O
passado do “wellfare state”
A Europa
é o segundo maior centro do imperialismo, depois dos Estados
Unidos e à frente do Japão, mas é também
o berço do movimento operário e do socialismo. Duas
guerras mundiais rebaixaram as potências europeias para o
segundo posto na liderança do capitalismo mundial, e abriram
caminho para tentativas de transição ao socialismo, em
plena periferia europeia, no território da URSS e seus
satélites. Essas tentativas de edificação do
socialismo, cuja liderança passou muito cedo do controle
operário para o da burocracia, terminariam naufragando décadas
depois. Mas enquanto existiu a URSS, a memória da revolução
e as lutas da classe trabalhadora europeia serviram como uma poderosa
pressão que obrigou a burguesia do velho mundo a fazer
importantes concessões.
Durante
as primeiras décadas após a II Guerra, os trabalhadores
europeus conviveram com altos salários, boas condições
de trabalho, aposentadorias, seguro desemprego, saúde,
educação e serviços públicos de alta
qualidade, etc. Era o chamado “wellfare state”, o estado de bem
estar social, paradigma que jamais foi alcançado em outras
partes do mundo, nem sequer nos Estados Unidos ou no Japão, e
muito menos em outras partes da periferia do capitalismo.
A partir
da década de 1970, com a crise estrutural do capitalismo, a
burguesia começou uma longa ofensiva para reverter as
conquistas do “wellfare state”
e recompor sua margem de lucro, retomando o que havia sido concedido
aos trabalhadores. As chamadas políticas neoliberais se
espalharam pelo mundo a partir da Europa, impondo leis
antissindicais, debilitando as organizações dos
trabalhadores, criminalizando piquetes e greves, impondo reduções
salariais e corte de direitos, privatizando os serviços
públicos, desregulamentando a circulação do
capital, abrindo caminho para a especulação financeira,
etc.
O
neoliberalismo e a União Europeia
A queda
da URSS em 1991 deu um importante impulso para o neoliberalismo em
escala mundial, já que serviu para demonstrar que o
capitalismo havia vencido o “socialismo”. A era do apogeu do
neoliberalismo foi também a era da construção da
União Europeia (UE), interligando potências como
Alemanha e França e países mais fracos como Espanha,
Portugal, Irlanda, etc., numa moeda comum, o euro (o Reino Unido
ficou de fora do euro), em vigor a partir de 1993. A UE foi
apresentada como um paraíso de livre circulação
de mercadorias e pessoas, com a oportunidade dos trabalhadores
circularem e conseguirem emprego em qualquer país do bloco, ou
comprarem mercadorias de qualquer país. Subsídios
temporários para as regiões mais pobres criaram uma
ilusão de riqueza que fez com que as populações
dos países da periferia europeia endossassem a UE.
Na
realidade, as diferenças de produtividade entre as diversas
economias nacionais permaneceram no interior UE e não foram
niveladas pela moeda comum. Ao contrário, as leis da
concorrência capitalista favoreceram os mais fortes e
aniquilaram os mais fracos. A “livre circulação de
mercadorias” se transformou em uma colonização dos
mercados de toda a Europa pelo imperialismo alemão. Empresas
alemãs exportam suas mercadorias para todos os países
da Europa, que por sua vez se transformam em fornecedores de mão
de obra barata. A “livre circulação” de pessoas se
transformou em um mercado continental de força de trabalho que
nivela por baixo os salários e direitos dos trabalhadores
europeus.
Em
escala global, as políticas neoliberais, por meio da
interligação dos mercados e da hegemonia dos interesses
do capital financeiro, aceleraram as crises do capitalismo, que se
tornaram mais globais e instantâneas, como presenciamos em
2008.
Precarização
e imigração
A
vigência das políticas neoliberais e das medidas de
“austeridade” ao longo de várias décadas serviram
para construir um novo perfil para a classe trabalhadora europeia. As
novas gerações entraram num mercado de trabalho com
salários menores, menos benefícios, direitos
rebaixados, maior tempo de trabalho para se aposentar, ausência
de garantias sociais como o seguro desemprego, etc. Ao mesmo tempo,
os serviços públicos vão sendo também
sucateados. A saúde e a educação pública
vão perdendo sua qualidade, alguns que eram gratuitos passam a
ser pagos, os salários dos funcionários públicos
vão sendo reduzidos, o número de funcionários
também diminui, os investimentos em equipamentos vão
sendo cortados, etc.
Muitos
jovens não conseguem concluir os estudos, não conseguem
emprego nas áreas em que se formaram, não conseguem
sair da casa dos pais. Os empregos que surgem são precários,
temporários, terceirizados, pagam muito menos, não
oferecem garantias e estabilidade, etc.
Ao mesmo
tempo em que acontece essa mudança geracional na composição
da classe trabalhadora europeia, uma outra mudança importante
altera a paisagem social do velho continente. A baixa taxa de
natalidade dos países europeus faz com que a população
economicamente ativa tenda a diminuir gradualmente. Para evitar essa
diminuição da força de trabalho, os países
europeus são obrigados a aceitar o influxo de mão de
obra estrangeira, de trabalhadores africanos, do oriente médio,
do subcontinente indiano, do leste europeu ou latinoamericanos. Ao
todo cerca de um milhão de imigrantes entram na Europa todos
os anos.
Entretanto,
apesar de serem economicamente necessários, esses
trabalhadores não são facilmente aceitos pela população
europeia, pois trazem línguas diferentes, religiões
diferentes, costumes diferentes, vestimentas diferentes, cores de
pele diferentes. Em geral ficam com os piores empregos, moram nos
piores bairros, são discriminados e mesmo que tenham vindo
para ficar, são tratados permanentemente como estrangeiros,
como não europeus, como se não tivessem direito à
riqueza (declinante) do continente que estão também
produzindo.
A
falência do sistema partidário europeu
Essa
situação de deterioração das condições
de vida, o fim do “wellfare
state”, os baixos salários, os serviços públicos
em bancarrota, o aumento do desemprego, do subemprego e da pobreza,
uma nova geração de jovens sem trabalho (as taxas de
desemprego entre os jovens chegam a 50% na Espanha e na Grécia),
a disputa por empregos (rebaixados) com trabalhadores imigrantes,
tudo isso produz um estado de irritação e insatisfação
permanentes. Mas essa insatisfação não encontra
canais para se manifestar politicamente. Os partidos políticos
se alternam nos governos, sem alterar em nada os elementos
estruturais que afetam as condições de vida.
A cada eleição o poder muda de mão nos governos
europeus, saem os partidos conservadores e entram os partidos “de
esquerda” (o PS, Partido Socialista francês, o SPD, Partido
Social Democrata alemão, o WP, Partido Trabalhista inglês),
ou vice-versa, saem os “de esquerda” e voltam os conservadores,
mas a situação não muda. As políticas são
as mesmas, sempre mais “austeridade” em relação aos
trabalhadores e mais concessões aos capitalistas.
Décadas de alternância entre esses partidos sem que
haja mudança na política levaram a uma descrença
no sistema político e na democracia burguesa. Altíssimas
abstenções e porcentagens de votos brancos e nulos são
rotina nas eleições europeias. Movimentos como os
“Indignados” na Espanha pedem uma mudança completa no
sistema político (sem ter a clareza de que seria preciso na
verdade superar o capitalismo). Entretanto, esse desejo de mudança
não tem sido atendido pela “esquerda”, pois o PS, o SPD, o
WP e seus congêneres em cada país estão há
muitas décadas transformados em administradores fiéis e
confiáveis do capitalismo, acostumados a exercer o poder a
serviço da burguesia e sem qualquer vínculo com o
movimento operário.
O
perigo da direita e a necessidade de uma alternativa socialista
Enquanto
os partidos tradicionais se alternam no poder, na extrema esquerda do
espectro eleitora, o NPA francês, o Die Linke alemão, o
Syriza na Grécia e seus congêneres em todo o continente
perdem uma oportunidade histórica, limitando-se a buscar
crescimento eleitoral, mais vagas nos parlamentos, por meio de
palavras de ordem que atacam os sintomas do problema, o desemprego, a
pobreza, a ganância dos ricos, etc., sem ações de
fato que ataquem a causa de tudo isso, o sistema capitalista.
A falta
de ação da esquerda abre espaço para a direita.
O fenômeno do golpe pró-imperialista e fascista na
Ucrânia que discutimos em edições anteriores do
nosso jornal, foi só a ponta do iceberg. As formações
de extrema direita crescem em toda a Europa e alcançam
resultados eleitorais expressivos, como acaba de acontecer no final
de maio, nas eleições para o Parlamento Europeu. Essa
instituição é quase decorativa, já que a
UE não é ainda uma verdadeira federação e
os Estados nacionais europeus mantém o controle dos seus
orçamentos, forças armadas, política externa,
etc. Em certos países, como o Reino Unido, o comparecimento
foi de apenas 33%. Mesmo assim, os resultados devem ser observados
com atenção.
A
extrema-direita venceu na França, com 25% dos votos para a
Frente Nacional de Marine Le Pen, cujo pai (e fundador do partido)
disse que o problema da imigração e do crescimento
demográfico no mundo seria resolvido em três meses pelo
vírus Ebola. Por outro lado, o Syriza venceu na Grécia,
com um programa pró-UE que se limitava a pedir a renegociação
da dívida grega. O único padrão das eleições
europeias foi a rejeição das políticas
neoliberais e de “austeridade”, voltando-se em peso contra os
partidos tradicionais (que, entretanto, vão continuar sendo
maioria) e concedendo votações importantes para a
extrema esquerda e para a extrema direita.
A
extrema direita oferece uma solução aparentemente
simples para os problemas, expulsar os imigrantes e resgatar a pureza
da nação. Essa solução é tão
simples quanto ilusória, pois a causa dos problemas da Europa
é o sistema capitalista, a concorrência mundial, a
hegemonia do capital financeiro, e não a presença de
imigrantes e os direitos dos trabalhadores. Mesmo sendo ilusória,
essa “solução” tem seduzido um número maior
de europeus. É urgente resgatar o projeto socialista e a luta
contra o capitalismo, que é a verdadeira causa dos problemas.
Os trabalhadores europeus precisam de alternativa reais ao
capitalismo, que por enquanto não estão sendo
oferecidas pelos partidos da extrema esquerda.
Precisam
de uma alternativa socialista, que se coloque contra a UE, contra o
euro, contra as medidas de “austeridade”, contra a entrega de
dinheiro público aos capitalistas, contra o pagamento das
dívidas públicas, por mais dinheiro para os serviços
públicos, em defesa dos direitos dos trabalhadores, e pela
unidade entre trabalhadores nativos e imigrantes.
Daniel M.
Delfino
Agosto
2014
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