conciliação com a burguesia, e por isso rompeu relações
com Nin. Essa era de fato a única chance de vitória. Em
várias regiões os operários ocupavam as fábricas
e os camponeses expropriavam as terras. Uma das características
da Revolução Espanhola foi a tentativa de enfrentar não
apenas dominação política e econômica, mas
a ruptura de várias cadeias de alienação, com a
ampla participação de mulheres, artistas e
intelectuais. Uma das figuras célebres da Revolução
foi Dolores Ibarruri, a Passionaria, cujos discursos e comícios
incendiavam os militantes.
Esse
processo altamente progressivo foi suspenso por suas próprias
lideranças, os anarquistas da CNT e os socialistas do PSOE, PC
e POUM, em nome da aliança com a burguesia. As forças
do governo republicano se aproveitaram da paralisação
do processo revolucionário para desarmar as milícias
populares em Barcelona e dissolver os conselhos operários. As
forças do PC cometaram o requinte da traição de
perseguir os trotskistas e dissidentes, enquanto os fascistas
avançavam pelo país. A divisão das forças
revolucionárias na Espanha foi uma das grandes tragédias
do século XX, tendo levado a uma dolorosa derrota. Franco
venceu a guerra civil e encerrou a Revolução em 1939.
Da
ditadura de Franco à volta das lutas
Depois
da guerra civil a Espanha estava devastada, a ponto de não
tomar parte na II Guerra Mundial. A vitória de Franco
estabeleceu uma ditadura feroz, que sobreviveu por várias
décadas, até a morte do tirano em 1975. A ditadura
franquista congelou o atraso espanhol, da mesma forma como a ditadura
de Salazar fez com Portugal, tornando-os uma espécie de países
mortos ao longo de boa parte do século.
A
resistência contra a ditadura teve como um dos seus eixos a
questão das nacionalidades oprimidas, como a Catalunha, o País
Basco e a Galiza, que possuem idiomas, tradições e
culturas próprias, todas pisoteadas por Franco. O grupo
separatista basco ETA se tornou célebre como uma das
principais organizações da luta armada no século
XX, ao lado do IRA irlandês e da OLP palestina. Um atentado do
ETA executou Luis Carrero Blanco, peça chave do regime e
apontado como o sucessor de Franco, em 1973, enfraquecendo
mortalmente a ditadura.
Com a
morte do ditador, o país retornou ao seio das nações
“democráticas”, restabelecendo a monarquia, agora sob
regime parlamentarista. Por alguns anos, parecia que a incorporação
do país à União Europeia traria a prosperidade e
o esquecimento definitivo do pesadelo da era franquista. Essa
prosperidade tinha pés de barro, como logo se revelou. Em
poucos anos, o livre mercado transformou a Espanha em uma colônia
do imperialismo alemão, uma das retumbantes histórias
de fracasso da União Europeia, ao lado de Portugal e Grecia. A
Espanha ostenta hoje os maiores índices de desemprego da UE,
com taxa de 27%, em especial entre os jovens (50% de desemprego).
Não
é à toa que os jovens espanhois foram os primeiros na
Europa a seguir o exemplo dos seus irmãos árabes,
deflagrando o movimento dos Indignados em 2011. Depois de muitas
décadas, os mineiros das Astúrias (lembrando o exemplo
de seus avos em 1934) voltaram a fazer greve e ocuparam as ruas de
Madrid em 2012, contra os planos de austeridade e o desemprego que os
acompanha, pressagiando a volta das lutas da classe operária
organizada. As primeiras brisas do que pode vir a se tornar um
vendaval revolucionário começam a soprar novamente no
país ibérico.
Daniel M.
Delfino
Julho
2014
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