Desde a
morte de Hugo Chávez em março de 2013 a oposição
burguesa retomou a ofensiva para derrubar o governo da "revolução
bolivariana". A postura da oposição burguesa nas
últimas eleições vinha sendo de uma "oposição
construtiva", que buscava ser propositiva e dialogar com a
população pela positiva, sem se chocar frontalmente com
os elementos ideológicos mais característicos do
chavismo. Essa foi a linha da campanha da oposição
unificada em torno da candidatura de Henrique Capriles nas eleições
de outubro de 2012 e abril de 2013, ambas vencidas pelo chavismo, a
primeira ainda com Hugo Chávez e a segunda já com seu
sucessor Nicolas Maduro. Entretanto, no último período,
a oposição burguesa mudou sua postura e retomou uma
política abertamente golpista. Para combater o golpe da
burguesia, precisamos entender o processo que está em curso na
Venezuela.
A
situação na Venezuela
A
política “propositiva” da oposição burguesa
nas últimas campanhas presidenciais se baseava justamente na
situação objetiva e material, nas condições
de vida da população, que seguem ruins depois de 15
anos de governo chavista. Em especial a violência, a
criminalidade em geral, a corrupção, a inflação
e a escassez de produtos básicos atormentam a população
cotidianamente. Mesmo com toda a retórica "socialista"
e antiimperialista de Chávez, seu governo não rompeu
com os elementos centrais do capitalismo, a propriedade privada, o
poder dos bancos, indústrias e latifúndios, a
exploração, o trabalho assalariado, a estrutura do
estado burguês, o saque das riquezas do país (um dos
principais produtores mundiais de petróleo), o pagamento da
dívida, etc. Sem essas medidas não é possível
melhorar as condições de vida das massas em um grau
significativo, que possa ir além das melhorias pontuais na
assistência social, base da popularidade do chavismo.
As
campanhas de alfabetização e de atendimento médico
(com profissionais cubanos) nos bairros mais pobres apareciam como
algo “revolucionário” num país marcado por uma
longa e profunda desigualdade, e ainda hoje são a base para a
sustentação eleitoral do grupo chavista no poder.
Entretanto, no essencial, a Venezuela segue sendo um país
capitalista periférico e pobre. A capacidade do governo de
melhorar a assistência social à população
de baixa renda dependeu de uma alta no preço das matérias
primas, como petróleo e gás natural, no último
ciclo de crescimento da economia mundial na década passada,
que aumentou a arrecadação dos governos e deu margem
para políticas sociais compensatórias. Essa política
porém, está sofrendo com as instabilidades do mercado
mundial desde a crise de 2008.
O
histórico da “revolução bolivariana”
O
governo de Hugo Chávez, eleito pela primeira vez em 1998, e
seguidamente reeleito várias vezes desde então, é
o resultado de um processo de luta e de mobilização que
fermentou na América Latina por toda a década de 1990
(no caso da Venezuela, desde a revolta popular do Caracazo em 1989)
contra as políticas neoliberais, em especial as privatizações
e a entrega de recursos naturais. Esses processos de luta, na falta
de uma alternativa revolucionária, foram desviados para
alternativas eleitorais, que levaram ao poder governantes de retórica
antineoliberal e antiimperialista. A “revolução
bolivariana” na Venezuela foi o mais avançado desses
processos, que incluiu os governos de Evo Morales na Bolívia e
Rafael Correa no Equador. Entretanto, todos esses governos, como
dissemos acima, ainda que tivessem aplicado políticas que
divergiam do neoliberalismo e particado algum enfrentamento
diplomático com o imperialismo, mantiveram o essencial do
capitalismo.
Pelo seu
caráter de classe, baseado em setores das forças
armadas, da pequena burguesia, dos aparatos eleitorais, da burocracia
sindical, a revolução bolivariana seria incapaz de
romper de fato com o capitalismo. O partido chavista (PSUV) funciona
como um aparato eleitoral burocrático, comandado verticalmente
pela cúpula da “revolução bolivariana” (que
antes era encarnada n figura pessoal de Chávez), sem espaço
para expressão da base. Fazem parte do PSUV setores
empresariais (a chamada “boliburguesia”), políticos
corruptos e segmentos das Forças Armadas.
Não
se trata portanto de um partido operário, mas policlassista,
nem de um movimento “revolucionário”, mas no máximo
nacionalista burguês. A relação do PSUV com os
movimentos sociais é burocrática e autoritária.
Não se toleram críticas pela esquerda ao governo. O
movimento operário independente é duramente reprimido,
os grevistas são tratados como “inimigos da revolução”
e “aliados da direita”. Dirigentes sindicais que não se
dobram ao governo são perseguidos e até presos, como em
qualquer governo burguês.
A
ofensiva golpista da oposição burguesa
É
dentro desse contexto que, no início de 2014, depois do
fracasso das últimas tentativas eleitorais (nova vitória
do PSUV nas eleições municipais de dezembro de 2013),
parte da oposição burguesa rompeu com a unidade em
torno da política "construtiva" e retomou a via do
confronto direto visando derrubar o governo. O setor liderado por
Leopoldo Lopez, inspirado no exemplo da Ucrânia, passou a
convocar manifestações de massa dos seus apoiadores
para desestabilizar o governo. Sua base social, que inclui desde a
pequena burguesia até a burguesia, se apresenta como motivada
pelos valores "democráticos", contra a “ditadura”
do partido chavista. Essa oposição usa os métodos
fascistas da intimidação e da violência contra os
apoiadores do governo, tal como os fascistas da Ucrânia.
Uma vez
que o imperialismo tem interesse na derrubada do governo chavista,
toda a mídia pró imperialista faz campanha em favor das
“manifestações democráticas” na Venezuela.
No Brasil, esse papel é cumprido por veículos como a
Rede Globo e a revista Veja. O fato de que a oposição
burguesa tenha perdido mais de uma dezena de eleições e
referendos que seguem estritamente as regras da democracia burguesa é
jogado para debaixo do tapete, já que o que interessa é
legitimar um movimento golpista contra o governo. Os setores pró
imperialistas na Venezuela e no Brasil não estão nem um
pouco precupados com a “democracia”, e sim com o objetivo de
seguir espoliando o povo venezuelano. Essa cobertura das
manifestações contra um governo apresentado como
“autoritário” é parte de uma operação
midiática criminosa de mistificação para
legitimar um golpe de estado!
Já
tivemos golpes institucionais em Honduras em 2009 e no Paraguai em
2012, em que governantes eleitos de acordo com as regras da
democracia burguesa foram derrubados “legalmente” pelo Judiciário
e o Congresso, simplesmente porque apresentavam algum grau de
contradição mínimo com o imperialismo. Em
seguida, foram organizadas eleições para empossar novos
governantes abertamente servis ao imperialismo. Essas operações
podem ser consideradas como ensaios para um objetivo maior, como a
derrubada do chavismo, que seria uma vitória para a direita no
continente.
Por
uma alternativa socialista revolucionária!
Nesse
contexto, precisamos nos colocar frontalmente contra o golpe, contra
o discurso da mídia burguesa e pró imperialista, contra
as manifestações da direita, contra os grupos fascistas
que se organizam para defender interesses anti populares e anti
operários.
Ao mesmo
tempo, não podemos ter confiança na capacidade do
governo chavista de Nicolas Maduro de enfrentar o golpe. Já
tivemos um precedente em 2002, na fase de consolidação
do chavismo, em que o próprio Hugo Chávez chegou a ser
derrubado por um golpe da federação empresarial, mas
foi reempossado poucos dias depois, quando uma colossal mobilização
popular, com mais de um milhão de pessoas cercando o palácio
presidencial, exigiu a sua volta. Naquele momento, os trabalhadores
se mobilizaram para ocupar as refinarias da empresa petroleira
estatal, a PDVSA, pilar da economia do país. Mas ao invés
de radicalizar nas medidas de controle operário da produção,
Chávez optou por um pacto com a burguesia e não
reprimiu os golpistas.
Agora,
depois de mais de uma década e com o chavismo enfraquecido e
desgastado, a burguesia retoma uma linha golpista. O roteiro é
o mesmo que já foi aplicado em outros momentos, começando
pela sabotagem econômica. O comércio esconde as
mercadorias para alimentar uma escassez artificial e alavancar a
inflação, aumentando a insatisfação da
população, criando uma crise social, que a mídia
tenta conduzir contra o governo. Manifestantes organizados, em
especial universitários pequeno burgueses, com métodos
fascistas, radicalizam no enfrentamento, provocando violência e
mortes, denunciando a repressão estatal da “ditadura”, com
ampla cobertura da mídia nacional e internacional alinhada e
patrocinada pelo imperialismo.
Para
derrotar o golpe, somente a mobilização independente
dos trabalhadores, que o governo Maduro e o PSUV não vão
impulsionar. Por isso, defendemos a construção de
organizações operárias e populares independentes
do governo e do partido chavista, com comitês locais que
impulsionem a ocupação das fábricas e grandes
empresas, que controlem as planilhas de custos das empresas e acabem
com a inflação e a escassez.
Abaixo o
golpe na Venezuela! Contra as manifestações da direita!
Contra os grupos fascistas! Contra as mentiras da mídia
burguesa e pró imperialista na Venezuela e no Brasil!
Nenhuma
confiança no governo Maduro! Independência total em
relação ao PSUV! Pelo direito de greve e de organização
independente dos trabalhadores!
Pela
formação de conselhos e comitês de base
independentes, nos locais de trabalho e de moradia! Pelo controle
operário da produção e dos preços!
Por um
governo socialista dos trabalhadores baseado nas duas organizações
de luta!
Daniel M.
Delfino
Fevereiro
2014
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