5.11.15

Nem bananas, nem macacos!


No dia 27 de abril deste ano, na cidade de Villareal na Espanha, jogavam os times de Villareal e Barcelona pelo campeonato espanhol. Um elemento da torcida local jogou uma banana ao campo em direção ao jogador Daniel Alves, do Barcelona e da seleção brasileira, com a intenção de chamá-lo de macaco por ser negro. Esse tipo de ofensa racista tem se tornado cada vez mais comum no futebol europeu nos últimos anos e representa uma das expressões da xenofobia que se espalha pelo velho continente. Também tivemos expressões de racismo por parte de um empresário da NBA, nos Estados Unidos, o que mostra que este mal é mundial.
A Europa recebe anualmente cerca de 1 milhão de imigrantes, entre africanos, sulamericanos, caribenhos, árabes, etc. Esse afluxo de imigrantes é necessário para compensar a taxa de natalidade decrescente da população europeia nativa e evitar a diminuição da população economicamente ativa. O crescimento do fluxo imigratório nas últimas décadas coincide com a implantação de políticas neoliberais que precarizam o trabalho, reduzindo salários, direitos, benefícios, condições de trabalho, etc. Com isso, tornaram-se comuns nas cidades europeias trabalhadores imigrantes ocupando funções rebaixadas e morando em bairros degradados.
Essas populações, com cor de pele diferente, língua diferente, religião diferente, costumes diferentes, não são facilmente integradas às sociedades europeias. Nos momentos de crise econômica e recuperação problemática como a atual, as populações de imigrantes são tratadas como culpadas pelos problemas, usadas como bode expiatório e hostilizadas por forças demagógicas de ultra direita e neonazistas. É o caso do partido Aurora Dourada na Grécia, que tem como principal ponto de programa justamente a expulsão dos imigrantes. Esse é o pano de fundo social e político das agressões racistas no futebol, que não são incidentes isolados.
O que fez da agressão a Daniel Alves um caso especial foi a reação do jogador. Ao invés de se recolher acabrunhado e abaixar a cabeça, ele descascou a banana, comeu um pedaço e seguiu jogando como se nada tivesse acontecido. Ao invés de se incomodar com a agressão, Daniel Alves debochou dos racistas. Seu time venceu o jogo, com participação decisiva sua em dois gols. Mas o placar do jogo acabou sendo o menos importante. O gesto desconcertante de comer a banana chamou atenção do mundo inteiro. A cena extrapolou o noticiário esportivo e foi discutida em todas as mídias e redes sociais.
De imediato, as autoridades futebolísticas emitiram as condenações de praxe. O autor da agressão foi identificado e banido do estádio para o resto da vida. Enfrentará também inquérito da justiça espanhola. Infelizmente, essas medidas punitivas são muito insuficientes para enfrentar o problema do racismo, pois não atacam as suas causas sociais profundas.
Mas o que mais chamou a atenção foram as manifestações de solidariedade a Daniel Alves, emitidas por celebridades de todos os tipos, brasileiras e estrangeiras, de dentro e fora do futebol. Dentre essas manifestações, surgiu a campanha “somos todos macacos” de autoria de Neymar, colega de Daniel Alves no Barcelona e na seleção.
Acontece que o gesto inicial de comer a banana, naquele momento, teve o efeito de esvaziar a agressão, negando ao racista o prazer de humilhar a sua vítima. Ele agressor é que foi feito de idiota pelo gesto de desdém. Mas o gesto de comer a banana, apesar de ter esvaziado a agressão, não serviu para negá-la, pois também significou dizer “não estou ligando, mas sou macaco sim”. Nas entrelinhas, houve a aceitação da condição de macaco. Se a resposta ao agressor racista tivesse parado por aí, a aceitação da condição de “macaco” não teria tido maiores consequências. Mas o passo seguinte dado por Neymar foi um gol contra. Usar a expressão “macaco” restituiu ao agressor o conteúdo de sua agressão, devolvendo-lhe o poder de chamar os negros de macacos.
Pior do que Neymar foi o oportunista Luciano Huck que lançou camisetas à venda dizendo “somos todos macacos”. Essa campanha infame reproduz o raciocínio tipicamente pós moderno de que uma frase na internet e alguns cliques no facebook podem “conscientizar” as pessoas e mudar a realidade. É a versão do mito da “democracia racial” no século XXI: se na internet somos todos iguais (no mundo da linguagem e das palavras “politicamente corretas”), somos iguais também na realidade e não precisamos fazer nada para mudá-la. Não vimos essas mesmas celebridades cretinas da Rede Globo em nenhum momento dizer: “somos todos Amarildo!” ou “somos todos Cláudia!”, vítimas recente do racismo assassino da polícia brasileira.
O racismo não será enfrentado por uma campanha desse tipo! Não somos macacos! Somos todos humanos, e para termos uma efetiva igualdade precisamos de reparação às vítimas do racismo. Somos trabalhadores e vítimas de um sistema capitalista que nos divide para melhor explorar.
Diante dos problemas sociais que se agravam no continente europeu, a hostilidade aos imigrantes infelizmente deve continuar, e com ela o racismo, dentro e fora dos campos. Somente uma luta que unifique os trabalhadores europeus, imigrantes e nativos, contra o capitalismo em crise, poderá criar uma nova sociedade, que supere a barbárie racista.

Daniel M. Delfino
Junho 2014



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