A luta
de classes na Europa e o relançamento da “guerra ao terror”
Os
atentados contra a revista Charlie Hebdo, no dia 7 de janeiro em
Paris, deram a oportunidade para que o conjunto das potências
imperialistas relançassem a campanha da “guerra ao terror”.
No caso da Europa, a “guerra ao terror” tem a particularidade de
que os tradicionais “suspeitos” de terrorismo habitam o próprio
coração do continente. Milhões de imigrantes
africanos, asiáticos, latinoamericanos e do Oriente Médio
e seus descendentes habitam praticamente todos os países
europeus. Cerca de 1 milhão de novos imigrantes chegam todos
os anos, pois são necessários para repor a população
economicamente ativa decrescente devido à baixa taxa de
natalidade dos europeus. Esses imigrantes ficam com os piores
empregos, recebem os piores salários, moram nos piores
bairros, sujeitos à precariedade dos serviços públicos
e à violência do crime, e são os primeiros a
serem demitidos nas crises.
Como se
não bastasse essa situação, toda vez que
sobrevém uma crise os trabalhadores imigrantes e seus
descendentes são taxados como culpados por “roubar os
empregos” dos nativos pelas forças da direita, e fisicamente
atacados pela ultra direita fascista e neonazista. A xenofobia, a
islamofobia e o racismo envenenam ideologicamente os trabalhadores
europeus e os impedem de construir a necessária unidade contra
os ataques da burguesia. A divisão da classe trabalhadora
entre nativos e imigrantes é fundamental para que os
capitalistas consigam desmontar o que resta do estado de bem estar
social europeu.
A Europa
nunca se recuperou plenamente da crise de 2008 e até hoje os
patrões tentam retomar seus lucros com a ajuda dos governos,
impondo as chamadas medidas de “austeridade”: demissões,
corte de salários e direitos, sucateamento dos serviços
públicos, aumento da idade de aposentadoria, aumento de
impostos, etc. Os trabalhadores tem lutado contra essas medidas por
meio de greves e manifestações, mas padecem da ausência
de organização e programa consequentes, já que
as burocracias sindicais estão completamente incorporadas à
gestão do capitalismo e aliadas aos partidos governantes. E
nem é preciso dizer, as burocracias sindicais e partidos ditos
“de esquerda” ou “trabalhistas” são completamente
omissas em relação à disputa ideológica
contra a direita, e em particular no que se refere à árdua
tarefa da construção da unidade entre nacionais e
estrangeiros.
A farsa
da “marcha republicana”
É
nesse contexto que aconteceram os atentados em Paris e que os
governantes do continente lançam a sua “guerra ao terror”,
como pretexto para colocar imensos contingentes policiais e militares
nas ruas. Se essas tropas vão ser úteis para caçar
terroristas é algo duvidoso, mas com certeza vão servir
para impedir as lutas dos trabalhadores. O lançamento dessa
campanha de militarização e repressão se deu na
“marcha republicana” que aconteceu em Paris, no dia 11 de
janeiro, em repúdio aos atentados, liderada pelo presidente
François Hollande e composta por chefes de estado e
autoridades de dezenas de países. O aspecto mais marcante
dessa marcha foi o extremo cinismo dos seus componentes, já
que foi convocada em defesa da “liberdade de expressão”,
mas tinha entre seus participantes alguns dos governantes mais
autoritários e corruptos do mundo. Citemos alguns:
- Petro
Poroshenko, presidente da Ucrânia, eleito ilegalmente após
um golpe de Estado fascista e que está atualmente massacrando
a população da região leste do país, a
qual não aceita o golpe e nem a política que o
acompanha, as medidas neoliberais de austeridade da União
Européia;
- Recep
Tayyip Ergogan, primeiro ministro da Turquia, país que há
décadas reprime a minoria curda, e que reprimiu os
manifestantes que se levantaram em defesa da praça Taksim em
Istambul em 2013 e contra a corrupção do governo em
2014;
-
Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, que em 2014 ordenou
mais uma rodada do genocídio palestino com os bombardeios
sobre Gaza, alvejando inclusive escolas e hospitais, matando milhares
de pessoas, inclusive mulheres e crianças;
- O
secretário de Estado John Kerry, que veio em lugar do
presidente Obama. Os Estados Unidos financiaram o Talibã, a Al
Qaeda e o Estado Islâmico, e agora querem novamente enviar
tropas para o Oriente Médio sob o pretexto de combatê-los.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos empreendem uma caçada
mundial contra Julian Assange, criador do site Wikileaks, que
publicou documentos da rede de embaixadas estadunidenses, expondo a
brutal arrogância imperial com a qual tratam o restante do
mundo; e contra Eduard Snowden, que revelou documentos secretos da
CIA expondo a espionagem estadunidense.
Além
desses facínoras, compareceram à marcha outros menos
cotados, como ditadores africanos ou monarcas do Oriente Médio,
acostumados a afogar a oposição em sangue. Os maiores
mentirosos do mundo, figuras que escondem informações,
financiam o terrorismo, espionam outros países, empreendem
massacres, reprimem a oposição, saqueiam as riquezas
dos povos, etc. São esses os defensores da “liberdade de
expressão”!
Enquanto
houver capitalismo, não haverá liberdade de expressão
Os
exemplos dos atentados em Paris e da “marcha republicana” mostram
que nenhuma palavra de ordem tem valor em si, mas dependem do
contexto político e dos autores que as emitem. Os maiores
exploradores e opressores falam em liberdade, democracia, justiça,
etc., quando lhes convém, mas sua prática contradiz
diariamente o discurso. Os aliados de François Hollande não
tem compromisso algum com a liberdade de expressão, mas são
oportunistas o suficiente para usar essa palavra de ordem quando a
opinião pública se mostrou sensibilizada com a morte
dos cartunistas de Charlie Hebdo.
Juntamente
com essa categoria de oportunistas, surgiram outros tantos, não
menos cínicos, que desfraldaram a bandeira da “liberdade de
expressão” para defender o direito de difundir o racismo, o
machismo, a LGBTfobia, disfarçados de humor. Assim como o
medíocre Charlie Hebdo na França, temos também
no Brasil, nos “stand ups” e “talk shows”, uma série
de “artistas” e “humoristas” que não fazem mais do que
reproduzir o preconceito contra as camadas mais oprimidas da
população. Agora, respaldados pelo repúdio ao
terrorismo, querem o álibi para continuar fazendo piadas com
negros, mulheres, LGBTs, em nome da “liberdade de expressão”.
Essas piadas aparentemente inocentes servem como legitimação
para agressões físicas e psicológicas que as
mulheres, negros e LGBTs sofrem cotidianamente.
Esse
repertório de ideias racistas, machistas e LGBTfóbicas,
juntamente com a defesa da pena de morte, da redução da
maioridade penal, da volta da ditadura militar, contra os direitos
humanos, etc., fazem parte do arsenal da classe dominante para
momentos de crise. Tais ideias são úteis para manter a
classe trabalhadora dividida pelo ódio e pelo preconceito
entre seus diversos segmentos, para evitar que entrem em luta de
forma unificada contra as misérias do capitalismo.
Essas
ideias sempre terão liberdade, dentro do capitalismo. Aliás,
sob o capitalismo, somente podem se expressar livremente as ideias
compatíveis com os interesses da classe dominante. Os veículos
de comunicação, televisões, rádios,
jornais, revistas, sites de internet, somente publicam aquilo que é
do interesse dos seus proprietários, aquilo que lhe traz lucro
pela audiência, ou pela defesa dos interesses dos seus
patrocinadores.
As
únicas ideias verdadeiramente livres dos interesses do capital
são aquelas que defendem a abolição do capital.
E essas ideias são hoje praticamente clandestinas, banidas,
censuradas. Precisamos de liberdade de expressão sim, mas para
as ideias emancipatórias, que defendem a libertação
da humanidade da escravidão ao capital, da exploração,
da opressão e de todas as suas mentiras. Somente numa
sociedade socialista teremos liberdade de expressão real para
a manifestação de todas as formas de pensamento e de
sensibilidade. E somente numa sociedade livre da exploração
e da opressão não se farão mais piadas com o
sofrimento e a humilhação dos explorados e oprimidos.
Daniel M.
Delfino
Janeiro
2015
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