No dia
27 de abril deste ano, na cidade de Villareal na Espanha, jogavam os
times de Villareal e Barcelona pelo campeonato espanhol. Um elemento
da torcida local jogou uma banana ao campo em direção
ao jogador Daniel Alves, do Barcelona e da seleção
brasileira, com a intenção de chamá-lo de macaco
por ser negro. Esse tipo de ofensa racista tem se tornado cada vez
mais comum no futebol europeu nos últimos anos e representa
uma das expressões da xenofobia que se espalha pelo velho
continente. Também tivemos expressões de racismo por
parte de um empresário da NBA, nos Estados Unidos, o que
mostra que este mal é mundial.
A Europa
recebe anualmente cerca de 1 milhão de imigrantes, entre
africanos, sulamericanos, caribenhos, árabes, etc. Esse afluxo
de imigrantes é necessário para compensar a taxa de
natalidade decrescente da população europeia nativa e
evitar a diminuição da população
economicamente ativa. O crescimento do fluxo imigratório nas
últimas décadas coincide com a implantação
de políticas neoliberais que precarizam o trabalho, reduzindo
salários, direitos, benefícios, condições
de trabalho, etc. Com isso, tornaram-se comuns nas cidades europeias
trabalhadores imigrantes ocupando funções rebaixadas e
morando em bairros degradados.
Essas
populações, com cor de pele diferente, língua
diferente, religião diferente, costumes diferentes, não
são facilmente integradas às sociedades europeias. Nos
momentos de crise econômica e recuperação
problemática como a atual, as populações de
imigrantes são tratadas como culpadas pelos problemas, usadas
como bode expiatório e hostilizadas por forças
demagógicas de ultra direita e neonazistas. É o caso do
partido Aurora Dourada na Grécia, que tem como principal ponto
de programa justamente a expulsão dos imigrantes. Esse é
o pano de fundo social e político das agressões
racistas no futebol, que não são incidentes isolados.
O que
fez da agressão a Daniel Alves um caso especial foi a reação
do jogador. Ao invés de se recolher acabrunhado e abaixar a
cabeça, ele descascou a banana, comeu um pedaço e
seguiu jogando como se nada tivesse acontecido. Ao invés de se
incomodar com a agressão, Daniel Alves debochou dos racistas.
Seu time venceu o jogo, com participação decisiva sua
em dois gols. Mas o placar do jogo acabou sendo o menos importante. O
gesto desconcertante de comer a banana chamou atenção
do mundo inteiro. A cena extrapolou o noticiário esportivo e
foi discutida em todas as mídias e redes sociais.
De
imediato, as autoridades futebolísticas emitiram as
condenações de praxe. O autor da agressão foi
identificado e banido do estádio para o resto da vida.
Enfrentará também inquérito da justiça
espanhola. Infelizmente, essas medidas punitivas são muito
insuficientes para enfrentar o problema do racismo, pois não
atacam as suas causas sociais profundas.
Mas o
que mais chamou a atenção foram as manifestações
de solidariedade a Daniel Alves, emitidas por celebridades de todos
os tipos, brasileiras e estrangeiras, de dentro e fora do futebol.
Dentre essas manifestações, surgiu a campanha “somos
todos macacos” de autoria de Neymar, colega de Daniel Alves no
Barcelona e na seleção.
Acontece
que o gesto inicial de comer a banana, naquele momento, teve o efeito
de esvaziar a agressão, negando ao racista o prazer de
humilhar a sua vítima. Ele agressor é que foi feito de
idiota pelo gesto de desdém. Mas o gesto de comer a banana,
apesar de ter esvaziado a agressão, não serviu para
negá-la, pois também significou dizer “não
estou ligando, mas sou macaco sim”. Nas entrelinhas, houve a
aceitação da condição de macaco. Se a
resposta ao agressor racista tivesse parado por aí, a
aceitação da condição de “macaco” não
teria tido maiores consequências. Mas o passo seguinte dado por
Neymar foi um gol contra. Usar a expressão “macaco”
restituiu ao agressor o conteúdo de sua agressão,
devolvendo-lhe o poder de chamar os negros de macacos.
Pior do
que Neymar foi o oportunista Luciano Huck que lançou camisetas
à venda dizendo “somos todos macacos”. Essa campanha
infame reproduz o raciocínio tipicamente pós moderno de
que uma frase na internet e alguns cliques no facebook podem
“conscientizar” as pessoas e mudar a realidade. É a versão
do mito da “democracia racial” no século XXI: se na
internet somos todos iguais (no mundo da linguagem e das palavras
“politicamente corretas”), somos iguais também na
realidade e não precisamos fazer nada para mudá-la. Não
vimos essas mesmas celebridades cretinas da Rede Globo em nenhum
momento dizer: “somos todos Amarildo!” ou “somos todos
Cláudia!”, vítimas recente do racismo assassino da
polícia brasileira.
O
racismo não será enfrentado por uma campanha desse
tipo! Não somos macacos! Somos todos humanos, e para termos
uma efetiva igualdade precisamos de reparação às
vítimas do racismo. Somos trabalhadores e vítimas de um
sistema capitalista que nos divide para melhor explorar.
Diante
dos problemas sociais que se agravam no continente europeu, a
hostilidade aos imigrantes infelizmente deve continuar, e com ela o
racismo, dentro e fora dos campos. Somente uma luta que unifique os
trabalhadores europeus, imigrantes e nativos, contra o capitalismo em
crise, poderá criar uma nova sociedade, que supere a barbárie
racista.
Daniel M.
Delfino
Junho
2014
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