As
categorias organizadas e a burocracia sindical
Todos os
anos, entre os meses de setembro e outubro, acontecem as campanhas
salariais de importantes categorias nacionais, como bancários,
ecetistas (funcionários dos Correios), petroleiros e
metalúrgicos. Isso coloca todos os anos a possibilidade da
realização de greves unificadas, com as mesmas datas de
paralisação, a unificação de piquetes,
atos e manifestações, etc., que fortaleceriam as lutas
dessas categorias e do conjunto da classe. Esse potencial somente não
se efetiva pelo fato de que a representação sindical
dessas categorias está sob controle de burocracias como CUT,
CTB, Força Sindical, etc.
Essas
entidades não apenas estão sob controle de partidos
governistas, como PT e PCdoB, como estão na verdade integradas
ao Estado e à gestão do capitalismo no Brasil, por meio
de múltiplos vínculos, como o imposto sindical,
convênios do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, que
administra verbas do FGTS) os fóruns tripartites (que reúnem
representantes do Estado, dos empresários e dos
trabalhadores), os fundos de pensão (por meio dos quais os
burocratas sindicais se associam à gestão das
empresas), etc. Ou seja, as centrais sindicais não apenas
apoiam o governo de plantão, no caso exercido pelo PT, mas
apoiam e participam da gestão do capital no Brasil.
A nova
situação do país e os ingredientes das campanhas
salariais
Este
ano, havia a expectativa de que a mudança da situação
política, provocada pelas manifestações de
junho, e a intensificação das lutas sociais nos meses
seguintes, levasse a campanhas muito mais fortes, capazes de desafiar
a aplicação do projeto do governo e da classe
empresarial. Depois do pico de mobilização que houve em
junho, quando milhões de pessoas saíram às ruas
em centenas de cidades, estabeleceu-se uma “rotina” em que as
manifestações, ainda que restritas a uma vanguarda, se
tornaram constantes, praticamente diárias.
Justamente
no período em que acontecem essas campanhas, outros
importantes processos de luta se abriram. Na USP os estudantes
voltaram a se mobilizar em defesa da democratização da
estrutura da Universidade, que ainda carrega restos da ditadura, como
o seu estatuto e a própria figura do reitor Rodas. E no Rio de
Janeiro, cidade que viveu um estado de mobilização
praticamente ininterrupto desde junho, os professores da rede
municipal entraram em greve depois de 19 anos, contra um plano de
carreira que ameaça a sua remuneração e
condições de trabalho.
Para
completar o cenário, o governo federal marcou para 21 de
outubro o leilão do campo de Libra do pré-Sal, com uma
reserva estimada entre 26 a 42 bilhões de barris de petróleo,
com potencial para produzir mais de um milhão de barris por
dia, o que seria comparável a todo o petróleo extraído
pela Petrobrás em seus 60 anos de existência. Esse
petróleo se encontra em camadas ultra profundas, que exigirão
alto investimento em inovação tecnológica para
ser extraído. O governo quer entregar essas reservas a
empresas privadas, a maioria estrangeiras, e financiar os
investimentos na tecnologia necessária para exploração
por meio dos bancos públicos e do BNDES, dando uma riqueza
inestimável e vital para o país de bandeja ao capital
internacional. A luta contra o leilão do campo de Libra
deveria dar o tom da campanha dos petroleiros, ou até mesmo
mobilizar o conjunto dos movimentos sociais.
A falta
de uma oposição unificada, combativa e antigovernista
Entretanto,
mesmo com todos esses ingredientes para que houvesse uma verdadeira
mobilização nacional, em defesa das reivindicações
dos trabalhadores, da educação e do controle sobre as
riquezas naturais do país, as campanhas salariais
transcorreram de maneira extremamente fria, controlada e limitada. O
controle das burocracias sindicais sobre os espaços de
organização das principais categorias, em cada
sindicato de base, cada assembleia de cada categoria, continuou sendo
determinante para que não houvesse uma verdadeira greve geral
no país e um verdadeiro processo de mobilização.
Assim
como em junho fez falta um projeto unificado que desse um
direcionamento às manifestações (por exemplo,
uma luta global pelo controle do orçamento público,
contra o pagamento da dívida e os incentivos às
empresas, para aumentar drasticamente os investimentos em saúde,
educação, transporte, moradia, etc.), nas campanhas
salariais faz falta uma central sindical ou fórum unitário
de mobilização, de oposição ao governo e
às burocracias governistas, que conseguisse a unificação
das lutas das diversas categorias e movimentos. Faz-se sentir com
todo peso a derrota do Conclat, em 2010, que impediu a formação
de uma central de oposição a partir da unificação
entre Conlutas e Intersindical. Apesar das sérias limitações
programáticas e metodológicas dessas entidades, uma
central unitária de oposição seria um pólo
importante para a unificação das lutas, tanto no campo
sindical como no conjunto dos movimentos sociais.
Ao invés
disso, a política de suas direções majoritárias
(PSTU e PSOL, respectivamente), leva a que cada vez mais essas
centrais percam o seu caráter de oposição,
classista, combativa e antigovernista. Cada vez mais se aprofundam os
vículos com correntes governistas, como CUT Pode Mais, as
chapas com setores burocráticos e oportunistas, os desvios
metodológicos (como o caso do Sinsprev RJ de que tratamos na
edição passada), etc. Os mesmos interesses aparatistas
que determinaram o fracasso da unificação em 2010
somente aumentaram sua influência.
Na falta
de um pólo alternativo de unificação das lutas,
os processos de enfrentamento seguem atomizados e desprovidos de um
projeto totalizante. Mesmo com essa debilidade, a repressão à
greve dos professores do RJ despertou uma nova onda de manifestações
pelo país, o que demonstra que ainda há disposição
de luta pronta para ser mobilizada. Numa dinâmica e linguagem
semelhante aos protestos convocados inicialmente pelo MPL em junho,
que se massificaram e impuseram a revogação do aumento
das passagens (além de trazer à tona uma imensa
insatisfação represada e várias reivindicações),
sucessivos protestos foram marcados em várias cidades do país,
semana após semana, a partir de sites da internet, grupos de
facebook e outras redes sociais, com o título de “1milhão
pela educação”.
Entretanto,
depois de haver absorvido a primeira onda de manifestações,
que marcaram a volta das massas às ruas do país após
décadas, o governo esperou alguns meses para contraatacar com
o recrudescimento da repressão, quando houvesse apenas um
setor minoritário e mais combativo nas ruas. A polícia
de SP recebeu a autorização para voltar a usar balas de
borracha contra manifestantes, e um delegado enquadrou jovens detidos
em São Paulo que participavam de protesto em solidariedade aos
professores do RJ na Lei de Segurança Nacional, a mesma da
época da ditadura.
No
mesmo sentido, a mídia continua o seu bombardeio permanente
contra as manifestações, destacando um único
aspecto, as ocorrências de enfrentamento com a polícia
(a mesma polícia que diariamente procede o genocídio da
população negra nas periferias, sem que isso cause
escândalo), que levam a depredações, como se isso
fosse o único elemento a ser levado em consideração.
As pautas de reivindicação dos manifestantes, os
problemas sociais que levam milhares de pessoas às ruas, não
são nada comparados a atos de violência, invariavelmente
causados pela polícia e seus agentes infiltrados nas
manifestações, como já demonstrado em vários
flagrantes divulgados na internet. Isso é feito com o objetivo
de deslegitimar as manifestações, da mesma forma como a
cobertura das greves só fala dos transtornos causados ao
restante da população, para colocar a opinião
pública contra os grevistas.
A
defasagem entre a disposição de luta de um setor da
juventude e as formas de organização ausentes,
movimentos, centrais e partidos, com conteúdo de ruptura
radical do sistema, acaba sendo preenchida por grupos como Black
Blocks e Anonymous, que fazem da ação direta a sua
única virtude, e mesmo não apresentando nenhum conteúdo
político, acabam se tornando referência. É
preciso construir uma outra referência para as manifestações,
tarefa que os movimentos, centrais e partidos de oposição
não tem cumprido. Precisamos construir um movimento político
dos trabalhadores, que esteja enraizado na base da juventude e da
classe trabalhadora, nos seus locais de trabalho, estudo e moradia,
em ruptura com o governo e os governistas, que se coloque em luta
pelas reivindicações mais sentidas da classe,
chocando-se inevitavelmente com a continuidade do sistema capitalista
no país e apresentando uma alternativa socialista.
Daniel M.
Delfino
Outubro
2013
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