Durante
a campanha eleitoral a candidatura de Aécio Neves atraiu o
apoio de um setor de extrema direita composto por saudosistas da
ditadura, religiosos ultraconservadores, celebridades midiáticas
(Lobão, Danilo Gentili, etc), defensores da proibição
do aborto, da criminalização das drogas, da redução
da maioridade penal, da pena de morte, etc., representantes do atraso
social, do obscurantismo em geral e do ódio contra pobres,
negros, nordestinos, homossexuais, etc. O tom ultradireitista da
campanha de Aécio se caracterizava menos como uma campanha
tipicamente pró-PSDB (partido composto por tecnocratas
liberais e porta-vozes diretos da especulação
financeira) do que como um campanha anti-PT.
A
virulência dessa campanha ultra direitista anti-PT, por sua
vez, assustou toda uma camada de simpatizantes das ideias de esquerda
e de ex-militantes, neomilitantes e pseudo militantes (categorias que
separamos dos militantes tradicionais não como um aspecto
diminutivo ou pejorativo, mas pela diferença de que os
militantes propriamente ditos estão organizados em coletivos e
portanto tomam suas decisões coletivamente), a ponto de que
esse setor considerou que a única alternativa contra o perigo
dessa ultra direita tenha sido votar no PT. É bastante
positivo que todo esse setor que se identifica como simpatizante das
posições de esquerda tenha se sensibilizado com a
tendência de ultra direitização que se expressou
na campanha de Aécio e que tenha tentado de alguma forma
combater tal tendencia. A sensibilidade contra a ultra direita e a
tentativa de se colocar em luta podem deixar um saldo positivo dessa
campanha eleitoral, desde que esse setor não caia numa
armadilha, a de se organizar em torno do PT.
É
compreensível que este setor tenha feito campanha por Dilma
contra Aécio tendo como alvo derrotar a ultra direita, embora
não possamos concordar com essa posição e
tenhamos deixado isso bem claro fazendo campanha pelo voto nulo. É
compreensível diante da falta de uma alternativa real de
esquerda, não apenas de um partido em que se possa votar nas
eleições, mas de um movimento político real que
reúna e expresse as demandas da classe trabalhadora e de todos
os seus segmentos, em que os trabalhadores organizados se coloquem
como protagonistas. A grande questão é que a
reconstrução desse movimento jamais terá como
ponto de partida o voto no PT e o apoio às políticas do
PT. O PT jamais será uma proteção real contra a
ameça da ultra direita.
O PT
deixou de ser uma organização de trabalhadores para ser
uma organização composta de burocratas que vivem às
custas de cargos no parlamento, ministérios e secretarias, das
verbas e da corrupção oriundas desses cargos, bem como
dos fundos de pensão, aparatos sindicais, ONGs, movimentos
sociais, etc. Através dos cargos no Estado e dos fundos de
pensão, os burocratas petistas estão organicamente
integrados à gestão dos negócios do capitalismo
brasileiro juntamente com a burguesia nacional e internacional.
Governam o pais há 12 anos buscando contemplar os interesses
do conjunto do capital que opera no Brasil. Conseguiram lucros
extraordinários para bancos, grandes industrias, empreiteiras,
latifundiários, etc. O fato de que uma parte da burguesia
tenha desertado para a campanha de Marina e depois Aécio não
diz nada sobre o caráter do PT em si, não faz com que
por esse fato o PT tenha voltado a ser uma organização
de trabalhadores, diz apenas sobre o caráter irracional e
imediatista dessa mesma burguesia.
Como
dissemos, o PT deixou de ser uma organização de
trabalhadores, o que significa que os seus componentes passaram para
uma outra categoria social, que chamamos de burocracia. Os burocratas
estão há décadas afastados dos processos reais
de luta dos trabalhadores e possuem interesses próprios
diferentes e opostos aos da nossa classe. Tanto assim que nesses 12
anos de mandato, foram executores ou cúmplices e coniventes
com o genocídio de pretos e pobres nas periferias,
trabalhadores rurais, quilombolas e indígenas nas fronteiras
agrícolas devastadas pelo agronegócio, com a repressão
policial às greves, manifestações, ocupações
e movimentos de lutas de sem terra e sem teto, as prisões,
demissões e perseguições contra militantes e
ativistas, etc. Essa repressão foi praticada pelo governo
federal e pelos governos estaduais e municipais do PT, e nos casos em
que foi praticada por outros partidos, foi com a conivência do
governo federal do PT.
O papel
do PT como direção da CUT, principal central sindical
do país, e dos sindicatos que representam as principais
categorias do pais, tem sido o de trair, sabotar e bloquear as lutas.
Por isso dissemos que esse partido não pode ser uma
alternativa contra a ultradireita. No caso de um novo governo do
PSDB, o PT não seria um instrumento dos trabalhadores para
lutar contra os ataques, mas ao contrário, ajudaria a classe
patronal a impor esses ataques, que estão no programa do
próprio PT (aumento dos juros, aumento dos preços da
gasolina, da luz, dos transportes, etc.). Já na década
de 1990, quando o PSDB governava o pais, o PT praticava a conciliação
de classes e levava as lutas dos trabalhadores à derrota, como
fez na emblemática greve dos petroleiros de 1995.
Enfim,
essa camada de burocratas vive às custas do capitalismo
periférico brasileiro, estão a favor desse capitalismo
periférico e não de enfrentá-lo. Ao defender o
capitalismo, porque é dele que sobrevivem, não tem como
apresentar nenhum tipo de projeto, horizonte ou ideologia. Sem um
projeto a oferecer aos trabalhadores que possa se contrapor ao
capitalismo, é questão de tempo até que as
tendências mais destrutivas do próprio capitalismo, como
as ideias de direita, comecem a ser referências para os
trabalhadores.
O PT não tem um projeto oposto ao capitalismo e por isso não tem condições de oferecer uma alternativa contra as expressões mais barbaras da crise do capitalismo, que são as ideias da ultra direita. As melhorias sociais experimentadas especialmente nos dois mandatos de Lula não são resultado de uma vocação, talento ou capacidade do PT de fazer a economia do país crescer, mas de uma situação excepcional favorável no mercado internacional para os produtos que o pais exporta. Não são uma forma de enfrentamento do capitalismo, mas uma conseqüência das suas flutuações. Podemos afirmar que teriam ocorrido com ou sem o PT. O partido teve a competência de empacotar essas melhorias com um "marketing" de conquistas da sua gestão e deixar uma imagem de serem mais próximos do "social". O seu erro foi justamente acreditar no seu próprio marketing. Acreditar que as ditas melhorias poderiam durar para sempre, ou que a gratidão dos trabalhadores seria suficiente para garantir tranqüilamente infindáveis reeleições.
Nem uma
coisa nem outra. As flutuações do capitalismo mundial
puseram fim ao ciclo de crescimento da era Lula e impuseram a
mediocridade no governo Dilma. E a mediocridade dos ganhos ocorridos
nos mandatos do PT (acesso ao consumo via crédito e
endividamento, não ganhos salariais reais) não foi
suficiente para disfarçar a deterioração das
condições de vida dos trabalhadores (inflação,
aumento da exploração no trabalho, sucateamento dos
serviços públicos), que estão cada vez mais
manifestando a sua insatisfação. Reproduz-se no Brasil
o mesmo fenômeno de governos pós-neoliberais da América
Latina, como o de Maduro na Venezuela e o de Kirchner na Argentina,
que também surfaram na onda da alta das commodities, que já
se esgotou, diminuindo as margens para as concessões que
aliviaram parcialmente a miséria. Em função do
esgotamento desse ciclo, o conjunto desses governos tem enfrentado
derrotas eleitorais ou resultados muito apertados.
O
pós-neoliberalismo se mostra na verdade, em perspectiva
histórica, como uma espécie de intervalo ou parêntesis
anômalo, uma forma temporária de neoliberalismo
heterodoxo, que serve apenas para preparar caminho para a volta do
neoliberalismo puro. Um parêntesis que existiu como uma forma
de desviar e controlar as lutas dos trabalhadores contra o
neoliberalismo puro, que marcaram a virada da década
(argentinazo em 2001, guerra da água e guerra do gás na
Bolívia, etc.). Essas lutas não conseguiram gestar
alternativas politicas próprias dos trabalhadores, por isso
foram desviadas para governos pós-neoliberais, oportunistas e
pró capitalistas, de retórica vagamente reformista e
prática anti reformista. Agora, trata-se de organizar essa
alternativa dos trabalhadores já em oposição a
tais governos pós neoliberais.
A
tentativa petista de administrar o capitalismo periférico
brasileiro com benefícios para os andares extremos da piramide
social (super lucros a elite burguesa e alívio para os
miseráveis) as custas dos trabalhadores e camadas médias
esta chegando ao fim. O PT vai ter que escolher um lado, e será
o da burguesia.
Daniel M.
Delfino
Outubro
2014
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