3.11.15

Contra o ataque imperialista à Síria! Por uma alternativa dos trabalhadores contra a ditadura de Assad



No momento em que este texto estava sendo finalizado, os Estados Unidos estavam ultimando os preparativos para bombardear a Síria, como punição ao governo de Bashar Al Assad pelo uso de armas químicas contra a população (um ataque com gás sarin teria deixado cerca de 1400 mortos num bairro controlado por rebeldes na própria capital Damasco em 21 de agosto). A Síria enfrenta uma guerra civil desde o início de 2011, quando a população seguiu os exemplos de seus irmãos em outros países da região e saiu às ruas para pedir a saída da ditadura, iniciada em 1970 por Hafez Assad, pai do atual ditador. As manifestações na Síria e a guerra civil que se seguiu a elas são parte do processo mais geral da Primavera Árabe, e o iminente bombardeio estadunidense marcam uma importante virada no cenário, com a tentativa do imperialismo de retomar o controle da situação.
O contexto da Primavera Árabe
A Primavera Árabe se iniciou com uma série de rebeliões populares contra as ditaduras que há várias décadas oprimiam as populações da região a serviço do imperialismo. Os governos do Egito, Tunísia e Líbia foram derrubados (com muitas diferenças, contradições e retrocessos em cada caso) e vários outros balançaram em diversos países. Essas rebeliões no norte da África e Oriente Médio marcaram uma nova situação mundial, em que a classe trabalhadora começou a se colocar em luta contra as conseqüências da crise econômica global iniciada em 2008, como o desemprego (em particular dos jovens), inflação, etc., parte da crise estrutural do capitalismo. Manifestações semelhantes, ainda que não tenham tido a força de derrubar os governos, se espalharam pelo mundo e permanecem sendo uma das características centrais dessa nova situação mundial.
Entretanto, apesar de um sentido geral progressista, essas massivas lutas populares se ressentem de sérios limites, em especial a ausência de um projeto político alternativo que ataque as causas dos problemas, que tenha como proposta superar o próprio capitalismo, e de organizações de luta baseadas na classe trabalhadora capazes de liderar o conjunto das populações para lutar por esse projeto. Os povos em luta ainda identificam os problemas que os levam às ruas, como desemprego, carestia, corrupção, etc., com a figura pessoal de um ou outro governante, e imaginam que a sua remoção resolverá os problemas, quando na verdade será necessário uma transformação muito mais profunda, uma verdadeira revolução, anticapitalista e socialista.

A contraofensiva do imperialismo
Na ausência desse projeto, essas gigantescas mobilizações acabam se encontrando diante de becos sem saída, que resultam nos dramáticos desenvolvimentos que temos visto nas últimas semanas. No Egito, o principal país de toda a região, a insatisfação com o governo da Irmandade Muçulmana, surgido como alternativa eleitoral à rebelião de 2011, levou a manifestações ainda maiores do que aquelas que derrubaram o ditador Mubarak. Entretanto, a falta de organizações e programas capazes de unificar todas as forças populares deu a oportunidade para que o exército (que mantém fortes laços com o imperialismo estadunidense por conta da ajuda financeira) desse um golpe, que ameaça cancelar todas as conquistas democráticas havidas desde então. Sinal disso é a ordem do novo governo militar de retirar da prisão o ditador Mubarak, evidência inequívoca do retrocesso que obrigará as massas daquele país a retomarem a luta para não sucumbir a uma nova ditadura.
Na Síria, o ditador Assad reagiu às manifestações chamando a minoria alauita (ramo do islamismo xiita) e cristã a lutar contra a maioria sunita, que estaria querendo “exterminá-los”. Na verdade, os alauitas são o setor que controla o país desde o início da ditadura, quando ocuparam os principais cargos no governo e nas forças armadas. Com isso, a ditadura transferiu o problema político e social da insatisfação com a ditadura, a partir de onde as divisões de classe poderiam unificar os explorados contra o governo, para o terreno da rivalidade religosa. Cada seita habita determinadas regiões e cidades do país, ou mesmo bairros específicos das maiores cidades e da capital Damasco, de modo que a divisão entre partidários do governo e opositores é muito nítida e bem definida.
A partir desse chamado do ditador para a luta armada, facções baseadas em cada um dos grupos confessionais em que se divide a população iniciaram uma sangrenta guerra civil, que já provocou centenas de milhares de mortes, e um número ainda maior de feridos, desabrigados e refugiados, obrigados a imigrar para os países vizinhos em condições tremendamente precárias para fugir do conflito. A catástrofe humanitária se espalha pelos vizinhos Turquia e Jordânia.

O conflito sírio
Os grupos armados que enfrentam a ditadura de Assad pareciam a princípio representar os anseios da população que saiu às ruas em protesto. Entretanto, os conflitos logo degeneraram em rivalidades sectárias, com os dois lados atacando indiscriminadamente a população civil, pelo simples fato de pertencer a outra religião. O exército sírio lançou mão de bombardeios aéreos, mísseis, morteiros, os opositores usaram carros bombas, franco atiradores. A espiral de violência chegou ao ápice com o uso de armas químicas pelo exército do ditador. Isso permitiu aos Estados Unidos mobilizar a indignação mundial para conseguir a aprovação para o ataque (trata-se é claro de um tremendo cinismo, já que as forças armadas estadunidenses já perpetraram as maiores atrocidades da história, como bombardeios nucleares no fim da II Guerra, napalm na guerra do Vietnã, munição radioativa na ocupação do Iraque, etc.).
Desde o início dos conflitos em 2011 os diversos setores em luta contra a ditadura de Assad nunca conseguiram a unificação, já que possuem sérias diferenças entre si. O chamado Exército Livre da Síria é uma colcha de retalhos, composto por setores burgueses que faziam oposição a Assad, desertores do governo (portanto cúmplices da ditadura ao longo de todos esses anos), setores fundamentalistas e até setores ligados à Al Qaeda. Alguns desses grupos recebiam armas e munição da Arábia Saudita, testa de ferro dos Estados Unidos na região. Ao tomar o controle de determinadas regiões do país, os grupos fundamentalistas impunham a lei islâmica (a chamada sharia), submetendo em especial as mulheres a uma opressão ainda mais brutal, tal como os talibãs no Afeganistão.
Diante dessa composição e desse comportamento dos opositores de Assad, não há como chamar a guerra civil síria de revolução. Não há como apoiar esse setor no confronto com o ditador. A oposição armada não representa a continuidade do movimento popular que fazia oposição à Assad, mas a sua distorção. Não são a continuação da Primavera Árabe, mas o inverno. O Exército Livre da Síria não se subordina ao movimento dos trabalhadores sírios, mas sim ao imperialismo. Caso cheguem ao poder, esses setores vão dar sequência à exploração dos trabalhadores, tal como acontece hoje na ditadura, com o elemento adicional de que estarão cumprindo ordens dos Estados Unidos.

Os dois lados em guerra estão contra os trabalhadores
O governo Sírio, por sua vez, recebia apoio material ou político do Irã, da Rússia e da China, às vezes de maneira ostensiva, às vezes mais explícita. Esse apoio decresceu bastante depois do ataque com armas químicas (o governo, é claro, culpou os rebeldes pelo ataque, mas ninguém pareceu lhe dar ouvidos). Assad se encontra isolado e corre o risco de ter o mesmo destino do ditador líbio Kadafi, executado por rebeldes ao fim de um conflito também cheio de contradições.
Entretanto, o fato de que Assad tenha se tornado um alvo do imperialismo não pode fazer com que, em nome da oposição aos Estados Unidos, se faça qualquer tipo de unidade com o ditador. A posição clássica dos socialistas revolucionários, diante de qualquer conflito armado entre setores burgueses, deve ser a defesa da independência de classe dos trabalhadores, a transformação da guerra civil em uma guerra revolucionária. Nem a ditadura de Assad nem a oposição apoiada pelo imperialismo representam os trabalhadores!
Muitas correntes da própria esquerda declaram apoio seja aos rebeldes, seja ao ditador, por serem essas as opções “concretas” que estão opostas em conflito. Em ambos os casos, essas correntes raciocinam a partir de uma concepção substituísta, em que as tarefas dos trabalhadores na revolução podem ser cumpridas por outras forças, que podem ser os rebeldes de um lado, ou o ditador sírio do outro (a origem da ditadura síria está no partido “Baath”, uma versão do nacionalismo árabe, que chegou a ser chamada de “socialista”). Numa enorme confusão teórica, imaginam que luta contra o ditador de um lado ou a resistência ao ataque imperialista do outro possam se transformar automaticamente em passos na direção da revolução.
Para transformar esses dois lados em alternativas viáveis, são obrigados a fazer grotescas operações de “maquiagem”, ora ignorando os vínculos dos rebeldes com o imperialismo, ora ignorando décadas de crimes da ditadura. Ao invés disso, defendemos a independência de classe e a construção de organismos próprios dos trabalhadores. Não existe atalho para a revolução que dispense os socialistas de desenvolver a organização e a consciêcia dos trabalhadores em direção à ruptura com o capitalismo, fonte de todas as guerras e misérias.

Contra o ataque imperialista!
Por mais desesperador que isso pareça no caso sírio, é preciso se posicionar contra o bombardeio estadunidense, que é a principal ameaça no momento. A derrubada do governo sírio por “rebeldes” patrocinados pelo imperialismo representaria uma derrota para todos os povos da região. Ao mesmo tempo, é preciso se manter independente do governo Assad, uma ditadura assassina que mantinha algumas contradições com os Estados Unidos e Israel, mas nunca foi favorável aos trabalhadores, nem muito menos socialista!
Fora o imperialismo da Síria! Contra os bombardeios!
Fora o imperialismo do Oriente Médio!
Pela vitória da Primavera Árabe e pela queda das ditaduras da região!
Abaixo a ditadura de Assad!
Contra as ideologias fundamentalistas! Contra a opressão das mulheres!
Contra os métodos terroristas e o massacre da população civil!
Por uma alternativa socialista dos trabalhadores!

Daniel M. Delfino
Outubro 2013


Nenhum comentário: