Nas
últimas semanas o mundo tem assistido a uma verdadeira caçada
humana contra um ex-funcionário da Agência de Segurança
Nacional estadunidense (NSA, em inglês) chamado Edward Snowden.
Tudo começou quando o jornal inglês “The Guardian”
publicou um documento em que o governo requisitava da empresa de
telecomunicações Verizon dados sobre as ligações
feitas por seus clientes, bem como sua localização via
GPS. Descobriu-se depois que esse documento era uma simples renovação
trimestral de uma ordem editada inicialmente desde 2006, sob o
governo Bush, obrigando também outras empresas de
telecomunicações como AT & T, Bell South e de
internet como Google, Yahoo, Facebook, YouTube, Skpe, AOL, Apple,
Microsoft a fornecer informações sobre seus clientes. A
ordem, chamada “Ato de Segurança e Inteligência
Exterior” (FISA, em inglês), é parte do Ato Patriótico
lançado em 2001 pelo governo Bush como parte da “guerra ao
terror”, na sequência dos atentados de 11 de setembro.
O Ato dá
poder às agências governamentais como FBI, CIA, NSA,
Serviço Secreto, etc. (há dezenas de agências de
espionagem e contra-espionagem doméstica e estrangeira, que
por sua vez utilizam empresas subcontratadas), para violar o sigilo
bancário, telefônico e postal de qualquer cidadão,
sem a necessidade de ordem judicial (contrariando a Constituição
e as leis do país), por suspeita de “terrorismo”. O
programa de espionagem montado com a autorização do
FISA permite a esses agentes captar dados e metadados (localização
via GPS, números discados, endereços de IP) de ligações
de celular, mensagens de correio eletrônico, redes sociais de
qualquer pessoa no planeta. O sistema filtra automaticamente
mensagens de conteúdo suspeito (por exemplo, palavras como
“revolução”, “socialismo”, etc.) e as envia
para analistas de inteligência que interpretam o risco contido
nas mensagens.
Quem é
o criminoso?
Os
Estados Unidos proibiram qualquer país de conceder asilo a
Snowden e estão em seu encalço para extraditá-lo
e julgá-lo no território estadunidense pelos crimes de
traição e espionagem, por ter repassado os documentos
ao jornal. A imprensa internacional passou a divulgar os lances dessa
caçada humana como num filme de Hollywood, em que o fugitivo
está hora em Hong Kong, hora em Moscou, e assim por diante. A
caçada chegou ao cúmulo de fazer com que vários
governos europeus, entre eles França e Espanha, se recusassem
a permitir a aterrissagem do avião do presidente boliviano Evo
Morales, por conta da suspeita de que Snowden estaria refugiado na
aeronave. Morales acabou aterrissando na Áustria, em meio a
protestos de seu governo e de outros países latinoamericanos
por conta dessa grosseira violação de soberania.
Estados Unidos passam por cima de qualquer outro país, seja
ele grande como a França ou pequeno como a Bolívia,
aliado ou supostamente inimigo, para perseguir um indivíduo
que se tornou perigoso para sua dominação.
Mas o
mais grosseiro nesse caso é que Snowden se tornou o criminoso,
quando ele nada mais fez do que revelar a criminosa, sistemática,
massiva, arbitrária violação da privacidade da
comunicação de centenas de milhões de pessoas
praticada pelo governo estadunidense! Snowden se soma assim a Julian
Assange, criador do site Wikileaks, que publicou na internet milhares
de mensagens da rede de embaixadas estadunidenses pelo mundo (e expôs
pela primeira vez os contornos colossais da prepotência
imperial ao espionar centenas de países, causando imenso
constrangimento e revolta), hoje refugiado na embaixada do Equador em
Londres (foi forjada contra ele a acusação de assédio
sexual como pretexto para extraditá-lo aos Estados Unidos,
onde o aparato de segurança deseja julgá-lo por
terrorismo); e ao soldado Bradley Manning, atualmente detido em um
presídio militar (em confinamento solitário totalmente
ilegal, sem direito a habeas corpus, nem a poder sequer falar com um
advogado) pelo crime de haver publicado documentos que provam os
crimes da invasão dos Estados Unidos ao Afeganistão e
ao Iraque, onde servia.
A face
sombria do Estado capitalista
O Ato
Patriótico, em que se baseia o FISA (e o programa “Prisma”
em que Snowden trabalhava), não só não foi
revogado, como foi ampliado no governo Obama, convertendo-se nessa
gigantesca teia de espionagem. Isso mostra que não há
diferença essencial entre as duas frações do
partido único do grande capital estadunidense, republicanos e
democratas, no que se refere a garantir seus interesses imperiais. A
“guerra ao terror” se transformou em uma política de
Estado, não apenas deste ou daquele governo. Para legitimar a
espionagem, a detenção ilegal de suspeitos, a tortura
em prisões secretas e ilegais como Abu Graib e Guantánamo,
o bombardeio por aviões não pilotados (drones) de
regiões que supostamente abrigam terroristas no Afeganistão
e no Paquistão (causando mortes de civis tratadas cinicamente
como “danos colaterais”), a contratação de
mercenários, a realização de assassinatos, etc.,
o governo estadunidense assumiu a doutrina de que “os fins
justificam os meios”, e para “proteger as vidas de cidadãos”
estadunidenses, o governo e seus agentes podem tudo e passam por cima
de suas próprias leis.
O
monstruoso aparato de segurança (que se destaca pela
“incompetência”, pois os analistas foram incapazes de
captar a ameaça do atentado na maratona de Boston) instala um
clima de medo e paranóia, em que os indivíduos
suspeitam uns dos outros e fiscalizam comportamentos tidos como
suspeitos. Num país em que são comuns casos de
indivíduos que surtam e realizam chacinas em escolas, a
simples emissão de uma opinião divergente pode levar o
autor a ser tratado como potencial terrorista. Numa mídia
completamente controlada pelas grandes corporações, as
mesmas que ditam a política do governo, não há
espaço para qualquer tipo de debate substantivo e os críticos
do governo, mesmo os mais suaves democratas e liberais burgueses, são
tratados como asseclas de Bin Laden em verdadeiras campanhas de
difamação. Os Estados Unidos, que se vangloriam de ser
a primeira nação democrática do mundo, são
uma ditadura sombria em que se tornam realidade os piores pesadelos
descritos no “1984” de George Orwell. Abaixo o Grande Irmão!
Daniel M.
Delfino
Julho
2014
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