4.11.15

As campanhas salariais, a continuidade das lutas e a necessidade da alternativa socialista


As categorias organizadas e a burocracia sindical
Todos os anos, entre os meses de setembro e outubro, acontecem as campanhas salariais de importantes categorias nacionais, como bancários, ecetistas (funcionários dos Correios), petroleiros e metalúrgicos. Isso coloca todos os anos a possibilidade da realização de greves unificadas, com as mesmas datas de paralisação, a unificação de piquetes, atos e manifestações, etc., que fortaleceriam as lutas dessas categorias e do conjunto da classe. Esse potencial somente não se efetiva pelo fato de que a representação sindical dessas categorias está sob controle de burocracias como CUT, CTB, Força Sindical, etc.
Essas entidades não apenas estão sob controle de partidos governistas, como PT e PCdoB, como estão na verdade integradas ao Estado e à gestão do capitalismo no Brasil, por meio de múltiplos vínculos, como o imposto sindical, convênios do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, que administra verbas do FGTS) os fóruns tripartites (que reúnem representantes do Estado, dos empresários e dos trabalhadores), os fundos de pensão (por meio dos quais os burocratas sindicais se associam à gestão das empresas), etc. Ou seja, as centrais sindicais não apenas apoiam o governo de plantão, no caso exercido pelo PT, mas apoiam e participam da gestão do capital no Brasil.

A nova situação do país e os ingredientes das campanhas salariais
Este ano, havia a expectativa de que a mudança da situação política, provocada pelas manifestações de junho, e a intensificação das lutas sociais nos meses seguintes, levasse a campanhas muito mais fortes, capazes de desafiar a aplicação do projeto do governo e da classe empresarial. Depois do pico de mobilização que houve em junho, quando milhões de pessoas saíram às ruas em centenas de cidades, estabeleceu-se uma “rotina” em que as manifestações, ainda que restritas a uma vanguarda, se tornaram constantes, praticamente diárias.
Justamente no período em que acontecem essas campanhas, outros importantes processos de luta se abriram. Na USP os estudantes voltaram a se mobilizar em defesa da democratização da estrutura da Universidade, que ainda carrega restos da ditadura, como o seu estatuto e a própria figura do reitor Rodas. E no Rio de Janeiro, cidade que viveu um estado de mobilização praticamente ininterrupto desde junho, os professores da rede municipal entraram em greve depois de 19 anos, contra um plano de carreira que ameaça a sua remuneração e condições de trabalho.
Para completar o cenário, o governo federal marcou para 21 de outubro o leilão do campo de Libra do pré-Sal, com uma reserva estimada entre 26 a 42 bilhões de barris de petróleo, com potencial para produzir mais de um milhão de barris por dia, o que seria comparável a todo o petróleo extraído pela Petrobrás em seus 60 anos de existência. Esse petróleo se encontra em camadas ultra profundas, que exigirão alto investimento em inovação tecnológica para ser extraído. O governo quer entregar essas reservas a empresas privadas, a maioria estrangeiras, e financiar os investimentos na tecnologia necessária para exploração por meio dos bancos públicos e do BNDES, dando uma riqueza inestimável e vital para o país de bandeja ao capital internacional. A luta contra o leilão do campo de Libra deveria dar o tom da campanha dos petroleiros, ou até mesmo mobilizar o conjunto dos movimentos sociais.

A falta de uma oposição unificada, combativa e antigovernista
Entretanto, mesmo com todos esses ingredientes para que houvesse uma verdadeira mobilização nacional, em defesa das reivindicações dos trabalhadores, da educação e do controle sobre as riquezas naturais do país, as campanhas salariais transcorreram de maneira extremamente fria, controlada e limitada. O controle das burocracias sindicais sobre os espaços de organização das principais categorias, em cada sindicato de base, cada assembleia de cada categoria, continuou sendo determinante para que não houvesse uma verdadeira greve geral no país e um verdadeiro processo de mobilização.
Assim como em junho fez falta um projeto unificado que desse um direcionamento às manifestações (por exemplo, uma luta global pelo controle do orçamento público, contra o pagamento da dívida e os incentivos às empresas, para aumentar drasticamente os investimentos em saúde, educação, transporte, moradia, etc.), nas campanhas salariais faz falta uma central sindical ou fórum unitário de mobilização, de oposição ao governo e às burocracias governistas, que conseguisse a unificação das lutas das diversas categorias e movimentos. Faz-se sentir com todo peso a derrota do Conclat, em 2010, que impediu a formação de uma central de oposição a partir da unificação entre Conlutas e Intersindical. Apesar das sérias limitações programáticas e metodológicas dessas entidades, uma central unitária de oposição seria um pólo importante para a unificação das lutas, tanto no campo sindical como no conjunto dos movimentos sociais.
Ao invés disso, a política de suas direções majoritárias (PSTU e PSOL, respectivamente), leva a que cada vez mais essas centrais percam o seu caráter de oposição, classista, combativa e antigovernista. Cada vez mais se aprofundam os vículos com correntes governistas, como CUT Pode Mais, as chapas com setores burocráticos e oportunistas, os desvios metodológicos (como o caso do Sinsprev RJ de que tratamos na edição passada), etc. Os mesmos interesses aparatistas que determinaram o fracasso da unificação em 2010 somente aumentaram sua influência.

Na falta de um pólo alternativo de unificação das lutas, os processos de enfrentamento seguem atomizados e desprovidos de um projeto totalizante. Mesmo com essa debilidade, a repressão à greve dos professores do RJ despertou uma nova onda de manifestações pelo país, o que demonstra que ainda há disposição de luta pronta para ser mobilizada. Numa dinâmica e linguagem semelhante aos protestos convocados inicialmente pelo MPL em junho, que se massificaram e impuseram a revogação do aumento das passagens (além de trazer à tona uma imensa insatisfação represada e várias reivindicações), sucessivos protestos foram marcados em várias cidades do país, semana após semana, a partir de sites da internet, grupos de facebook e outras redes sociais, com o título de “1milhão pela educação”.
Entretanto, depois de haver absorvido a primeira onda de manifestações, que marcaram a volta das massas às ruas do país após décadas, o governo esperou alguns meses para contraatacar com o recrudescimento da repressão, quando houvesse apenas um setor minoritário e mais combativo nas ruas. A polícia de SP recebeu a autorização para voltar a usar balas de borracha contra manifestantes, e um delegado enquadrou jovens detidos em São Paulo que participavam de protesto em solidariedade aos professores do RJ na Lei de Segurança Nacional, a mesma da época da ditadura.
No mesmo sentido, a mídia continua o seu bombardeio permanente contra as manifestações, destacando um único aspecto, as ocorrências de enfrentamento com a polícia (a mesma polícia que diariamente procede o genocídio da população negra nas periferias, sem que isso cause escândalo), que levam a depredações, como se isso fosse o único elemento a ser levado em consideração. As pautas de reivindicação dos manifestantes, os problemas sociais que levam milhares de pessoas às ruas, não são nada comparados a atos de violência, invariavelmente causados pela polícia e seus agentes infiltrados nas manifestações, como já demonstrado em vários flagrantes divulgados na internet. Isso é feito com o objetivo de deslegitimar as manifestações, da mesma forma como a cobertura das greves só fala dos transtornos causados ao restante da população, para colocar a opinião pública contra os grevistas.
A defasagem entre a disposição de luta de um setor da juventude e as formas de organização ausentes, movimentos, centrais e partidos, com conteúdo de ruptura radical do sistema, acaba sendo preenchida por grupos como Black Blocks e Anonymous, que fazem da ação direta a sua única virtude, e mesmo não apresentando nenhum conteúdo político, acabam se tornando referência. É preciso construir uma outra referência para as manifestações, tarefa que os movimentos, centrais e partidos de oposição não tem cumprido. Precisamos construir um movimento político dos trabalhadores, que esteja enraizado na base da juventude e da classe trabalhadora, nos seus locais de trabalho, estudo e moradia, em ruptura com o governo e os governistas, que se coloque em luta pelas reivindicações mais sentidas da classe, chocando-se inevitavelmente com a continuidade do sistema capitalista no país e apresentando uma alternativa socialista.

Daniel M. Delfino
Outubro 2013


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