5.11.15

Todo apoio à luta do povo mexicano! Somos todos Ayotzinapa!



Brasil e México, semelhanças e diferenças
No Brasil, a tentativa de aumentar as passagens do transporte público em R$ 0,20 centavos foi a gota d'água que fez transbordar o copo da insatisfação popular. Foi isso que levou às manifestações de junho de 2013, que mudaram a situação política do país.
No México, a gota d'água foi a chacina de 43 estudantes em 26 de setembro deste ano. O desaparecimento dos estudantes revoltou o país, dando início a uma onda nacional de protestos, que está exigindo nada menos do que a saída do presidente da república.
A diferença entre os dois países não é que o Brasil seja menos violento que o México. Muito pelo contrário, o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. O número de pessoas mortas por armas de fogo no Brasil equivale ao de países que estão em guerra. São 56 mil mortes por armas de fogo ao ano, o equivalente a 1,4 massacres do Carandiru por dia, sendo que 91% das vítimas são homens, 53% são jovens (que representam 26% da população) e a taxa de mortalidade por homicídio é 73% maior entre os negros (segundo os dados de 2012, os mais atuais disponíveis - http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/os-20-fatos-mais-importantes-sobre-a-violencia-no-brasil). Existe portanto uma guerra no Brasil, um genocídio da juventude negra nas periferias, uma guerra social contra os pobres, o massacre sistemático de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e camponeses pelo agronegócio, etc.
A diferença entre Brasil e México é que no nosso país a burguesia foi mais habilidosa, e colocou no governo do país um partido, o PT, no qual os trabalhadores tinham grandes esperanças (e de certa forma ainda tem, como demonstram as eleições de 2014). Esse partido garantiu os lucros da burguesia maquiando as suas políticas de incentivos ao capital com o marketing de ações “sociais” e “progressistas”.

O Pacto por México e as contra reformas neoliberais
No México, ao contrário, a burguesia seguiu governando por meio de partidos burgueses tradicionais. O PRI, que governou o país por 71 anos, perdeu duas eleições seguidas para os candidatos do PAN, em 2000 e 2006, mas voltou ao poder em 2012 com o atual presidente, Enrique Peña Nieto. O mais próximo de uma vitória de um candidato “alternativo” ou semelhante ao PT no México aconteceu em 2006, quando Andrés Manuel López Obrador – AMLO, pelo PRD, perdeu as eleições para o candidato do PAN por apenas 0,56 % dos votos, uma fraude eleitoral que revoltou o país e quase impediu a posse do presidente do PAN.
Posteriormente, os três principais partidos, PRI, PAN e PRD, mais o PVEM – Partido Verde, concordaram em celebrar em 2013 um acordo chamado “Pacto por Mexico”, o que significa que se comprometeram com uma plataforma comum de contra-reformas neoliberais, cujo carro chefe é a quebra do monopólio estatal do petróleo, conquista da década de 1930 e um dos resultados da Revolução Mexicana de 1910.
A tragédia do México é estar tão próximo dos Estados Unidos, diz um antigo ditado. A condição de vizinho da grande potência imperialista mundial transformou o México em reserva de mão de obra para o capitalismo estadunidense. Nessa condição, a obediência estrita às políticas neoliberais tem que ser garantida a qualquer custo, daí a margem de manobra mais estreita, que determina as escolhas políticas e não permite métodos alternativos de aplicação das políticas imperialistas. São dois os pilares fundamentais da política ditada pelo imperialismo ao México: as contra reformas neoliberais e a guerra às drogas. São justamente essas as causas da atual crise no país.

A chacina de Ayotzinapa
As contra reformas anunciadas pelo presidente Peña Nieto incluem também uma nova regulamentação para a carreira dos professores da rede pública, estabelecendo um sistema de avaliações como critério para progressão funcional e salarial. Na verdade, as avaliações significam que os professores ficam nas mãos das direções escolares e do Estado, que assim pode afastar da rede pública aqueles que contestam não apenas a linha pedagógica, mas a gestão da educação como um todo, o corte de verbas, o arrocho salarial, etc.
As medidas na educação geraram protestos dos docentes no país inteiro, chegando à Escola Normal Raúl Isidro Burgos, em Ayotzinapa, Estado de Guerrero, que forma professores para a educação básica no campo. Em 26 de setembro deste ano, 43 estudantes de Ayotzinapa desapareceram, depois de um confronto com a policia local. As suspeitas recaíram imediatamente sobre o prefeito da cidade de Iguala, que teria entregue os estudantes a um cartel local do narcotráfico, os Guerreiros Unidos. Depois de meses de investigação, somente agora em dezembro descobriu-se que os restos mortais carbonizados encontrados em uma das valas comuns usadas para as execuções praticadas pelos traficantes pertencem ao estudante Alexander Mora Venancio, um dos 43 desaparecidos de Ayotzinapa. É a única morte confirmada por enquanto.

As jornadas mexicanas
O desaparecimento dos estudantes chocou o país e iniciou uma onda de protestos. Os pais dos estudantes desaparecidos e seus colegas iniciaram um movimento exigindo que os 43 reapareçam com vida. O prefeito de Iguala fugiu e reapareceu em novembro, quando foi preso na capital do país. O governador do estado, uma velha raposa há décadas no poder, renunciou. A população do país já fez o seu julgamento e já tem um culpado pelo crime: o Estado. O governo mexicano, tão corrupto quanto o brasileiro, está associado de ponta a ponta com as organizações criminosas. Prefeitos, governadores, deputados, juízes, chefes de polícia locais e federais, todos recebem dinheiro de traficantes para acobertar seus crimes e compactuar com a violência dos cartéis.
Esse é o resultado da política imperialista de “guerra às drogas”, o aumento da violência do narcotráfico, da corrupção policial e estatal e da insegurança da população. O povo mexicano resolveu dar um basta nessa situação. Depois da verdade sobre os desaparecimentos, a principal reivindicação é nada menos que a renúncia do presidente Peña Nieto, considerado o principal chefe do esquema.
Os protestos convergiram para uma grande marcha nacional em 20 de novembro, ponto alto das mobilizações até agora, quando cerca de 1 milhão de pessoas se concentraram no Zócalo, a principal praça da Cidade do México, capital do país. Os protestos não param desde então, reunindo o movimento estudantil universitário, docentes – praticamente em estado de greve desde setembro, com os professores declarando que não vão dar aula porque faltam 43 – organizações camponesas, populares e sindicais.

Unificar a luta e avançar contra o capital!
As lutas convergiram para a formação de uma Assembleia Nacional Popular, com sede na Escola Normal de Ayotzinapa, liderada pelos pais e colegas dos 43, mais a Assembleia Interuniversitaria, órgão do movimento estudantil, associações camponesas e sindicatos. Por enquanto, as principais reivindicações da Assembleia são a verdade sobre os 43 e a saída de Peña Nieto. A constituição de um órgão unitário para centralizar as lutas é um grande avanço. Porém é preciso avançar muito mais.
A situação política mudou com a onda de protestos populares, e no momento o governo está na defensiva. Se o movimento não avançar para um programa que represente as reivindicações populares, o governo e a burguesia retomarão a ofensiva. A principal figura da oposição mexicana continua sendo AMLO, que já não está mais no PRD, e fundou o MORENA – Movimento de Regeneração Nacional, uma espécie de PSOL mexicano, cuja política se limita à crítica da corrupção e algumas reformas, e no momento pede a saída de Peña Nieto e a antecipação das eleições, para que o próprio AMLO possa concorrer novamente.
É preciso superar as limitações da Assembleia Nacional Popular e de AMLO, mas para isso é preciso que haja uma estratégia totalizante, o que infelizmente não há. A principal força dos movimentos sociais no México é também, paradoxalmente, a sua fraqueza. As décadas de violência nas mãos do Estado e do crime organizado deram origem a uma série de organizações locais de autodefesa popular. Indígenas, camponeses e trabalhadores pobres nas aldeias e pequenas cidades pegaram em armas para se defender e estabeleceram milícias próprias, que em várias regiões impuseram sua autoridade contra o poder estatal e o do crime.
O Exército Zapatista de Libertação Nacional – EZLN, baseado nos indígenas de Chiapas, e que se tornou mundialmente famoso ao desencadear suas operações em 1994, no mesmo dia em que se assinava o Acordo de Livre Comércio com os Estados Unidos e Canadá (NAFTA, na sigla em inglês); é apenas o maior e mais famoso de uma série de organizações populares semelhantes que existem por todo o país.
Essa capacidade de auto organização dos camponeses e trabalhadores mexicanos é uma virtude, mas o fato dessa organização permanecer restrita à autodefesa local é uma séria limitação. Esses movimentos não se colocam a questão da tomada do poder, da derrota total do Estado burguês mexicano e da construção de governo operário e camponês. A sua ideologia é o autonomismo, a independência local, as reivindicações de cada pequena comunidade. Enquanto permanecerem restritos a essa esfera, os movimentos deixam o flanco aberto para que o governo recupere a iniciativa e derrote as lutas uma por uma, em cada local.
A batalha decisiva para a vitória do movimento desencadeado pela revolta contra a chacina dos 43 será portanto a luta pela construção de uma alternativa totalizante, anticapitalista e socialista, que ataque as causas do problema, o papel do México como país capitalista subordinado e reserva de mão de obra do imperialismo estadunidense.
Pela unificação de todas as lutas populares!
Revogação de todas as contra reformas neoliberais e da abertura do petróleo!
Justiça para os 43 de Ayotzinapa e punição dos culpados!
Fora Peña Nieto e todos os signatários do Pacto por México!
Por um governo operário e camponês! Por uma revolução socialista!

Daniel M. Delfino
Dezembro 2014






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