Origem
dos sindicatos
Os
sindicatos surgiram no século XIX como uma forma espontânea
de defesa dos trabalhadores contra os abusos da classe patronal. Na
época as jornadas de trabalho diárias chegavam a 14
horas, os salários eram de fome, mulheres e crianças
trabalhavam como os homens e eram submetidas a todo tipo de abuso,
não havia seguro contra acidentes de trabalho, doenças
ou invalidez, não havia aposentadoria, etc. Os trabalhadores
se revoltavam contra essas condições abusivas e paravam
a produção, obrigando os patrões a negociar.
Essa união do trabalhadores para a luta coletiva é o
que deu origem aos sindicatos (em inglês os sindicatos se
chamam “unions”).
Entretanto,
ainda no século XIX Karl Marx havia apontado o caráter
contraditório dos sindicatos. De um lado são um
instrumento importante da luta dos trabalhadores, pois surgiram de
sua organização espontânea e pela sua força
tiveram que ser reconhecidos pelos patrões e pelo Estado. De
outro lado, porém, a luta sindical acaba tendo como limite a
luta por maiores salários e melhores condições
de trabalho, o que significa na prática a conquista de um
preço melhor para a venda da força de trabalho, e
assim, a manutenção da relação de
trabalho assalariado. Segundo Marx a verdadeira emancipação
dos trabalhadores seria na verdade o fim do trabalho assalariado.
Isso só
seria possível com uma revolução que pusesse fim
ao capitalismo e levasse à construção do
socialismo, um tipo de sociedade em que os trabalhadores teriam o
controle total sobre a produção e o poder de decidir
coletivamente o que produzir, como produzir, em que quantidade, etc.
A sociedade daria a cada um segundo a sua necessidade e pediria de
cada um conforme a sua capacidade. A participação dos
militantes marxistas nos sindicatos somente se justifica então
como uma forma de fazer os trabalhadores irem além da luta
meramente sindical (salarial) e avançarem na luta pelo
socialismo.
Os
sindicatos no Brasil
Os
primeiros sindicatos no Brasil foram fundados entre fins do século
XIX e início do XX por trabalhadores imigrantes espanhóis
e italianos, trazidos para as primeiras indústrias. Isso
porque os industriais da época não contratavam
trabalhadores negros, nordestinos e brasileiros pobres, que tinham
sua própria e longa história de resistência e
luta. Esses militantes estrangeiros que construíram os
primeiros sindicatos eram em sua maioria anarquistas. Rejeitavam a
negociação com o Estado e buscavam fazer com que os
trabalhadores fossem completamente independentes. Além de
organizar as greves e demais lutas, criavam caixas de assistência
para os doentes, inválidos e idosos, publicavam jornais,
montavam bibliotecas e associações culturais, etc.
Essa
fase do sindicalismo classista e independente terminou na década
de 1930, quando o governo Vargas reprimiu as lutas operárias e
perseguiu os militantes. Além disso, editaram-se leis criando
a estrutura sindical que vigora até hoje no país. Os
sindicatos são obrigados a se registrar no ministério
do trabalho para ser reconhecidos nas negociações
salariais. Cria-se a lei de greve, que obriga os sindicatos a
notificar os patrões com antecedência, para que a greve
seja julgada legal na Justiça do Trabalho, também
criada nessa época. Proíbe-se a existência de
mais de um sindicato da mesma categoria num mesmo município
(unicidade sindical). O governo passa a cobrar o imposto sindical,
que é descontado de todos os trabalhadores do país,
independentemente de serem sindicalizados ou não, e o valor é
repassado para os sindicatos, o que dá margem para a
existência de uma camada de burocratas sindicais que se
sustentam no comando de entidades mesmo sem fazer nenhum tipo de
organização entre os trabalhadores.
Nas
décadas de 1950 e 60, mesmo com essa estrutura sindical
engessada pelo Estado desenvolvem-se importantes lutas, como a greve
geral de 1963, que resultou na conquista do 13º salário.
Esse ciclo de lutas foi barrado pelo golpe militar de 1964, que
cassou os mandatos dos dirigentes sindicais (em sua maioria ligados
ao antigo PCB) e instalou em seu lugar dirigentes nomeados pelos
militares, que ganharam o apelido de “pelegos”. Somente em fins
da década de 1970 o movimento sindical voltaria a se
organizar, com uma nova geração de operários e
de militantes que lideraram uma importante onda de greves. As greves
do ABC paulista entre 1978 e 1980, juntamente com as lutas de vários
outros movimentos sociais, colaboraram para dar fim à
ditadura. Esse ciclo de lutas fez com que novos dirigentes combativos
fossem eleitos para a direção dos sindicatos,
expulsando os pelegos. O marco desse movimento de retomada dos
sindicatos foi a fundação da Central Única dos
Trabalhadores – CUT – em 1983, que reunia os sindicatos mais
combativos do país e alcançou grande
representatividade.
A
década de 1990 e o “sindicalismo cidadão”
O ciclo
de lutas e greves que se estendeu ao longo de toda a década de
1980 obteve importantes conquistas salariais e sociais, mas não
conseguiu fazer questionamentos mais profundos à ordem social.
Mesmo com toda a sua combatividade, a CUT da década de 1980
não chegou a incorporar em seu programa a luta pela superação
do capitalismo, no sentido entendido pelos marxistas. Nem sequer foi
derrubada a estrutura que vinha da era Vargas (imposto sindical,
unicidade sindical, judicialização das greves, etc.).
Na
década de 1990 as quedas do muro de Berlim e da URSS trouxeram
importantes mudanças para as lutas dos trabalhadores. Aqueles
países não eram socialistas, mas o seu desmantelamento
deu oportunidade para que a classe empresarial atacasse várias
conquistas dos trabalhadores, com o discurso de “fim do
socialismo”, “fim da história”, as ideologias pós
modernas, etc. Foi o momento da implantação das
políticas neoliberais, da chamada “globalização”,
da formação de um mercado mundial de força de
trabalho, da reestruturação produtiva, das
terceirizações, privatizações, etc.
Nesse
período a CUT, dirigida pelo PT, abandonou o sindicalismo
combativo das suas origens em troca do “sindicalismo cidadão”,
que privilegia as negociações. Os sindicalistas da CUT
passam a participar de fóruns “tripartites”, com a
presença do Estado e de empresários. Foi o caso das
chamadas “câmaras setoriais”, que elaboram políticas
para cada segmento da economia, como o setor automotivo,
eletrodomésticos, etc. Ao invés da defesa intransigente
dos interesses dos trabalhadores, os sindicalistas do PT-CUT
incorporaram o discurso da patronal de que não há
alternativa ao capitalismo, e sendo assim, para garantir seus
empregos e salários, os trabalhadores devem colaborar com os
empresários e o governo. Ao invés da luta de classes,
colaboração de classe.
Nessa
linha, os sindicatos devem deixar de fazer greves, ou fazer
movimentos cada vez mais “comportados” (nada de greve geral,
ocupações de fábrica, ações
diretas, etc.). Em alguns casos, os trabalhadores devem concordar em
ceder aos patrões, aceitando salários menores, mais
horas de trabalho, e outros sacrifícios, pois supõe-se
que somente com o sucesso das empresas os trabalhadores podem voltar
a ter ganhos no futuro. Acontece que as perdas, uma vez aceitas, são
definitivas, e os supostos ganhos futuros ficam só na
suposição. Os únicos que conseguem lucros
garantidos são os empresários, com a colaboração
dos sindicatos.
Os
governos do PT
Com esse
tipo de sindicalismo e essa relação com os empresários,
o PT se credenciou a chegar ao governo federal, com a eleição
de Lula em 2002 e Dilma em 2010. Com a chegada do PT ao governo, a
CUT avançou em sua incorporação à gestão
do capital. As centrais sindicais passaram a ter direito a uma parte
da verba do imposto sindical, o que levou a um “festival” de
novas centrais sindicais, a como CTB, UGT, NCST, etc., saídas
da CUT e Força Sindical, todas já nascidas sem nenhuma
relação com a luta (como foi a criação da
CUT nos anos 1980), interessadas apenas em levar uma fatia das verbas
do imposto para seus partidos e camarilhas dirigentes.
Torna-se
cada vez mais nítido que o projeto das principais burocracias
sindicais é chegar ao tipo de sindicalismo praticado na Europa
e nos Estados Unidos. Nesses países assumiu-se de tal forma a
colaboração de classes que os sindicatos se tornaram
uma espécie de anexo ao departamento de recursos humanos das
empresas. Em algumas categorias, os sindicatos são
responsáveis pelas contratações e demissões
(o que impede a existência de qualquer tipo de oposição
à diretoria). Em outras, são responsáveis pela
gestão do fundo de pensão (aposentadoria) dos
trabalhadores. O caso mais escandaloso foi o da GM em 2009. A empresa
foi à falência e para receber um empréstimo do
governo estadunidense e ser ressuscitada, os trabalhadores teriam que
aceitar demissões, redução de salários e
benefícios. O sindicato dos metalúrgicos dos Estados
Unidos conseguiu que os trabalhadores aprovassem esse plano. Em
troca, o sindicato ganhou ações da empresa...
Exemplos
recentes da degeneração dos sindicatos nas mãos
da burocracia
Esse
modelo de sindicalismo de empresa não está tão
distante assim do Brasil. Vejamos alguns exemplos recentes retirados
dos principais sindicatos da CUT.
- O
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo lançou
a proposta do Acordo Coletivo Especial – ACE. Se esse tipo de
acordo for aprovado, será possível aos sindicatos
assinar acordos inferiores à CLT (suspendendo conquistas
históricas, como férias, 13º, jornada de 8 horas,
licença maternidade, etc.) sem sequer passar por assembleias.
Esse acordo dará poder à patronal para passar um rolo
compressor sobre as conquistas históricas da classe
trabalhadora e fazer o Brasil retroceder às condições
da revolução industrial do século XIX descritas
acima. Por isso, a luta para impedir a aprovação do ACE
é uma das principais tarefas do atual momento.
- Na
greve dos professores da rede estadual de São Paulo em 2013 a
diretoria da APEOESP (Articulação, setor que
representa a CUT) decretou o fim da greve, quando a imensa maioria da
assembleia, com milhares de trabalhadores, havia votado pela
continuidade. A revolta dos professores foi tanta que a direção
do sindicato teve que sair do local da assembleia escoltada pela
polícia, que providencialmente estava presente em grande
número. Esse método de “tratorar” assembleias já
tinha sido visto em outros momentos, mas nunca de maneira tão
escancarada, numa categoria tão importante, de tamanha
visibilidade e numa assembleia de tão grandes proporções.
- O
sindicato dos bancários de São Paulo, Osasco e Região,
o maior do país e principal da categoria, realizou em maio uma
assembleia para alteração do estatuto, a pretexto das
eleições de 2014. Além de tornar mais difícil
a montagem de uma chapa de oposição e outras medidas
que tornam o sindicato mais burocrático e distante da base, um
dos artigos alterados é o que legalizou a incorporação
pelo sindicato de rendas provindas de entidades coligadas. Entre
essas entidades coligadas temos a Bancoop (cooperativa habitacional
que frequentou as páginas policiais em escândalo de
desvio de dinheiro das obras), Bancredi (cooperativa de crédito
que faz empréstimos para bancários, o que represente no
mínimo um sério conflito de interesse para uma entidade
que deveria ter como objetivo lutar por aumento de salário),
Bangraf, faculdade (que dá cursos como matemática
financeira, ajudando a formar mão de obra para os banqueiros,
ao invés de dar cursos sobre a história da luta dos
trabalhadores), projeto Travessia (ONG que faz trabalho
assistencial), Rede Brasil Atual (ponta de lança de um projeto
de comunicações que visa formar uma opinião
pública favorável ao PT).
A
Articulação-CUT-PT já controlava essas rendas,
mas a aprovação em estatuto facilita muito mais a
contabilização. Com isso, o sindicato se torna
financeiramente independente da situação dos
trabalhadores. O fato é que uma entidade que deveria servir
para a luta de uma categoria se transformou em um conglomerado
empresarial.
A
luta por uma alternativa para a organização dos
trabalhadores
Como
dissemos acima, a traição explícita da CUT a
várias lutas importantes levou os militantes combativos a
buscar novas alternativas de organização ainda nos
primeiros anos do governo Lula. Foi assim, que surgiram a Conlutas e
a Intersindical, que em sua origem disputavam a direção
dos sindicatos contra as correntes cutistas com um programa de luta e
de oposição ao governo do PT. Entretanto, a política
dos partidos que dirigem essas centrais, o PSTU e o PSOL,
respectivamente, ficou muito aquém do que seria necessário
para a construção das alternativas que a classe
trabalhadora precisa.
Vivemos
há algumas décadas uma crise estrutural do sistema do
capital, o que significa que as crises são cada vez mais
agudas e os períodos de recuperação da economia
são mais limitados. Não há mais margem para que
a classe dominante ofereça concessões aos
trabalhadores, pelo contrário, está retomando as
anteriores. Isso significa que as lutas não podem mais ser
limitadas às questões imediatas. É preciso cada
vez mais retomar a ofensiva contra o capitalismo e seus gestores,
como o PT e demais partidos da situação e da oposição.
É preciso fazer uma ampla denúncia desse governo e de
suas políticas pró-patronais e anti-operárias e
anti-populares. É preciso superar a crise da alternativa
socialista, que se instalou na consciência da classe
trabalhadora desde a década de 1990, quando a idéia de
uma alternativa ao capitalismo foi afastada.
Nem
Conlutas nem Intersindical têm estado à altura dessas
tarefas, por uma política deliberada de suas direções.
Ao invés de construir a consciência e a independência
política dos trabalhadores, limitam-se a uma política
de exigências ao governo Dilma, como se o governo do PT fosse
em algum momento mudar sua orientação pró-patronal.
Ao invés de preparar para as lutas, essas centrais priorizam a
constituição de chapas para as eleições
sindicais com setores da CUT ou da CTB, sacrificando a consciência
e a organização da classe a interesses aparatistas
imediatos.
Por
discordar da linha da direção majoritária da
Conlutas, o PSTU, nós do Espaço Socialista, em conjunto
com o Movimento Revolucionário, lançamos em 2012 o
Bloco Classista, Anticapitalista e de Base, com o objetivo de lutar
para resgatar o projeto da central. Defendemos:
-
oposição ao governo Dilma-PT
e às correntes governistas no movimento dos trabalhadores;
oposição à CUT e demais centrais governistas;
contra as chapas e alianças com setores cutistas e governistas
no movimento;
- organização de oposições sindicais que
se tornem espaços de resistência dos trabalhadores, a
partir dos locais de trabalho, em direção à
retomada dos sindicatos;
- luta pela democratização dos sindicatos, pelo
respeito às assembleias e fóruns de base;
- contra a burocratização dos sindicatos, rodízio
dos dirigentes e limitação do número de
mandatos;
- campanhas de denúncias do capitalismo e da necessidade da
sua superação;
Daniel M. Delfino
Julho 2013
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