5.11.15

O controle social como solução para a crise da água


Durante as últimas décadas esteve em vigor a concepção de que a gestão estatal dos serviços públicos é intrinsecamente ineficiente e corrupta, e de que portanto eles devem ser privatizados. Afinal, a iniciativa privada e a busca pelo lucro supostamente levam à eficiência. A atual crise da água em São Paulo mostra o quanto essa concepção está errada. Afinal a SABESP, uma empresa semi privatizada, com ações negociadas na bolsa de valores, está dando provas de uma catastrófica ineficiência, ao deixar a população da Grande ao Paulo ameaçada pela falta d'água. No que se refere ao objetivo do lucro, porém, a SABESP foi bastante eficiente, já que nos últimos 10 anos distribuiu mais de R$ 4,3 bilhões ao seus acionistas (http://jornalggn.com.br/noticia/sabesp-distribui-ate-60-dos-lucros-aos-acionistas-durante-governo-alckmin), entre os quais há inclusive investidores estrangeiros. Os proprietários privados ficam com o lucro e a população fica com o prejuízo e a falta d'água, esse é o resultado da privatização.

O desastre da gestão privatista
A SABESP é uma empresa de economia mista, com maioria acionária nas mãos do governo estadual, e o restante nas mãos de investidores privados, mas a lógica da sua gestão é inteiramente privada, voltada para aumentar os lucros a qualquer custo, mesmo que isso signifique sucatear o serviço prestado à população. Na última ocasião em que a concessão da SABESP foi renovada, exatamente em 2004, o compromisso assumido com os órgãos reguladores federais foi de que a empresa investisse na ampliação dos reservatórios e das estacões de tratamento e na interligação e manutenção das tubulações. Se essas medidas tivessem sido tomadas na época, quando já era previsível o risco de falta d'água devido ao aumento de consumo na área urbana e à possibilidade de uma estação de poucas chuvas, não estaríamos passando pela atual situação. A empresa, porém, não cumpriu com as suas obrigações contratuais para com a população. Ao invés disso, preferiu pagar lucros milionários aos seus acionistas. Esses lucros, portanto, não são apenas injustos, são também criminosos, de acordo com a própria letra da lei. São um assalto aos trabalhadores.
Ao invés de assumir suas responsabilidades, o governo do estado, que é o acionista majoritário da SABESP, pediu agora ajuda ao governo federal na forma de isenções de impostos e ajuda com as obras emergenciais de interligação das redes. O governo do estado é comandado há 20 anos pelo PSDB e em sua gestão "eficiente" usou a SABESP entre outras coisas para fazer doações para o Instituto que leva o nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o iFHC, em 2006 (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1352138-EI6578,00.html). O maior autor de privatizações na história do pais recebeu doações públicas para defender suas idéias privatistas! As privatizações feitas pelo PSDB ou pelo PT (que as faz com o nome de "concessões") devem ser chamadas pelo seu nome: são um crime contra a população, um assalto ao patrimônio público, transformado em fonte de lucros fáceis para uma minoria de aproveitadores.

A lógica do controle social
Para contornar a situação de crise no abastecimento da água, é preciso impor uma outra concepção na gestão dos serviços públicos. Ao invés da privatização, defendemos a gestão sob controle social, que não é a mesma coisa que estatal. Afinal, enquanto estivermos no capitalismo, o Estado estará sob controle da classe dominante, a classe dos grandes empresários, e estará sujeito à ineficiência e corrupção. O Estado existe precisamente para disfarçar a existência da divisão da sociedade em classes, ao aparecer como representante de “todos” (quando representa na verdade apenas uma minoria), e o ritual periódico das eleições existe exatamente para reforçar essa crença e fazer com que todos acreditem que tiveram escolha (quando na verdade, o Estado continua sempre sob controle da classe dominante, qualquer que seja o partido eleito).
A concepção de controle social é o oposto da privatização (e também da simples estatização), pois significa que a classe trabalhadora, que é a classe que produz toda a riqueza existente na sociedade, exerceria o controle sobre essa riqueza. Os serviços públicos devem estar sob controle dos trabalhadores e usuários. Vejamos como isso se aplicaria no caso da SABESP e do abastecimento de água.
1. Defendemos, como uma primeira parte da solução, a total estatização da SABESP, ou seja, a expropriação das ações que estão em mãos de aproveitadores privados, e sem indenização. Na verdade, são os atuais proprietários da SABESP que devem indenizar os usuários pelos prejuízos causados pela falta d'água. Essa regra da indenização por falha nos serviços já existe no caso do fornecimento de luz elétrica ou telefonia, e deve ser aplicada também no caso da água. Além de indenizar os consumidores, os proprietários da SABESP devem também arcar com os custos das obras emergenciais que terão que ser feitas para contornar a atual crise no abastecimento. Afinal, só estamos nessa situação de emergência porque as obras não foram feitas no momento devido, conforme previsto nos acordos de concessão.
2. A estatização total da SABESP seria apenas a primeira parte da solução, já que deixaria a empresa sob controle do governo estadual de plantão, no caso o de Geraldo Alckmin. A segunda parte, que seria o controle social propriamente dito, exigiria que a empresa fosse controlada não por diretores indicados pelo governo do estado, mas por um comitê de representantes dos usuários e trabalhadores. Em cada bairro ou região seriam eleitos representantes para fiscalizar o trabalho dos funcionários da SABESP, e garantir que a água existente seja distribuída igualmente para todos.

Comitês populares de luta pela água!
Evidentemente, tanto a estatização quanto o controle social exigiriam que a população se colocasse em luta contra o governo do estado, e também o governo federal, que existem para garantir os interesses dos proprietários privados da SABESP, que são parte da classe dominante à qual o Estado obedece. Entretanto, diante da situação de risco de calamidade em que estamos, não haverá outra solução a não ser a luta.
Como primeiro passo dessa luta, defendemos a formação de comitês populares de luta pela água. Esses comitês teriam como tarefas:
Estatização da SABESP, sem indenização e sob controle dos trabalhadores!
Confisco dos lucros indevidos dos proprietários para indenizar os consumidores e custear as obras emergenciais!
Prioridade para o consumo humano e a sobrevivência, mesmo que isso signifique interromper as atividades de milhares de empresas.
Transparência na divulgação da quantidade de água existente, para que toda a população possa decidir sobre o seu uso.
Cotas de água para consumo diário por habitante, para que a população que mora nos bairros pobres receba proporcionalmente a mesma quantidade que a dos bairros ricos.
Estatização sob controle dos trabalhadores de todas as fontes, minas, poços e reservas, para que a água não se torne um privilégio dos que podem pagar.

Daniel M. Delfino
Novembro 2014


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