Expansão
do imperialismo na antiga URSS
O drama
a que estamos assistindo na Ucrânia é a culminação
de um processo que já vem se estendendo há décadas,
desde a dissolução da URSS em 1991. Esse processo
consiste na incorporação dos países do antigo
bloco soviético pela União Europeia (UE). Num primeiro
momento, os países do antigo Pacto de Varsóvia,
satélites da URSS, mas que mantinham formalmente a
independência, se associaram à UE. É o caso de
Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Hungria,
Romênia, Bulgária, Croácia, Eslovênia (as
duas últimas eram partes da antiga Iugoslávia, que não
era alinhada à URSS, mas nominalmente “socialista”).
Num
segundo momento, a UE avança sobre países que compunham
o território da própria URSS, como Lituânia,
Letônia e Estônia. E agora, o mesmo acontece com a
Ucrânia. A incorporação à UE é
defendida em cada país como se fosse a porta de entrada para
um paraíso de prosperidade, com a possibilidade de acesso ao
consumo e a um padrão de vida elevado que os europeus
supostamente ainda desfrutam. Nada mais ilusório! A UE impõe
regras de livre comércio que em poucos anos submetem as
economias de menor produtividade a uma dinâmica de colonização,
como fornecedores de mão de obra barata para empresas
européias e consumidores de produtos de alto valor produzidos
pelas grandes potências do continente, em especial, a Alemanha.
As consequências são o endividamento, a deterioração
das contas públicas, corte nos serviços sociais e
rebaixamento nos salários, condições de trabalho
e condições de vida dos trabalhadores.
Evidentemente,
a população dos países do leste europeu e da
Ucrânia não sabe disso, e acaba sendo influenciada por
uma massiva propaganda pró-UE e pró livre mercado. A
assinatura do tratado com a UE estava prestes a ser firmada quando,
em novembro de 2013 o presidenteVictor Yanukovich, na última
hora, decidiu manter os laços com a Rússia. Em
resposta, começou uma onda de protestos de massa, liderados
por grupos neonazistas, que terminou com a queda do presidente em
fevereiro de 2014. Em seguida, a região de maioria russa da
Crimeia organiza um plebiscito e se separa do país, optando
pela anexação à Rússia. O governo Putin
rapidamente intervém e desloca tropas para assegurar o
controle da região. No momento, é a região de
Donetsk, também no leste e com maioria russa, também
reivindica plebiscito para decidir pela separação.
A
anexação da Crimeia pela Rússia se tornou a
principal questão na disputa geopolítica em curso. Os
Estados Unidos intervém em favor do golpe e da UE. Políticos
estadunidenses, como o ex-candidato republicano John McCain,
discursaram, para aplauso dos fascistas, em plena praça Maidan
(Praça da Independência), na capita, Kiev! Os Estados
Unidos também defendem a integração da Ucrânia
à UE porque se preocupam em limitar a esfera de influência
russa, afinal o país eslavo ainda é a segunda potência
militar do mundo, e a rivalidade geopolítica não
terminou com o fim da Guerra Fria contra a antiga URSS.
Muito
além da “crise de direção”
A
população ucraniana apoia a integração à
UE, como dissemos, porque tem a ilusão de que vai melhorar de
vida, por isso mobilizou-se em massa contra o governo Yanukovich, que
na última hora optou por manter os laços com a Rússia.
A oposição de massa à Yanukovich, entretanto,
não abriu caminho para um projeto político de esquerda,
e sim de direita. A direção política dos
protestos contra a decisão de Yanukovich coube a grupos
neonazistas, que não fazem a menor questão de esconder
a sua ideologia.
As
bandeiras desses grupos reproduzem as das milícias que
combateram ao lado dos nazistas na II Guerra Mundial, contra o
Exército Vermelho soviético. Ao tomar o poder através
da oposição parlamentar, que formalmente depôs
Yanukovich, a ultra direita neonazista teve como suas primeiras
medidas derrubar os monumentos que homenageiam os heróis que
combateram os nazistas. O discurso desses grupos é de puro
ódio contra a Rússia, contra os judeus e contra as
minorias.
Em
resumo, ainda que as condições objetivas empurrem os
trabalhadores para a luta, ou seja, para a esquerda, as condições
subjetivas podem levar essas lutas a resultados políticos que
se dirigem para a direita, ou seja, que posteriormente se voltam
contra a própria classe. É o que está
acontecendo na Ucrânia. As lutas políticas não
podem ser explicadas apenas pelo fator objetivo das necessidades
materiais, pois o fator subjetivo, a consciência e a
organização da classe trabalhadora, tem também
um peso decisivo, e não pode ser substituído.
É
muito insuficiente a análise rotineira de algumas corrente
marxistas que explicam tudo pela ausência de uma “direção
revolucionária” na Ucrânia. Uma direção
revolucionária e socialista não pode ser improvisada
nem transplantada para nenhum país da noite para o dia. Ela
precisa ser construída por um longo processo de relação
com a classe trabalhadora, de impulso e organização de
suas lutas cotidianas e de sua consciência. Sem isso, nenhuma
“direção revolucionária” pode cair de para
quedas em meio a uma crise social e ser recohecida pelos
trabalhadores. Ao contrário, reafirmamos, os trabalhadores
ucranianos reconheceram grupos neonazistas como sua liderança.
É preciso reconhecer esse fato da realidade como ponto de
partida para uma política revolucionária para a
situação ucraniana.
Da
burocracia stalinista ao nacionalismo russo
Para
explicar a ausência de um projeto político de esquerda e
a influência da ultra direita é preciso mais uma vez
recorrer à história. Na época de consolidação
do stalinismo, na década de 1930, a política da
burocracia para os países que compunham a URSS foi de uma
opressão ainda mais feroz do que a do antigo império
czarista. Essas regiões foram obrigadas a entregar sua
produção para Moscou à base da força dos
fuzis, e em nenhum lugar essa política foi mais violenta do
que na Ucrânia, segundo mais populoso e mais importante país
da União Soviética e um dos mais férteis do
mundo. Milhões de camponeses ucranianos foram mortos no
processo de coletivização forçada do campo e
requisição das safras pela burocracia stalinista.
Reproduzindo
a prática do czarismo na época do império russo
(a presença russa na Crimeia já tem mais de 200 anos,
já que a região é porta de entrada para o mar
Negro, e dali para o Mediterrâneo, por isso existe a base naval
de Sebastopol), burocratas russos foram deslocados para administrar
todas as instituições das repúblicas soviéticas.
Essa é a base da existência de minorias russas em todas
as ex-repúblicas soviéticas, e também do ódio
à Rússia.
Voltando
para o momento atual, os setores que se opõem ao golpe na
Ucrânia não tem outra referência além de
voltar-se para a Rússia. E isso de forma alguma é
indício de progresso social! A Rússia é
governada por uma oligarquia mafiosa, cuja origem social está
no aparato de segurança interna da finada URSS (a antiga KGB).
Os ex-burocratas do aparato de segurança saquearam o
patrimônio estatal da antiga URSS com métodos gângsteres
e hoje governam a Rússia com mão de ferro através
de Vladimir Putin, que não tolera nenhum tipo de oposição.
O principal crítico do governo Putin é um advogado
liberal e democrata, Alexei Navalny, que está em prisão
domiciliar. O movimento operário é praticamente
inexistente. O que resta do período soviético na
consciência das massas é uma vaga venereção
de Lênin e de Stalin como “heróis nacionais”, o
primeiro por ter derrubado o czarismo e o segundo por ter vencido
Hitler. O autoritarismo e o conservadorismo vão a tal ponto
que a homossexualidade é proibida e os LGBTs são
caçados nas ruas.
É
para essa Rússia que se volta a população russa
da Criméia e Donetsk, que não aceita o golpe desfechado
em Kiev. Não existem grupos revolucionários de esquerda
na Ucrânia que possam se opor ao imperialismo e ao neonaizsmo.
O partido comunista ucraniano (KPU) é um resto da velha
burocracia stalinista, cuja única política é a
defesa da integração com a Rússia. Em nenhuma
região do mundo a crise de alternativas socialistas é
mais dramática do que nos países do antigo bloco
soviético. O fim do stalinismo deixou em seu lugar o ódio
contra a Rússia nas ex repúblicas da URSS e no bloco
soviético, e uma apologia do nacionalismo russo, dentro da
própria Rússia.
A
falsa reedição da Guerra Fria
Temos
que lidar com a crise de alternativa socialista como ela é e
não fantasiar que qualquer movimento em que as massas se
colocam na rua é automaticamente positivo. A anexação
da Ucrânia pela UE é mais uma onda de choque da queda da
URSS, o último efeito retardado da queda do regime
burocrático, depois de mais de duas décadas do seu
desmoronamento. Como um efeito retardado daquele processo, a crise na
Ucrânia traz de volta o problema das alternativas societárias,
já que a ideologia que moveu o golpe é a defesa do
livre mercado capitalista, no qual as massas ucranianas depositam
suas esperanças. Em contra partida, a alternativa que se
apresenta contra o golpe é o nacionalismo russo, que é
mais uma versão do próprio capitalismo. Ou seja, não
representa alternativa alguma. Essa alternativa terá que ser
reconstruída, na Ucrânia e em qualquer país do
mundo, com base na organização e na luta dos
trabalhadores.
Alguns
analistas falam em “nova Guerra Fria”, relembrando o conflito que
opôs URSS e Estados Unidos na segunda metade do século
XX, com a Rússia substituindo o papel da URSS. Nada mais
falso! A Guerra Fria não opunha apenas duas grande potências,
mas duas alternativas sociais. Ainda que a URSS não fosse uma
autêntica alternativa socialista, já que estava
condenada ao fracasso pelo câncer da degeneração
burocrática, a sua existência servia como fundamento da
ideia de que era possível substituir o capitalismo. O seu
desmoronamento, devido ao fato de que o câncer burocrático
não foi curado, serviu como fundamento da ideia oposta, que
predomina nas últimas décadas, de que não existe
alternativa ao capitalismo. Portanto, o confronto entre o
imperialismo e a Rússia pela extensão das respectivas
esferas de influência, não é um conflito entre
alternativas sociais, mas entre forças políticas e
econômicas que disputam poder no interior de um mesmo sistema,
o capitalismo.
Com a
consolidação do golpe, a Ucrânia deve ser
incorporada pela União Europeia, ou seja, colonizada pelo
imperialismo alemão, e as esperanças de melhoria das
massas que apoiaram o golpe vão ser amargamente frustradas. O
que resta saber é se nesse momento futuro de frustração
e revolta vamos ter novos protestos que, aí sim, possam ser
dirigidos pela esquerda. Como dissemos, o processo de organização
e avanço da consciência dos trabalhadores não
pode ser substituído por nenhum outro tipo de força
social. É desse processo que depende a formulação
de uma alternativa anticapitalista e autenticamente socialista.
Como
bandeiras para a construção do movimento dos
trabalhadores ucranianos defendemos:
Contra o
golpe de Estado! Nenhuma confiança no governo provisório!
Contra o
tratado com o FMI e as medidas de austeridade!
Contra
os grupos fascistas! Pela autoorganização dos
trabalhadores!
Contra a
intervenção do imperialismo europeu na Ucrânia!
Contra a
ingerência dos EUA!
Nem
pro-Rússia, nem pro-União Europeia: todo poder a classe
trabalhadora ucraniana!
Pela
formação de conselhos e comitês de base
independentes, nos locais de trabalho e de moradia! Pelo controle
operário da produção e dos preços!
Por um
poder socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações
de luta!
Daniel M.
Delfino
Abril
2014
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