Está
em curso um crescimento das ideias reacionárias no país,
cuja maior expressão são as manifestações
pelo impeachment de Dilma, que por enquanto envolvem majoritariamente
a pequena burguesia. Mas essa onda não se limita ao movimento
pelo impeachment, e compreende também uma série de
fenômenos que vêm se manifestando já faz algum
tempo e vêm ganhando peso, como a defesa da intervenção
militar, ou de uma intervenção estadunidense, o ódio
aos pobres e nordestinos, o ressentimento contra os recebedores de
bolsa família, o separatismo das regiões ricas, a
defesa da pena de morte, da redução da maioridade
penal, o “humor politicamente incorreto”, as agressões aos
LGBTs, o assédio sexual no transporte público, o
crescimento de seitas religiosas fundamentalistas, etc.
A rigor,
não há muita novidade na existência de tais
fenômenos. Afinal, como disseram Marx e Engels, “as ideias
dominantes são as ideias da classe dominante”. A burguesia
precisa permanentemente elaborar ideias e projetos para garantir a
direção política da sociedade. Para isso conta
com um numeroso e bem pago exército de mercenários
intelectuais que exercem as funções de acadêmicos,
jornalistas, roteiristas de TV, líderes religiosos, etc. Nisso
também não há novidade. O que pode variar com o
momento histórico, e se apresentar como característica
num determinado momento, é o grau de penetração
das ideias mais radicais de direita, o aumento do seu alcance e
audiência, que é o que vivenciamos na atual situação.
O que
queremos comentar aqui é a ausência de uma contraposição
por parte dos trabalhadores, que não desenvolvem um conjunto
alternativo de ideias e projetos que se oponham àqueles que
emanam da classe dominante. Por mais que haja inclusive um aumento do
número de lutas dos trabalhadores, elas não convergem
para um movimento político da classe. E não há
como analisar isso sem estabelecer a responsabilidade das
organizações que assumem a direção
política dos trabalhadores. E no caso do Brasil, esse papel
vem sendo ocupado há décadas pelo PT.
A
trajetória do PT
Essa
onda conservadora que está vindo à tona é o
resultado de 12 anos de governo do PT no Brasil, e indo mais longe,
de mais de 30 anos de controle da Articulação, como
corrente do PT e da CUT, sobre os principais organismos de luta dos
trabalhadores. O projeto da Articulação, que venceu as
disputas internas e se impôs como o projeto do conjunto do PT
(e, por extensão, da CUT e demais organismos dos movimentos
sociais), sempre foi o de conseguir reformas e melhorias no interior
do capitalismo. Num primeiro momento de aplicação desse
projeto, na década de 1980, ainda se fazia referências
vagas a um processo de transição rumo ao socialismo. As
lutas econômicas/sindicais e as lutas sociais em geral eram
tratadas como passos cumulativos na direção desse
socialismo nunca muito bem definido.
Com o
tempo, o partido passou a impulsionar cada vez menos as lutas e
desviar cada mais as forças militantes para a ocupação
de espaços no interior do Estado burguês, através
das eleições de prefeitos, deputados, etc. As
expectativas eram dirigidas para a promessa de que todas as reformas
desejadas seriam alcançadas quando o partido chegasse à
presidência. Nesse meio tempo entre a criação do
partido e a chegada ao poder, nos anos de 1989-91, aconteceu a queda
do Muro de Berlim, da URSS e dos países ditos "socialistas".
Esses
acontecimentos, de importância histórica transcendente,
serviram de base para uma massiva ofensiva ideológica, que
decretou mundialmente a derrota do socialismo e a vitória
"definitiva" do capitalismo, apregoando as ideias de "fim
da história", "fim das ideologias", "fim
das narrativas", "fim das utopias", "fim do
sujeito", “fim do proletariado”, “fim do marxismo”, etc.
Paralelamente a isso, desenvolveu-se também uma ofensiva
política e econômica contra as conquistas dos
trabalhadores, tendo como eixos as medidas neoliberais:
privatizações, desregulamentações,
abertura comercial, reestruturação produtiva,
precarização, etc. Essa ofensiva serviu de pretexto
para que o socialismo, ainda que da maneira vaga e pouco definida
como era expresso, fosse removido do programa e do discurso do PT.
Num
segundo momento, depois dessa transformação em escala
mundial, quando finalmente chega à presidência, o PT já
tinha abandonado quaisquer pretensões de uma transformação
em direção ao socialismo, e já buscava se
apresentar como o gestor mais habilitado do capitalismo no Brasil.
Desse modo, repetia a trajetória dos demais partidos
socialdemocratas e stalinistas pelo mundo, convertidos à ideia
de “humanizar” o capitalismo. Isso é impossível,
mas segue sendo o horizonte de todos os reformistas, desde o SPD
alemão de 100 anos atrás até o Syriza ou o
Podemos
hoje.
Os
limites do capitalismo periférico
Por
algum tempo, em meados do governo Lula, o projeto de uma gestão
capitalista que agradasse a todas as classes sociais parecia estar
dando certo. Todos os setores da burguesia nacional e internacional
operando no Brasil estavam obtendo grandes lucros, e ao mesmo tempo,
sobravam migalhas para ampliar medidas assistenciais e outras
políticas sociais que traziam minúsculas melhorias para
os setores mais miseráveis da população. Esses
tímidos avanços, que de resto não alteraram a
desigualdade social no país, pois proporcionalmente a
burguesia seguiu sempre abocanhando a maior fatia, são
amplamente explorados pela propaganda petista como se fossem uma
"grande transformação”, que justifica a defesa
do governo “de esquerda” ou “progressista”.
Esse
momento em que tudo parecia estar funcionando durou enquanto
persistiram as condições internacionais favoráveis
do ciclo econômico anterior do capitalismo mundial, em que
houve uma alta nos preços das matérias primas. Esse
ciclo favoreceu não apenas o Brasil (cujas exportações
de minério e grãos se tornaram a principal fonte de
crescimento da economia), mas também vários países
da América Latina, exportadores de petróleo, gás
natural e também minérios, grãos, etc. Esse
ciclo econômico permitiu que vários governos (que também
se diziam “de esquerda”, “progressistas” ou até
“socialistas do século XXI”) fizessem uma pequena guinada
em direção a mais gastos sociais, sem ameaçar os
lucros da burguesia nacional e imperialista. Esse "nacionalismo
de commodities" progrediu até a crise mundial de 2008,
que começou a estreitar as margens de manobra de tais
governos.
No
Brasil, após a crise de 2008, Lula conseguiu contornar a
crise, manter a economia funcionando e eleger sua sucessora, através
de uma política de incentivo ao consumo, via endividamento das
famílias, das empresas e dos governos, incentivos fiscais,
empréstimos subsidiados, obras públicas em favor das
grandes empresas, megaeventos esportivos, etc. Entretanto, ao longo
do terceiro mandato do PT, o primeiro de Dilma, essas políticas
foram chegando ao seu limite e perdendo seu efeito sobre a economia.
A desaceleração da economia (impactada também
pela redução da demanda e dos preços das
commodities no mercado mundial), a volta da inflação, o
aumento da exploração nos locais de trabalho, a
degradação dos serviços públicos, a
revolta com a corrupção; todos esses elementos
combinados levaram a um aumento do descontentamento, expresso nas
jornadas de junho de 2013, e numa eleição presidencial
muito apertada em 2014.
O PT
acreditou na própria mentira
O
fundamental em todo esse processo é que o PT acreditou na
possibilidade de uma gestão bem sucedida do capitalismo
periférico brasileiro, que lhe permitisse garantir os lucros
da burguesia e as medidas assistenciais para os mais pobres
indefinidamente, e isso não é possível. O ciclo
de crescimento mundial anterior se encerrou em 2008, e o ciclo atual
apresentou tantas contradições que não foi capaz
de impulsionar o crescimento do país. E mesmo assim, sem
atingir os mesmos patamares anteriores, o atual ciclo na verdade já
se encontra também próximo do seu fim e de uma nova
crise mundial.
De
resto, é preciso assinalar também que, no contexto de
uma crise estrutural do capital que atravessamos nas últimas
décadas, as crises periódicas do capitalismo tendem a
ser mais violentas, e os períodos de crescimento tendem a ser
mais problemáticos e limitados, como estamos verificando no
atual ciclo.
Para
além dos fenômenos cíclicos da economia
capitalista mundial, existem limites do capitalismo periférico
brasileiro (limites históricos que se acentuam num momento de
crise estrutural), que restringem as margens de manobra de qualquer
governo burguês, como o do PT. Nas condições do
capitalismo imperialista e mundializado, não é possível
para nenhum país periférico alcançar algum
desenvolvimento econômico sem medidas de ruptura, tais como:
não pagamento da dívida pública, estatização
do sistema financeiro, estatização de setores
estratégicos (petróleo, energia, minérios,
telecomunicações, alta tecnologia, biodiversidade,
água, alimentos, etc.), controle do comércio exterior,
etc. O PT jamais tomaria essas medidas, pois optou por ser um partido
pró capitalista e a serviço dos interesses da
burguesia.
Ao ser
um partido capitalista, o PT ficou refém das flutuações
e crises características desse modo de produção.
A adesão da população ao partido, a popularidade
dos seus dirigentes, seu apelo eleitoral, flutuaram ao sabor das idas
e vindas do capitalismo e sua economia, pois o PT não
desenvolveu uma âncora ou alicerce que lhe permitisse navegar
nas instabilidades dos diferentes momentos históricos. O PT
deixou de ter, ou na verdade nunca desenvolveu, um projeto politico
bem definido a oferecer aos trabalhadores. Suas promessas ficavam em
torno de generalidades sem nenhum conteúdo concreto, como
"governo democrático popular", defesa da "justiça
social" ou da "ética na política", etc.,
ou pior, simplesmente "Lula lá", mas nada disso
vinha embalado num "pacote" unificado.
O vazio
do discurso petista e a despolitização
O PT não
tinha um "slogan", uma palavra de ordem unificadora, um
discurso, uma utopia, uma ideologia a defender, como o chavismo da
Venezuela, que tinha sua “revolução bolivariana” e
seu “socialismo do século XXI” (que não era
socialista, era puro vazio, mas que todos discutiam e alguns
defendiam, e defendem). O PT não elaborou uma narrativa
estruturada para orientar sua relação com os
trabalhadores e disputar sua consciência. Ao invés
disso, acreditou e apostou na continuidade do crescimento econômico,
através do modelo do nacionalismo de commodities e depois do
crescimento via incentivos. Acreditou que essa prosperidade iria
durar para sempre e os trabalhadores lhe seriam gratos para sempre e
permaneceriam como eleitores fiéis do partido.
O
resultado é que, enquanto esse modelo parecia estar
funcionando, os trabalhadores desenvolveram uma consciência
adequada a essa realidade, pautada no consumismo, no individualismo e
na meritocracia. A existência determina a consciência,
conforme já ensinaram os clássicos do marxismo. A"nova
classe C" gestada nos governos do PT, os trabalhadores que
tiveram acesso ao consumo (por meio do crédito, sem
crescimento real da renda), desenvolveu um modo de pensar
característico, em que o seu "sucesso" material é
explicado pelas suas capacidades e esforço individual, não
por processos históricos e coletivos.
Para que
a classe trabalhadora pudesse desenvolver uma outra perspectiva e
visão de mundo, seria preciso que fosse educada em um outro
projeto político, pautado em outra perspectiva de classe. A
perspectiva dos trabalhadores só pode ser a superação
do capitalismo, não a sua gestão ou aperfeiçoamento.
Na ausência de uma perspectiva de superação, a
consciência naturalmente retrocede aos limites da sociedade e
das relações existentes. O debate político, ao
invés de ser travado como debate ideológico em torno de
alternativas societais e de classe, se diluiu em debate sobre a
gestão do Estado. Ou pior, em torno de qual partido é o
mais ou menos corrupto.
Na falta
de um debate político sobre projeto de sociedade, o horizonte
dos trabalhadores ficou limitado às melhorias materiais
imediatas. Os trabalhadores passaram a acreditar que, se estavam
“chegando lá”, ou seja, comprando casas do Minha Casa
Minha Vida, ou comprando carros com IPI reduzido, ou entrando na
faculdade via Prouni, era por seus próprios méritos, e
não por uma virtude do governo de plantão. E quando o
modelo deixou de funcionar, e fez com que as dificuldades para manter
essas “conquistas” começassem a aparecer para cada
indivíduo (aumento da exploração nos locais de
trabalho, combinada com aumento da inflação e
precariedade dos serviços públicos), foi preciso
encontrar um culpado. E esse culpado não seria outro senão
o PT e os “vagabundos” que vivem “às custas do trabalho
alheio”, ou seja, da bolsa família.
A
ideologia da prosperidade e a psicologia de massas do fascismo
Os
trabalhadores das categorias mais organizadas e a pequena burguesia
desenvolveram um ressentimento contra os mais pobres, conforme iam
sendo convencidos que a riqueza que escapava dos seus dedos ia
sustentar de um lado os “vagabundos” recebedores de bolsa família
e de outro lado os corruptos do PT. Nunca tiveram a capacidade de
olhar um pouco mais acima e perceber que o grosso da riqueza
produzida no país estava sendo desviado para a alta burguesia,
os bancos, o agronegócio, as empreiteiras, as montadoras e
grandes empresas transnacionais, esses sim os maiores beneficiados
pelos governos do PT.
Criou-se
uma situação paradoxal em que as classes médias,
que envolvem a pequena burguesia, pequenos empresários,
pequenos comerciantes, pequenos proprietários, profissionais
liberais, autônomos, funcionários públicos,
gestores e assalariados de alta renda, colocou-se à direita da
alta burguesia, defendendo o impeachment e até mesmo o golpe
contra um governo que favorece sobremaneira os lucros dos
capitalistas. Na esteira das ideias golpistas, floresce também
todo o bestiário da ultradireita, os discursos de ódio
contra negros, nordestinos e LGBTs, as agressões, etc. Da
mesma forma, converge para esse caldo o fundamentalismo religioso das
seitas neopentecostais, caracteristicamente as mais corruptas e ao
mesmo tempo as mais agressivas na defesa de valores machistas e
LGBTfóbicos.
Reich já
estabeleceu no clássico "Psicologia de Massas do
Fascismo" a forma como as ideias politicas fascistas,
fundamentadas em perspectivas de classe, se enraízam e
germinam no solo fértil das subjetividades adubadas por
ressentimento e frustração. O impulso vital básico
dos indivíduos, que para Reich, é de natureza sexual,
desviado para o consumismo pela publicidade e outros estímulos
onipresentes, projeta a sua satisfação na aquisição
de mercadorias e conforto material. Quando a economia entra em
decadência e essa aquisição não se
realiza, a frustração se transforma em ódio
irracional.
O
fascismo explora esse ódio latente e desenvolve explicações
simplistas e irracionais para os problemas, fornecendo um inimigo (o
PT e os pobres, em seus diversos subgrupos) e a solução
providencial, uma figura (paterna) investida de plenos poderes e
autoridade ilimitada, um führer ou ditador, que irá
destruir os inimigos de forma rápida e fulminante. Alguns
ingredientes dessa receita estão presentes no Brasil hoje, e
merecem a máxima atenção.
Reconstruir
um projeto socialista dos trabalhadores
Mas o
descontentamento atual não se limita a esses setores médios
e direitizados. A classe trabalhadora como um todo, envolvendo também
os setores mais explorados e mais precarizados, a grande maioria da
população, está suportando o esgotamento do
modelo econômico petista e está sendo chamada a pagar a
conta do ajuste. Muitos setores estão se colocando em luta. As
greves, manifestações e ocupações vêm
crescendo ano após ano desde 2012. Esse acúmulo
crescente de movimentos e de lutas, entretanto, ainda não deu
um salto de qualidade. E para isso, faz falta um elemento decisivo, a
consciência, o programa e a organização.
Dissemos
acima que o PT ofereceu aos trabalhadores um projeto reformista, que
depois se acomodou a uma proposta de gestão do capitalismo, e
finalmente, se limitou a uma promessa de prosperidade material, não
tendo sequer a competência de embalar esse seu projeto em algum
tipo de discurso ideológico. Esse projeto se esgotou ao
esbarrar nos limites do momento histórico do capitalismo
brasileiro e mundial. Está mais do que na hora de construir um
outro projeto para os trabalhadores. E esse projeto tem que ter como
ponto de partida a superação de todos os erros do PT. O
projeto dos trabalhadores não pode ser jamais a convivência
ou aperfeiçoamento do capitalismo. Muito pelo contrário,
deve ser a superação e a destruição desse
modo de produção, e a sua substituição
pelo socialismo.
Ao
contrário do que dizia a ofensiva ideológica da
burguesia “triunfante” dos anos 1990 e seus mercenários
intelectuais pós modernos, a história não
acabou, nem muito menos o socialismo, o marxismo e a revolução.
A história da humanidade continua sendo a história da
luta de classes. As duas classes fundamentais continuam sendo a
burguesia e o proletariado (a pequena burguesia, maioria dos que
estiveram nas ruas em 15 de março, não tem projeto
social próprio). O projeto da burguesia é a
continuidade do capitalismo, e conseqüentemente, qualquer
projeto que não envolva a abolição do
capitalismo favorece unicamente uma classe social, a burguesia. O
projeto dos trabalhadores, como classe para si, só pode ser a
abolição do capitalismo e a construção do
socialismo.
É
necessária uma ruptura radical
A
abolição do capitalismo só pode se dar pela via
da revolução (e não das reformas graduais), do
fim da propriedade privada dos meios de produção, da
destruição da máquina do Estado e suas
instituições (e não do seu aperfeiçoamento,
por meio da “reforma política”, da “ética na
política”, e outras bobagens). As lutas da classe
trabalhadora devem convergir para esse projeto. Tudo aquilo que o PT
não fez, a construção de uma estratégia
rumo ao socialismo, deve ser posto em prática, e o ponto de
partida para isso passa necessariamente pelo combate ao governo do
PT. O PT é o responsável indireto pela disseminação
das ideias reacionárias, e para combatê-las, não
se pode jamais repetir o PT.
É
preciso organizar os trabalhadores para lutar por suas demandas
imediatas. Mas essas lutas vão se chocar com elementos cada
vez mais centrais do capitalismo brasileiro. A dívida pública
(cerca de 40% do orçamento da união), a estrutura
fundiária, o sistema tributário regressivo, a inflação,
o sucateamento dos serviços públicos, etc., todos esses
elementos constitutivos dessa forma de capitalismo periférico
devem ser combatidos. A ordem e a hierarquia das bandeiras de luta,
quais as mais centrais para cada momento, pertencem ao terreno da
tática, que deve ser ajustada permanentemente. Mas o que não
se pode perder de vista é a estratégia, que deve buscar
a revolução socialista.
É
preciso colocar novamente em pauta, e no discurso do dia a dia, as
ideias de luta de classes, solidariedade de classe, poder dos
trabalhadores, fim da propriedade privada, fim do Estado, revolução,
socialismo. É preciso insistir nessas ideias contra o
bombardeio cotidiano das ideias reformistas de continuidade ou
melhorias no capitalismo, e contra as ideias reacionárias da
ultra direita, que levam ao aprofundamento da barbárie
capitalista. Essa disputa ideológica tem que ser feita em
todos os espaços e organismos de luta, pois não se
trata de uma simples disputa por ideias, de uma questão de
convencimento pela palavra ou pela pregação, mas sim de
uma disputa política, que envolve uma totalidade teórica
e prática. O convencimento se dá pela via da
experiência material, razão pela qual é preciso
intervir em todos os processos de luta e disputá-los para uma
ruptura anticapitalista e socialista.
A
construção de uma estratégia para a revolução
socialista no Brasil passa também pelo balanço das
tendências que tentaram se construir por fora do PT. Afinal, se
o Partido dos Trabalhadores adotou uma estratégia de
convivência e administração do capitalismo, a
estratégia da revolução caberia às
correntes que romperam/se afastaram do PT, como PSOL, PSTU, PCB (o
outro partido legalizado, o PCO, sempre teve como maior preocupação
o combate ao restante da esquerda, funcionando na prática como
um auxiliar do PT) e às organizações menores. A
oposição de esquerda ao PT tinha a tarefa de resgatar o
projeto político dos trabalhadores, recolocando em pauta o
socialismo, a revolução, a luta de classes, etc.,
combatendo a burocracia petista e a ideologia burguesa. O debate
sobre o motivo pelo qual essas correntes não foram capazes de
se apresentar como pólo para reconstruir o projeto socialista
precisa ser feito, mas excede em muito o escopo deste texto, e deve
ser desenvolvido em outro momento.
As
lacunas na organização da classe
O que
cumpre fazer aqui, a despeito de quais tenham sido as falhas na ação
do conjunto da oposição de esquerda ao PT, cujo debate
fica para outro momento, é assinalar a gigantesca lacuna que
existe na organização e consciência da classe
trabalhadora. A realidade material se deteriora, mas não há
instrumentos para lutar contra os problemas. Existe uma insatisfação
amplamente disseminada com as condições de vida, a
inflação, os baixos salários, a exploração
nos locais de trabalho, o assédio moral, a ineficiência
dos serviços públicos, a saturação das
grandes cidades, a violência, a corrupção, etc.
Mas essa insatisfação não encontra canais para
se manifestar e se organizar em luta. Há uma terrível
ausência de organismos de luta, de espaços, fóruns,
comitês, associações, coletivos, que sirvam como
instrumentos de organização.
Enquanto
a burguesia possui o Estado e uma infinidade de instituições,
partidos, mídia, igrejas, etc., para elaborar sua política
e disputar o controle da sociedade, os trabalhadores não
possuem nada. As organizações construídas pela
classe nos anos de combatividade do PT, os sindicatos, centrais
sindicais, entidades estudantis e populares, foram invariavelmente
aparelhadas pela burocracia governista, e não servem para
encaminhar a luta. Nem as centrais sindicais nem os movimentos
sociais desenvolvem uma perspectiva independente. Mesmo os setores de
oposição ao governismo no movimento sindical são
incapazes de se apresentar como uma alternativa crível. O
desastre da não unificação entre Conlutas e
Intersindical no Conclat de 2010 cobra seu preço
dramaticamente. A prioridade dada pelas correntes de esquerda para a
autoconstrução e a aparatização de
entidades deixou os trabalhadores órfãos de
organização.
A luta
de classes se acirra, e os trabalhadores entram em campo perdendo o
jogo, com jogadores a menos, o juiz e a torcida em favor do
adversário. Não está garantido que a
insatisfação dos trabalhadores resulte em mobilização
e luta em um grau suficiente. As lutas em andamento, ainda
fragmentadas e baseadas em reivindicações pontuais por
categorias, podem não ser bastantes para alterar a situação
em favor dos trabalhadores. A maioria a classe pode acabar adotando
uma postura de acompanhar passivamente as disputas na superestrutura
entre a burocracia petista e a oposição burguesa, sendo
levada a crer que a queda do PT possa ser um meio de resolver seus
problemas, endossando ou consentindo nesse processo por omissão
ou abstenção.
Para que
haja uma mudança na postura da classe, de modo que os
trabalhadores se coloquem em cena com uma perspectiva própria,
seria preciso que a oposição de esquerda conseguisse se
apresentar como referência, com um programa que contivesse as
reivindicações da classe, em torno do qual os
trabalhadores estivessem dispostos a se mobilizar. E um programa não
é apenas um conjunto de palavras de ordem, mas uma compreensão
totalizante da realidade que explique a relação entre
as coisas e o que fazer para mudar a realidade.
Entendendo
o que vem pela frente
Para a
burguesia o que interessa é a continuidade dos negócios
e a retomada dos lucros. As medidas de austeridade são a sua
prioridade. Portanto, para a burguesia, não interessa a
instabilidade política, nem o processo de impeachment, nem
muito menos um golpe contra Dilma. O governo do PT já está
comprometido com este programa, e quanto mais é pressionada,
mais Dilma vai à direita. Sua primeira declaração
depois dos protestos do dia 15 de março foi pedir uma trégua
para garantir a aprovação do pacote de ajuste no
Congresso. Não faz sentido para a burguesia trocar o governo
neste momento, depois de apenas 6 meses de eleito. A alta burguesia
não está contra o programa do governo, muito pelo
contrário. O ajuste de Joaquim “mãos de tesoura”
Levy lhe favorece, a “miss motosserra” Katia Abreu está no
ministério da agricultura, etc.
Todos os
acordos para a montagem do governo já foram feitos, os
ministérios e as verbas já foram loteados, cada fração
da burguesia já tem sua fatia, etc. A alta burguesia está
contemplada no governo, portanto não é sua política
nesse momento trocar “comitê gestor” dos negócios.
Quem está se manifestando contra o governo é
majoritariamente a pequena burguesia. O impeachment não seria
um bom negócio, pois abriria uma acirrada luta política
contra o PT, que não iria entregar facilmente o controle do
Estado, do qual dependem os empregos de milhares de burocratas do
partido. Não interessa abrir essa disputa nesse momento.
Por
outro lado, para o PMDB, por exemplo, não há nada que
impeça um impeachment, pois o partido tem a vice-presidência
e a presidência da Câmara, de modo que o controle do
Estado cairia em suas mãos. Na verdade, o PMDB não
assume o governo agora porque não quer. E não quer
porque não lhe interessa nesse momento arcar com o ônus
de aplicar o pacote de ajuste. É preferível deixar que
Dilma e o PT se queimem com a impopularidade das medidas de
austeridade. O PT evidentemente sabe disso, e não afundará
sozinho na nau do governo, exigirá fidelidade da sua “base
aliada”, como fez o agora ex-ministro Cid Gomes, cumprindo o papel
de fazer a crise respingar sobre o Congresso. A austeridade deve ser
um programa de Estado, não de um ou outro partido, e o PT
busca deixar isso claro. Se cair, arrastará os demais junto. A
Operação Lava Jato se estende para os demais partidos
do regime.
Reafirmamos
que o mais provável no momento é a permanência do
governo do PT. Entretanto, nada garante que isso se não mude.
A burguesia não tem fidelidade a nenhum partido. Se a presença
do PT no governo se provar ruim para os negócios, o PT cairá.
Além disso, a burguesia não é homogênea e
possui setores e segmentos em disputa uns contra os outros, o que
pode resultar num curso de ação errático e
oscilante. De qualquer forma, se a crise se prolongar, a pequena
burguesia continuar protestando, os escândalos continuarem se
sucedendo, e principalmente, se os trabalhadores se colocarem em
luta, a burguesia mudará sua política. Por enquanto,
não há intenção real de desencadear o
processo de impeachment. E nem muito menos há um golpe em
andamento, embora haja golpistas pondo as manguinhas de fora.
Em busca
de um programa
A
construção de um programa que contenha uma compreensão
totalizante da realidade, explicando as tarefas que devem ser
cumpridas numa perspectiva de longo prazo (estratégia) e as
palavras de ordem para o curto prazo (tática) não é
nada simples. Ao mesmo tempo em que precisa resgatar os referenciais
básicos de luta de classes, revolução,
socialismo, o programa precisa conter respostas para as questões
imediatas com as quais a classe está defrontada, servindo como
instrumento de agitação, e uma estrutura lógica
que relacione uma coisa com a outra, de modo a desenvolver a ação
de propaganda e a construção da consciência e
organização para as ações de longo prazo.
A base
material é o esgotamento do modelo econômico. A única
alternativa capitalista para o relançamento da economia são
as medidas de austeridade, e mesmo assim sem a garantia de atravessar
a próxima crise mundial que se avizinha, e com a certeza de
aumentar a insatisfação popular. Assim sendo, qualquer
que seja o desenlace da crise política no plano da
superestrutura, com a saída ou permanência de Dilma, um
novo governo do PT com Lula ou um eventual governo do PSDB ou do
PMDB; o programa dos partidos burgueses é o mesmo, a
austeridade, e as conseqüências serão as mesmas, a
insatisfação popular, e portanto, em qualquer caso, a
instabilidade vai continuar. As margens mais estritas para a gestão
da economia levarão a um acirramento, uma agudização
da luta de classes, que se define exatamente como luta pelo controle
do excedente da produção. Nesse sentido, esta crise no
início do segundo mandato de Dilma é apenas o início
de uma nova situação de crises, instabilidade e
acirramento, que deve se prolongar a curto e médio prazo.
A
proposta de uma tática para o momento atual exposta abaixo
procura dar conta de alguns aspectos:
- o
governo do PT ainda não caiu, ele é o governo operante,
é o seu plano econômico que está em vigor. Este
governo é inimigo da nossa classe, está enfraquecido,
está sendo atacado, e nós trabalhadores temos que
mostrar nosso descontentamento e tomar a ofensiva. Os trabalhadores
estão frustrados com o governo e de certa forma manifestam um
apoio passivo à oposição. Não se
mobilizam para derrubar o governo, nem muito menos para defendê-lo.
Estão acompanhando os acontecimentos, à espera de uma
saída que ainda não se apresentou.
- a
pequena burguesia direitizada está tomando a frente e se
colocando como porta-voz dos interesses gerais, através de um
programa protofascista. Por isso não basta dizer apenas "fora
todos", é preciso delimitar que existe um movimento de
direita, com defensores da ditadura e elementos fascistas inclusive,
que são também nossos inimigos. Somos contra esse
movimento pelo impeachment como está colocado e contra suas
ideias. Por isso “Fora defensores do impeachment!”
- é
preciso arrematar que nem Dilma nem a oposição burguesa
são alternativa. Nem o PT nem o PMDB, o PSDB, o STF, a Rede
Globo, a Veja, partidos e organizações pró
capitalistas nos representam. Por isso “Fora todos os exploradores!
Unidade da classe trabalhadora!”
- dada a
situação de ausência de organização
e referência que analisamos acima, é preciso reafirmar o
método de luta dos trabalhadores. Para chegar a derrubar os
políticos da classe exploradora e realizar o “Fora todos!”,
somente a ação coletiva e organizada dos trabalhadores.
Essa ação não pode ser decretada, tem que ser
construída, por isso “Construir a greve geral!”
- a luta
deve deixar claros quais são os seus objetivos imediatos, os
meios para resolver os problemas concretos com os quais os
trabalhadores estão enfrentados, e que mais tem o poder de
mobilizá-los. É preciso listar as reivindicações
mais sentidas dos trabalhadores, como forma de explicar também
os objetivos da greve geral defendida antes. Por isso é
preciso defender um “Plano econômico dos trabalhadores!”
- não
basta apenas negar o existente, é preciso realizar a negação
da negação, a afirmação de uma
alternativa, um poder dos trabalhadores. Entretanto, a construção
dessa alternativa não se improvisa de um momento para o outro
nem pode ser proclamada artificialmente. O que se pode indicar são
os contornos do tipo de alternativa que precisa ser construído.
Por isso, a política se completa com a defesa de “Um governo
revolucionário dos trabalhadores baseado em suas organizações
de luta!”
Reunidos
esses elementos, teríamos:
FORA
PSDB E SEU BLOCO, DEFENSORES DO IMPEACHMENT, FORA FASCISTAS E MÍDIA
GOLPISTA!
FORA
TODOS OS EXPLORADORES! UNIDADE DA CLASSE TRABALHADORA!
POR UM
PLANO ECONÔMICO DOS TRABALHADORES!
*
Salario mínimo do DIEESE!
* Contra
a inflação, abrir as planilhas das empresas!
* Contra
os cortes nas pensões e seguro desemprego!
*
Direitos trabalhistas para todos, contra a terceirização
e o PL 4330!
*
Redução da jornada sem redução do
salário, até que haja emprego para todos!
*
Confisco do dinheiro dos sonegadores na Suíça! Taxação
das grandes fortunas!
* Não
pagamento da divida e uso desse dinheiro para atender as necessidades
dos trabalhadores em saúde, educação,
transporte, etc.
POR UM
FORUM DE LUTAS ANTIGOVERNISTA E ANTIBUROCRATICO!
CONSTRUIR
A GREVE GERAL!
DERRUBAR
DILMA E QUALQUER GOVERNO BURGUES POR MEIO DA LUTA DOS TRABALHADORES!
POR UM
GOVERNO REVOLUCIONARIO DOS TRABALHADORES BASEADO EM SUAS ORGANIZACOES
DE LUTA!
Daniel M.
Delfino
Março
2015
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