7.2.16

"O despertar da força": voltar ao passado para alcançar o futuro



Dizer que “O Despertar da Força”, sétimo episódio da série “Star Wars”, é mais uma produção da indústria cultural estadunidense, destinada a quebrar recordes de bilheteria e arrecadar mais alguns bilhões de dólares em vendas de infinitos tipos de produtos derivados, esmagando a produção cultural de todas as regiões do mundo, colonizando milhares de salas de cinema e contando com o auxílio de imensa parafernália publicitária em todos os tipos de mídia; é o mesmo que não dizer nada. Tudo isso é muito óbvio.
Na sociedade capitalista em que vivemos, todo filme de grande alcance é produzido dessa maneira (e a discussão sobre a relação deletéria entre a forma mercadoria e as obras de arte e cultura em geral e sobre a necessidade de outras formas de produção cultural, bem como de outras formas de sociedade, esgota em muito o objetivo deste artigo). Indo além do óbvio, para dizer alguma coisa relevante sobre o filme, é preciso avaliar até que ponto o próprio filme tem algo de relevante a dizer sobre a nossa sociedade, não se limitando aos aspectos meramente quantitativos e comerciais envolvidos na sua produção e distribuição. Ou seja, de que forma a estrutura e as soluções da narrativa (independentemente das intenções do autores) revelam aspectos ideológicos da sociedade.
No caso deste autor, é preciso fazer também uma ressalva em relação a sua ligação afetiva com “Star Wars”. Afinal, minha formação estética se deu na década de 1980, consumindo música Heavy Metal, HQs de super-heróis e filmes de ficção científica (naquele momento nem sequer se sonhava que os próprios super-heróis também poderiam aparecer em filmes). Cada produção desses gêneros era cultuada como uma rara preciosidade, já que na época (e lugar) não existia internet, nem DVDs, nem TV paga, nem o cinema era acessível, e era preciso esperar com grande ansiedade até que cada novidade aparecesse nas bancas ou estreasse na TV aberta.
Para que se tenha uma ideia, só pude assistir o episódio VI da série, “O Retorno de Jedi”, o terceiro filme da trilogia clássica, lançado no cinema em 1983, quando estreou no Brasil na TV aberta em 1988, portanto 5 anos depois. Era assim que as coisas funcionavam. Nada era fácil como é hoje, em que os filmes estreiam simultaneamente no cinema e na internet, nos sites piratas. Isso faz muita diferença na forma como esses filmes e seus personagens eram apreciados e na relação que os fãs criavam com eles. Não há como escrever sobre essa série sem fazer tal confissão ao leitor.
O criador e a criatura
Feitas as ressalvas, começamos pelo ponto de partida para entender a série “Star Wars”, o fato de que na verdade não se trata de ficção científica, mas de uma fábula. A ficção científica tem como tema o futuro da humanidade e o impacto da ciência e tecnologia na vida social e individual. “Star Wars”, ao contrário, tem um tema completamente diferente, e se passa há muito tempo atrás, numa galáxia muito, muito distante. A série reconta a eterna disputa entre o bem e o mal e seus personagens típicos, heróis e vilões, ao longo de gerações. O seu apelo e universalidade advém dessa temática, e não da tentativa de retratar alguma hipotética sociedade futura.
O segundo ponto para se entender a série e o novo filme é a relação com seu criador. George Lucas pertence a uma geração de diretores que revolucionou o cinema estadunidense a partir dos anos 1970, começando por Francis Ford Copolla, passando por Spielberg, Scorcese, Brian de Palma, Oliver Stone, Ridley Scott (que é inglês), e chegando a James Cameron e Tim Burton. Dentro dessa brilhante geração, George Lucas talvez seja o menos talentoso, mas é provavelmente o mais bem sucedido comercialmente.
Para viabilizar o lançamento do primeiro filme em 1977 (apresentado com o nome de “Guerra nas Estrelas”, mas como corresponde ao episódio IV na cronologia da série, gradualmente assumiu o subtítulo “Uma nova esperança”), ele fez um acordo com o estúdio em que abria mão da sua remuneração de diretor em troca da exclusividade na comercialização de produtos derivados. O resultado de “Guerra nas Estrelas - Uma nova esperança” surpreendeu a todos na época: foi um recordista de bilheteria e gerou uma infinidade de subprodutos que vão desde bonecos dos personagens até jogos de videogame, que rendem fortunas até hoje.
O estrondoso sucesso comercial deu a George Lucas carta branca para fazer o que quisesse com a série. Um segundo filme, “O Império contra-ataca” (episódio V) foi lançado em 1980, com novos e espetaculares cenários e personagens, um visual mais exuberante e uma temática mais adulta (é o preferido deste fã). O terceiro filme, “O Retorno de Jedi” (episódio VI), lançado em 1983, não manteve o mesmo nível e dividiu os fãs por conta de uma significativa infantilização.
Mesmo assim, a série já tinha conquistado seu lugar na história do cinema e se tornado um fenômeno cultural. Esse fenômeno foi avaliado de diferentes maneiras. Na linha mais apocalíptica, Pauline Kael, considerada a maior crítica de cinema dos Estados Unidos, interpretou “Star Wars” como a morte do cinema baseado em roteiro, diálogos e interpretação, e como advento de uma era de filmes voltados para o público infanto-juvenil e baseados em efeitos visuais. Considerando o que vemos hoje nas telas, ela parece ter acertado na profecia. Retomaremos esse ponto novamente logo adiante.
Depois do encerramento da trilogia clássica, “Star Wars” inspirou uma infinidade de produções em outros tipos de mídia, como videogames, histórias em quadrinhos, romances, desenhos animados (sempre sob a supervisão direta de Lucas), além de imitações e paródias. Com o passar do tempo, a série se tornou um dos pilares da cultura “pop” e objeto de culto “nerd”. O interesse do público por esse universo (e a correspondente lucratividade) nunca esteve em baixa em nenhum momento.

A cópia da cópia
Depois de um longo hiato, George Lucas resolveu finalmente levar às telas a história que antecede a trilogia clássica, os episódios I, II e III da sua cronologia, que contam a origem do vilão Darth Vader e do Império. Recheados de efeitos visuais gerados em computador, os três filmes da nova trilogia foram lançados em 1999, 2002 e 2005. Apesar do entusiasmo do diretor com os novos efeitos de computador, da exuberância visual e da boa vontade dos fãs (ver por exemplo a minha própria crítica, muito condescendente, do episódio III: http://politicapqp.blogspot.com.br/2007/05/vingana-dos-sith-fbula-e-histria_29.html), o resultado dos três novos filmes ficou muito abaixo da trilogia clássica. Nessa nova série, o mitológico Darth Vader foi retratado como um adolescente mimado que não consegue superar a perda da mãe.
Essa nova trilogia é parte de uma tendência geral de revisitar, recriar, recontar ou estender as histórias de personagens clássicos do cinema, mas sem o mesmo sucesso das versões originais. O Exterminador do Futuro, Planeta dos Macacos, Indiana Jones, Aliens, Hannibal Lecter, Batman, Jurassic Park, Mad Max (talvez o único que se salve nessa tendência, conforme comentário em: http://politicapqp.blogspot.com.br/2015/11/a-polemica-do-feminismo-em-mad-max.html), entre outros, participaram dessa tendência, em lançamentos que têm muito menos impacto e importância do que na época do seu surgimento. A revolução criativa do cinema estadunidense, protagonizada pela geração de diretores dos anos 1970, se esgotou há tempos e foi substituída pela mesmice.
Já se disse que na indústria cultural, nada se cria, tudo se copia. O cinema de hoje é a cópia da cópia. Não é à toa que um dos cineastas mais celebrados da atualidade, Quentin Tarantino, se destaca justamente por não criar absolutamente nada e apenas reciclar e imitar o estilo, a atmosfera e a música dos anos 1960 e 70, mas sem ter nada relevante a dizer sobre coisa nenhuma. O próprio George Lucas também não conseguiu superar o tom de infantilismo com o qual encerrou a trilogia clássica, e fez da trilogia nova nada mais do que o exemplo mais estrondoso dessa tendência decadente de cópias e imitações medíocres.
Essa tendência decadente é o mais recente estágio do processo apocalíptico em que o cinema foi dominado por filmes em que o visual se sobrepõe à inteligência. Mas convém não exagerar nem as virtudes do cinema anterior a “Star Wars” (como se fosse tudo muito inteligente, quando na verdade não era, basta lembrar que em 1976 “Rocky” ganhou o Oscar de melhor filme concorrendo contra “Taxi Driver”) de um lado, e nem menosprezar a presença de uma persistente corrente de filmes baseados em bons roteiros, de outro. O que é preciso reconhecer é a existência de uma segmentação entre cinema e vídeo, ou seja, filmes “para ver no cinema” e “para ver em casa”.
O cinema precisa de efeitos visuais espetaculares para motivar os espectadores a sair de casa e pagar ingressos, do contrário estes vão preferir assistir televisão, vídeo, DVD e “streaming” da internet. A diferença entre os filmes “para ver no cinema” e “para ver em casa” se aprofundou, mas bons e maus filmes continuaram a ser feitos, com e sem efeitos visuais. O segredo do sucesso da trilogia clássica de “Star Wars”, mais do que nos efeitos visuais (avançados para a época, mas tosquíssimos para os padrões de hoje), estava na narrativa simples e na temática de apelo universal, na capacidade de apelar diretamente para os arquétipos do heroísmo, iniciação, transcendência, individuação. O fracasso quase total da trilogia nova (com efeitos muito mais espetaculares) se deveu a um roteiro medíocre, com personagens fracos e mal resolvidos.

O show tem que continuar
O fato de George Lucas estar superado como diretor não seria obstáculo para que a indústria de Hollywood deixasse de explorar o lucrativo filão do universo “Star Wars”. Depois de uma negociação que deve ter sido bastante complicada e dispendiosa, a Disney convenceu Lucas a abrir mão do controle criativo sobre “Star Wars”, liberando o caminho para que uma nova série de filmes seja produzida, contando um novo arco de histórias ambientadas no mesmo cenário. Para desespero dos fãs radicais, a criação de novas histórias implicou em invalidar a série de livros do chamado “universo estendido”, com histórias que nunca mais serão filmadas.
Para conduzir o episódio 7, a Disney recrutou um dos diretores mais “nerds” da nova geração, J.J Abrams, também roteirista e produtor de cinema e TV, responsável pela criação do aclamado seriado “Lost”, por filmes das séries “Missão Impossível” e “Star Trek” (outro ícone nerd) e por algumas pérolas como “Cloverfield” e especialmente “Super 8”.
A encomenda da Disney deve ter sido de um filme que resgatasse a atmosfera da trilogia clássica, o que não seria tarefa fácil. Provavelmente por medo de errar, os produtores optaram por reproduzir o maior número possível de elementos com os quais os fãs pudessem se identificar (essa era a intenção da Disney, mas independentemente disso, o resultado de uma determinada criação cultural muitas vezes extrapola o sentido que lhe foi destinado pelos criadores, conforme veremos no final). Esse esforço para criar algo que agradasse aos fãs acabou sendo exagerado. A estrutura do roteiro é praticamente idêntica à do “Guerra nas Estrelas – Uma Nova Esperança”, de 1977, com pinceladas dos demais filmes da trilogia clássica (os mais interessados em polêmicas “nerd” podem esmiuçar esses detalhes na nota de rodapé*, onde concentramos todos os “spoilers”).
Também há uma dependência excessiva do personagem de Harrison Ford, que rouba a cena do elenco jovem com as melhores falas e situações cômicas (talvez para justificar um salário dezenas de vezes maior). Outra importante fragilidade do filme é o pusilânime vilão Kylo Ren, que aderiu ao lado negro da Força por causa de alguma mágoa na relação com os pais. Ele se assemelha muito mais ao patético adolescente mimado Annakin Skywalker da trilogia nova do que ao ameaçador Darth Vader da trilogia clássica. Somente a forma como se dá o desenlace da sua relação com Han Solo de certa forma o “redime” como vilão, mas apenas para que ele fracasse logo depois no confronto com os protagonistas. A diferença entre as gerações, não só entre os vilões, mas também entre os protagonistas, separadas no filme e na vida real por um intervalo de 30 anos, é o último elemento crucial para entender o verdadeiro sentido deste episódio VII, conforme discutiremos logo adiante.

Desafiando alguns tabus
Os protagonistas são o principal destaque do filme, pelo fato de serem uma mulher e um negro. Esse tem sido o aspecto que provoca maior discussão, e é importante nos atermos a ele. Os homens brancos não detém mais o monopólio do heroísmo na indústria cultural. A inclusão de protagonistas mulheres e negros em “O despertar da Força” é um marco da luta por representatividade, que é um dos aspectos das lutas das mulheres e dos negros. É importante, mas é apenas um aspecto da luta. Não é pelo fato de termos protagonistas mulheres e negros num filme de Hollywood que estes deixam de sofrer a opressão que sofrem no mundo real. Mas de qualquer forma, o fato de crianças e adolescentes negros e do sexo feminino poderem ver a si mesmos como protagonistas faz alguma diferença na sua construção subjetiva e ajuda a fortalecê-los para lutas futuras e reais.
Ao colocar em cena personagens “politicamente corretos”, “O Despertar da Força” tenta se sintonizar com as tendências mais progressistas da sensibilidade coletiva contemporânea, tarefa que mede o sucesso ou fracasso de toda obra de arte. Mas essa tentativa não está isenta de problemas. Primeiro, o protagonista negro não deixa de estar representado de forma um tanto desvantajosa, já que pode ser visto como um subalterno, traidor, e mentiroso, por mais que tenha tentado consertar a situação. E segundo, a relação entre o negro Finn e a jovem Rey não mereceu a “dignidade” de uma relação romântica. Ficou “rebaixado” ao nível de uma amizade entre parceiros de luta.
Um negro e uma mulher são aceitáveis como protagonistas, mas um beijo interracial já seria afronta demais aos tabus e preconceitos vigentes. As façanhas de Rey por si só já suscitaram celeuma entre os fãs (como pode ela ter feito tudo o que fez, sem ser uma Jedi treinada?), numa reação tipicamente machista (ninguém estranhou quando o igualmente novato Luke Skywalker, na sua época, destruiu nada menos do que uma Estrela da Morte...). Para não enfrentar polêmicas demais, o estúdio não foi até esse ponto, o que acabou sendo uma fraqueza do episódio VII. Não é que estejamos defendendo o modelo de relação romântica hollywoodiana, com beijo ao pôr do sol e final feliz, etc., como única forma possível de relacionamento. Mas se todos os casais podem e todos os filmes podem, porque não Rey e Finn? Sem esse passo adiante em ousadia, algo ficou faltando na dinâmica dos dois protagonistas, que deslizou num certo vazio, em suspenso, a ponto de prejudicar a fluência do filme.

O mundo pós-Guerra Fria
A inclusão das “minorias”, a tolerância para com a diversidade e o multiculturalismo são uma espécie de fronteira contemporânea do bom-mocismo. São o limite atual do que a indústria cultural enxerga como o pólo do “bem” na luta contra o “mal” em sua narrativa organizadora da realidade. Essa narrativa se deslocou do terreno da disputa entre ideais político-sociais para o do comportamento individual.
Isso é um reflexo de uma situação histórica em que a ideologia dominante não enxerga adversário no que se refere a alguma alternativa societal totalizante. Como não há um outro projeto de sociedade em disputa com o capitalismo, as alternativas se dão no interior desse ideal político-social, e não mais em torno da luta entre mantê-lo ou superá-lo. Não há mais disputa pelo poder político como faculdade supostamente capaz de transformar o sistema em sua totalidade, há uma disputa por um pouco mais de igualdade dentro do sistema existente. O adversário atual é a intolerância e a não aceitação da diversidade, e os protagonistas são setores oprimidos da sociedade. Esse é o limite alcançado pela ideologia liberal progressista que alicerça o filme, e que acaba sendo também responsável pelas suas lacunas.
Não se trata apenas de uma mudança de gerações separadas pelo tempo, mas de uma transformação no contexto histórico social, em relação ao momento em que foi concebida a trilogia clássica. Naquela época, no contexto da Guerra Fria (1977, 1980, 1983), os primeiros três filmes da série retratavam o Império como uma caricatura da União Soviética (autoritária, burocrática, racional, padronizado) e a Aliança Rebelde como representação dos Estados Unidos (democrática, sentimental, mística, multifacetada). A ironia é que, no mundo real, os Estados Unidos são o Império, mas precisam retratar a si mesmos, para consumo da sua juventude e exportação mundo afora, como se fossem os rebeldes. São um Golias que precisa retratar a si mesmo como Davi, analogia recorrente no cinema estadunidense. O único inconveniente dessa mistificação, do ponto de vista do Império, é que ela precisa prestar homenagem aos valores da rebeldia (direito à rebelião, luta por liberdade, democracia, diversidade), criando uma brecha para os rebeldes, mesmo que no mundo real os Estados Unidos os esmaguem diariamente.

Em busca de referências
Hoje, na ausência de um espantalho para exorcizar (o Império do mal soviético se desfez), o inimigo é supostamente a intolerância e a rejeição da diversidade. Tanto assim que o discurso da Primeira Ordem em “O Despertar da Força” é o mesmo da extrema direita xenófoba e policialesca, dos partidos neonazistas e de Bolsonaro, um discurso em defesa da “ordem”, contra a frouxidão da República. A analogia histórica mais próxima da situação retratada no filme é a República de Weimar na Alemanha dos anos 1920. Um cenário em que os nazistas (Primeira Ordem) tentavam tomar o poder pela força, sendo combatidos pelos socialistas e comunistas (a Resistência, herdeira da Aliança Rebelde).
Não temos mais uma disputa direta pelo poder entre o Império e Rebeldes temos uma situação confusa em que há uma República, uma Primeira Ordem, uma Resistência, etc. Nesse cenário confuso, temos alguns avanços em termos de representatividade das minorias. Da mesma forma, hoje não é mais tão fácil discernir os heróis e vilões no cenário mundial. Os Estados Unidos querem se apresentar como as forças da democracia, mas são eles que invadem e destroem países, financiam e armam o Estado Islâmico. Rússia, China, Irã, contrapesos geopolíticos pontuais aos Estados Unidos, não representam nenhum sistema social alternativo. São também potências igualmente capitalistas, em muitos sentidos tão autoritárias quanto os próprios Estados Unidos.
Hoje não é mais tão nítido quem está no lado luminoso e no lado obscuro da Força. Daí a necessidade de uma volta ao passado. O fundamento do que se defende como bom-mocismo, a luta contra as opressões, precisa avançar como uma luta contra os próprios fundamentos do sistema. Qualquer luta contra qualquer tipo de opressão, seja de mulheres, de negros, de LGBTs, de índios, lutas ambientais, etc., está condenada a girar em falso se não se voltar também contra o próprio capitalismo. O que não significa que sejam lutas “subordinadas” ou “secundárias”. Muito pelo contrário. Qualquer luta contra o capitalismo e por um mundo emancipado que não contemplar essas dimensões também está condenada a fracassar.
Enquanto não chega a essa conclusão, a nova geração derrapa no vazio. O Império no mundo real (os Estados Unidos) não conseguem encontrar um Império contra o qual combater no mundo virtual, e ao mesmo tempo precisam continuar rendendo homenagem a alguns valores progressistas de diversidade e tolerância. Precisam continuar homenageando os “rebeldes”, pois essa é a estrutura da fábula de “Star Wars”. É essa a explicação de fundo para os méritos e também para a fragilidade de “O Despertar da Força” e a sua necessidade inconsciente e implícita de voltar ao passado para buscar referências e pontos de apoio. Não se trata apenas de falta de criatividade e oportunismo dos executivos da Disney, que querem imitar os filmes clássicos. É a própria roda da História, no nosso mundo real, que está girando em falso.
A excessiva reverência de “O despertar da Força” à trilogia clássica se concretiza na cena final, que sintetiza o paradoxo do mundo atual. Ao invés da antiga geração passar o bastão para a nova, acontece o contrário. A nova geração busca nos heróis do passado um caminho para seguir. Sinal de que as causas contemporâneas do que se enxerga como o “bem” (a defesa da diversidade contra a intolerância, inclusive) precisam se conectar com suas raízes. É preciso retomar a luta contra os poderes do mal e seu o Império. É preciso retomar a luta de classes. Que a Força esteja conosco!

* Discutimos a seguir alguns problemas no roteiro de “O Despertar da Força”, em aspectos que interessam mais estritamente aos fãs. Essa parte só faz sentido para quem já assistiu o filme, e entra em vários detalhes cruciais, inclusive se referindo ao que acontece no final, portanto, se ainda não viu o filme, melhor parar a leitura por aqui.

1. Sobre as semelhanças no roteiro com os filmes da trilogia clássica:

a) A trajetória de Rey em “O despertar da Força” é idêntica à de Luke Sakywalker em “Guerra nas Estrelas – Uma Nova Esperaçna”: jovem morador de planeta desértico encontra andróide com mensagem secreta, parte na Millenium Falcon para salvar a galáxia, e precisa aprender a usar a Força;
b) A situação de confronto entre a base da Resistência e a base Starkiller é a mesma da Estrela da Morte contra a base dos rebeldes.
c) A situação de Rei capturada no planeta da Primeira Ordem, com Finn vindo para salvá-la, é a mesma de Leia sendo resgatada por Luke e Han Solo. Tem até mesmo dois stormtroopers conversando: “você viu o novo...”
d) Assim como a princesa Leia, o piloto Poe Dameron também foi interrogado por conta da localização do andróide e da mensagem secreta.
e) A morte de Han Solo cumpre mais ou menos o mesmo papel dramático da morte de Obi Wan Kenobi no episódio IV.
f) A personagem Maz Kanata tem mais ou menos a mesma função do mestre Yoda, que aparece no episódio V.
g) Assim como no episódio VI, a Resistência também tem que enviar uma pequena equipe para desarmar o escudo da Starkiller Base.

2. Para além das semelhanças gritantes no roteiro, há alguns outros problemas:

a) O Império foi destruído em “O Retorno de Jedi”, e 30 anos depois existe uma República, mas ela não tem exército para se defender, apenas uma Resistência maltrapilha, armada com os mesmos equipamentos da velha Aliança Rebelde.
b) Os planetas que servem de sede para a República são destruídos, mas Luke Skywalker não sente nada em seu exílio (como Obi Wan Kenobi sentiu quando Alderan foi destruído), pois se mostrou completamente surpreso quando Rey o encontrou.
c) Finn era um simples stormtrooper, mas é capaz de usar um sabre de luz e enfrentar um cavaleiro do lado negro praticamente de igual para igual.
d) O líder Snoke surgiu do nada e lidera a Primeira Ordem, mas não se sabe se ele existia antes do Império ou contemporaneamente, pois nunca foi citado nas trilogias anteriores.
e) Han Solo e Chewbacca são parceiros há décadas, mas um não conhecia o poder da arma do outro.
f) R2D2 só despertou no final do filme, sem nenhum motivo aparente.



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