6.11.15

A trajetória do PT, da negação o socialismo ao naufrágio na corrupção



O PT surgiu como uma organização formada por militantes que participavam das greves e lutas do novo movimento sindical da década de 1980, e das lutas de outros movimentos sociais da época, no campo, nos bairros, nas escolas e universidades, etc. Lutas que ajudaram a enterrar a ditadura militar, e que eram travadas por alguns dos participantes como passos de um processo acumulativo que visava derrubar o capitalismo no país, e construir o socialismo (ainda que este não fosse muito bem definido). Na disputa entre as tendências no interior do partido, entretanto, acabou prevalecendo a corrente liderada por Lula (chamada de Articulação, nome que tem até hoje nos sindicatos), contra as tendências socialistas. Com isso, passou a haver cada vez menos lutas e cada vez mais o desvio da atividade dos militantes para a ocupação de espaços no Estado, através das eleições.
A partir da queda do Muro de Berlim e da URSS em 1989-91, desencadeou-se uma ofensiva política e ideológica da burguesia, em escala mundial, em torno da ideia de fim do socialismo, do marxismo, da luta de classes, etc. (ainda que a URSS e demais países que lhe seguiam o “modelo” não fossem socialistas), o que foi usado como justificativa para ataques aos trabalhadores, no processo chamado de “globalização” e neoliberalismo. Isso deu também o pretexto para que os dirigentes do PT removessem do discurso do partido qualquer referência ao socialismo, e passassem a defender abertamente a administração do capitalismo, a sua “humanização”, a “justiça social”, etc. Conforme passava à defesa do capitalismo, o PT se habilitava aos poucos para a conquista do governo federal, depois de se firmar entre os principais partidos do país com a ocupação de prefeituras, governos estaduais, bancadas de deputados e senadores.
A burocratização e o aparelhamento do Estado
A partir da opção de administrar o capitalismo, o PT se adapta à lógica de uma sociedade baseada na exploração. Apesar do intenso bombardeio ideológico de intelectuais burgueses neoliberais e pós-modernos, o capitalismo continua sendo o que sempre foi, um sistema que sobrevive às custas da extração de trabalho não pago (mais valia) da maioria da população, em benefício de uma minoria de exploradores. O trabalhador é roubado todos os dias, uma vez que o valor que recebe como salário é sempre menor do que o valor que seu trabalho produz para o patrão. Essa desigualdade estrutural na sociedade capitalista é a fonte de todas as demais desigualdades e opressões.
A luta entre a classe dos exploradores, a burguesia, e o proletariado explorado continua sendo o motor da história, pois são as únicas classes que trazem consigo um projeto de sociedade. O projeto do proletariado só pode ser o fim do capitalismo, da exploração, da propriedade privada, do trabalho assalariado, das classes sociais e do Estado, em favor do trabalho livre associado. Qualquer outro projeto significa a continuidade do capitalismo e da exploração. Ao negar o socialismo e assumir a continuidade do capitalismo como seu projeto, o PT gradualmente deixa de ser um partido de trabalhadores e muda o seu caráter de classe, passando a ser um partido burguês composto de burocratas.
Essa mutação se processa por meio de uma espécie de “plano de carreira” para os militantes do partido. No nível mais baixo estão os dirigentes de sindicatos (até hoje a maior fonte de quadros para o PT), movimentos sociais, ONGs e acadêmicos. Esses dirigentes já vivem uma vida de privilegiados em relação aos trabalhadores, pois possuem interesses próprios, separados e opostos aos do proletariado. Formam uma camada social que denominamos de burocracia, com um perfil pequeno burguês, comumente chamado de classe média. Os burocratas usam seu prestígio nas bases sociais para subir ao segundo nível, concorrendo a mandatos de vereadores, prefeitos, deputados estaduais. Depois, os mais bem sucedidos passam para os postos de deputados federais, secretários de governo, dirigentes de empresas estatais. E no nível mais alto ficam os senadores, governadores de estados, ministros, de onde saem os candidatos à presidência.
Em todo esse percurso os burocratas devem permanecer leais ao partido, ou seja, usar as estruturas que dirigem, sejam os sindicatos e movimentos sociais, sejam os mandatos em cargos menores, em favor das campanhas do partido, conseguindo dinheiro e votos, pois essa é a condição para que sejam futuramente promovidos aos cargos mais altos. Foi assim que uma massa de milhares de burocratas petistas, a partir da eleição de Lula em 2002, tomou conta de cargos nos governos federais e estaduais, ministérios, diretorias de estatais, fundos de pensão, etc.

PT é usado pela burguesia e destinado à lata de lixo
A condição para que o PT chegasse ao governo foi que administrasse o país em favor do conjunto das frações do capital que operam no país, garantindo os lucros dos bancos, agronegócio, empreiteiras, montadoras, transnacionais. Além disso, seria preciso usar o controle sobre os sindicatos e demais movimentos sociais para impedir a ocorrência de greves e mobilizações que ameaçassem os lucros da burguesia. Para contrabalançar o arrocho sobre os trabalhadores e a classe média, o PT usaria os programas assistenciais como maquiagem, criando a imagem de um governo benéfico aos pobres e assegurando uma base eleitoral.
Isso funcionou enquanto a economia internacional apresentava condições favoráveis. A partir do momento em que diminuem os lucros com as exportações de matérias primas, como cereais e minérios, e diminui o fôlego do consumo interno baseado em endividamento, a margem de manobra do governo fica menor. A burguesia passa a lutar para ter acesso direto às verbas do Estado, sem a necessidade de pagar um “pedágio” à burocracia petista. Em tempos de crise, mostra-se bastante dispendioso manter milhares de burocratas aparelhando o Estado. E para remover o PT do caminho, surgem as denúncias de corrupção.
O principal foco das denúncias tem sido a Petrobrás, investigada pela Operação Lava a Jato da Polícia Federal – PF. Essa investigação começou a expor o esquema em que empreiteiras e fornecedores (a lista inclui Alumni, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Carioca Engenharia, Construcap, Egesa, Engevix, Fidens, Galvão Engenharia, GDK, Iesa, Jaraguá Equipamentos, Mendes Junior, MPE, OAS, Odebrecht, Promon, Queiroz Galvão, Setal, Skanska, Techint, Tomé Engenharia e UTC) pagavam propinas aos diretores da estatal para ganhar a licitação de obras (como a da refinaria Abreu e Lima em Pernambuco), construção de plataformas, prestação de serviços, etc. As empresas superfaturavam as obras e recebiam em pagamento bilhões de reais que sangraram o caixa da estatal. E as propinas arrecadadas pelos diretores, por sua vez, iriam abastecer os caixas de partidos como PT, PSDB, PMDB, PP, SD e PTB.

O Judiciário é parte do jogo
As investigações conduzidas pela PF e pelo Supremo Tribunal Federal – STF (no caso de políticos) não significam que essas instituições são neutras em relação à disputa entre o PT e os demais partidos burgueses. Os órgãos de investigação e o poder judiciário formam uma espécie de burocracia à parte, que também tem interesses próprios. Conforme seja mais vantajoso, podem dirigir as investigações contra o PT ou contra outro partido. Pois a prática da corrupção é inerente a todos os partidos no sistema capitalista.
Tome-se por exemplo o caso do cartel das empresas que prestavam serviços para a CPTM e o Metrô de São Paulo, denunciado pela Siemens. O caso atinge o PSDB, que governa o estado desde 1994, e que de resto, em seu mandato no governo federal entre 1995 e 2002 com FHC, protagonizou escândalos e assaltos ao patrimônio público tão graves quanto o mensalão e o petrolão do PT. Entretanto, os crimes tucanos passam praticamente em branco. Isso porque o que está em jogo nas investigações não é “combater a corrupção”, mas qual partido será prejudicado dessa vez e qual será beneficiado.
É inútil ter a esperança de que alguns “paladinos da moralidade” como Joaquim Barbosa ou o Procurador Janot possam “limpar” o país da corrupção. As investigações e escândalos de corrupção são apenas uma parte da rotina da disputa entre os partidos. No auge do escândalo provocado pela divulgação das investigações da Lava a Jato, o Procurador Geral anunciou que não denunciaria nem Aécio Neves nem Dilma, de modo que o jogo continuará em aberto. O Judiciário só tomará posição quando a burguesia, que manda no país, decretar quem seguirá administrando o Estado.

Reconstruir um projeto socialista dos trabalhadores
Os grandes grupos da imprensa burguesa também cumprem um papel nessa disputa ao escolher quais denúncias divulgar e quais abafar. No momento, divulgam as denúncias contra o PT e abafam aquelas contra o PSDB. Isso provoca uma reação de militantes petistas e de “neopetistas” preocupados com a “ameaça da direita”, de exigir da imprensa que seja equilibrada nas denúncias, divulgando também os crimes do PSDB. Trata-se de uma exigência patética essa cobrança de que a imprensa demonstre o quanto “todos roubam”. É como tentar empatar um jogo que já está perdido de saída.
O jogo foi perdido naquele momento em que o partido abandonou a luta pelo socialismo e se propôs a administrar o capitalismo. Desse ponto em diante, a burocratização e a corrupção eram inevitáveis. Não há que se tentar salvar a imagem do PT. O maior crime de Lula e da Articulação não são os bilhões desviados da Petrobrás e outros escândalos, mas destruir a credibilidade da esquerda, dos sindicatos, partidos de trabalhadores, movimentos sociais, pois no imaginário coletivo consolidou-se a imagem de que se trata de trampolins para a promoção de corruptos. É preciso recomeçar do zero e reconstruir um projeto socialista dos trabalhadores a partir das lutas concretas atualmente em curso.
A única coisa que os militantes preocupados com a “ameaça da direita” (e o PT, ao assumir a administração do capitalismo, é parte da direita) podem fazer é romper com o PT, a CUT e demais entidades aparelhadas pelo partido, e organizar desde a base a luta contra os ataques da burguesia e do governo. O PL 4330, a redução da maioridade penal, a passagem da demarcação de terras indígenas e quilombolas para o Congresso (comandado pelos ruralistas, que vão dar seguimento ao extermínio dessas populações e à devastação ambiental), os cortes no PIS, pensões por morte e Seguro Desemprego, etc., são ítens de uma pauta reacionária que o PT está propondo ou nunca fez nada para impedir, e que terão que ser rechaçados por uma intensa mobilização dos trabalhadores.

Daniel M. Delfino
Abril 2015




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