Em fins
de 2008 os Estados Unidos estavam no epicentro da maior crise
econômica mundial em várias décadas, e estavam
com sua imagem perante a opinião pública mundial
arruinada pelas estúpidas aventuras militares de Bush. As
prévias eleitorais do Partido Democrata para escolha do
candidato, que opuseram Obama e Hillary Clinton, foram mais
disputadas do que a própria eleição
presidencial. Qualquer que fosse o candidato democrata, a vitória
estava certa, por conta do imenso desgaste dos republicanos, e
produziria um presidente inédito, fosse um negro ou uma
mulher. Para recompor a imagem interna e externa do país, foi
preciso realizar uma imensa operação política,
ideológica e midiática para criar a impressão de
que uma mudança absolutamente inédita e
“revolucionária” estava acontecendo, da qual Obama foi o
produto.
Duas
alas do partido da burguesia
Nas
eleições de 2012, nada espetacular desse tipo está
em curso. Obama deve se reeleger, mesmo não sendo com ampla
margem. Seu adversário, Mitt Romney, não está
identificado com a ala dos neoconservadores do Partido Republicano,
de onde saíu Bush, com seu discurso belicoso, apocalíptico
e ultra-chauvinista, nem com a ultra-direita do Tea Party. As alas
mais fanáticas de seu partido gostariam de ver uma campanha
centrada em teorias da conspiração delirantes, como a
de que Obama não nasceu nos Estados Unidos (e portanto
legalmente não poderia ser presidente), pratica secretamente o
islamismo e pretende instalar um governo comunista a serviço
da ONU. Sites na internet defendem o assassinato de Obama como um ato
patriótico para livrar o país da invasão de
imigrantes muçulmanos, africanos, latinos, comunistas e
homossexuais.
Essas
imbecilidades encontram larga credibilidade entre amplos setores do
eleitorado estadunidense, que são suficientemente ignorantes,
provincianos e chauvinistas para acreditar em qualquer bobagem (isso
por si só é o indício de uma direitização
de um setor da população). Entretanto, a campanha de
Romney segue morna e não propõe nada diferente do
neoliberalismo a que já estamos acostumados: corte de impostos
dos ricos e corte de gastos sociais com os trabalhadores. O foco de
sua campanha tem sido a gestão econômica de Obama, que
não conseguiu fazer a economia do país decolar
novamente nem reduziu o desemprego (apesar do lucro das empresas ter
voltado). A pobreza avança para os padrões
estadunidenses, e é claro, nem Obama nem Romney estão
de fato preocupados com os pobres. Governam para o grande capital e
compõem as duas alas de um partido único, o partido da
burguesia. O sistema eleitoral do país é montado para
que não haja alternativas reais a esses dois setores do
partido do capital, Republicano e Democrata.
Eleições
indiretas
As
eleições estadunidenses carregam uma série de
características peculiares. Num país que se põe
a dar lições de democracia para o mundo inteiro, as
eleições presidenciais são indiretas! O eleitor
estadunidense não vota diretamente para presidente, ele elege
os representantes do seu estado no colégio eleitoral, onde de
fato se elege o presidente. Cada estado tem um número
determinado de representantes, conforme a sua população,
que é atualizada a cada censo. Mas o mais curioso é que
o voto dos representantes não é proporcional à
votação dos candidatos: em 48 dos 50 estados o
candidato vencedor leva todos os votos desse estado para o colégio
eleitoral. Assim, por exemplo, no estado da Califórnia, o mais
populoso do país, que tem direito a 55 representantes, não
importa se o candidato vencedor tem 99% ou 51% dos votos dos
eleitores, ele leva o voto de todos os 55 representantes para o
colégio eleitoral.
Com
isso, pode ocorrer de um candidato vencer num maior número de
estados, mas com uma margem menor de diferença, e perder em
menos estados, mas por uma diferença maior. Matematicamente, é
possível o candidato que venceu em menos estados ter mais
votos populares no total, e mesmo assim perder a eleição
no colégio eleitoral. Historicamente, isso de fato aconteceu 4
vezes na história: em 1824, 1876, 1888 e em 2000, quando
George Bush filho venceu Al Gore. Mas para ter os votos decisivos,
Bush precisou dos representantes do estado da Flórida, onde
houve fraudes de todos os tipos, facilitadas pelo fato de que seu
irmão era governador do estado e chefe da autoridade eleitoral
encarregada da apuração... Em meio aos pedidos de
recontagem, a eleição de 2000 foi decidida na Suprema
Corte, onde os republicanos tinham maioria, graças às
nomeações feitas nos governos Reagan e Bush pai, entre
1980 e 1992.
Não
há uma justiça eleitoral única no país, e
cada estado decide seu sistema de votação e apuração,
o uso de urna eletrônica ou cédulas, a vinculação
ou não dos representantes ao voto popular (embora não
haja uma regra constitucional a respeito, raríssimas vezes um
representante votou contra a deliberação dos eleitores
do seu estado, mas isso é teoricamente possível!), a
nomeação dos representantes (que podem ser eleitos ou
indicados de diversas formas pelo governo ou os partidos), a
composição das mesas de votação e
autoridades eleitorais (que podem ser filiados aos partidos!), a
possibilidade de votar antes da data, etc.
A
exclusão da votade popular
Mais do
que uma curiosidade cultural ou uma excentricidade a mais da terra do
baseball e futebol americano, o sistema de colégio eleitoral
tem uma função política precisa, que é a
de impedir que outros partidos que não os dois gigantes,
Democrata e Republicano, tenham chances de vitória. O sistema
foi projetado pelos “pais fundadores”, os líderes da
independência do país no século XVIII,
explicitamente para impedir que a maioria do povo, inculto e
despreparado, tivesse condições de interferir na
escolha do presidente. Para ter chances de vitória, um partido
precisa ter maioria numa grande quantidade de estados, no país
inteiro. Isso só é possível para as gigantescas
máquinas de campanha dos partidos do capital. Existem
candidatos de partidos menores e independentes, legalmente
habilitados a concorrer, mas que não conseguem nada além
de uma repercussão anedótica.
As
campanhas eleitorais estadunidenses são decididas pelo poder
econômico. O voto não é obrigatório como
no Brasil e não há horário político
obrigatório (não que o sistema brasileiro seja bom, ao
contrário, ver nossas matérias sobre as eleições).
Nem todos os cidadãos habilitados a votar se inscrevem como
eleitores e nem todos os eleitores comparecem na votação.
Para convencer o eleitor a votar é preciso gastar fortunas em
campanha. Para arrecadar essas fortunas, os candidatos são
obrigados a realizar eventos (chamados “fundraisers”), onde
passam o chapéu entre doadores.
Os
custos das campanhas eleitorais têm subido astronomicamente. O
custo total das campanhas para as eleições atuais (que
além da presidência inclui legislativos estaduais,
prefeituras e plebiscitos em vários estados) deve chegar a US$
9,8 bilhões, o que significa o triplo das eleições
de 1992 (Estadão, 10/09). Em 2008 Obama obteve a maior parte
de suas doações de pequenos contribuintes. Mais de 3
milhões de doadores participaram da campanha democrata, com
quantias que na média ficavam em torno de US$ 100. Esse tipo
de campanha reforçou a demagogia do candidato em sua suposta
identificação com os trabalhadores e os pobres, além
de uma série de expediantes de mídia viral na internet,
que conquistaram o voto dos jovens.
O
investimento da burguesia nas campanhas
Numa
tentativa de virar a mesa em favor dos republicanos, uma mudança
recente na legislação autorizou doadores individuais a
contribuir com qualquer valor (antes havia um limite), o que deu
origem aos “super PACs” (comitês de ação
política, na sigla em inglês) compostos por milionários.
Em 2012 os super PACs estão virando a balança da
arrecadação em favor de Romney. Mas mesmo com uma
campanha milionária à altura do rival, o candidato
republicano provavelmente não conseguirá fazer frente à
popularidade de Obama. O carisma do presidente permanece elevado
entre os negros, latinos e jovens. Celebridades como Michael Jordan,
George Clooney e Madonna já protagonizaram eventos para
arrecadar fundos para a campanha de Obama.
Quando a
burguesia faz uma contribuição para uma campanha
eleitoral, isso não é uma doação, é
um investimento. A doação retorna na forma de contratos
da empresa doadora para fornecer ao governo seus produtos, serviços,
obras, etc. Essa é a base da corrupção, que é
inerente ao sistema capitalista e seu estado burguês. Além
da compra das decisões dos políticos por meio do
financiamento de suas campanhas, existe o lobby, a pressão
direta sobre parlamentares e funcionários de alto escalão
para beneficiarem determinados setores empresariais, por meio de
subornos, propinas e “presentes”. O lobby é uma profissão
legalmente reconhecida e regulamentada nos Estados Unidos!
Como se
vê, não há nas eleições
estadunidenses uma alternativa que contemple as necessidades dos
trabalhadores. Ambos os partidos são instrumentos do capital.
Não há meios de furar o bloqueio dos dois partidos
gigantes através do sistema de colégio eleitoral. Não
há possibilidade de que a vontade democrática da
maioria se expresse através do voto e das instituições.
Os sindicatos, movimentos de minorias, ONGs, acadêmicos “de
esquerda”, etc., estão todos ligados ao partido Democrata,
portanto não servem como alternativa. Por isso, a classe
trabalhadora estadunidense precisa desenvolver instrumentos e
organismos de luta independentes, com um caráter classista, e
combativo, para criar um movimento político que se coloque
contra o sistema capitalista vigente.
Daniel M.
Delfino
Setembro
2012
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