Dizer
que “O Despertar da Força”, sétimo episódio
da série “Star Wars”, é mais uma produção
da indústria cultural estadunidense, destinada a quebrar
recordes de bilheteria e arrecadar mais alguns bilhões de
dólares em vendas de infinitos tipos de produtos derivados,
esmagando a produção cultural de todas as regiões
do mundo, colonizando milhares de salas de cinema e contando com o
auxílio de imensa parafernália publicitária em
todos os tipos de mídia; é o mesmo que não dizer
nada. Tudo isso é muito óbvio.
Na
sociedade capitalista em que vivemos, todo filme de grande alcance é
produzido dessa maneira (e a discussão sobre a relação
deletéria entre a forma mercadoria e as obras de arte e
cultura em geral e sobre a necessidade de outras formas de produção
cultural, bem como de outras formas de sociedade, esgota em muito o
objetivo deste artigo). Indo além do óbvio, para dizer
alguma coisa relevante sobre o filme, é preciso avaliar até
que ponto o próprio filme tem algo de relevante a dizer sobre
a nossa sociedade, não se limitando aos aspectos meramente
quantitativos e comerciais envolvidos na sua produção e
distribuição. Ou seja, de que forma a estrutura e as
soluções da narrativa (independentemente das intenções
do autores) revelam aspectos ideológicos da sociedade.
No caso
deste autor, é preciso fazer também uma ressalva em
relação a sua ligação afetiva com “Star
Wars”. Afinal, minha formação estética se deu
na década de 1980, consumindo música Heavy Metal, HQs
de super-heróis e filmes de ficção científica
(naquele momento nem sequer se sonhava que os próprios
super-heróis também poderiam aparecer em filmes). Cada
produção desses gêneros era cultuada como uma
rara preciosidade, já que na época (e lugar) não
existia internet, nem DVDs, nem TV paga, nem o cinema era acessível,
e era preciso esperar com grande ansiedade até que cada
novidade aparecesse nas bancas ou estreasse na TV aberta.
Para que
se tenha uma ideia, só pude assistir o episódio VI da
série, “O Retorno de Jedi”, o terceiro filme da trilogia
clássica, lançado no cinema em 1983, quando estreou no
Brasil na TV aberta em 1988, portanto 5 anos depois. Era assim que as
coisas funcionavam. Nada era fácil como é hoje, em que
os filmes estreiam simultaneamente no cinema e na internet, nos sites
piratas. Isso faz muita diferença na forma como esses filmes e
seus personagens eram apreciados e na relação que os
fãs criavam com eles. Não há como escrever sobre
essa série sem fazer tal confissão ao leitor.
O
criador e a criatura
Feitas
as ressalvas, começamos pelo ponto de partida para entender a
série “Star Wars”, o fato de que na verdade não se
trata de ficção científica, mas de uma fábula.
A ficção científica tem como tema o futuro da
humanidade e o impacto da ciência e tecnologia na vida social e
individual. “Star Wars”, ao contrário, tem um tema
completamente diferente, e se passa há muito tempo atrás,
numa galáxia muito, muito distante. A série reconta a
eterna disputa entre o bem e o mal e seus personagens típicos,
heróis e vilões, ao longo de gerações. O
seu apelo e universalidade advém dessa temática, e não
da tentativa de retratar alguma hipotética sociedade futura.
O
segundo ponto para se entender a série e o novo filme é
a relação com seu criador. George Lucas pertence a uma
geração de diretores que revolucionou o cinema
estadunidense a partir dos anos 1970, começando por Francis
Ford Copolla, passando por Spielberg, Scorcese, Brian de Palma,
Oliver Stone, Ridley Scott (que é inglês), e chegando a
James Cameron e Tim Burton. Dentro dessa brilhante geração,
George Lucas talvez seja o menos talentoso, mas é
provavelmente o mais bem sucedido comercialmente.
Para
viabilizar o lançamento do primeiro filme em 1977 (apresentado
com o nome de “Guerra nas Estrelas”, mas como corresponde ao
episódio IV na cronologia da série, gradualmente
assumiu o subtítulo “Uma nova esperança”), ele fez
um acordo com o estúdio em que abria mão da sua
remuneração de diretor em troca da exclusividade na
comercialização de produtos derivados. O resultado de
“Guerra nas Estrelas - Uma nova esperança” surpreendeu a
todos na época: foi um recordista de bilheteria e gerou uma
infinidade de subprodutos que vão desde bonecos dos
personagens até jogos de videogame, que rendem fortunas até
hoje.
O
estrondoso sucesso comercial deu a George Lucas carta branca para
fazer o que quisesse com a série. Um segundo filme, “O
Império contra-ataca” (episódio V) foi lançado
em 1980, com novos e espetaculares cenários e personagens, um
visual mais exuberante e uma temática mais adulta (é o
preferido deste fã). O terceiro filme, “O Retorno de Jedi”
(episódio VI), lançado em 1983, não manteve o
mesmo nível e dividiu os fãs por conta de uma
significativa infantilização.
Mesmo
assim, a série já tinha conquistado seu lugar na
história do cinema e se tornado um fenômeno cultural.
Esse fenômeno foi avaliado de diferentes maneiras. Na linha
mais apocalíptica, Pauline Kael, considerada a maior crítica
de cinema dos Estados Unidos, interpretou “Star Wars” como a
morte do cinema baseado em roteiro, diálogos e interpretação,
e como advento de uma era de filmes voltados para o público
infanto-juvenil e baseados em efeitos visuais. Considerando o que
vemos hoje nas telas, ela parece ter acertado na profecia.
Retomaremos esse ponto novamente logo adiante.
Depois
do encerramento da trilogia clássica, “Star Wars” inspirou
uma infinidade de produções em outros tipos de mídia,
como videogames, histórias em quadrinhos, romances, desenhos
animados (sempre sob a supervisão direta de Lucas), além
de imitações e paródias. Com o passar do tempo,
a série se tornou um dos pilares da cultura “pop” e objeto
de culto “nerd”. O interesse do público por esse universo
(e a correspondente lucratividade) nunca esteve em baixa em nenhum
momento.
A cópia
da cópia
Depois
de um longo hiato, George Lucas resolveu finalmente levar às
telas a história que antecede a trilogia clássica, os
episódios I, II e III da sua cronologia, que contam a origem
do vilão Darth Vader e do Império. Recheados de efeitos
visuais gerados em computador, os três filmes da nova trilogia
foram lançados em 1999, 2002 e 2005. Apesar do entusiasmo do
diretor com os novos efeitos de computador, da exuberância
visual e da boa vontade dos fãs (ver por exemplo a minha
própria crítica, muito condescendente, do episódio
III:
http://politicapqp.blogspot.com.br/2007/05/vingana-dos-sith-fbula-e-histria_29.html),
o resultado dos três novos filmes ficou muito abaixo da
trilogia clássica. Nessa nova série, o mitológico
Darth Vader foi retratado como um adolescente mimado que não
consegue superar a perda da mãe.
Essa
nova trilogia é parte de uma tendência geral de
revisitar, recriar, recontar ou estender as histórias de
personagens clássicos do cinema, mas sem o mesmo sucesso das
versões originais. O Exterminador do Futuro, Planeta dos
Macacos, Indiana Jones, Aliens, Hannibal Lecter, Batman, Jurassic
Park, Mad Max (talvez o único que se salve nessa tendência,
conforme comentário em:
http://politicapqp.blogspot.com.br/2015/11/a-polemica-do-feminismo-em-mad-max.html),
entre outros, participaram dessa tendência, em lançamentos
que têm muito menos impacto e importância do que na época
do seu surgimento. A revolução criativa do cinema
estadunidense, protagonizada pela geração de diretores
dos anos 1970, se esgotou há tempos e foi substituída
pela mesmice.
Já
se disse que na indústria cultural, nada se cria, tudo se
copia. O cinema de hoje é a cópia da cópia. Não
é à toa que um dos cineastas mais celebrados da
atualidade, Quentin Tarantino, se destaca justamente por não
criar absolutamente nada e apenas reciclar e imitar o estilo, a
atmosfera e a música dos anos 1960 e 70, mas sem ter nada
relevante a dizer sobre coisa nenhuma. O próprio George Lucas
também não conseguiu superar o tom de infantilismo com
o qual encerrou a trilogia clássica, e fez da trilogia nova
nada mais do que o exemplo mais estrondoso dessa tendência
decadente de cópias e imitações medíocres.
Essa
tendência decadente é o mais recente estágio do
processo apocalíptico em que o cinema foi dominado por filmes
em que o visual se sobrepõe à inteligência. Mas
convém não exagerar nem as virtudes do cinema anterior
a “Star Wars” (como se fosse tudo muito inteligente, quando na
verdade não era, basta lembrar que em 1976 “Rocky” ganhou
o Oscar de melhor filme concorrendo contra “Taxi Driver”) de um
lado, e nem menosprezar a presença de uma persistente corrente
de filmes baseados em bons roteiros, de outro. O que é preciso
reconhecer é a existência de uma segmentação
entre cinema e vídeo, ou seja, filmes “para ver no cinema”
e “para ver em casa”.
O cinema
precisa de efeitos visuais espetaculares para motivar os espectadores
a sair de casa e pagar ingressos, do contrário estes vão
preferir assistir televisão, vídeo, DVD e “streaming”
da internet. A diferença entre os filmes “para ver no
cinema” e “para ver em casa” se aprofundou, mas bons e maus
filmes continuaram a ser feitos, com e sem efeitos visuais. O segredo
do sucesso da trilogia clássica de “Star Wars”, mais do
que nos efeitos visuais (avançados para a época, mas
tosquíssimos para os padrões de hoje), estava na
narrativa simples e na temática de apelo universal, na
capacidade de apelar diretamente para os arquétipos do
heroísmo, iniciação, transcendência,
individuação. O fracasso quase total da trilogia nova
(com efeitos muito mais espetaculares) se deveu a um roteiro
medíocre, com personagens fracos e mal resolvidos.
O show
tem que continuar
O fato
de George Lucas estar superado como diretor não seria
obstáculo para que a indústria de Hollywood deixasse de
explorar o lucrativo filão do universo “Star Wars”. Depois
de uma negociação que deve ter sido bastante complicada
e dispendiosa, a Disney convenceu Lucas a abrir mão do
controle criativo sobre “Star Wars”, liberando o caminho para que
uma nova série de filmes seja produzida, contando um novo arco
de histórias ambientadas no mesmo cenário. Para
desespero dos fãs radicais, a criação de novas
histórias implicou em invalidar a série de livros do
chamado “universo estendido”, com histórias que nunca mais
serão filmadas.
Para
conduzir o episódio 7, a Disney recrutou um dos diretores mais
“nerds” da nova geração, J.J Abrams, também
roteirista e produtor de cinema e TV, responsável pela criação
do aclamado seriado “Lost”, por filmes das séries “Missão
Impossível” e “Star Trek” (outro ícone nerd) e
por algumas pérolas como “Cloverfield” e especialmente
“Super 8”.
A
encomenda da Disney deve ter sido de um filme que resgatasse a
atmosfera da trilogia clássica, o que não seria tarefa
fácil. Provavelmente por medo de errar, os produtores optaram
por reproduzir o maior número possível de elementos com
os quais os fãs pudessem se identificar (essa era a intenção
da Disney, mas independentemente disso, o resultado de uma
determinada criação cultural muitas vezes extrapola o
sentido que lhe foi destinado pelos criadores, conforme veremos no
final). Esse esforço para criar algo que agradasse aos fãs
acabou sendo exagerado. A estrutura do roteiro é praticamente
idêntica à do “Guerra nas Estrelas – Uma Nova
Esperança”, de 1977, com pinceladas dos demais filmes da
trilogia clássica (os mais interessados em polêmicas
“nerd” podem esmiuçar esses detalhes na nota de rodapé*,
onde concentramos todos os “spoilers”).
Também
há uma dependência excessiva do personagem de Harrison
Ford, que rouba a cena do elenco jovem com as melhores falas e
situações cômicas (talvez para justificar um
salário dezenas de vezes maior). Outra importante fragilidade
do filme é o pusilânime vilão Kylo Ren, que
aderiu ao lado negro da Força por causa de alguma mágoa
na relação com os pais. Ele se assemelha muito mais ao
patético adolescente mimado Annakin Skywalker da trilogia nova
do que ao ameaçador Darth Vader da trilogia clássica.
Somente a forma como se dá o desenlace da sua relação
com Han Solo de certa forma o “redime” como vilão, mas
apenas para que ele fracasse logo depois no confronto com os
protagonistas. A diferença entre as gerações,
não só entre os vilões, mas também entre
os protagonistas, separadas no filme e na vida real por um intervalo
de 30 anos, é o último elemento crucial para entender o
verdadeiro sentido deste episódio VII, conforme discutiremos
logo adiante.
Desafiando
alguns tabus
Os
protagonistas são o principal destaque do filme, pelo fato de
serem uma mulher e um negro. Esse tem sido o aspecto que provoca
maior discussão, e é importante nos atermos a ele. Os
homens brancos não detém mais o monopólio do
heroísmo na indústria cultural. A inclusão de
protagonistas mulheres e negros em “O despertar da Força”
é um marco da luta por representatividade, que é um dos
aspectos das lutas das mulheres e dos negros. É importante,
mas é apenas um aspecto da luta. Não é pelo fato
de termos protagonistas mulheres e negros num filme de Hollywood que
estes deixam de sofrer a opressão que sofrem no mundo real.
Mas de qualquer forma, o fato de crianças e adolescentes
negros e do sexo feminino poderem ver a si mesmos como protagonistas
faz alguma diferença na sua construção subjetiva
e ajuda a fortalecê-los para lutas futuras e reais.
Ao
colocar em cena personagens “politicamente corretos”, “O
Despertar da Força” tenta se sintonizar com as tendências
mais progressistas da sensibilidade coletiva contemporânea,
tarefa que mede o sucesso ou fracasso de toda obra de arte. Mas essa
tentativa não está isenta de problemas. Primeiro, o
protagonista negro não deixa de estar representado de forma um
tanto desvantajosa, já que pode ser visto como um subalterno,
traidor, e mentiroso, por mais que tenha tentado consertar a
situação. E segundo, a relação entre o
negro Finn e a jovem Rey não mereceu a “dignidade” de uma
relação romântica. Ficou “rebaixado” ao nível
de uma amizade entre parceiros de luta.
Um negro
e uma mulher são aceitáveis como protagonistas, mas um
beijo interracial já seria afronta demais aos tabus e
preconceitos vigentes. As façanhas de Rey por si só já
suscitaram celeuma entre os fãs (como pode ela ter feito tudo
o que fez, sem ser uma Jedi treinada?), numa reação
tipicamente machista (ninguém estranhou quando o igualmente
novato Luke Skywalker, na sua época, destruiu nada menos do
que uma Estrela da Morte...). Para não enfrentar polêmicas
demais, o estúdio não foi até esse ponto, o que
acabou sendo uma fraqueza do episódio VII. Não é
que estejamos defendendo o modelo de relação romântica
hollywoodiana, com beijo ao pôr do sol e final feliz, etc.,
como única forma possível de relacionamento. Mas se
todos os casais podem e todos os filmes podem, porque não Rey
e Finn? Sem esse passo adiante em ousadia, algo ficou faltando na
dinâmica dos dois protagonistas, que deslizou num certo vazio,
em suspenso, a ponto de prejudicar a fluência do filme.
O mundo
pós-Guerra Fria
A
inclusão das “minorias”, a tolerância para com a
diversidade e o multiculturalismo são uma espécie de
fronteira contemporânea do bom-mocismo. São o limite
atual do que a indústria cultural enxerga como o pólo
do “bem” na luta contra o “mal” em sua narrativa organizadora
da realidade. Essa narrativa se deslocou do terreno da disputa entre
ideais político-sociais para o do comportamento individual.
Isso é
um reflexo de uma situação histórica em que a
ideologia dominante não enxerga adversário no que se
refere a alguma alternativa societal totalizante. Como não há
um outro projeto de sociedade em disputa com o capitalismo, as
alternativas se dão no interior desse ideal político-social,
e não mais em torno da luta entre mantê-lo ou superá-lo.
Não há mais disputa pelo poder político como
faculdade supostamente capaz de transformar o sistema em sua
totalidade, há uma disputa por um pouco mais de igualdade
dentro do sistema existente. O adversário atual é a
intolerância e a não aceitação da
diversidade, e os protagonistas são setores oprimidos da
sociedade. Esse é o limite alcançado pela ideologia
liberal progressista que alicerça o filme, e que acaba sendo
também responsável pelas suas lacunas.
Não
se trata apenas de uma mudança de gerações
separadas pelo tempo, mas de uma transformação no
contexto histórico social, em relação ao momento
em que foi concebida a trilogia clássica. Naquela época,
no contexto da Guerra Fria (1977, 1980, 1983), os primeiros três
filmes da série retratavam o Império como uma
caricatura da União Soviética (autoritária,
burocrática, racional, padronizado) e a Aliança Rebelde
como representação dos Estados Unidos (democrática,
sentimental, mística, multifacetada). A ironia é que,
no mundo real, os Estados Unidos são o Império, mas
precisam retratar a si mesmos, para consumo da sua juventude e
exportação mundo afora, como se fossem os rebeldes. São
um Golias que precisa retratar a si mesmo como Davi, analogia
recorrente no cinema estadunidense. O único inconveniente
dessa mistificação, do ponto de vista do Império,
é que ela precisa prestar homenagem aos valores da rebeldia
(direito à rebelião, luta por liberdade, democracia,
diversidade), criando uma brecha para os rebeldes, mesmo que no mundo
real os Estados Unidos os esmaguem diariamente.
Em busca
de referências
Hoje, na
ausência de um espantalho para exorcizar (o Império do
mal soviético se desfez), o inimigo é supostamente a
intolerância e a rejeição da diversidade. Tanto
assim que o discurso da Primeira Ordem em “O Despertar da Força”
é o mesmo da extrema direita xenófoba e policialesca,
dos partidos neonazistas e de Bolsonaro, um discurso em defesa da
“ordem”, contra a frouxidão da República. A
analogia histórica mais próxima da situação
retratada no filme é a República de Weimar na Alemanha
dos anos 1920. Um cenário em que os nazistas (Primeira Ordem)
tentavam tomar o poder pela força, sendo combatidos pelos
socialistas e comunistas (a Resistência, herdeira da Aliança
Rebelde).
Não
temos mais uma disputa direta pelo poder entre o Império e
Rebeldes temos uma situação confusa em que há
uma República, uma Primeira Ordem, uma Resistência, etc.
Nesse cenário confuso, temos alguns avanços em termos
de representatividade das minorias. Da mesma forma, hoje não é
mais tão fácil discernir os heróis e vilões
no cenário mundial. Os Estados Unidos querem se apresentar
como as forças da democracia, mas são eles que invadem
e destroem países, financiam e armam o Estado Islâmico.
Rússia, China, Irã, contrapesos geopolíticos
pontuais aos Estados Unidos, não representam nenhum sistema
social alternativo. São também potências
igualmente capitalistas, em muitos sentidos tão autoritárias
quanto os próprios Estados Unidos.
Hoje não
é mais tão nítido quem está no lado
luminoso e no lado obscuro da Força. Daí a necessidade
de uma volta ao passado. O fundamento do que se defende como
bom-mocismo, a luta contra as opressões, precisa avançar
como uma luta contra os próprios fundamentos do sistema.
Qualquer luta contra qualquer tipo de opressão, seja de
mulheres, de negros, de LGBTs, de índios, lutas ambientais,
etc., está condenada a girar em falso se não se voltar
também contra o próprio capitalismo. O que não
significa que sejam lutas “subordinadas” ou “secundárias”.
Muito pelo contrário. Qualquer luta contra o capitalismo e por
um mundo emancipado que não contemplar essas dimensões
também está condenada a fracassar.
Enquanto
não chega a essa conclusão, a nova geração
derrapa no vazio. O Império no mundo real (os Estados Unidos)
não conseguem encontrar um Império contra o qual
combater no mundo virtual, e ao mesmo tempo precisam continuar
rendendo homenagem a alguns valores progressistas de diversidade e
tolerância. Precisam continuar homenageando os “rebeldes”,
pois essa é a estrutura da fábula de “Star Wars”. É
essa a explicação de fundo para os méritos e
também para a fragilidade de “O Despertar da Força”
e a sua necessidade inconsciente e implícita de voltar ao
passado para buscar referências e pontos de apoio. Não
se trata apenas de falta de criatividade e oportunismo dos executivos
da Disney, que querem imitar os filmes clássicos. É a
própria roda da História, no nosso mundo real, que está
girando em falso.
A
excessiva reverência de “O despertar da Força” à
trilogia clássica se concretiza na cena final, que sintetiza o
paradoxo do mundo atual. Ao invés da antiga geração
passar o bastão para a nova, acontece o contrário. A
nova geração busca nos heróis do passado um
caminho para seguir. Sinal de que as causas contemporâneas do
que se enxerga como o “bem” (a defesa da diversidade contra a
intolerância, inclusive) precisam se conectar com suas raízes.
É preciso retomar a luta contra os poderes do mal e seu o
Império. É preciso retomar a luta de classes. Que a
Força esteja conosco!
*
Discutimos a seguir alguns problemas no roteiro de “O Despertar da
Força”, em aspectos que interessam mais estritamente aos
fãs. Essa parte só faz sentido para quem já
assistiu o filme, e entra em vários detalhes cruciais,
inclusive se referindo ao que acontece no final, portanto, se ainda
não viu o filme, melhor parar a leitura por aqui.
1. Sobre
as semelhanças no roteiro com os filmes da trilogia clássica:
a) A
trajetória de Rey em “O despertar da Força” é
idêntica à de Luke Sakywalker em “Guerra nas Estrelas
– Uma Nova Esperaçna”: jovem morador de planeta desértico
encontra andróide com mensagem secreta, parte na Millenium
Falcon para salvar a galáxia, e precisa aprender a usar a
Força;
b) A
situação de confronto entre a base da Resistência
e a base Starkiller é a mesma da Estrela da Morte contra a
base dos rebeldes.
c) A
situação de Rei capturada no planeta da Primeira Ordem,
com Finn vindo para salvá-la, é a mesma de Leia sendo
resgatada por Luke e Han Solo. Tem até mesmo dois
stormtroopers conversando: “você viu o novo...”
d) Assim
como a princesa Leia, o piloto Poe Dameron também foi
interrogado por conta da localização do andróide
e da mensagem secreta.
e) A
morte de Han Solo cumpre mais ou menos o mesmo papel dramático
da morte de Obi Wan Kenobi no episódio IV.
f) A
personagem Maz Kanata tem mais ou menos a mesma função
do mestre Yoda, que aparece no episódio V.
g) Assim
como no episódio VI, a Resistência também tem que
enviar uma pequena equipe para desarmar o escudo da Starkiller Base.
2. Para
além das semelhanças gritantes no roteiro, há
alguns outros problemas:
a) O
Império foi destruído em “O Retorno de Jedi”, e 30
anos depois existe uma República, mas ela não tem
exército para se defender, apenas uma Resistência
maltrapilha, armada com os mesmos equipamentos da velha Aliança
Rebelde.
b) Os
planetas que servem de sede para a República são
destruídos, mas Luke Skywalker não sente nada em seu
exílio (como Obi Wan Kenobi sentiu quando Alderan foi
destruído), pois se mostrou completamente surpreso quando Rey
o encontrou.
c) Finn
era um simples stormtrooper, mas é capaz de usar um sabre de
luz e enfrentar um cavaleiro do lado negro praticamente de igual para
igual.
d) O
líder Snoke surgiu do nada e lidera a Primeira Ordem, mas não
se sabe se ele existia antes do Império ou contemporaneamente,
pois nunca foi citado nas trilogias anteriores.
e) Han
Solo e Chewbacca são parceiros há décadas, mas
um não conhecia o poder da arma do outro.
f) R2D2
só despertou no final do filme, sem nenhum motivo aparente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário