O Estado
burguês e as eleições
O Estado
burguês é o Estado da classe dominante no sistema
capitalista, a classe dos proprietários dos meios de produção,
os banqueiros, industriais, latifundiários, empreiteiros, etc.
Esse Estado jamais será favorável aos trabalhadores nem
muito menos será instrumento para uma transformação
anticapitalista. Ao contrário, ele existe para amortecer as
contradições de classe, para criar a ilusão de
que representa toda a sociedade, quando na verdade seu papel é
o de garantir a continuidade das relações capitalistas,
ou seja, da extração de trabalho não pago, da
mais valia que é roubada cotidianamente de todos os
trabalhadores, e das diversas formas de opressão.
Para
garantir a continuidade da exploração, o Estado burguês
pode assumir diversas formas, como a monarquia, a teocracia, a
ditadura fascista ou a democracia representativa. Conforme as
necessidades do momento histórico, o Estado burguês pode
ser mais autoritário ou até se apresentar como
democrático na aparência. Mas em todas essas formas, o
Estado burguês mantém a sua essência, ele é
a ditadura de uma classe social sobre as demais. É para
garantir os interesses dos capitalistas que trabalham todas as suas
instituições, o executivo, o legislativo, o judiciário,
as forças armadas, as leis, etc.
No
Brasil estamos em um regime que chamamos de democracia burguesa, que
em essência é uma ditadura da burguesia contra os
trabalhadores, ou seja, só na aparência é
democrática. Caracterização fundamental para a
definição do posicionamento tático no processo
eleitoral.
A crise
estrutural do capitalismo e a crise da alternativa socialista
No
período atual de crise estrutural do sistema do capital, é
ainda mais difícil arrancar melhorias em favor dos
trabalhadores. Ao contrário, o papel dos gestores do Estado
burguês é aplicar as políticas necessárias
à sobrevivência do capitalismo, impondo a retirada de
direitos, o sucateamento dos serviços públicos, o
arrocho salarial, o pagamento da dívida pública, tudo
em nome das necessidades do mercado.
Por mais
bem intencionado que seja, qualquer ocupante dos cargos de direção
(Presidente, governador ou prefeito) do Estado burguês terá
que cumprir essa política ou será derrubado pela
burguesia. Muitas pessoas fazem críticas aos políticos
eleitos como se o que fazem ou deixam de fazer dependesse só
da vontade deles. Mas a própria lógica do poder na
sociedade capitalista impede que, mesmo que houvesse uma atuação
bem aguerrida de representantes dos trabalhadores no parlamento, isso
trouxesse mudanças na nossa vida por essa via. Por isso não
faz nenhum sentido a esquerda organizar uma campanha se apresentando
como “o melhor candidato”, como se o problema do parlamento fosse
não ter deputado ou senador de esquerda. A história já
demonstrou que só a classe trabalhadora em luta e organizada
pode de fato obter conquistas duradouras.
Ao mesmo
tempo em que o sistema do capital convive com uma crise estrutural
que o obriga a ser mais agressivo, o seu antagonista histórico,
a classe trabalhadora, convive há várias décadas
com uma crise da alternativa socialista. Os trabalhadores muitas
vezes se colocam em luta contra as consequências das crises
capitalistas, o desemprego, a carestia, a corrupção,
etc., fazem greves, manifestações, ocupações,
chegam até a derrubar governos em alguns países, mas,
devido à ausência de uma consciência de classe e
socialista, essas lutas muitas vezes param no meio do caminho. Sem
uma perspectiva socialista, de negação do capitalismo e
seu Estado, as lutas acabam sendo desviadas para a eleição
de novos governantes, que mudam a aparência das coisas, mas
mantém o essencial das relações capitalistas.
A crise
de alternativas no Brasil pós-PT e pós-junho
No
Brasil o PT desviou o importante processo de lutas que se deu no
final da ditadura militar e ao longo da década de 1980 para um
projeto de administração do Estado burguês. Essa
trajetória resultou na acomodação à
gestão do capitalismo, com uma sequência de três
governos rigorosamente neoliberais. Lula e Dilma favoreceram os
setores mais poderosos do capitalismo no Brasil, os bancos, o
agronegócio, as empreiteiras, garantiram o pagamento da dívida
(pouco mais de 40% do orçamento ou mais ou menos R$ 1 trilhão
só neste ano) aos especuladores, deram continuidade às
privatizações, reprimiram greves, manifestações
e movimentos sociais; e mantiveram sua popularidade graças a
programas assistenciais (um gasto muito menor que a dívida,
apenas R$ 24,6 bilhões em 2014 para o Bolsa Família,
que está longe de enfrentar as causas estruturais da miséria,
o que mostra as reais prioridades desses governos).
O curso
anterior do PT até chegar ao controle do Estado burguês
e as três gestões petistas foram um desastre em termos
de despolitização dos trabalhadores. O discurso das
reformas sociais das primeiras décadas do partido foi
substituído pela apologia da prosperidade da era Lula,
prosperidade que depois se provou ilusória. A resposta dos
capitalistas brasileiros à crise mundial de 2008, com um
aumento da exploração nos locais de trabalho, o aumento
do endividamento dos trabalhadores que manteve a economia
funcionando, a deterioração dos serviços
públicos devido ao desvio de dinheiro do governo para os
capitalistas; tudo isso gerou uma insatisfação que se
acumulou gradativamente.
Em 2013
essa insatisfação veio à tona na forma de uma
onda de manifestações, que começou com uma luta
contra o aumento das passagens e terminou com milhões de
pessoas nas ruas expondo uma série de demandas, como a
educação, a saúde, a mobilidade urbana, a
indignação com a corrupção e os gastos
com a Copa, o repúdio aos partidos e instituições,
etc.
Infelizmente,
devido à despolitização geral reinante e a
própria ação dos governos e da burguesia de
conjunto para “abafar” esse processo, essa insatisfação
não resultou em um questionamento mais profundo do sistema
capitalista e sua lógica, mas parou na rejeição
ao PT e e sua corrupção, e aos demais partidos em
menor escala. Mas ficou um sentimento de que é necessário
mudar as coisas, sentimento do qual Marina tenta se apropriar para
aparecer como a “novidade”.
As
eleições 2014: os demais candidatos do capital
É
nesse cenário de despolitização e crise da
alternativa socialista que a insatisfação com os
governos do PT (que também atinge o PSDB e outros partidos)
acabou sendo desviada para uma candidatura improvisada da direita, a
de Marina Silva (ver artigo nesta edição), que se
esforça para aparecer como uma alternativa, como algo “novo”.
A burguesia como um todo ainda não a apoia, mas essa
candidatura não oferece nenhum risco para a classe dominate,
pois a mudança que ela propõe é “mudar para
continuar como está”.
Trata-se,
mais uma vez, do clássico mecanismo de reciclar os ocupantes
dos cargos de direção do Estado burguês para que
o próximo governo aplique as medidas necessárias aos
capitalistas com o respaldo e legitimidade das urnas.
Da
candidatura de Aécio não é preciso dizer muito.
O PSDB é o partido responsável por implementar as
principais reformas (privatização, reeleição,
primeira reforma da previdência) do Estado, abrindo as portas
do país para o capital internacional e financeiro.
Como se
não bastasse os partidos da legalidade se esforçando
para desviar os descontentamentos para a institucionalidade, o TSE,
para reforçar esse operativo, comparece com a campanha
#vempraurna, reiterando a ideia de que o voto é o caminho para
se obter melhorias.
Diante
desse operativo, do momento histórico que vivemos, e da crise
de alternativas socialistas, os revolucionários devem negar
frontalmente o “#vempraurna” do TSE, da mídia e dos
partidos burgueses e chamar os trabalhadores a ir às ruas para
lutar por suas demandas.
O Estado
burguês, como dissemos, jamais será instrumento para
mudanças favoráveis aos trabalhadores, ele pode apenas
fazer concessões, mas só quando for forçado a
isso pela mobilização dos trabalhadores. É
sempre a luta que garante conquistas: só a luta muda a vida!
As
eleições 2014: os candidatos da esquerda
Nestas
eleições também há os partidos que se
reivindicam de esquerda e socialistas, PSOL, PSTU, PCB e PCO. Se de
um lado não defendem o Estado capitalista e nem as políticas
de arrocho e exploração dos trabalhadores, de outro –
pelo menos até esse momento - não se propuseram a
construir conjuntamente um programa para discutir com os
trabalhadores as verdadeiras causas dos problemas que enfrentamos.
As
campanhas desses partidos apresentam diversos problemas. Em alguns
Estados mesmo com problemas graves como o PSOL receber dinheiro de
empresas (Rio Grande do Sul) ou candidaturas recebendo apoio de
partidos de direita (Heloísa Helena recebendo apoio do PSDB),
o PSTU não rompeu com a frente (se limitou a denunciar o PSOL
no RS e a Heloisa Helena em Alagoas). Há ainda outros
problemas como o fato de que o principal candidato a deputado do PSTU
em São Paulo tem um lema (a voz do povo no congresso) bem
rebaixado e despolitizado.
Já
o PCO, em que pese ter um discurso na campanha mais à esquerda
que o do PSTU, tem atuado no movimento sindical como a quinta coluna
da Articulação e do PT. O PCB, comparece com um
programa melhor elaborado, mas tem pouquíssima inserção
nas lutas dos trabalhadores, trabalha com uma teoria de raiz
stalinista de “poder popular”, e no 2º turno em 2010 chamou
voto em Dilma.
A
negação da forma de representação do
Estado burguês poderia ser feita por candidaturas operárias,
que existem no PSOL, PSTU, PCB e PCO. Entretanto, esses partidos não
se habilitaram a cumprir esse papel por não ter realizado uma
disputa ideológica a fundo junto aos trabalhadores em defesa
do socialismo (em geral a atividade rotineira dessas organizações
se limita à disputa de aparatos sindicais e estudantis), não
ter construído a unidade em um Fórum Nacional de Lutas
que apresentasse uma alternativa dos trabalhadores após as
manifestações de junho, e, como consequência de
tudo isso, sequer ter construído uma candidatura unitária
nas eleições.
Nessas
eleições: Voto nulo. Nos locais de trabalho e estudo:
seguir lutando
Na
ausência dessas condições, a participação
dos partidos operários nas eleições, ao invés
de servir para reforçar a luta por um programa dos
trabalhadores, acaba por se diluir na vala comum dos demais partidos
burgueses, sem se distinguir claramente.
Em
qualquer situação, a falta de unidade da esquerda é
um problema para a luta dos trabalhadores. Sem unidade na luta, fica
difícil construir um projeto político dos
trabalhadores, que possa ter expressão nas eleições.
Sem esse projeto, a falta de unidade nas eleições,
torna o problema ainda maior, pois faz parecer que os partidos
operários são iguais a qualquer partido burguês,
participam do processo apenas para disputar votos. Desaparece no
circo geral da propaganda eleitoral a distinção de
classe entre partidos operários e partidos burgueses. Ao invés
de colaborar para o enfrentamento ao sistema e seus pressupostos
ideológicos, essa participação fragmentada e
rebaixada acaba referendando e reforçando a democracia
burguesa.
Diante
disso, entendemos que a opção que melhor expressa a
rejeição às falsas alternativas burguesas é
o voto nulo, e fazemos o chamado aos trabalhadores para seguirmos
lutando pelas nossas demandas, construindo a unidade com os lutadores
que estão dentro ou fora dos partidos operários, contra
o próximo governo burguês, qualquer que seja ele, contra
o capitalismo e pelo socialismo.
Impulsionamos
a campanha pelo voto nulo (ao contrário dos anarquistas, que a
tratam como uma estratégia permanente para qualquer momento, e
daqueles que a defendem por “desinteresse” na política),
essencialmente por conta dos limites – expostos acima - das
campanhas dos partidos de esquerda e também como forma de
ajudar a classe trabalhadora a compreender que não se deve
confiar nas formas de representação burguesas e que só
a sua organização e a luta direta podem conquistar as
reivindicações das jornadas de junho.
Daniel M.
Delfino
Setembro
2014
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