O
diretor sul-africano Neill Blomkamp iniciou sua carreira no Canadá
e Estados Unidos, e depois de alguns trabalhos iniciais, lançou
em 2009 o excelente longa metragem “Distrito 9”, uma alegoria do
regime do Apartheid que vigorou décadas atrás em seu
país natal. O filme foi mundialmente aclamado e mostrou como a
ficção científica pode abordar questões
sociais com altas doses de inteligência e ação.
Agora em
2013, Blomkamp retorna com “Elysium”, uma produção
estadunidense, mas de temática tipicamente mundializada e um
forte conteúdo de crítica social, que não
prejudica suas qualidades como entretenimento. O elenco conta com
astros hollywoodianos consagrados como Matt Damon e Jodie Foster, os
brasileiros Wagner Moura e Alice Braga, e Sharlto Copley, compatriota
e parceiro do diretor em Distrito 9.
O título
do filme é o nome em inglês dos Campos Elísios, a
morada das almas bem aventuradas da mitologia greco romana. No filme,
situado no ano 2159, Elysium é o nome de uma estação
espacial em que os bilionários se exilaram, levando uma vida
paradisíaca na órbita da Terra. Os 99,9999% de
terráqueos restantes vivem numa gigantesca favela, convivendo
com a violência, o lixo, a poluição, doenças,
etc. Os habitantes da Terra trabalham em fábricas insalubres,
em ritmos dignos do século XIX, para fabricar robôs, que
são os mesmos que fazem a função de polícia,
cometendo toda espécie de abusos e arbitrariedade para manter
esse subproletariado sob um controle brutal.
O acesso
a Elysium está bloqueado para os que não são
cidadãos e as naves não autorizadas são caçadas
no espaço pelo serviço de segurança da estação,
chefiado por uma dirigente fascista. Não obstante o risco de
serem detidos pela defesa do Elysium, os habitantes da Terra insistem
em realizar viagens à estação orbital. Seu maior
objetivo é ter acesso aos ultra modernos equipamentos médicos
de uso exclusivo dos cidadãos, capazes de regenerar quase
instantaneamente os estragos de qualquer doença ou lesão,
tornando os seus possuidores virtualmente imortais. Contrabandistas
vendem o acesso a esses vôos não autorizados, dos quais
apenas uma minúscula fração consegue pousar.
A
dirigente da segurança tem como projeto simplesmente explodir
os transgressores, para dar uma lição nos
contrabandistas e por fim a essas tentativas. O restante do governo
do Elysium é contra a detonação sumária
de viajantes ilegais, preferindo apenas deportá-los de volta
para a Terra. Para por fim a essa hipocrisia, a segurança
aplicará um golpe, contando com a assistência de agentes
atuando de forma ilegal na Terra. Enquanto isso, o protagonista do
filme, associando-se aos contrabandistas, será obrigado a
tentar a viagem para o Elysium como única forma de sobreviver
a um acidente de trabalho que o expôs a contaminação
por radiação.
Com essa
trama, o filme expõe algumas das situações
típicas da mundialização capitalista, o abismo
entre as populações de ricos e pobres, e a crescente
violência contra imigrantes que tentam chegar às regiões
onde esperam encontrar trabalho e melhores condições de
vida. O acesso à saúde é uma questão
chave para bilhões de pessoas, tanto assim que uma acirrada
disputa política foi travada nos Estados Unidos em torno do
tamanho e do ritmo dos cortes no orçamento da assistência
destinada aos pobres. A mesma disputa está representada no
filme, entre um setor de direita, que mantém a separação
abissal entre os terráqueos e os habitantes do Elysium, mas
com alguns pudores humanitários hipócritas; e um setor
de ultra direita, que quer simplesmente explodir os trabalhadores que
tentam chegar ao seu paraíso.
Da mesma
forma, tivemos no intervalo de poucos meses duas tragédias
envolvendo a tentativa de imigrantes africanos de chegar na Europa,
que custaram centenas de vidas. Uma se deu por naufrágio
próximo da Itália, e outra por falta d'água no
deserto do Saara, depois que os caminhões dos contrabandistas
falharam no mar de dunas, antes ainda de chegar às margens do
Mediterrâneo. O lançamento do filme se deu nesse mesmo
intervalo.
A obra
cinematográfica não foi feita evidentemente para
conscientizar as platéias das iniquidades do capitalismo.
Ainda assim, ela as retrata com nitidez exemplar. Ao contrário
porém das soluções hollywoodianas, em que um
punhado de heróis (mesmo que agora com rostos
terceiromundistas) reverte as injustiças por meio de uma
reprogramação dos sistemas, será preciso uma
revolução socialista para superar as misérias e
barbáries do capitalismo.
Toda a
imensa riqueza em ciência e tecnologia hoje disponível,
que seria capaz de proporcionar um modo de vida confortável
para toda a humanidade (senão no nível do Elysium, mas
muito próximo disso) e com um mínimo de esforço
para todos, precisa ser expropriada dos grilhões da
propriedade privada capitalista e submetida a uso coletivo e
racional. Isso só pode ser feito por meio da ação
coletiva, consciente e organizada dos trabalhadores, contra o Estado,
seus agentes e suas mistificações ideológicas.
Daniel M.
Delfino
Novembro
2013
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