O
PT surgiu como uma organização formada por militantes
que participavam das greves e lutas do novo movimento sindical da
década de 1980, e das lutas de outros movimentos sociais da
época, no campo, nos bairros, nas escolas e universidades,
etc. Lutas que ajudaram a enterrar a ditadura militar, e que eram
travadas por alguns dos participantes como passos de um processo
acumulativo que visava derrubar o capitalismo no país, e
construir o socialismo (ainda que este não fosse muito bem
definido). Na disputa entre as tendências no interior do
partido, entretanto, acabou prevalecendo a corrente liderada por Lula
(chamada de Articulação, nome que tem até hoje
nos sindicatos), contra as tendências socialistas. Com isso,
passou a haver cada vez menos lutas e cada vez mais o desvio da
atividade dos militantes para a ocupação de espaços
no Estado, através das eleições.
A
partir da queda do Muro de Berlim e da URSS em 1989-91,
desencadeou-se uma ofensiva política e ideológica da
burguesia, em escala mundial, em torno da ideia de fim do socialismo,
do marxismo, da luta de classes, etc. (ainda que a URSS e demais
países que lhe seguiam o “modelo” não fossem
socialistas), o que foi usado como justificativa para ataques aos
trabalhadores, no processo chamado de “globalização”
e neoliberalismo. Isso deu também o pretexto para que os
dirigentes do PT removessem do discurso do partido qualquer
referência ao socialismo, e passassem a defender abertamente a
administração do capitalismo, a sua “humanização”,
a “justiça social”, etc. Conforme passava à defesa
do capitalismo, o PT se habilitava aos poucos para a conquista do
governo federal, depois de se firmar entre os principais partidos do
país com a ocupação de prefeituras, governos
estaduais, bancadas de deputados e senadores.
A
burocratização e o aparelhamento do Estado
A
partir da opção de administrar o capitalismo, o PT se
adapta à lógica de uma sociedade baseada na exploração.
Apesar do intenso bombardeio ideológico de intelectuais
burgueses neoliberais e pós-modernos, o capitalismo continua
sendo o que sempre foi, um sistema que sobrevive às custas da
extração de trabalho não pago (mais valia) da
maioria da população, em benefício de uma
minoria de exploradores. O trabalhador é roubado todos os
dias, uma vez que o valor que recebe como salário é
sempre menor do que o valor que seu trabalho produz para o patrão.
Essa desigualdade estrutural na sociedade capitalista é a
fonte de todas as demais desigualdades e opressões.
A
luta entre a classe dos exploradores, a burguesia, e o proletariado
explorado continua sendo o motor da história, pois são
as únicas classes que trazem consigo um projeto de sociedade.
O projeto do proletariado só pode ser o fim do capitalismo, da
exploração, da propriedade privada, do trabalho
assalariado, das classes sociais e do Estado, em favor do trabalho
livre associado. Qualquer outro projeto significa a continuidade do
capitalismo e da exploração. Ao negar o socialismo e
assumir a continuidade do capitalismo como seu projeto, o PT
gradualmente deixa de ser um partido de trabalhadores e muda o seu
caráter de classe, passando a ser um partido burguês
composto de burocratas.
Essa
mutação se processa por meio de uma espécie de
“plano de carreira” para os militantes do partido. No nível
mais baixo estão os dirigentes de sindicatos (até hoje
a maior fonte de quadros para o PT), movimentos sociais, ONGs e
acadêmicos. Esses dirigentes já vivem uma vida de
privilegiados em relação aos trabalhadores, pois
possuem interesses próprios, separados e opostos aos do
proletariado. Formam uma camada social que denominamos de burocracia,
com um perfil pequeno burguês, comumente chamado de classe
média. Os burocratas usam seu prestígio nas bases
sociais para subir ao segundo nível, concorrendo a mandatos de
vereadores, prefeitos, deputados estaduais. Depois, os mais bem
sucedidos passam para os postos de deputados federais, secretários
de governo, dirigentes de empresas estatais. E no nível mais
alto ficam os senadores, governadores de estados, ministros, de onde
saem os candidatos à presidência.
Em
todo esse percurso os burocratas devem permanecer leais ao partido,
ou seja, usar as estruturas que dirigem, sejam os sindicatos e
movimentos sociais, sejam os mandatos em cargos menores, em favor das
campanhas do partido, conseguindo dinheiro e votos, pois essa é
a condição para que sejam futuramente promovidos aos
cargos mais altos. Foi assim que uma massa de milhares de burocratas
petistas, a partir da eleição de Lula em 2002, tomou
conta de cargos nos governos federais e estaduais, ministérios,
diretorias de estatais, fundos de pensão, etc.
PT
é usado pela burguesia e destinado à lata de lixo
A
condição para que o PT chegasse ao governo foi que
administrasse o país em favor do conjunto das frações
do capital que operam no país, garantindo os lucros dos
bancos, agronegócio, empreiteiras, montadoras, transnacionais.
Além disso, seria preciso usar o controle sobre os sindicatos
e demais movimentos sociais para impedir a ocorrência de greves
e mobilizações que ameaçassem os lucros da
burguesia. Para contrabalançar o arrocho sobre os
trabalhadores e a classe média, o PT usaria os programas
assistenciais como maquiagem, criando a imagem de um governo benéfico
aos pobres e assegurando uma base eleitoral.
Isso
funcionou enquanto a economia internacional apresentava condições
favoráveis. A partir do momento em que diminuem os lucros com
as exportações de matérias primas, como cereais
e minérios, e diminui o fôlego do consumo interno
baseado em endividamento, a margem de manobra do governo fica menor.
A burguesia passa a lutar para ter acesso direto às verbas do
Estado, sem a necessidade de pagar um “pedágio” à
burocracia petista. Em tempos de crise, mostra-se bastante
dispendioso manter milhares de burocratas aparelhando o Estado. E
para remover o PT do caminho, surgem as denúncias de
corrupção.
O
principal foco das denúncias tem sido a Petrobrás,
investigada pela Operação Lava a Jato da Polícia
Federal – PF. Essa investigação começou a
expor o esquema em que empreiteiras e fornecedores (a lista inclui
Alumni, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Carioca Engenharia,
Construcap, Egesa, Engevix, Fidens, Galvão Engenharia, GDK,
Iesa, Jaraguá Equipamentos, Mendes Junior, MPE, OAS,
Odebrecht, Promon, Queiroz Galvão, Setal, Skanska, Techint,
Tomé Engenharia e UTC) pagavam propinas aos diretores da
estatal para ganhar a licitação de obras (como a da
refinaria Abreu e Lima em Pernambuco), construção de
plataformas, prestação de serviços, etc. As
empresas superfaturavam as obras e recebiam em pagamento bilhões
de reais que sangraram o caixa da estatal. E as propinas arrecadadas
pelos diretores, por sua vez, iriam abastecer os caixas de partidos
como PT, PSDB, PMDB, PP, SD e PTB.
O
Judiciário é parte do jogo
As
investigações conduzidas pela PF e pelo Supremo
Tribunal Federal – STF (no caso de políticos) não
significam que essas instituições são neutras em
relação à disputa entre o PT e os demais
partidos burgueses. Os órgãos de investigação
e o poder judiciário formam uma espécie de burocracia à
parte, que também tem interesses próprios. Conforme
seja mais vantajoso, podem dirigir as investigações
contra o PT ou contra outro partido. Pois a prática da
corrupção é inerente a todos os partidos no
sistema capitalista.
Tome-se
por exemplo o caso do cartel das empresas que prestavam serviços
para a CPTM e o Metrô de São Paulo, denunciado pela
Siemens. O caso atinge o PSDB, que governa o estado desde 1994, e que
de resto, em seu mandato no governo federal entre 1995 e 2002 com
FHC, protagonizou escândalos e assaltos ao patrimônio
público tão graves quanto o mensalão e o
petrolão do PT. Entretanto, os crimes tucanos passam
praticamente em branco. Isso porque o que está em jogo nas
investigações não é “combater a
corrupção”, mas qual partido será prejudicado
dessa vez e qual será beneficiado.
É
inútil ter a esperança de que alguns “paladinos da
moralidade” como Joaquim Barbosa ou o Procurador Janot possam
“limpar” o país da corrupção. As
investigações e escândalos de corrupção
são apenas uma parte da rotina da disputa entre os partidos.
No auge do escândalo provocado pela divulgação
das investigações da Lava a Jato, o Procurador Geral
anunciou que não denunciaria nem Aécio Neves nem Dilma,
de modo que o jogo continuará em aberto. O Judiciário
só tomará posição quando a burguesia, que
manda no país, decretar quem seguirá administrando o
Estado.
Reconstruir
um projeto socialista dos trabalhadores
Os
grandes grupos da imprensa burguesa também cumprem um papel
nessa disputa ao escolher quais denúncias divulgar e quais
abafar. No momento, divulgam as denúncias contra o PT e abafam
aquelas contra o PSDB. Isso provoca uma reação de
militantes petistas e de “neopetistas” preocupados com a “ameaça
da direita”, de exigir da imprensa que seja equilibrada nas
denúncias, divulgando também os crimes do PSDB.
Trata-se de uma exigência patética essa cobrança
de que a imprensa demonstre o quanto “todos roubam”. É
como tentar empatar um jogo que já está perdido de
saída.
O
jogo foi perdido naquele momento em que o partido abandonou a luta
pelo socialismo e se propôs a administrar o capitalismo. Desse
ponto em diante, a burocratização e a corrupção
eram inevitáveis. Não há que se tentar salvar a
imagem do PT. O maior crime de Lula e da Articulação
não são os bilhões desviados da Petrobrás
e outros escândalos, mas destruir a credibilidade da esquerda,
dos sindicatos, partidos de trabalhadores, movimentos sociais, pois
no imaginário coletivo consolidou-se a imagem de que se trata
de trampolins para a promoção de corruptos. É
preciso recomeçar do zero e reconstruir um projeto socialista
dos trabalhadores a partir das lutas concretas atualmente em curso.
A
única coisa que os militantes preocupados com a “ameaça
da direita” (e o PT, ao assumir a administração do
capitalismo, é parte da direita) podem fazer é romper
com o PT, a CUT e demais entidades aparelhadas pelo partido, e
organizar desde a base a luta contra os ataques da burguesia e do
governo. O PL 4330, a redução da maioridade penal, a
passagem da demarcação de terras indígenas e
quilombolas para o Congresso (comandado pelos ruralistas, que vão
dar seguimento ao extermínio dessas populações e
à devastação ambiental), os cortes no PIS,
pensões por morte e Seguro Desemprego, etc., são ítens
de uma pauta reacionária que o PT está propondo ou
nunca fez nada para impedir, e que terão que ser rechaçados
por uma intensa mobilização dos trabalhadores.
Daniel
M. Delfino
Abril
2015
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