As
lutas no Brasil pós-junho e pós-Copa
O
processo de lutas que vem se desenrolando no Brasil, que teve seus
marcos nas jornadas de junho de 2013, na greve dos garis em 2014 e
outras que se seguiram, e no movimento contra a Copa, pode ter a sua
continuidade nas campanhas salariais do 2º semestre. Entre
setembro e outubro temos as datas bases de importantes categorias
nacionais, como bancários, correios, petroleiros e
metalúrgicos. São categorias com uma importante
tradição de luta, que tem feito greves sistematicamente
nos últimos anos, e cuja mobilização
representaria um peso significativo na realidade política
nacional.
No caso
de petroleiros e correios, seu patrão é o próprio
governo federal, controlador da Petrobrás e ECT, o que também
vale para metade dos bancários (funcionários do BB e da
CEF). Essas empresas, ainda que nominalmente estatais, são
geridas por uma burocracia dirigente que as trata como sua
propriedade privada, empenhada em aumentar os lucros a qualquer
custo. Esses dirigentes embolsam bônus milionários e
participação nos lucros, à custa da exploração
dos funcionários. Trabalhadores dessas empresas enfrentam
achatamento salarial (perdas acumuladas de 80% e 90% no BB e na CEF
desde julho de 1994), privatização disfarçada
(80% dos trabalhadores da Petrbrás já são
terceirizados), sobrecarga de serviço, assedio moral,
adoecimento físico e psicológico, etc., isso sem falar
na inflação que corrói o salário do
conjunto dos trabalhadores. Não faltam razões para ir à
luta!
Obstáculos
a serem superados:
- as
próprias direções sindicais, já que as
principais centrais sindicais do país, como CUT, CTB, Força
Sindical, UGT, NCST, etc., estão aparelhadas por partidos
políticos governistas, como PT e PCdoB, cuja prioridade será
a reeleição de Dilma e de seus candidatos, ou por
caciques como Paulinho da Força, cuja prioridade serão
também as campanhas eleitorais;
- a
dureza da patronal: bancos e montadoras, especialmente, estão
demitindo em massa e impondo “lay-offs” e férias
coletivas;
- o
aparato repressivo erguido no período pré-Copa do
Mundo, com contingentes policiais massivos nas ruas, violência
sistemática e indiscriminada da polícia contra
grevistas e manifestantes, prisões arbitrárias e
ilegais, intimações e indiciamentos para depoimento sem
base real e puramente intimidatórios, plantões
judiciais prontos para julgar e condenar sem provas ou com flagrantes
forjados (como nas ditaduras), condenação das greves
como abusivas pela justiça do trabalho, multas aos sindicatos
e bloqueio das contas (que na prática impedem os sindicatos de
funcionar, outra medida títpica das ditaduras). Esse aparato
repressivo é uma necessidade do Estado, a serviço do
capital, para tentar impedir as lutas dos trabalhadores;
- o
trabalho sistemático de difamação dos movimentos
sociais por meio dos veículos da mídia corporativa,
rede Globo e demais cadeias de TV, revista Veja, grandes jornais como
Folha, Estadão, portais da internet, etc., todos dedicados
diariamente a tratar os manifestantes e grevistas como criminosos,
vândalos, extremistas, responsáveis pela violência,
intransigentes, contrários à ordem pública e ao
conjunto da população;
- por
último, o próprio governo estará por trás
dos sindicatos pelegos, do aparato repressivo e da imprensa,
coordenando-os e atuando ao lado da patronal, para impedir as greves,
pois seu interesse fundamental é garantir a realização
das eleições, em que o partido governante, o PT e sua
coalização, enfrentam um forte questionamento, ainda
que não haja nenhuma empolgação pelo bloco
oposicionista burguês liderado pelo PSDB. Ambos os partidos
precisam impedir que a dinâmica das lutas influencie nas
eleições, convergindo para altas porcentagens de
abstenções, votos nulos ou votos de protesto. Precisam
legitimar seu projeto (que é o mesmo, com vieses diferentes)
de gestão do capital no país por meio das urnas, sem
dar voz para as ruas.
Faz
falta a unidade entre os lutadores!
Para
passar por cima dos obstáculos descritos acima, as categorias
em luta precisarão aprender com as lutas do primeiro semestre
e do período pré-Copa. No momento mais agudo, em que a
mobilização de diversas categorias, as ocupações
urbanas e as manifestações de rua, tudo isso
acontecendo simultaneamente, poderia apresentar um questionamento
mais sério contra a realização da Copa e pela
imposição das reivindicações dos
trabalhadores, o que fez falta foi uma referência organizativa
e programática centralizada que unificasse todas essas lutas.
Não
há no Brasil um fórum nacional de lutas ou comitês
regionais, reunindo as centrais sindicais combativas e
antigovernistas, os movimentos populares e da juventude, como MTST ou
MPL, que tem protagonizado as principais lutas no período mais
recente. Uma ação coordenada desses setores poderia
servir como referência para o chamado a uma greve geral no
período pré-Copa, chamado que poderia servir como fator
aglutinador para que as diversas categorias e movimentos em luta
convergissem para um único enfrentamento contra a patronal e o
governo, reforçando o elemento de unidade da nossa classe
contra os capitalistas.
Infelizmente,
prevaleceu uma política mais recuada, mesquinha, voltada para
os interesses de cada setor. No caso do movimento sindical, as
centrais antigovernistas, Conlutas e Intersindical, limitaram-se a
fazer o chamado a CUT e demais centrais pelegas para que unificasse
as lutas, coisa que jamais fariam, nem farão agora no 2º
semestre. PSTU e PSOL, respectivamente majoritários nessas
centrais, privilegiaram suas relações de “boa
vizinhança” com a burocracia cutista e governista no âmbito
da superestrutura dos aparatos sindicais, ao invés da
mobilização das lutas.
Reforçar
a organização de base
O
controle dos aparatos sindicais pelos governistas e pelegos é
um elemento da maior importância, pois as diretorias dos
sindicatos definem o calendário das campanhas, datas de
assembleias e deflagração de greve, além da
composição das mesas de negociação, em
que os burocratas sindicais negociam os acordos entre quatro paredes
e pelas costas da base das categorias. Quando necessário,
“tratoram” assembleias, impondo resultados contrários à
votação da base, desligando o microfone e fugindo do
carro de som, escoltados pela polícia.
A
receita para fortalecer as lutas no 2º semestre para que tenham
chances de vitória passa por medidas que superem esse controle
burocrático (e que não foram adotadas pelas centrais
oposicionaistas no 1º semestre). É preciso romper
totalmente com as burocracias sindicais governistas e pelegas e lutar
pelos elementos que possam dar às bases das categorias o
controle sobre suas lutas. Em 2013, os diversos coletivos de oposição
que constituíram o Avante, Bancários!deram um exemplo
importante na greve da categoria em São Paulo: organizaram
piquetes pela base, independente da direção pelega e
governista do sindicato, trancaram prédios importantes e
impuseram prejuízos reais aos bancos, contribuindo para uma
greve mais forte do que as dos anos anteriores. Esse exemplo precisa
ser seguido este ano e também espalhado pelas demais
categorias:
-
intensificar a mobilização na base das categorias,
chamando a realização de reuniões nos locais de
trabalho e plenárias de base para discutir as campanhas;
- lutar
pela democracia no movimento, exigindo a realização de
assembleias, o direito de falar nas assembleias e defender propostas
para organizar a luta;
-
comandos de greve e de mobilização controlados pela
base, organizando os piquetes e ações de luta;
-
representantes na mesa de negociação eleitos em
assembleia e com mandatos revogáveis;
-
retomar a pauta de reivindicações reais e as
verdadeiras necessidades das categorias, que podem de fato levá-las
à luta, contra as pautas rebaixadas e artificiais inventadas
pelos pelegos e governistas;
Pela
unidade das categorias em luta!
Além
disso, um elemento decisivo seria a unificação dessas
categorias em luta, com greves simultâneas, em que se pudesse
realizar assembleias, piquetes, passeatas e manifestações
conjuntas, reforçando mutuamente cada segmento no seu
enfrentamento com a patronal, o governo e a repressão. Para
isso, é preciso defender no âmbito de cada categoria um
calendário unificado de greve.
Uma
greve unitária seria também um fator capaz de atrair e
agregar os demais setores dos movimentos sociais e da juventude à
luta das categorias. Para isso, trabalhadores dos bancos federais,
correios, petroleiros, precisam incorporar às suas lutas
demandas do conjunto da população, como a luta contra o
sistema financeiro e o pagamento da dívida, que determina a
política econômica do governo, os cortes nos gastos
sociais e a prioridade para os lucros dos bancos e especuladores.
E para
fazer esse debate, categorias que tem o governo federal como patrão
(caso dos trabalhadores dos bancos federais, correios, petroleiros),
precisam também romper com uma chantagem que será feita
pelo PT e satélites governistas no movimento, a chantagem de
que o PSDB privatizaria as estatais. Ainda que a propriedade dessas
empresas seja nominalmente estatal, a sua gestão já é
privatista, a sua prioridade já é o lucro a qualquer
custo, a sua relação com a população já
é predatória, o seu método de gestão já
é o assedio moral e a imposição de metas, o seu
lucro já é apropriado indiretamente pelo setor privado,
através do pagamento da dívida pelo tesouro nacional. A
única defesa contra a privatização não é
o PT, mas a própria mobilização dos
trabalhadores e o apoio da população.
Daniel M.
Delfino
Setembro
2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário