Brasil e
México, semelhanças e diferenças
No
Brasil, a tentativa de aumentar as passagens do transporte público
em R$ 0,20 centavos foi a gota d'água que fez transbordar o
copo da insatisfação popular. Foi isso que levou às
manifestações de junho de 2013, que mudaram a situação
política do país.
No
México, a gota d'água foi a chacina de 43 estudantes em
26 de setembro deste ano. O desaparecimento dos estudantes revoltou o
país, dando início a uma onda nacional de protestos,
que está exigindo nada menos do que a saída do
presidente da república.
A
diferença entre os dois países não é que
o Brasil seja menos violento que o México. Muito pelo
contrário, o Brasil é um dos países mais
violentos do mundo. O número de pessoas mortas por armas de
fogo no Brasil equivale ao de países que estão em
guerra. São 56 mil mortes por armas de fogo ao ano, o
equivalente a 1,4 massacres do Carandiru por dia, sendo que 91% das
vítimas são homens, 53% são jovens (que
representam 26% da população) e a taxa de mortalidade
por homicídio é 73% maior entre os negros (segundo os
dados de 2012, os mais atuais disponíveis -
http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/os-20-fatos-mais-importantes-sobre-a-violencia-no-brasil).
Existe portanto uma guerra no Brasil, um genocídio da
juventude negra nas periferias, uma guerra social contra os pobres, o
massacre sistemático de indígenas, quilombolas,
ribeirinhos e camponeses pelo agronegócio, etc.
A
diferença entre Brasil e México é que no nosso
país a burguesia foi mais habilidosa, e colocou no governo do
país um partido, o PT, no qual os trabalhadores tinham grandes
esperanças (e de certa forma ainda tem, como demonstram as
eleições de 2014). Esse partido garantiu os lucros da
burguesia maquiando as suas políticas de incentivos ao capital
com o marketing de ações “sociais” e
“progressistas”.
O Pacto
por México e as contra reformas neoliberais
No
México, ao contrário, a burguesia seguiu governando por
meio de partidos burgueses tradicionais. O PRI, que governou o país
por 71 anos, perdeu duas eleições seguidas para os
candidatos do PAN, em 2000 e 2006, mas voltou ao poder em 2012 com o
atual presidente, Enrique Peña Nieto. O mais próximo de
uma vitória de um candidato “alternativo” ou semelhante ao
PT no México aconteceu em 2006, quando Andrés Manuel
López Obrador – AMLO, pelo PRD, perdeu as eleições
para o candidato do PAN por apenas 0,56 % dos votos, uma fraude
eleitoral que revoltou o país e quase impediu a posse do
presidente do PAN.
Posteriormente,
os três principais partidos, PRI, PAN e PRD, mais o PVEM –
Partido Verde, concordaram em celebrar em 2013 um acordo chamado
“Pacto por Mexico”, o que significa que se comprometeram com uma
plataforma comum de contra-reformas neoliberais, cujo carro chefe é
a quebra do monopólio estatal do petróleo, conquista da
década de 1930 e um dos resultados da Revolução
Mexicana de 1910.
A
tragédia do México é estar tão próximo
dos Estados Unidos, diz um antigo ditado. A condição de
vizinho da grande potência imperialista mundial transformou o
México em reserva de mão de obra para o capitalismo
estadunidense. Nessa condição, a obediência
estrita às políticas neoliberais tem que ser garantida
a qualquer custo, daí a margem de manobra mais estreita, que
determina as escolhas políticas e não permite métodos
alternativos de aplicação das políticas
imperialistas. São dois os pilares fundamentais da política
ditada pelo imperialismo ao México: as contra reformas
neoliberais e a guerra às drogas. São justamente essas
as causas da atual crise no país.
A
chacina de Ayotzinapa
As
contra reformas anunciadas pelo presidente Peña Nieto incluem
também uma nova regulamentação para a carreira
dos professores da rede pública, estabelecendo um sistema de
avaliações como critério para progressão
funcional e salarial. Na verdade, as avaliações
significam que os professores ficam nas mãos das direções
escolares e do Estado, que assim pode afastar da rede pública
aqueles que contestam não apenas a linha pedagógica,
mas a gestão da educação como um todo, o corte
de verbas, o arrocho salarial, etc.
As
medidas na educação geraram protestos dos docentes no
país inteiro, chegando à Escola Normal Raúl
Isidro Burgos, em Ayotzinapa, Estado de Guerrero, que forma
professores para a educação básica no campo. Em
26 de setembro deste ano, 43 estudantes de Ayotzinapa desapareceram,
depois de um confronto com a policia local. As suspeitas recaíram
imediatamente sobre o prefeito da cidade de Iguala, que teria
entregue os estudantes a um cartel local do narcotráfico, os
Guerreiros Unidos. Depois de meses de investigação,
somente agora em dezembro descobriu-se que os restos mortais
carbonizados encontrados em uma das valas comuns usadas para as
execuções praticadas pelos traficantes pertencem ao
estudante Alexander Mora Venancio, um dos 43 desaparecidos de
Ayotzinapa. É a única morte confirmada por enquanto.
As
jornadas mexicanas
O
desaparecimento dos estudantes chocou o país e iniciou uma
onda de protestos. Os pais dos estudantes desaparecidos e seus
colegas iniciaram um movimento exigindo que os 43 reapareçam
com vida. O prefeito de Iguala fugiu e reapareceu em novembro, quando
foi preso na capital do país. O governador do estado, uma
velha raposa há décadas no poder, renunciou. A
população do país já fez o seu julgamento
e já tem um culpado pelo crime: o Estado. O governo mexicano,
tão corrupto quanto o brasileiro, está associado de
ponta a ponta com as organizações criminosas.
Prefeitos, governadores, deputados, juízes, chefes de polícia
locais e federais, todos recebem dinheiro de traficantes para
acobertar seus crimes e compactuar com a violência dos cartéis.
Esse é
o resultado da política imperialista de “guerra às
drogas”, o aumento da violência do narcotráfico, da
corrupção policial e estatal e da insegurança da
população. O povo mexicano resolveu dar um basta nessa
situação. Depois da verdade sobre os desaparecimentos,
a principal reivindicação é nada menos que a
renúncia do presidente Peña Nieto, considerado o
principal chefe do esquema.
Os
protestos convergiram para uma grande marcha nacional em 20 de
novembro, ponto alto das mobilizações até agora,
quando cerca de 1 milhão de pessoas se concentraram no Zócalo,
a principal praça da Cidade do México, capital do país.
Os protestos não param desde então, reunindo o
movimento estudantil universitário, docentes – praticamente
em estado de greve desde setembro, com os professores declarando que
não vão dar aula porque faltam 43 – organizações
camponesas, populares e sindicais.
Unificar
a luta e avançar contra o capital!
As lutas
convergiram para a formação de uma Assembleia Nacional
Popular, com sede na Escola Normal de Ayotzinapa, liderada pelos pais
e colegas dos 43, mais a Assembleia Interuniversitaria, órgão
do movimento estudantil, associações camponesas e
sindicatos. Por enquanto, as principais reivindicações
da Assembleia são a verdade sobre os 43 e a saída de
Peña Nieto. A constituição de um órgão
unitário para centralizar as lutas é um grande avanço.
Porém é preciso avançar muito mais.
A
situação política mudou com a onda de protestos
populares, e no momento o governo está na defensiva. Se o
movimento não avançar para um programa que represente
as reivindicações populares, o governo e a burguesia
retomarão a ofensiva. A principal figura da oposição
mexicana continua sendo AMLO, que já não está
mais no PRD, e fundou o MORENA – Movimento de Regeneração
Nacional, uma espécie de PSOL mexicano, cuja política
se limita à crítica da corrupção e
algumas reformas, e no momento pede a saída de Peña
Nieto e a antecipação das eleições, para
que o próprio AMLO possa concorrer novamente.
É
preciso superar as limitações da Assembleia Nacional
Popular e de AMLO, mas para isso é preciso que haja uma
estratégia totalizante, o que infelizmente não há.
A principal força dos movimentos sociais no México é
também, paradoxalmente, a sua fraqueza. As décadas de
violência nas mãos do Estado e do crime organizado deram
origem a uma série de organizações locais de
autodefesa popular. Indígenas, camponeses e trabalhadores
pobres nas aldeias e pequenas cidades pegaram em armas para se
defender e estabeleceram milícias próprias, que em
várias regiões impuseram sua autoridade contra o poder
estatal e o do crime.
O
Exército Zapatista de Libertação Nacional –
EZLN, baseado nos indígenas de Chiapas, e que se tornou
mundialmente famoso ao desencadear suas operações em
1994, no mesmo dia em que se assinava o Acordo de Livre Comércio
com os Estados Unidos e Canadá (NAFTA, na sigla em inglês);
é apenas o maior e mais famoso de uma série de
organizações populares semelhantes que existem por todo
o país.
Essa
capacidade de auto organização dos camponeses e
trabalhadores mexicanos é uma virtude, mas o fato dessa
organização permanecer restrita à autodefesa
local é uma séria limitação. Esses
movimentos não se colocam a questão da tomada do poder,
da derrota total do Estado burguês mexicano e da construção
de governo operário e camponês. A sua ideologia é
o autonomismo, a independência local, as reivindicações
de cada pequena comunidade. Enquanto permanecerem restritos a essa
esfera, os movimentos deixam o flanco aberto para que o governo
recupere a iniciativa e derrote as lutas uma por uma, em cada local.
A
batalha decisiva para a vitória do movimento desencadeado pela
revolta contra a chacina dos 43 será portanto a luta pela
construção de uma alternativa totalizante,
anticapitalista e socialista, que ataque as causas do problema, o
papel do México como país capitalista subordinado e
reserva de mão de obra do imperialismo estadunidense.
Pela
unificação de todas as lutas populares!
Revogação
de todas as contra reformas neoliberais e da abertura do petróleo!
Justiça
para os 43 de Ayotzinapa e punição dos culpados!
Fora
Peña Nieto e todos os signatários do Pacto por México!
Por um
governo operário e camponês! Por uma revolução
socialista!
Daniel M.
Delfino
Dezembro
2014
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