No
segundo semestre de todo ano acontecem as campanhas salariais de
importantes categorias profissionais, como metalúrgicos,
químicos, petroleiros, bancários e ecetistas
(funcionários da ECT - Empresa de Correios e Telégrafos).
A campanha dos químicos acontece em novembro, afastada das
demais, e assim como a dos metalúrgicos, é negociada
região por região. As demais categorias, porém,
possuem acordos nacionais. Petroleiros e ecetistas negociam
praticamente com uma só empresa em cada caso, a Petrobrás
e a ECT, sendo a primeira com maioria estatal na direção
e a segunda totalmente estatal. No caso dos bancários, os
funcionários do Banco do Brasil, Caixa Econômica
Federal, Banco do Nordeste - BNB e Banco da Amazônia - BASA -
praticamente metade da categoria, também têm o governo
federal como patrão.
Essas
categorias são algumas das mais estratégicas para o
funcionamento da economia. Caso fossem influenciadas pelo mesmo
fenômeno das greves do primeiro semestre, e de alguma forma
reproduzissem o processo, isso poderia significar um salto importante
para a classe trabalhadora no Brasil. No início do ano,
trabalhadores de categorias mais precarizadas, como garis,
rodoviários, trabalhadores da construção civil,
fizeram greves em várias cidades do país, com uma
característica muito positiva, a autoorganização
da luta, com a formação de comandos de greve
diretamente a partir das assembleias de base.
Essas
greves passaram por cima das direções sindicais, que em
alguns casos já haviam assinado acordos rebaixados, e chegaram
a passar por cima até de decisões judiciais,
enfrentando também a grande midia empresarial e pró-patronal,
e a repressão dos governos. Conseguiram ganhar o apoio da
opinião pública e por fim alcançaram vitórias
econômicas significativas.
O papel
nefasto das burocracias sindicais
Uma onda
de "greves selvagens" nas categorias mais organizadas, ao
estilo das que aconteceram no 1º semestre, poderia representar
um sério desafio para a classe capitalista e o governo. Para
contornar esse desafio em favor da burguesia e do governo, entra em
cena a burocracia sindical. Chamamos de burocracia o conjunto de
indivíduos que se apropria dos organismos de representação
e luta dos trabalhadores e os transformam num meio para acumular
privilégios (não trabalham, recebem ajudas de custo,
carro, celular, viagens, etc.), convertendo-se numa camada social
com interesses próprios, diferentes e opostos aos das
categorias que deveriam representar.
As
principais centrais sindicais do país (CUT, Força
Sindical, CTB, UGT, etc.), que comandam milhares de sindicatos e
negociam em nome das principais categorias, estão há
décadas sob comando de grupos burocráticos. Essas
burocracias sindicais transformaram os sindicatos em instrumentos de
conciliaçao de classe, impedindo as lutas, priorizando as
negociações com governos e patrões, assinando
acordos lesivos aos trabalhadores, sacramentando demissões,
arrocho salarial, precarização, terceirização,
deterioração das condições de trabalho,
etc.
Através
da participação nos fundos de pensão, os
burocratas sindicais passaram a participar diretamente da gestão
dos negócios ao lado da burguesia, integrando-se organicamente
aos interesses capitalistas. No caso da CUT e CTB, dirigidas
respectivamente pelo PT e PCdoB, as centrais transformaram os
sindicatos em aparelhos a serviço da politica eleitoral dos
governos Lula e Dilma (a Força Sindical, antes ligada ao PDT,
tornou-se base para um novo partido composto apenas de burocratas
sindicais, o Solidariedade, e passou-se para o bloco da oposição
burguesa, ao lado do PSDB, DEM e demais).
Ao invés
de organizações a serviço da luta dos
trabalhadores, os sindicatos se tornam espaços de reprodução
da ideologia capitalista, aceitando o trabalho assalariado, a
regulamentação das relações sociais pelo
Estado, a conciliação com a patronal, a ideologia
competitiva e meritocrática, etc. Muitas vezes, são
mais "clubes de convênios" do que organizações
para a luta.
Além
do trabalho político e ideológico de defesa do
capitalismo e dos governos burgueses de plantão, as
burocracias sindicais usam seu controle sobre as entidades para
sabotar diretamente a luta. Este ano, na assembleia dos ecetistas em
São Paulo, os trabalhadores votaram em favor da greve por
grande maioria, mas a direção do sindicato proclamou
que a proposta da empresa tinha sido aceita, encerrou a assembleia,
desligou o microfone, fugiu do local e deixou um batalhão de
brutamontes para lidar com a revolta dos trabalhadores, que partiram
para pancadaria. Essa revolta dos trabalhadores foi inútil, já
que não teve forças para organizar a greve
independentemente da direção do sindicato. Em outros
estados chegou a ser decretada a greve nos Correios, que logo em
seguida teve que recuar, já que São Paulo concentra 40%
do tráfego postal do pais. Com isso, a categoria não
teve greve este ano e ficou sujeita a um acordo rebaixado assinado
contra a sua vontade.
O peso
decisivo das direções sindicais
Esse
método de "tratorar" a assembleia, usado neste caso
por uma direção sindical comandada pela CTB/PCdoB, já
foi usado em outros momentos pela CUT/PT, em assembleias de
bancários, professores, etc. Para ficarmos num exemplo oposto,
a greve dos trabalhadores da USP, que começou ainda antes da
Copa do Mundo, durou mais de 100 dias, enfrentando a repressão
policial, o autoritarismo da reitoria e do governo do estado, o
bloqueio da mídia, e conseguiu parte das reivindicações;
fez tudo isso pelo fato de que contou com uma direção
sindical combativa, que apostou corretamente no método do
comando de greve formado por delegados de base.
O papel
das direções sindicais pode ser decisivo para fazer com
que as lutas avancem ou retrocedam. As seguidas traições
da burocracia sindical (como esta dos correios de São Paulo)
são um elemento importante para desmobilizar as categorias, já
que os trabalhadores deixam de acreditar que a luta possa dar
resultado. Esse fenômeno é particularmente marcante no
caso dos bancários, que fazem greve todos os anos desde 2003,
mas não participam dos piquetes e assembleias, porque odeiam a
direçao do sindicato.
Os
bancários até aderem às greves em bom número
em alguns anos, mas não porque acreditam na greve como forma
de lutar contra a empresa e conseguir conquistas, e sim como uma
forma de alívio momentâneo do dia a dia de trabalho
insuportável (enquanto a burocracia sindical negocia acordos
rebaixados e que não tocam nas questões que afetam a
categoria, como estabilidade, fim das metas e do assédio
moral, mais contratações, etc.).
Como
acabamos de ver, a traição da burocracia sindical
garantiu que não houvesse greve nacional numa categoria
importante, os ecetistas. No caso de Correios, tratorou-se as
assembleias. No caso de petroleiros, a FUP/CUT, que dirige a maioria
dos sindicatos, aceitou a primeira proposta da empresa, sem sequer
chamar greve. No momento em que escrevemos, os bancários são
a única categoria ainda em greve, mas com o mesmo tipo de
adesão passiva ou "greve de pijama" que descrevemos
acima. Uma a uma, as principais categorias nacionais são
isoladas umas das outras e desmobilizadas.
Além
de tratorar as assembleias, a burocracia tem o controle das mesas de
negociações, onde não está presente
nenhum trabalhador do "chão de fábrica", de
modo que pode assinar acordos entre quatro paredes com a patronal sem
que a categoria sequer tome conhecimento. A burocracia controla
também o calendário, definindo quando vão
acontecer assembleias de deflagração de greve. O
calendário definido pela burocracia impediu que as campanhas
das categorias nacionais acontecessem numa mesma data e que se
unificassem as lutas numa espécie de “quase greve geral”.
A
burocracia sindical como instrumento do governo do PT
Uma
greve conjunta de ecetistas, petroleiros, bancários, com
assembleias conjuntas, piquetes, passeatas, etc., colocaria essas
categorias num enfrentamento direto contra os patrões e
principalmente o governo, justamente o que as burocracias sindicais
querem evitar num período eleitoral. A prioridade dos
burocratas é a reeleição de Dilma e as campanhas
dos candidatos petistas, e não a luta das categorias contra os
patrões. A permanência do PT no governo federal é
uma questão de vida ou morte para milhares de burocratas do
partido, que dependem dos cargos de 2 e 3 escalões, diretorias
de empresas estatais, fundos de pensão, e das respectivas
verbas e negociatas.
Ao mesmo
tempo, o PT depende também do exército de burocratas
que comanda os sindicatos, pois como vimos, eles podem ter o papel de
evitar as lutas. A capacidade de evitar as greves dos setores
sindicalmente organizados (mas também as lutas de outros
movimentos sociais, como sem terra, sem teto, etc., cujas cúpulas
o PT também controla) é a principal carta que o PT tem
na mesa para negociar com a burguesia a sua permanência no
governo federal. O PT segue sendo a principal aposta da burguesia e
do imperialismo para administrar os negócios do capitalismo no
Brasil, porque o seu controle sobre as organizações dos
movimentos sociais é um grande freio para impedir que haja
lutas dos trabalhadores. No entanto, a burguesia obriga o PT a passar
pelo desafio de uma eleição disputada, impulsionando as
candidaturas de Marina e Aécio, para obrigar o partido a se
comprometer com os ajustes antipopulares e pró-capitalistas
que serão necessários no próximo mandato.
Apesar
do compromisso diariamente renovado com os banqueiros,
latifundiários, empreiteiras e industriais para os quais
governa há 12 anos, o PT diz aos trabalhadores que é
preciso votar no partido para evitar a "volta da direita",
que na verdade já voltou (ou nunca saiu) e está muito
bem instalada na base governista, nas figuras de Sarney, Maluf,
Collor, etc. Essa chantagem é dirigida contra algumas das
categorias organizadas, com a ameaça de que os outros partidos
vão privatizar a Petrobrás, os Correios, o Banco do
Brasil, etc. Mas quem vive o dia a dia dessas empresas sabe que a sua
gestão já é privatista, o seu relacionamento com
clientes e funcionários já é predatório,
a propriedade estatal é apenas nominal. A única defesa
contra a gestão privatista é a organização
e a luta dos trabalhadores e não a confiança em
qualquer partido (e de resto, o PT já privatizou, às
vezes com o nome cínico de "concessões", as
rodovias, aeroportos, florestas, bancos estaduais, reservas do
Pré-Sal, etc.).
Essa
capacidade do PT de aplicar um programa neoliberal (privatizações,
arrocho salarial, pagamento da divida) com uma maquiagem
"progressista" (bolsa família) é parte
essencial da sua estratégia e da sua qualidade única
como partido do capital.
Para
romper com as burocracias sindicais!
Aos
trabalhadores, em qualquer categoria, só resta a organização
e a luta. Para serem vitoriosos nas campanhas salariais contra os
patrões e na luta contra os ajustes que virão no
próximo governo, os trabalhadores precisam ultrapassar as
burocracias sindicais. Essa tarefa cabe principalmente às
oposições sindicais. Precisamos construir oposições
sindicais na base das categorias com os seguintes métodos:
-
organização a partir dos locais de trabalho;
- luta
contra os problemas cotidianos de cada local (assédio moral,
condiçõoes de trabalho, etc.), ao longo do ano inteiro,
e não apenas nas épocas de campanha salarial;
-
funcionamento regular, com reuniões periódicas, de modo
que se crie um espaço de organização em que os
trabalhadores possam discutir seus problemas, reconhecer-se enquanto
categoria e enquanto classe;
-
panfletagens e publicações periódicas que
reflitam os problemas imediatos e os relacionem com as questões
gerais da categoria e do conjunto da classe;
-
publicações especiais e atividades, seminários,
cursos de formação, etc., que recuperem a história
das lutas da categoria e da classe, discutindo as questões em
profundidade e elevando o nível político, teórico
e cultural dos trabalhadores;
- ir
além do corporativismo, ou seja, dos problemas imediatos de
cada categoria, e do economicismo, ou seja, discutir os problemas
sociais para além dos salários e condições
de trabalho, de modo que os trabalhadores se reconheçam cada
vez mais como classe para si, como sujeito político e
histórico oposto ao capitalismo;
-
democracia interna, com debate entre todas as posições
políticas e teóricas;
-
independência política, organizativa e financeira em
relação à burocracia sindical, partidos,
governos e patrões;
- luta
direta como método de ação;
-
resgate de uma perspectiva anticapitalista, que relacione as lutas
imediatas com as lutas políticas gerais e a superação
do capitalismo;
Nas
campanhas salariais, é preciso defender propostas de ação
que visem tirar a luta do controle das burocracias sindicais, tais
como:
-
formação de comandos de base, com delegados a partir
dos locais de trabalho, que organizem os piquetes e ações
de greve;
-
eleição de representantes da base nas mesas de
negociação, com mandatos revogáveis em qualquer
tempo caso descumprirem as deliberações da base.
Esses
elementos que expusemos acima não são nenhuma novidade
ou invenção, mas o resgate dos princípios do
sindicalismo classista e combativo que foram progressivamente
afastados da organização dos trabalhadores pelas
burocracias sindicais. Essas tarefas não dizem respeito apenas
às categorias organizadas, e não se trata apenas de uma
luta pelos interesses corporativos, restritos de cada categoria. Não
se trata apenas de uma questão sindical. A retomada da
organização dos trabalhadores, numa perspectiva
independente, classista e combativa, é condição
para os avanços da luta de classes como um todo e para a
reconstrução de um projeto anticapitalista e
socialista. Abaixo a burocracia sindical e a conciliação
de classes! Viva a luta independente dos trabalhadores!
Daniel M.
Delfino
Outubro
2014
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