Nos
últimos anos, e até algumas semanas atrás,
dizia-se que o Brasil estava fora da crise mundial do capitalismo, ou
“descolado” dela. A propaganda do governo, das burocracias
sindicais governistas e da mídia era de que o Brasil havia
alcançado o crescimento sustentável, tornando-se a 6ª
economia do mundo, e ao mesmo tempo caminhando em direção
à “justiça social”, com “melhor distribuição
de renda”, ascensão de uma “nova classe C” (seja lá
o que for isso), etc., e que o fato de sediarmos os megaeventos
esportivos seria a prova do nosso ingresso no clube das potências
mundiais.
De
repente, em pouco mais de duas semanas, tudo isso veio abaixo. No
início de junho alguns milhares de manifestantes protestavam
em São Paulo contra o aumento das passagens do transporte
público, muito acima da inflação (esses aumentos
e os protestos contra eles já haviam acontecido em outros
locais, como no ABC, no início do ano), e foram brutalmente
reprimidos pela polícia. A repressão gerou uma
indignação tão grande que, na semana seguinte,
dezenas de milhares de pessoas foram às ruas, não só
em São Paulo, mas em centenas de cidades do país. Toda
uma insatisfação latente e longamente represada, que
não se podia mensurar, veio à tona e se expressou numa
imensa onda de manifestações. Os reajustes das tarifas
de transportes foram revogados, mas somente depois da população
redescobrir que pode fazer o que há décadas não
se fazia no país, ou seja, manifestações de rua.
Ao
mesmo tempo, para evitar que essas manifestações
tomassem rumos imprevistos, a mesma mídia que semanas atrás
condenava os manifestantes como vândalos e baderneiros começou
a se somar à convocação dos atos e a festejar a
“cidadania”. Com isso, o tema do aumento das passagens ficou para
trás e surgiram vários outros pontos de reivindicação.
A corrupção, a precariedade da educação e
dos serviços públicos em geral, os altos custos da
Copa, etc., tudo isso apareceu nas manifestações. Veio
também o repúdio aos partidos e a ação
organizada de grupos de direita para expulsar os partidos de esquerda
das manifestações.
O
fenômeno das manifestações tomou uma tal
proporção que se tornou não apenas assunto
nacional, mas mundial, colocando o Brasil nos noticiários
internacionais, que questionam a capacidade do governo de controlar a
situação. A conjuntura nacional foi completamente
alterada pelo retorno das manifestações de massas, o
que nos obriga a fazer uma análise detalhada.
Democracia
burguesa, muito prazer!
Enquanto
aceitamos ganhar pouco, andarmos de ônibus lotado e caro, não
termos espaço para lazer, ficarmos confinados na periferia,
pagarmos altas mensalidades ou não termos acesso às
universidades, ou seja, mantermos tudo dentro “da mais perfeita
ordem” (tudo funcionando normalmente) o sistema trata a todos como
cidadãos.
Para
esse controle há todo um aparato político e ideológico
que, desde cedo, nos “educa” como quer a classe dominante. O
controle ideológico e social é tão forte e
eficaz que, muitas vezes, vários de nós nos utilizamos
de palavras que são próprias dos dominadores, como é
o caso de chamar manifestantes de baderneiros, vândalos e
outros adjetivos. Isso nada mais é do que a reprodução
das matérias de jornais e da televisão ou a repetição
daquilo que representantes do governo disseram.
Mas,
quando levantamos a cabeça e dizemos não, o Estado
mostra a sua verdadeira face: o controle de uma classe sobre outra.
Quando a forma tradicional e normal de dominação falha,
entra em cena imediatamente a outra: o controle pela violência.
Como o Estado mantém o monopólio das armas, nesse
conflito há claramente uma disputa desigual. Um lado está
fortemente armado, tem as leis legitimando o uso da força. De
outro a consciência e a disposição de seguir
adiante. Por isso que nas revoluções uma das primeiras
tarefas é a apropriação do armamento para que
esta disputa se equilibre.
Os
episódios do levante da Juventude pelo país
recolocaram, entre muitos, um tema que para nós, marxistas, é
muito caro: mostrar o caráter ditatorial da democracia
burguesa. As cenas de repressão (e o papel da mídia)
policial que se espalharam pelo país trouxeram à tona o
verdadeiro caráter de classe da democracia burguesa.
As
prisões, as acusações infundadas, como a de
formação de quadrilha, as bombas e as balas contra a
população não são coisas exclusivas da
ditadura militar, mas da própria essência da democracia
burguesa, que consideramos como ditadura da classe burguesa contra os
trabalhadores. A democracia burguesa é isso mesmo: repressão
aos trabalhadores e aos que lutam. Esse é o seu conteúdo.
A forma, a depender da correlação de forças,
pode mudar. Têm as eleições, as reuniões
são permitidas, há mais liberdade de expressão,
há partidos de esquerda legalizados, há mais espaço
para manifestações. Claro, devem estar dentro dos
limites estabelecidos pelas leis, pela polícia, etc. Nos
regimes diretamente totalitários não há essa
possibilidade.
Ao não
se compreender o papel reacionário da democracia burguesa o
movimento pode desarmar-se naquilo que é essencial:
enfrentarmos o prefeito, o governador, a presidente. E a luta não
pode estar separada da luta contra a própria lógica de
dominação. Entendermos que os governos passam e a
dominação também precisa passar é
fundamental.
Governos
reagem ao movimento com mais polícia e repressão
Os
governos do PT, do PSDB e do PMDB estão de acordo e aplicam o
mesmo projeto econômico no país. Não é por
acaso que o aumento das passagens e outras medidas econômicas
são feitas em comum acordo e ao mesmo tempo. E o tratamento
dado ao movimento contra o aumento foi o mesmo que já vinha
sendo dado aos movimentos sociais.
A
repressão têm sido intensa por parte das polícias
estaduais (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília).
Mas, governo Dilma (dos mensaleiros, condenados e não presos),
através do Ministro da Justiça, além de oferecer
“ajuda”, coloca a Polícia Federal para monitorar o
movimento. Essa é a mesma polícia que assassinou o
índio terena Oziel na desocupação de terras
indígenas no Mato Grosso do Sul. Também já havia
enviado a Força Nacional de Segurança para proteger
empreiteiras e reprimir operários da construção
civil de Belo Monte. E ainda infiltrado agentes da ABIN para
monitorar os movimentos sociais.
Essa é
uma tendência geral na ação do Estado para tentar
intimidar os movimentos sociais. É um processo de
criminalização do movimento social que tem se
demonstrado há algum tempo como no processo aos estudantes da
USP, nas desocupações de terras e reintegrações
de posse como no Pinheirinho em São José dos Campos, na
demissão e perseguição aos militantes e
ativistas sindicais, nas prisões dos estudantes da UNIFESP
Guarulhos, na perseguição e assassinatos aos sem terra,
etc. Também está em curso no Congresso Nacional o
Projeto de Lei que equipara as ações do movimento
social ao crime de terrorismo.
Precisamos
enfrentar a repressão e a criminalização dos
movimentos sociais. É fundamental incorporarmos, como umas das
principais bandeiras do movimento, a luta pelo fim dos processos e o
fim da criminalização dos movimentos sociais. Essa é
uma bandeira democrática essencial para o prosseguimento
dessas e de outras lutas sociais. Seja qual for o rumo a ser tomado
pelas manifestações, a denúncia da repressão
deve continuar, com a luta pela libertação dos presos,
retirada dos processos, condenação dos abusos dos
repressores, etc.
A
reconquista das ruas
Depois
que a repressão chegou ao auge, que a violência policial
foi denunciada em todas as mídia possíveis, que a
presidente Dilma foi vaiada em plena abertura da Copa das
Confederações, que milhares de pessoas anunciaram seu
apoio às manifestações nas redes sociais, e não
só virtualmente, mas comparecendo às ruas nos dias
seguintes, depois da generalização das manifestações,
por mais que ainda haja repressão e conflitos com as tropas de
choque, a população voltou definitivamente às
ruas.
Um
só grito ecoa pelo país: O Brasil acordou! Somos
milhares de pessoas, sobretudo jovens, que saímos às
ruas e gritamos que não aguentamos mais essa situação.
Somos trabalhadores e estudantes de São Paulo, Rio de Janeiro,
Porto Alegre, Maceió e de tantos outros lugares. Somos também
os movimentos populares contra as desapropriações para
construções de estádios para a Copa. Somos uma
população que não suporta mais a preacriedade da
educação, da saúde, dos serviços públicos
em geral. Somos uma população que não aceita
mais ver o dinheiro público sendo desviado para obras
superfaturadas para eventos esportivos, enquanto o país sofre
com muitas outras carências.
Depois
de duas semanas de lutas em São Paulo, conquistamos muito mais
do que R$ 0,20 na passagem. Conquistamos as ruas. Conquistamos o
direito de lutar. Conquistamos o direito de nos manifestar, de nos
expressar. Conquistamos o direito de ir e vir, que já está
na Constituição, mas que como tudo no Estado burguês,
não vale para todos e somente para alguns. Os direitos só
valem para a classe que controla o poder econômico e social.
Foi a serviço dessa classe que a polícia agiu com
extrema violência, na batalha da quinta-feira dia 13 de junho
em São Paulo.
A
polícia agiu com tamanho despreparo e estupidez que agrediu os
jornalistas que estavam acompanhando a manifestação. Os
jornalistas estavam lá a serviço dos meios de
comunicação, da Globo, da Folha, da Veja, para fabricar
uma versão pronta da história, a versão de que
os manifestantes são vândalos, baderneiros, etc. Não
foi isso que as câmeras e celulares mostraram, mas o contrário,
a barbárie provocada pela polícia. Diante do que foi
testemunhado e divulgado naquela quinta-feira, não havia como
fabricar outra história. O aparato repressivo do Estado
mostrou a sua cara e todos puderam ver como age o Estado burguês
quando se contestam os interesses capitalistas, seja esse estado
ditatorial ou democrático. A brutalidade policial inspirou as
pessoas a irem às ruas em todo o país. Houve
manifestações em mais de cem cidades. Os números
são difíceis de precisar, mas algo em torno de um
milhão de pessoas esteve participando das manifestações.
Muito
mais que 0,20 centavos
A
mobilização da Juventude é nacional. Conta com o
apoio dos demais trabalhadores e com manifestações de
apoio fora do país. Além disso, não é
mais uma luta só contra o aumento das passagens. Esse foi
apenas o estopim. A luta é “contra todo um sistema falho”,
como diz uma das convocantes do ato de apoio às mobilizações
e de repúdio à ação policial que será
realizado na Irlanda. Brasileiros em vários países do
mundo se manifestaram em repúdio à repressão e
em apoio aos protestos em sua terra natal.
Os
milhares de jovens (ainda que não seja algo consciente)
encontram nas ruas o espaço para protestar contra a repressão,
contra o confinamento a que estão submetidos, contra a falta
de condições mínimas de existência, a
falta de lazer, de espaços culturais, contra a vigilância
que o Estado exerce pelas redes sociais (nunca se pôde falar
tanto e ser tão vigiado), contra o desemprego e o trabalho
precário, por salário decente e principalmente contra a
falta de futuro. O sistema capitalista, em crise estrutural, não
pode oferecer aos jovens qualquer perspectiva de vida digna. A
necessidade de aumentar a exploração para garantir,
minimamente, a manutenção da taxa de lucro faz com que
o capital reserve para a Juventude condições de
trabalho e de salário bem piores.
Essas
são as causas das rebeliões da juventude também
no Oriente Médio, no Norte da África, em vários
países da Europa, no Chile e agora no Brasil. Mesmo
considerando em específico a questão do transporte, por
trás do aumento das passagens há a relação
político-econômica com as empresas de ônibus (em
que mortes buscam resolver as disputas pelo controle do transporte
coletivo em várias cidades), os contratos com ampla
desvantagem para o poder público, um sistema de concessão
em que prevalecem as péssimas condições do
transporte e do itinerário para os bairros mais distantes da
cidade.
Também
tem o apoio financeiro dos empresários (caixa-dois) às
candidaturas dos partidos da ordem. Por isso, em São Paulo,
prefeito e governador diziam que não podiam recuar em relação
ao aumento, pois significaria fechar uma torneira pela qual passa
milhões de reais para as campanhas políticas. Como o
sistema não pode atender o que, de fato, a Juventude procura,
sem colocar em xeque a lucratividade dos empresários do setor
e do próprio capital, tentou-se conter a sua força com
a utilização da violência. É necessário
para os governos derrotar o movimento antes que avance para
reivindicações que questionem de fato o sistema.
Essa
luta, por ser uma luta social, enfrenta a política econômica
que privilegia os bancos e as grandes empresas, questiona a unidade
da burguesia e dos principais partidos (PT, PSDB, PMDB) em torno do
projeto em curso no país, enfim, enfrenta um projeto de poder.
Muito
menos do que precisamos
A
luta contra o aumento das passagens obteve uma vitória
parcial, que foi a revogação do aumento anunciada em
conjunto pelo governador Alkmin e pelo prefeito Haddad na
quarta-feira dia 19. Mas naquele momento, um dique já havia
sido rompido e a inundação das manifestações
se espalhava pela cidade e pelo país. Ficou claro que o
aumento das passagens foi apenas a gota d'água que fez
transbordar a revolta. O aumento das passagens, muito acima da
inflação, penaliza amplos setores da população
trabalhadora que depende de transporte público. Um transporte
que é precário, insuficiente, desconfortável, em
que se tem que esperar horas por um ônibus ou trem, e se viaja
esmagado durante horas, para ir de casa ao trabalho ou vice versa.
Essa
preacriedade do transporte público é a mesma dos
hospitais, em que se tem que esperar longas horas na fila para ser
atendido, longos meses para marcar um exame ou conseguir um
tratamento (cirurgia, então, é um sonho), é a
mesma da educação, em que os jovens saem do ensino
médio sem saber ler e interpretar um texto, é a mesma
da moradia de milhões que ainda vivem empilhados em favelas,
do saneamento básico que não alcança as
periferias das cidades, e um longo etc. Tudo isso é
confrontado com os gastos exorbitantes com as obras da Copa. Gastos
dos quais já se sabe que uma parte vai direto para o bolso dos
políticos corruptos, que dividem parte do bolo de dinheiro
entregue às empreiteiras. Políticos que sempre roubaram
dinheiro público e saíram impunes.
Foi
a insatisfação com tudo isso e mais um pouco que veio à
tona nas manifestações. Pois a chamada “classe C”
criada nos governos do PT, os trabalhadores que tiveram acesso ao
consumo, está enforcada pelas dívidas, com as
prestações de imóveis, automóveis,
eletrodomésticos, carnês de financiamento, prestações
de lojas, cartões de crédito, cheque especial. Isso
porque, apesar de ter tido acesso ao crédito nos bancos, desde
os últimos anos do segundo mandato de Lula, essa população
não teve aumento real da sua renda. Apesar da burocracia
sindical governista festejar aumentos salariais “acima da inflação”
em várias categorias, trata-se de porcentagens ínfimas
e aumento, que não repõem as perdas acumuladas os
índices de inflação são sempre
manipulados para não incluir os gastos que trazem mais impacto
para a população trabalhadora, como por exemplo,
alimentação ou transporte.
Além
de não ter tido aumento real da sua renda, os trabalhadores
tiveram aumento de serviço. Uma das receitas para contornar a
crise mundial do capitalismo e manter a taxa de lucro no país
foi justamente aumentar a exploração, por meio da
intensificação do trabalho. Isso significa colocar uma
carga maior de serviço sobre cada trabalhador, por meio da
cobrança de metas, do autoritarismo das chefias, do assédio
moral.
Essa
situação material concreta foi a base para as
manifestações que explodiram nas últimas
semanas. Alguns sinais de insatisfação com essa
situação concreta dos trabalhadores já haviam se
manifestado, como por exemplo, nas revoltas dos operários das
obras do PAC, como em Jirau-RO, Belo Monte ou outras. Pequenos focos
de rebelião da juventude universitária, tratados com um
monumental aparato repressivo, também já eram indícios
dessa insatisfação. Tudo isso estava latente, e era
impossível de prever o momento exato em que viria à
tona. Mas agora que a insatisfação se manifestou, está
em disputa o rumo dos processos.
O
perigo de retrocesso
Como
dissemos, para evitar que as manifestações se
generalizassem e disputar os rumos do processo, a mídia passou
a convocar a população para os protestos. Se nos
primeiros protestos estava em marcha uma juventude universitária,
politizada, com tendências de esquerda (mesmo que não
organizada em partido), liderando jovens da periferia, punks, etc., a
partir da generalização dos protestos começou a
comparecer uma população de classe média,
moradores dos bairros centrais, que começou a dar o tom dos
protestos, especialmente na avenida paulista. De repente, o que era
um movimento de luta se transformou numa festa em verde amarelo, num
apelo à nacionalidade, ao patriotismo. A mídia passou a
divulgar esse tipo de manifestação “pacífica”,
para se contrapor aos protestos radicalizados que ainda aconteciam em
outras áreas da cidade e em outras regiões do país.
Ao contrário da “micareta” da avenida paulista, nos demais
protestos havia ataque aos prédios públicos, às
prefeituras, palácios do governo, câmaras legislativas,
aos símbolos do estado e de suas instituições. A
mídia começa a criar uma distinção entre
as manifestações “democráticas” e
“pacíficas” (as da classe média na avenida
paulista) e as manifestações violentas, de “vândalos”
e “grupos radicais minoritários”, que são todas as
demais em que se ataca os símbolos do poder.
Ao
mesmo tempo, a mídia introduz também o tema da
corrupção, com bastante força. Depois de 10 anos
de governo, o PT está identificado como um partido de
demagogos e corruptos (o que em boa parte não deixa de ser
verdade). A corrupção é inerente ao sistema
capitalista. Qualquer governante eleito para esse Estado governa para
a classe dominante e recebe dinheiro dessa classe em troca dos
serviços que presta para viabilizar os negócios dos
corruptores. É assim que o sistema funciona em qualquer país
e desde que o capitalismo existe. Mas a direita se aproveita desse
tema quando quer atacar algum governante que a desagrada. O PT não
é mais corrupto do que qualquer governo do PSDB ou de qualquer
partido, e encaminha os interesses dos bancos, dos latifundiários,
dos industriais, dos capitalistas em geral, como qualquer partido.
Mas o controle do Estado, aparelhado pela burocracia petista, ainda
desagrada setores arqui reacionários como a revista Veja. Por
isso, a mídia se aproveita do movimento de manifestações
para transformá-lo num movimento contra o PT, ao qual a classe
média da avenida paulista aderiu em massa.
O
repúdio ao PT, na consciência atrasada das massas, se
transforma em repúdio aos partidos. A população
aplaudiu quando os partidos de esquerda, PSTU, PCO, PCB, foram
expulsos das manifestações na avenida paulista, na
manifestação da quinta-feira dia 20. Foram expulsos
pela ação direta de elementos de extrema direita,
claramente identificados como fascistas. Esses elementos se
aproveitam do que há de mais atrasado na consciência das
massas, o repúdio aos partidos, para atacar especificamente os
partidos de esquerda, e distorcer os rumos de um movimento, que no
geral ainda apresenta um sentido progressivo, ainda que seus rumos
estejam claramente em disputa.
Nesse
momento se faz sentir a fragilidade da esquerda organizada, o seu
grau de distanciamento e falta de inserção entre a
população, a ponto de não conseguir se manter
numa manifestação de um movimento que, a princípio,
se colocou como antigovernista, ou seja, com bandeiras de esquerda. A
falta de trabalho ideológico da esquerda abre caminho para
aqueles que nunca deixaram de fazer sua propaganda, como a direita
organizada nos veículos de mídia. Mas o repúdio
aos partidos tem a ver com uma série de problemas, que merecem
uma discussão em separado.
A
esquerda paga o preço dos seus erros
No
caso em questão, o movimento contra o aumento das passagens
começou sendo convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL), de
orientação majoritariamente anarquista. Mesmo em seu
início, o movimento já atraía milhares de
manifestantes, muito mais do que nos anos anteriores. Militantes de
diversas tendências se somaram. Integrantes do PSTU, do PSOL, e
mesmo da Esquerda Marxista, corrente interna do PT, se somaram. Mas
seguindo um vício que praticam nas frentes em que tem atuação,
nos sindicatos ou em outros movimentos sociais, essas correntes
querem se colocar como dirigentes, querem conduzir as manifestações,
se colocar na dianteira, monopolizar a palavra, sem ter participado
da construção dos processos de luta. É o que se
chama de aparelhar o movimento. Naquele primeiro momento, os partidos
foram rejeitados pelos próprios participantes do movimento,
que estavam desde o seu início, por terem tentado aparelhar o
movimento, de maneira oportunista.
O
aparelhismo e o oportunismo das organizações deve ser
criticado e combatido no interior do movimento, com os métodos
do movimento, por meio do debate político, da disputa de
idéias e de argumentos, jamais por meio da violência. Os
militantes devem ter o direito de se organizar em grupos de acordo
com as idéias em comum que defendem e devem ter o direito de
expressar essas idéias e seus símbolos em suas faixas,
cartazes e bandeiras. Mas esse direito não pode se colocar
acima das necessidades de construção e unidade do
movimento. Ao invés de disputar o controle da direção
do movimento, é preciso disputar a consciência daqueles
que estão no movimento e dos que estão fora contra a
ideologia burguesa, contra os diversos tipos de filosofias
pós-modernas e irracionalistas, para que avancem em direção
a uma consciência anticapitalista.
Por
ter abandonado esse tipo de disputa, os partidos de esquerda perderam
inserção e base social. Enquanto organizações
como PSTU, PCO, PCB, e outras menores se perdem em disputas
superestruturais e estéreis pelo controle de aparatos
sindicais e estudantis, a verdadeira disputa, a disputa pela
consciência da classe contra a ideologia burguesa, deixa de ser
feita. As milhares de pessoas que comparecem às ruas o fazem
com uma consciência dominada pela propaganda dos defensores do
capitalismo, pela Rede Globo, Folha, Veja. Seria muita ingenuidade
esperar que essas milhares de pessoas que despertam para a vida
política o façam com uma consciência de esquerda.
O que essas pessoas conhecem como esquerda e como bandeira vermelha é
o PT. E para elas, o PT, com o nome de Partido dos Trabalhadores, é
símbolo de demagogia e corrupção.
Para
nós o PT não é de esquerda, é um partido
burguês composto de burocratas, que se sustentam com a ocupação
de cargos no Estado, a corrupção, o controle de
sindicatos, ONGs e movimentos sociais. Esse partido governa o país
há 10 anos atendendo os interesses do conjunto do capital que
opera no Brasil, bancos, agronegócio, empreiteiras,
transnacionais, etc. Os setores populares e ativistas dos movimentos
sociais que ainda são de luta não têm mais
qualquer influência nos rumos do partido. Essa trajetória
do PT, de um partido identificado com as lutas sociais, para um
partido de corruptos que administra o capitalismo, “contamina” a
percepção que as pessoas têm de todos os partidos
de trabalhadores que usam a cor vermelha.
As
pessoas repudiam a presença dos partidos de esquerda, como
PSTU, PCO, PCB nas manifestações, não porque
tenham ampla consciência do que são essas organizações,
mas porque são partidos, porque têm o “P” no seu
nome. O P de partido significa que disputam eleições, e
se disputam eleições é para obter cargos, e se
querem obter cargos é para roubar. É isso que as
pessoas pensam hoje dos partidos, sejam eles de direita ou de
esquerda. Essas mesmas pessoas toleram os anarquistas, não
porque concordem com o anarquismo em seu conteúdo, mas porque
o nome dessa ideologia deixa imediatamente claro que os seus adeptos
não querem cargos no Estado. Os partidos de esquerda não
deixam claro que querem abolir o capitalismo e com ele o Estado, por
isso são repudiados.
Quando
ingressam na vida política, as massas refletem o atraso
ideológico dos últimos anos ou décadas. Por
isso, quando grupos fascistas e neonazistas se infiltram nas
manifestações, as pessoas aplaudem a expulsão
dos militantes de esquerda. Os fascistas e neonazistas sabem muito
bem o que são o PSTU, o PSOL, o PCB e as outras organizações
da esquerda. Ao contráio da maioria da população,
a extrema direita organizada sabe o que representam essas
organizações, conhecem o programa e as idéias
que defendem, e querem evitar que a população tenha
acesso a elas. Por isso, aproveitam o desconhecimento da população
em relação à esquerda e o repúdio ao PT
para isolar fisicamente a esquerda das manifestações,
por meio da violência.
Desse
episódio ficam importantes lições. Uma delas, a
necessidade da unidade das organizações da esquerda,
acima dos interesses pontuais de qualquer corrente. O que está
em jogo é o próprio rumo do processo de mobilização,
o perigo de que a pauta do movimento seja ditada pela direita
organizada e pela mídia. É preciso construir uma
plataforma unitária, que represente os interesses dos
trabalhadores, para ser apresentada nas manifestações,
contra os projetos da direita e do PT. A outra é a necessidade
urgente de uma disputa ideológica a fundo, contra o
capitalismo e o Estado, que mostre aos milhares manifestantes que as
suas demandas não poderão ser atendidas por esse
sistema.
Por uma
jornada nacional de lutas e mobilizações
A
lição fundamental a ser deixada por esse movimento, com
todas as suas contradições, é de que lutando se
conquista. As pessoas perceberam que podem enfrentar o Estado e seus
planos a serviço do capital. Podem se rebelar e dizer não.
Em comum, a descrença
nas promessas e ilusões oferecidas e a certeza da força
que temos quando estamos mobilizados, nas ruas. As pessoas não
falam em outro assunto. A política está em discussão
por toda parte, desde as mesas de bar até as donas de casa, as
salas de aula, as filas de banco. O impacto dessas mobilizações
marca uma nova situação política no país
e coloca, depois de muito tempo, a possibilidade de se construir um
processo de lutas com reivindicações políticas e
sociais aos governos federal, estadual e municipal.
Desde a
marcha nacional à Brasília em abril – em conjunto com
o Bloco Classista, Anticapitalista e de Base, que atua no interior da
CSP-Conlutas – defendemos a necessidade de organizarmos uma jornada
nacional de mobilizações. Os recentes acontecimentos
(movimento popular e da juventude), as greves e as campanhas
salariais demonstram que fez falta uma ação coordenada
da central. Perdemos, mais uma vez, a oportunidade de a Central ser,
de fato, uma alternativa de direção para a atual
situação política do país.
Mas
ainda há tempo. As manifestações vão
continuar e as campanhas salariais das principais categorias estão
começando. O fortalecimento e a unificação
desses processos é condição fundamental para
vencer a dureza do governo e da patronal. Estamos diante de um
ascenso Juvenil e Popular com traços de rebelião
popular, com possibilidades de expandir para classe trabalhadora. A
vanguarda é a juventude que não vê perspectivas,
com boa formação e trabalhos precários, etc. Os
aspectos contraditórios expressam um recomeço e a
presença de diversas tendências da realidade.
Manifesta-se
ainda a crise de alternativas socialistas, a ausência de um
projeto de sociedade alternativo ao capitalismo que as pessoas se
disponham a construir e pelo qual queiram lutar. As pessoas querem
lutar, mas ainda em nome de bandeiras limitadas, que expressam um
desejo de melhoria, mas com a ilusão de que essas melhorias
possam ser obtidas dentro do sistema em que vivemos. O papel dos
socialistas revolucionários é mostrar que essas
demandas precisam ser atendidas, por meio da luta, de uma forma tal
que essa luta leve a um enfrentamento com elementos centrais do
sistema, colocando em cheque a própria vigência do
capitalismo.
No
caso brasileiro atual, várias demandas que expressam
necessidades sociais urgentes já se manifestaram com bastante
força em todos os protestos. Os manifestantes querem melhorias
na educação, na saúde, sem falar na própria
questão do transporte público, que foi o detonador de
todo o processo. Para atender essas demandas, é preciso entrar
na disputa pelo orçamento público. Praticamente metade
da arrecadação estatal está direcionada para o
pagamento da dívida pública.
Uma
ampla campanha pelo não pagamento da dívida pública
poderia mostrar que essa dívida é abusiva, ela já
foi paga várias vezes, e é ilegítima, porque foi
contraída pelos governos sem nos consultar, através de
mecanismos espúrios, em queos credores estabelecem os juros e
as condições, sem falar que o dinheiro assim emprestado
nunca foi usado pela população. Trata-se de uma imensa
extorsão que o capitalismo realiza sobre os trabalhadores, que
precisa ser sustada. Essa é a única maneira de termos
educação, saúde, transporte, serviços
públicos de qualidade. Uma luta pelo não pagamento da
dívida e o uso desse dinheiro para atender as necessidades da
população tem o potencial de colocar em cheque os
pilares do capitalismo.
Daniel M.
Delfino
Julho
2013
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