5.11.15

Europa: as origens e o perigo do crescimento da extrema-direita



O passado do “wellfare state”
A Europa é o segundo maior centro do imperialismo, depois dos Estados Unidos e à frente do Japão, mas é também o berço do movimento operário e do socialismo. Duas guerras mundiais rebaixaram as potências europeias para o segundo posto na liderança do capitalismo mundial, e abriram caminho para tentativas de transição ao socialismo, em plena periferia europeia, no território da URSS e seus satélites. Essas tentativas de edificação do socialismo, cuja liderança passou muito cedo do controle operário para o da burocracia, terminariam naufragando décadas depois. Mas enquanto existiu a URSS, a memória da revolução e as lutas da classe trabalhadora europeia serviram como uma poderosa pressão que obrigou a burguesia do velho mundo a fazer importantes concessões.
Durante as primeiras décadas após a II Guerra, os trabalhadores europeus conviveram com altos salários, boas condições de trabalho, aposentadorias, seguro desemprego, saúde, educação e serviços públicos de alta qualidade, etc. Era o chamado “wellfare state”, o estado de bem estar social, paradigma que jamais foi alcançado em outras partes do mundo, nem sequer nos Estados Unidos ou no Japão, e muito menos em outras partes da periferia do capitalismo.
A partir da década de 1970, com a crise estrutural do capitalismo, a burguesia começou uma longa ofensiva para reverter as conquistas do “wellfare state” e recompor sua margem de lucro, retomando o que havia sido concedido aos trabalhadores. As chamadas políticas neoliberais se espalharam pelo mundo a partir da Europa, impondo leis antissindicais, debilitando as organizações dos trabalhadores, criminalizando piquetes e greves, impondo reduções salariais e corte de direitos, privatizando os serviços públicos, desregulamentando a circulação do capital, abrindo caminho para a especulação financeira, etc.

O neoliberalismo e a União Europeia
A queda da URSS em 1991 deu um importante impulso para o neoliberalismo em escala mundial, já que serviu para demonstrar que o capitalismo havia vencido o “socialismo”. A era do apogeu do neoliberalismo foi também a era da construção da União Europeia (UE), interligando potências como Alemanha e França e países mais fracos como Espanha, Portugal, Irlanda, etc., numa moeda comum, o euro (o Reino Unido ficou de fora do euro), em vigor a partir de 1993. A UE foi apresentada como um paraíso de livre circulação de mercadorias e pessoas, com a oportunidade dos trabalhadores circularem e conseguirem emprego em qualquer país do bloco, ou comprarem mercadorias de qualquer país. Subsídios temporários para as regiões mais pobres criaram uma ilusão de riqueza que fez com que as populações dos países da periferia europeia endossassem a UE.
Na realidade, as diferenças de produtividade entre as diversas economias nacionais permaneceram no interior UE e não foram niveladas pela moeda comum. Ao contrário, as leis da concorrência capitalista favoreceram os mais fortes e aniquilaram os mais fracos. A “livre circulação de mercadorias” se transformou em uma colonização dos mercados de toda a Europa pelo imperialismo alemão. Empresas alemãs exportam suas mercadorias para todos os países da Europa, que por sua vez se transformam em fornecedores de mão de obra barata. A “livre circulação” de pessoas se transformou em um mercado continental de força de trabalho que nivela por baixo os salários e direitos dos trabalhadores europeus.
Em escala global, as políticas neoliberais, por meio da interligação dos mercados e da hegemonia dos interesses do capital financeiro, aceleraram as crises do capitalismo, que se tornaram mais globais e instantâneas, como presenciamos em 2008.

Precarização e imigração
A vigência das políticas neoliberais e das medidas de “austeridade” ao longo de várias décadas serviram para construir um novo perfil para a classe trabalhadora europeia. As novas gerações entraram num mercado de trabalho com salários menores, menos benefícios, direitos rebaixados, maior tempo de trabalho para se aposentar, ausência de garantias sociais como o seguro desemprego, etc. Ao mesmo tempo, os serviços públicos vão sendo também sucateados. A saúde e a educação pública vão perdendo sua qualidade, alguns que eram gratuitos passam a ser pagos, os salários dos funcionários públicos vão sendo reduzidos, o número de funcionários também diminui, os investimentos em equipamentos vão sendo cortados, etc.
Muitos jovens não conseguem concluir os estudos, não conseguem emprego nas áreas em que se formaram, não conseguem sair da casa dos pais. Os empregos que surgem são precários, temporários, terceirizados, pagam muito menos, não oferecem garantias e estabilidade, etc.
Ao mesmo tempo em que acontece essa mudança geracional na composição da classe trabalhadora europeia, uma outra mudança importante altera a paisagem social do velho continente. A baixa taxa de natalidade dos países europeus faz com que a população economicamente ativa tenda a diminuir gradualmente. Para evitar essa diminuição da força de trabalho, os países europeus são obrigados a aceitar o influxo de mão de obra estrangeira, de trabalhadores africanos, do oriente médio, do subcontinente indiano, do leste europeu ou latinoamericanos. Ao todo cerca de um milhão de imigrantes entram na Europa todos os anos.
Entretanto, apesar de serem economicamente necessários, esses trabalhadores não são facilmente aceitos pela população europeia, pois trazem línguas diferentes, religiões diferentes, costumes diferentes, vestimentas diferentes, cores de pele diferentes. Em geral ficam com os piores empregos, moram nos piores bairros, são discriminados e mesmo que tenham vindo para ficar, são tratados permanentemente como estrangeiros, como não europeus, como se não tivessem direito à riqueza (declinante) do continente que estão também produzindo.

A falência do sistema partidário europeu
Essa situação de deterioração das condições de vida, o fim do “wellfare state”, os baixos salários, os serviços públicos em bancarrota, o aumento do desemprego, do subemprego e da pobreza, uma nova geração de jovens sem trabalho (as taxas de desemprego entre os jovens chegam a 50% na Espanha e na Grécia), a disputa por empregos (rebaixados) com trabalhadores imigrantes, tudo isso produz um estado de irritação e insatisfação permanentes. Mas essa insatisfação não encontra canais para se manifestar politicamente. Os partidos políticos se alternam nos governos, sem alterar em nada os elementos estruturais que afetam as condições de vida.
A cada eleição o poder muda de mão nos governos europeus, saem os partidos conservadores e entram os partidos “de esquerda” (o PS, Partido Socialista francês, o SPD, Partido Social Democrata alemão, o WP, Partido Trabalhista inglês), ou vice-versa, saem os “de esquerda” e voltam os conservadores, mas a situação não muda. As políticas são as mesmas, sempre mais “austeridade” em relação aos trabalhadores e mais concessões aos capitalistas.
Décadas de alternância entre esses partidos sem que haja mudança na política levaram a uma descrença no sistema político e na democracia burguesa. Altíssimas abstenções e porcentagens de votos brancos e nulos são rotina nas eleições europeias. Movimentos como os “Indignados” na Espanha pedem uma mudança completa no sistema político (sem ter a clareza de que seria preciso na verdade superar o capitalismo). Entretanto, esse desejo de mudança não tem sido atendido pela “esquerda”, pois o PS, o SPD, o WP e seus congêneres em cada país estão há muitas décadas transformados em administradores fiéis e confiáveis do capitalismo, acostumados a exercer o poder a serviço da burguesia e sem qualquer vínculo com o movimento operário.

O perigo da direita e a necessidade de uma alternativa socialista
Enquanto os partidos tradicionais se alternam no poder, na extrema esquerda do espectro eleitora, o NPA francês, o Die Linke alemão, o Syriza na Grécia e seus congêneres em todo o continente perdem uma oportunidade histórica, limitando-se a buscar crescimento eleitoral, mais vagas nos parlamentos, por meio de palavras de ordem que atacam os sintomas do problema, o desemprego, a pobreza, a ganância dos ricos, etc., sem ações de fato que ataquem a causa de tudo isso, o sistema capitalista.
A falta de ação da esquerda abre espaço para a direita. O fenômeno do golpe pró-imperialista e fascista na Ucrânia que discutimos em edições anteriores do nosso jornal, foi só a ponta do iceberg. As formações de extrema direita crescem em toda a Europa e alcançam resultados eleitorais expressivos, como acaba de acontecer no final de maio, nas eleições para o Parlamento Europeu. Essa instituição é quase decorativa, já que a UE não é ainda uma verdadeira federação e os Estados nacionais europeus mantém o controle dos seus orçamentos, forças armadas, política externa, etc. Em certos países, como o Reino Unido, o comparecimento foi de apenas 33%. Mesmo assim, os resultados devem ser observados com atenção.
A extrema-direita venceu na França, com 25% dos votos para a Frente Nacional de Marine Le Pen, cujo pai (e fundador do partido) disse que o problema da imigração e do crescimento demográfico no mundo seria resolvido em três meses pelo vírus Ebola. Por outro lado, o Syriza venceu na Grécia, com um programa pró-UE que se limitava a pedir a renegociação da dívida grega. O único padrão das eleições europeias foi a rejeição das políticas neoliberais e de “austeridade”, voltando-se em peso contra os partidos tradicionais (que, entretanto, vão continuar sendo maioria) e concedendo votações importantes para a extrema esquerda e para a extrema direita.
A extrema direita oferece uma solução aparentemente simples para os problemas, expulsar os imigrantes e resgatar a pureza da nação. Essa solução é tão simples quanto ilusória, pois a causa dos problemas da Europa é o sistema capitalista, a concorrência mundial, a hegemonia do capital financeiro, e não a presença de imigrantes e os direitos dos trabalhadores. Mesmo sendo ilusória, essa “solução” tem seduzido um número maior de europeus. É urgente resgatar o projeto socialista e a luta contra o capitalismo, que é a verdadeira causa dos problemas. Os trabalhadores europeus precisam de alternativa reais ao capitalismo, que por enquanto não estão sendo oferecidas pelos partidos da extrema esquerda.
Precisam de uma alternativa socialista, que se coloque contra a UE, contra o euro, contra as medidas de “austeridade”, contra a entrega de dinheiro público aos capitalistas, contra o pagamento das dívidas públicas, por mais dinheiro para os serviços públicos, em defesa dos direitos dos trabalhadores, e pela unidade entre trabalhadores nativos e imigrantes.

Daniel M. Delfino
Agosto 2014











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