O
conflito na Ucrânia está no centro da situação
política internacional há vários meses e deixou
de ser apenas mais um exemplo de uma população
insatisfeita que derruba seu governante, como tem acontecido em
vários países na sequência da crise econômica
mundial iniciada em 2008, para se tornar uma questão
geopolítica que envolve as principais potências
mundiais. A Ucrânia estava em vias de ser incorporada pela
União Europeia quando, na última hora, o presidente
Viktor Yanukovich voltou atrás e recusou-se a assinar o
tratado de adesão, em novembro de 2013, preferindo priorizar
as relações históricas com a Rússia.
Imediatamente começaram protestos contra a decisão de
Yanukovich, pressionando pela entrada do país na União
Europeia. Esses protestos, liderados por grupos neonazistas,
terminaram com a queda do presidente em fevereiro de 2014.
A queda
de Viktor Yanukovich levou à posse de um novo governo, que não
foi aceito em várias regiões do país. De
imediato, a Criméia organizou um plebiscito, separou-se da
Ucrânia e optou por integrar-se à Rússia (que
prontamente deslocou tropas e incorporou a nova província). A
Criméia possui uma população de esmagadora
maioria russa, o que explica o resultado do plebiscito (90% votaram
pela integração à Rússia), mas existem
outras regiões no leste da Ucrânia, como Donetsk,
Lugansk e Kharkov, em que as populações russas e
ucranianas estão misturadas. Essas regiões estão
em aberto conflito com o governo estabelecido em Kiev, de modo que a
crise não se resolveu e está em pleno andamento.
Prédios públicos foram ocupados por milícias
pró-russas nessas regiões.
Esse
conflito interno repercute internacionalmente e opõe
frontalmente as duas principais potências nucleares do planeta,
os Estados Unidos e a Rússia. Os Estados Unidos tomaram a
frente da União Europeia (fachada para o imperialismo alemão)
e se tornaram os portavozes da “comunidade internacional” na
condenação dos passos dados pela Rússia, impondo
sanções econômicas (proibição de
realização de certos negócios) ao país
eslavo pelo seu comportamento na crise ucraniana. Depois de uma tensa
negociação (os mais apressados falaram em uma “nova
Guerra Fria”), foi feito um acordo em Genebra em abril pelo qual a
Rússia pôde manter a Crimeia, com a condição
de que não avançasse para incorporar novos territórios
na Ucrânia. Essa condição foi aceita pelo governo
Putin, pois ainda que tenha perdido quase toda a Ucrânia, um
satélite que historicamente pertenceu a sua esfera de
influência, mesmo assim garantiu a posse de uma região
estratégica: a Crimeia é a sede da frota russa no Mar
Negro, porta de entrada no Mediterrâneo.
Mas
apesar do acordo entre as potências, a situação
permanece instável no leste da Ucrânia, região de
fronteira com a Rússia. Donetsk e Lugansk já realizaram
em 11 de maio seus próprios referendos, em que a maioria da
população votou também pela separação
da Ucrânia. Em várias cidades as tropas do exército
e da polícia enviadas pelo governo central em Kiev para
retomar a posse dos edifícios públicos desertaram e se
passaram para o lado dos insurgentes, ou no mínimo
recusaram-se a obedecer. Como o governo parecia incapaz de agir pelos
meios normais, as mesmas milícias neonazistas que derrubaram o
governo anterior foram legalizadas como componentes de uma “Guarda
Nacional” para “auxiliar” o exército. Os neonazistas
atacaram ativistas pró-russos, resultando na morte de quase 50
pessoas na Casa dos Sindicatos em Odessa, no sul do país.
O
massacre de Odessa não deixa dúvidas quanto ao destino
que aguarda as populações de Donetsk e Lugansk caso se
dobrem ao governo de Kiev: repressão, violência e morte,
é tudo que o novo governo tem a oferecer. Estamos falando de
um governo composto por oligarcas, nome que é dado aos antigos
membros da burocracia soviética que, com o fim da URSS,
saquearam as antigas empresas estatais por meio da força,
assassinando os oponentes, e se converteram em burgueses mafiosos,
milionários e bilionários, controlando totalmente a
política desses países, como se fossem sua propriedade.
São essas figuras que hoje ocupam o governo ucraniano, com a
benção dos Estados Unidos e União Europeia. Os
grupos neonazistas ucranianos nesse momento agem como suas tropas de
choque.
Esses
acontecimentos expõem também o erro grosseiro de
algumas organizações que, quando da queda de Viktor
Yanukovich, chegaram a falar em “revolução
democrática” e “duplo poder” na Praça Maidan
(Praça da Independência, no centro de Kiev, há
meses ocupada pelos neonazistas). Esse é o problema de quando
se desconsidera completamente o grau de organização,
consciência e capacidade de ação independente da
classe trabalhadora, como se fosse algo insignificante e bastasse uma
“direção revolucionária” para que o processo
fosse conduzido pela esquerda. Essa abordagem se perde na superfície
dos fenômenos e não é capaz de compreender a
dinâmica profunda do movimento das classes. Agora, essas
organizações que festejaram a queda de Yanukovich como
uma “revolução democrática” precisam
reconhecer que o governo instalado na capital da Ucrânia é
um títere do imperialismo euro estadunidense, e que sua base
de sustentação social são os neonazistas.
Desde o
início nós do Espaço Socialista apontamos o
perfil de extrema direita das manifestações que
derrubaram Yanukovich e sua ideologia pró europeia, pró
estadunidense, pró livre mercado. A maioria da população
foi seduzida pela “Eurotopia” do ingresso na União
Europeia e apoiou as manifestações anti Yanukovich.
Dizíamos também que a Rússia não era uma
alternativa, o que se provou mais uma vez acertado, pois o governo
Putin já reafirmou que não vai interferir na situação
interna ucraniana em favor dos separatistas pró-russos. A
Rússia vai cumprir os acordos de Genebra, garantir para si a
posse da Crimeia e deixar as populações que não
aceitam o golpe fascista entregues à própria sorte.
A mídia
internacional, a serviço do imperialismo, chama os
separatistas de Donetsk e Lugansk de terroristas. O imperialismo só
reconhece votações quando o resultado sai a seu favor,
o que não aconteceu nos referendos das províncias
ucranianas do leste. Por outro lado, as eleições
marcadas para 25 de maio estão sendo apresentadas como a
legitimação democrática do novo governo
instalado pela força em Kiev. Para que se tenha ideia do clima
em que transcorrerão essas eleições, uma
tentativa de comício de um dos apoiadores do governo derrubado
terminou com o linchamento e hospitalização do
candidato, impedido de falar em público pelas milícias
da direita. A imprensa russa está proibida de trabalhar no
pais. Críticos do novo governo são caçados nas
ruas, linchados, assassinados, ameaçados. Essa é a
“revolução democrática” da Praça
Maidan.
Os
separatistas em Donetsk e Lugansk se encontram numa situação
difícil. Optaram por separar-se da Ucrânia, o que
representa um ato de resistência contra o golpe fascista
desfechado em Kiev. Mas a opção de unificação
com a Rússia permanece bloqueada pela recusa do governo
Putin, que rifou os separatistas em obediência ao acordo com o
imperialismo que lhe garantiu a posse definitiva da Crimeia. Assim,
sendo, só resta como alternativa a constituição
de uma república autônoma nessas regiões. Nesse
momento, o setor que resiste ao golpe fascista e proclama a autonomia
em Donetsk e Lugansk é o setor politicamente mais progressivo.
Não
por coincidência, essas regiões concentram importantes
populações operárias, empregadas em geral nas
atividades de mineração, que mantinham uma relação
histórica com a Rússia. Seriam também as
populações mais afetadas pela entrada em vigor do livre
comércio com a União Europeia, que rebaixaria seus
salários e direitos. No momento, essas regiões resistem
ao governo de Kiev em nome de tradições nacionais,
linguisticas ou até religiosas. Mas essas formas ideológicas
são disfarces para o conteúdo social profundo que é
de uma resistência operária contra um golpe fascista. Os
governantes designados para a região pelos golpistas de Kiev
são todos oligarcas odiados pela população.
Essa
resistência anti fascista terá que dar saltos de
consciência, para além de uma ideologia nacionalista
russa, e avançar numa direção anticapitalista,
única alternativa que permitirá resistir ao cerco do
fascismo e do imperialismo que vem do oeste e à capitulação
do governo oligárquico-mafioso de Putin no leste.
Todo
apoio à resistência antifascista em Donetsk e Lugansk!
Pelo direito de autodeterminação das populações
do leste ucraniano! Contra a campanha difamatória da mídia
imperialista! Terroristas são os fascistas de Kiev e os
lacaios dos Estados Unidos e União Europeia! Contra a farsa
das eleições do porrete de 25 de maio! Contra o governo
golpista de Kiev e o acordo de livre comercio com a União
Europeia! Por um governo socialista dos trabalhadores em toda a
Ucrânia!
Daniel M.
Delfino
Maio 2014
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