8.6.16

Agora é golpe? Ou... A luta de classes como ela é



Desde o início das manifestações contra o governo Dilma, em março de 2015, logo no começo do seu segundo mandato, a esquerda se dividiu em pelo menos três posições, as quais permanecem aproximadamente as mesmas desde então, e serão o objeto de discussão deste texto. Mas, antes de tratar dessas posições, precisamos apresentar uma definição daquilo que chamamos de esquerda, que para nós é o conjunto dos agrupamentos e correntes que se baseiam na luta dos trabalhadores e que já estão fora do PT, e não se submetem à direção petista nos aparatos diretamente sob controle do partido nos movimentos sociais, como CUT, UNE e MST.
Traçamos a linha demarcatória excluindo o PT, porque o definimos como um partido burguês, composto de burocratas, que sobrevivem às custas de cargos no Estado, nos sindicatos e em movimentos sociais, nos fundos de pensão e em empresas em que os fundos têm participação, em ONGs, na academia, etc. Essa camada de burocratas sobrevive às custas das verbas do Estado, das entidades e da corrupção. Seu projeto é a administração do capitalismo, priorizando a viabilidade do conjunto do capital que opera no Brasil, favorecendo alternadamente bancos, agronegócio, empreiteiras, montadoras, etc. Os fundos públicos são colocados a serviço desses diversos setores, com o objetivo de impulsionar o “crescimento econômico”, com base no qual se espera que uma minúscula fatia de recursos seja deslocada para as políticas de distribuição de renda e possam aplacar as condições de vida miseráveis da população mais pobre. Quando a conjuntura não permite, a prioridade são os “ajustes” em favor do capital, os cortes nos gastos sociais em nome da “responsabilidade fiscal”, o pagamento da dívida pública, etc. Sem dispensar, evidentemente, a repressão brutal sobre quem entrar em luta contra esse projeto.
Tanto em sua composição interna, nas relações de seus integrantes com o processo de reprodução social, o capital e o Estado, como em sua concepção de mundo, teoria, programa e prática política, o PT rompeu seus vínculos com a classe trabalhadora, e portanto não merece mais ser chamado de esquerda. Seguir apoiando o projeto desse partido significa manter a classe trabalhadora de mãos atadas, impossibilitada de desenvolver uma ação política própria e de intervir como sujeito independente no processo histórico. Essa delimitação, sabemos, afugentará de saída um número enorme dos possíveis leitores, e nos restantes que se aventurarem a prosseguir além de alguns parágrafos será acionado prontamente o detector de “sectarismo” e “ultraesquerdismo”. Mesmo assim, apresentamos tal demarcação logo de início, a bem da precisão conceitual e política.

As posições da esquerda
Estabelecida essa definição preliminar, identificamos na esquerda as seguintes posições:
1º) Um setor que desde o começo denunciou as movimentações do PMDB, PSDB, Judiciário, Rede Globo, etc., como sendo um golpe de Estado, e que, em função disso, entendeu que seria preciso defender o governo Dilma contra a sua derrubada. Essa posição é defendida mesmo por setores que não pertencem ao PT e têm muitas críticas aos governos de Lula e Dilma, inclusive, em alguns casos, críticas bastante profundas, mas que entendem que nesse momento é preciso combater um inimigo mais perigoso, a ofensiva reacionária que grassa no país;
2º) Um setor que entende que a rejeição ao governo do PT e aos demais partidos é grande o suficiente para defender o “Fora Todos”. Esse setor considera que a presença de partidos, organizações e concepções de direita no movimento do impeachment é irrelevante (na verdade, eu não sei dizer se esse setor sequer reconhece a simples existência de forças reacionárias no país, para não falar da sua atual ofensiva), e a queda de Dilma seria somente uma parte de um processo mais geral, em que a população estaria rejeitando todos os políticos, e não apenas o PT. Por isso, segundo este setor, não importa quem caia primeiro, Dilma ou seus adversários. Com base nessa ampla rejeição popular, é possível defender a derrubada de “Todos”, como se fosse uma espécie de processo único e homogêneo;
3º) Um setor que busca não se integrar a nenhum dos dois anteriores e desenvolver saídas independentes para os trabalhadores. No interior deste setor, há os que entendem que, mais do que defender a derrubada do governo Dilma ou sua manutenção, a prioridade no momento deve ser organizar os trabalhadores para que entrem nas lutas por demandas concretas, por meio das quais possam se colocar no cenário de maneira independente, com uma pauta própria. Dessa forma, se espera que a classe possa desenvolver referências e organizações suas, criando instrumentos para romper com a polarização superestrutural entre os projetos burgueses do PT x PMDB/PSDB/mídia, etc.
Desde o início minha posição esteve com este 3º setor, sem aceitar a denominação de “golpe”, nem muito menos aderir ao “Fora Todos”. Entretanto, uma vez que tivemos nas últimas semanas a divulgação dos áudios do meteórico ex-ministro Jucá, de Sarney, etc., entregando a conspiração para derrubar Dilma e com isso interromper as investigações de corrupção (absolvendo a todos, desde Cunha até Lula, cuja citação no áudio os companheiros da 1ª posição fazem questão de esquecer...), esses acontecimentos parecem ter dado razão ao 1º setor. Pelo menos, os companheiros que defendem essa posição estão reivindicando em alto e bom som que estavam certos o tempo todo, ao denunciar o “golpe”.

Porque não chamamos de golpe
Não seria problema fazer uma autocrítica em relação à caracterização de “golpe” e reconhecer que os companheiros do 1º setor tinham razão. E se for o caso de sermos convencidos, faremos tal autocrítica no futuro. Afinal, os elementos conspirativos da manobra espúria que removeu Dilma são inquestionáveis, tanto assim que inclusive já os mencionamos em texto anterior. Entretanto, sempre usamos a palavra “golpe” entre aspas. E seguimos sem aceitar a denominação de “golpe” para o processo em andamento no país, pelo menos por dois motivos principais:
1º) Boa parte dos setores que chamam o processo atual de “golpe” o fazem de tal maneira a dar a entender que a remoção de Dilma tem o mesmo conteúdo, perfil e resultado da derrubada de Jango pelo golpe de 1964. É como se, ao remover Dilma, estivéssemos automaticamente trocando o regime político vigente pelo de 1964. Como se a partir de agora o país fosse viver uma nova ditadura. E isso não é correto por duas razões:
a) a derrubada de Jango interrompeu um projeto de mudança social com as quais seu governo tinha se comprometido, composto de uma série de reformas estruturais favoráveis à população, as “Reformas de Base”, que atacavam diretamente os interesses da burguesia brasileira e internacional; e também bloqueou um processo de intensa mobilização social e de luta dos trabalhadores e da juventude. No momento atual, nem o governo Dilma (e nem os de Lula) enfrentaram os interesses da burguesia nem introduziram mudanças estruturais favoráveis aos trabalhadores (as melhorias precárias ocorridas nos governos do PT não chegam aos pés das “Reformas de Base” de Jango); e nem há também uma onda de mobilização popular e dos trabalhadores comparável ao pré-1964;
b) a derrubada de Dilma não significará uma mudança no regime para que se torne mais autoritário, como uma ditadura. Isso não será necessário porque a atual “democracia” já é suficientemente autoritária e repressiva, como atestam o genocídio da juventude negra e periférica nas mãos da polícia, o massacre de indígenas, ribeirinhos e quilombolas pelos jagunços do agronegócio, a repressão contra manifestações e greves, etc., os quais tiveram livre curso ao longo dos mandatos do PT. Além disso, o PT não apenas foi conivente com a repressão como a reforçou, criando a Força Nacional, as UPPs, a Lei Antiterrorismo, etc. Logo, a presença do PT no governo não era um obstáculo que se contrapunha a um salto drástico da repressão, ao contrário, apenas servia para preparar o caminho para que tal salto fosse dado no devido momento;
2º) O segundo motivo é que a denúncia do processo como “golpe” dá a entender que, em resposta a ele, seria preciso defender o mandato de Dilma e o PT. E isso está errado também por duas razões:
a) o próprio PT é o responsável pela onda reacionária que no final o derrubou do governo, seja por ação (ao trazer ele próprio para seu governo as figuras hoje odiadas de Temer, Cunha, Renan, Jucá, etc., mas que eram todos aliados até ontem), seja por omissão (ao abrir mão, desde muito antes de chegar ao governo, de qualquer perspectiva de organização dos trabalhadores para a luta, cultivando a ilusão de que é possível melhorar a vida da população sem atacar os lucros da burguesia, por meio da miragem do “crescimento econômico com justiça social”, deixando livre o caminho para as ideias meritocráticas, individualistas, consumistas, que hoje predominam);
b) em conexão com o anterior, a defesa do PT não oferece uma plataforma capaz de enfrentar a ofensiva reacionária. O PT não é instrumento de luta, porque o seu projeto não é de enfrentamento ao capital, e sim de administração do sistema. A direção petista nos movimentos sociais, durante todos esses anos, atuou para impedir as lutas e a organização da classe, não para desenvolvê-las. O PT defende tão somente a “democracia” em abstrato, com vistas à disputa de espaços de poder no aparato de Estado por meio de eleições. Mas para enfrentar de fato a ofensiva reacionária, no concreto, é preciso mobilizar os trabalhadores para a luta de classes real, com ações materiais e movida por questões que afetam diretamente a classe: contra as demissões, contra a inflação, por aumentos salariais, por serviços públicos, etc. Essas demandas concretas só podem ser alcançadas por meio de uma luta duríssima, que bata de frente contra os interesses do capital que manda no país, o que o PT não fez no governo e não fará como oposição.
Essência e aparência do “golpe”
Resumindo, não é que os objetivos dos conspiradores de 2016 sejam muito diferentes daqueles dos golpistas de 1964, é que a plataforma em torno da qual se dará a resistência tem que ser diferente. Foi um erro grave da esquerda no pré-64 alinhar-se a Jango (que não resistiu ao golpe) sem desenvolver uma perspectiva classista e independente, mas seria um erro muito pior da esquerda atual alinhar-se ao PT (que também não vai resistir). O governo Jango era muito mais defensável que o de Dilma, mesmo sendo ambos igualmente burgueses. Em 1964 estava em jogo um projeto de país, enquanto que em 2016, disputa-se para saber quem irá conduzir o país ao matadouro da “austeridade”. Para que haja um golpe, é preciso que haja golpistas e golpeados: o golpe de 1964 abateu um projeto e o impeachment de 2016 removeu um gestor. Não é correto permitir que o PT se utilize da denúncia de “golpe” para colocar a classe trabalhadora a reboque dos interesses do partido.
Por mais que esteja evidente que a manobra do impeachment seja completamente espúria, ilegítima, ilegal, imoral, hipócrita, casuística, oportunista, etc., não damos a esse processo o nome de “golpe” porque ao uso desse nome está em geral associada a defesa do governo Dilma e do PT. O uso do nome “golpe” é feito para exigir que se tome uma posição, pois diante de um “golpe” não há como permanecer neutro, é preciso ser contrário. Mas ser contrário ao tipo de “golpe” em curso no país, sem qualquer qualificação do sentido histórico desse “golpe” e das perspectivas estratégicas da resistência, significa correr o risco de ser capturado pela órbita política do PT, uma possibilidade que recusamos veementemente. Por isso, para que se possa qualificar historicamente e estrategicamente a resistência necessária ao processo em andamento, as aspas permanecem.
A remoção administrativa do PT representa sim uma mudança no perfil da gestão burguesa do país, de maneira a garantir um aumento da exploração, conforme discutiremos na última seção deste texto. É justamente por isso que a volta do PT não é mais viável, pois os motivos que o levaram ao governo não existem mais (ver http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/04/o-pt-e-o-castelo-de-cartas-da.html). O PT não conta mais com a confiança da burguesia. Temer é sim pior do que Dilma, mas a volta do “menos pior” (o PT) não é mais historicamente possível, porque não é mais útil para a burguesia. Desconhecer isso significa não entender as razões que levaram o PT a ser eleito em primeiro lugar, e permanecer no governo por alguns mandatos. Se isso aconteceu, certamente não foi por causa do seu “projeto democrático popular”, e sim da sua capacidade de impedir a luta popular. Agora que a luta não é mais vista como uma ameaça, a burguesia pode descartar o PT, conforme demonstramos no texto citado.
A “ponte para o futuro” do PMDB é um ataque direto aos trabalhadores, e a “ponte para o passado” do PT é uma miragem que esconde uma armadilha igualmente mortífera. Embelezar os “anos dourados” do petismo não vai colaborar em nada para aglutinar as forças necessárias para a resistência. Primeiro, porque não foram assim tão dourados como quer fazer acreditar a propaganda petista, muito pelo contrário; e segundo porque a condição para que a burguesia aceite o PT de volta é que ele aplique a mesma política de Temer. Isso será discutido nos bastidores daqui até a votação definitiva no Senado, que pode reconduzir Dilma ou manter Temer. A burguesia terá esse período para avaliar as duas opções.
Portanto, não chamamos o processo de “golpe”, mas não porque os militares estejam ausentes, nem muito menos porque o STF e as “instituições” tenham validado o processo de impeachment, ou por qualquer questão formal dessa natureza. Não adotamos esse nome com o objetivo explícito de se demarcar politicamente dos setores que se alinham em defesa do PT como se isso pudesse servir para enfrentar o ataque do governo Temer.

O que colocar depois do “Fora Temer”
Estando já dado o impeachment (a menos que Dilma venha a revertê-lo na votação definitiva do Senado, o que segue em negociação), essa discussão sobre o caráter do “golpe” passa de certa forma para o segundo plano, e o que vem à tona é o problema mais imediato de como lidar com o governo interino de Temer. Conforme o processo político avança, o debate deixa de ser em torno do “não vai ter golpe” e passa a girar em torno do “Fora Temer”. Dessa forma, nossa opção de não usar o termo “golpe” pode acabar sendo derrotada, pois a versão de que houve “golpe” pode acabar se impondo. Mas de qualquer forma, no interior da oposição ao governo Temer, a controvérsia permanece a mesma. O uso do nome “golpe” dividiu os três setores da esquerda, e o uso do “Fora Temer” também não nos unifica. No interior do “Fora Temer” seguem existindo linhas diferentes, que de certa forma reproduzem as mesmas três posições que distinguimos no início:
1º) “Fora Temer, volta Dilma”, ou “Lula lá”. Essa posição necessariamente associa os setores que querem lutar contra o “golpe” mas são críticos e querem permanecer independentes do PT às opções que serão ditadas pelo próprio PT. Por mais que insistam em se diferenciar do PT nas propostas programáticas, as suas margens de ação ficam restritas pelas decisões do partido, que se materializam em pelo menos duas táticas. De um lado, a denúncia do “golpe” e a luta pela manutenção do mandato de Dilma, tática que se baseia nas possibilidades da presidente afastada vencer a votação definitiva do Senado, oscilando conforme tais chances flutuam. De outro, a postulação do PT como alternativa para as eleições municipais de outubro deste ano (que se torna mais concreta conforme o calendário avança) e para a volta de Lula em 2018. O que torna mais problemática essa posição é o fato de que o próprio PT admite alianças locais com os “golpistas” do PMDB para as eleições municipais*, uma incoerência monumental, que desmoraliza a denúncia e desmonta o enfrentamento do “golpe” como ele deveria ser feito.
A existência de duas táticas é o resultado da indecisão do PT, que não se resolveu a lutar efetivamente para derrubar Temer e restaurar Dilma, pois isso significaria romper qualquer acordo com o lado oposto e precipitar um enfrentamento que pode levar, entre outras coisas, à prisão de Lula. O partido pode optar por deixar as coisas como estão, fazer denúncias e atos protocolares de rua “para inglês ver” e manter um acordo mínimo para preservar Lula para 2018 (ou negociar a volta de Dilma no Senado, via acordo de cúpula). Seja como for, nesta 1ª posição, o “Fora Temer” e a denúncia de todos os elementos reacionários presentes em seu governo se tornam secundários e se colocam na verdade a serviço da prioridade que é a promoção eleitoral do PT e de seu projeto de voltar à gestão do capitalismo;
2º) “Fora Temer, Fora Todos, Eleições gerais”, uma política que pode se justificar pela suposição de que a rejeição massiva do PT pela crise econômica em vigor no país, bem como a rejeição igualmente massiva de figuras-chave do processo “golpista”, como Eduardo Cunha, Aécio, etc., poderia resultar em uma votação favorável para a esquerda no Brasil (possivelmente mirando-se em exemplos internacionais como Syriza, Podemos, Jeremy Corbin, Bernie Sanders, etc.). O problema dessa posição é que ela, como dissemos, ignora a existência de uma ofensiva reacionária no país, que no caso de uma eleição geral, poderia resultar em um governo e Congresso ainda mais à direita. Além disso, tanto para o PT (que não busca um enfrentamento real contra Temer) como para o PMDB, PSDB, etc., as eleições podem ser uma forma interessante de repactuar a distribuição de cargos e poder no Estado, deixando para trás o trauma do impeachment e o questionamento do atual governo interino e trazendo a volta à “normalidade democrática”. Isso seria interessante também para a classe patronal, já que serviria para constituir um governo com legitimidade e força suficiente para impor os ataques que o empresariado deseja. Se o governo Temer não se firmar, cada vez mais forças burguesas migrarão para esta posição;
3º) O último setor da esquerda está numa posição que parece ser ainda mais frágil, já que defende o “Fora Temer”, mas sem ter uma alternativa imediata de poder para oferecer no lugar. Há algumas propostas circulando entre as várias correntes que estão nessa posição, como “Assembleia Constituinte Soberana”, “governo dos trabalhadores”, etc. Trata-se além de tudo, de um setor em si mesmo fragmentado, dentro de uma já fragmentada esquerda. Mesmo assim, identificamos neste setor a percepção da necessidade de impulsionar a luta a partir da organização da classe, que é o critério decisivo que adotamos. Defender a construção dos processos de luta, e de referências de organização e de projeto (e depois de poder a partir disso), ainda pode soar como uma abstração no cenário atual, que requer respostas imediatas. Entretanto, diante dos problemas das duas perspectivas anteriores, seguimos defendendo aqui essa 3ª posição. Apesar da aparente fragilidade, ainda é a menos pior alternativa para a esquerda.

O perigo do substituísmo
Se estamos optando entre alternativas que são muito ruins e outra que classificamos como menos pior, é porque reconhecemos uma correlação extremamente desfavorável para os trabalhadores, resultado da vitória da ofensiva reacionária (cujos contornos discutiremos em maiores detalhes mais adiante). O que nos recusamos a reconhecer é que a defesa do PT possa ser uma via para a resistência contra o reacionarismo. A aposta no PT como instrumento para esse enfrentamento é um beco sem saída, porque aponta para um determinado projeto de gestão do capitalismo que já está morto e enterrado. Preferimos apostar na viabilidade da luta da classe a partir da base e de forma independente, por mais diluída e amorfa que esteja no momento, como forma de construir, ainda que de improviso, a alternativa de enfrentamento.
A tentativa de construir uma referência para a classe a partir das lutas concretas e de uma pauta própria dos trabalhadores pode parecer frágil ou “decapitada”, na falta de um projeto bem delineado que se materialize em uma palavra de ordem que complete o “Fora Temer”. Entretanto, as outras posições na verdade estão abrindo mão da independência de classe e insistindo em ilusões perigosas. Tanto uma como a outra desconhecem a importância do grau real de organização e consciência da classe, como alicerce para qualquer política. Na ausência de organização e consciência reais, que é de fato a condição da nossa classe hoje, os setores que estão na 1ª e 2ª posições entendem que a alternativa pode ser suprida tanto pelo PT (na versão do “Volta Dilma” ou “Lula lá”) como pelo salto no abismo de “Eleições gerais”.
Apesar de frontalmente opostas em relação à questão tática de defender o mandato de Dilma ou sua derrubada, as duas posições partilham um fundamento estratégico comum, que é o substituísmo. Querem substituir a classe trabalhadora organizada (que ainda não existe) por algum outro agente ou força social que esteja mais “à mão”, como a própria burocracia petista. Sem mobilização, organização e consciência de classe independentes por parte dos trabalhadores, batendo de frente contra os interesses do capital, com greves, bloqueio de vias, ocupações, ação direta, etc. (que aliás o PT não irá fazer porque não é mais parte da sua natureza, é sempre bom insistir nisso**), o enfrentamento da ofensiva reacionária se limitará a atos protocolares para marcar posição e aos debates virtuais. Com isso, acabará sendo desviado em favor de algum projeto estranho à classe, como o simples retorno de Dilma e Lula (para nós bastante improvável) ou a implantação de outro governo burguês qualquer, devidamente fortalecido pelo ritual de “eleições gerais”.
A terceira posição, por sua vez, apesar de “decapitada” em relação à tática, por não ter algo a definido a acrescentar depois do “Fora Temer”, tem ao menos a possibilidade de desenvolver essa tática com o próprio andamento do movimento e da luta. E nesse caso, a tática surgirá como uma resposta mais consistente, porque fundamentada num processo real de debate no conjunto do movimento. A resposta tática em relação à questão do poder (o que colocar depois do “Fora Temer”) pode variar entre diversas alternativas e combinações, (construir a greve geral, construir um programa dos trabalhadores contra a crise, rumo a uma Assembleia Constituinte soberana, etc.), mas o fundamental para nós é que se priorize o método de construção de tal tática no interior e por meio da luta pelas demandas concretas da classe e contra os ataques do governo.

A insustentável fragilidade do lulopetismo
Conforme adiantamos no ponto anterior, concordamos com os companheiros que estão na 1ª posição no entendimento de que existe uma ofensiva reacionária no país. Essa é uma delimitação importante, que nos separa do 2º setor, que defende o “Fora Todos”, o qual na prática é favorável, conivente ou no mínimo indiferente à derrubada de Dilma da forma como se deu, ou seja, nem sequer identifica o fortalecimento do reacionarismo no país. Onde discordamos dos companheiros do 1º setor é em relação à viabilidade de se apostar no PT como instrumento para enfrentar essa ofensiva. Para nós essa viabilidade já não mais existe (na verdade nunca existiu). É preferível “segurar o tranco” da queda do PT, pensar também no longo prazo e construir um outro projeto, com independência de classe, por mais duro que isso possa parecer no momento. Isso não significa deixar de enfrentar o governo Temer, pois, pelo contrário, como temos frisado, é somente por meio desse enfrentamento que se pode construir qualquer projeto.
Esse novo projeto tem que ter como alicerces a retomada da organização e da disputa pela consciência da classe, sem o quê terá bases muito frágeis. A derrubada do PT, que chamamos de queda de um castelo de cartas, não se explica por alguns erros de “gestão” de Lula e Dilma, por cálculos políticos mal feitos em relação aos aliados traiçoeiros, etc., mas pela perda da base de sustentação em uma classe social organizada. O projeto petista de gestão do capitalismo dispensava a mobilização e a luta dos trabalhadores para obter conquistas (na verdade, tinha como pré-requisito justamente que não houvesse mobilização e luta). Quando esse projeto deixa de ser útil para a burguesia, o PT não tem mais como se voltar para a classe que diz representar em busca de apoio.
O PT cortou seus vínculos com a classe trabalhadora, e por isso não consegue mais mobilizar de fato para se defender daquilo que ele e seus apoiadores chamam de “golpe”. Até certo ponto, seria possível dizer: “azar do PT”. Mas o maior problema é que o PT cortou os vínculos da classe consigo mesma, ao desconstruir todos os mecanismos de organização para a luta que a classe ergueu na década de 1980. Sua gestão nos sindicatos e demais movimentos sociais há mais de 20 anos se faz no sentido de impedir as lutas, desmontar a organização por local de trabalho, estudo e moradia, sufocar a democracia no movimento, esvaziar o debate de ideias e projetos, desviar tudo para a sustentação eleitoral dos burocratas petistas.
Esse é, afinal de contas, o maior crime do PT, fazer com que a classe deixasse de acreditar em si mesma como sujeito coletivo. A participação em sindicatos, movimentos, associações, que expressam a confiança em saídas coletivas, foi substituída pelas ideias burguesas de individualismo, meritocracia, consumismo. Isso se deu não só pela mera conivência, mas com a participação ativa do próprio PT; vide por exemplo o uso pelo marketing petista da trajetória de Lula como narrativa típica do migrante nordestino pobre que “chegou lá”. É por conta desse estado de prostração da classe que não se pode dizer que a perda dos vínculos do PT com a classe é apenas “azar do PT”. Ela representa a destruição do projeto que foi referência dos trabalhadores por pelo menos três décadas, sem que haja um novo projeto à vista, o que traz consequências de largo alcance para o conjunto da classe e a esquerda.
Constatar a decomposição do lulopetismo não resolve os nossos problemas. Para superar de fato o PT, é preciso reconhecer o que ele foi, qualificando o conjunto de sua trajetória, desde sua origem na luta dos trabalhadores até sua transformação e passagem para o outro lado da trincheira de classe. Reconhecer isso é fundamental para não repetir os mesmos erros e construir um novo projeto que não tenha as mesmas fragilidades.

“A ideologia dominante na sociedade é a ideologia da classe dominante” - Marx e Engels
Afirmamos em texto anterior que a derrota do PT apareceu como uma derrota ideológica da esquerda, sem que a vitória do PT (a permanência de Dilma, por exemplo) pudesse ser considerada uma vitória da nossa classe. Essa situação paradoxal é o resultado cabal da realidade cruel de que não existe alternativa de esquerda viável na sociedade. Aquilo que definimos como “esquerda” no início do texto, o conjunto dos agrupamentos e tendências baseados na luta dos trabalhadores e situados fora do PT, não é hoje um participante relevante na disputa de poder na sociedade (mesmo que estivesse unificado, ao invés de fragmentado como está hoje). Quem disputa o poder hoje no Brasil são as diversas frações da burguesia (os bancos, o agronegócio, a grande indústria, as transnacionais, etc.) e suas várias organizações de classe e instrumentos político-ideológicos, como a grande mídia empresarial, as igrejas evangélicas, o crime organizado e a burocracia petista. A esquerda não está nesse jogo, está na segunda divisão, se tanto, tentando juntar os cacos e entrosar o time com o campeonato em andamento.
Como numa segunda divisão, é preciso afundar o pé no barro e jogar nas condições as mais difíceis e hostis. É preciso retomar aquilo que o PT abandonou, a combatividade, a organização de base, a disputa político ideológica, para que a esquerda possa se qualificar para entrar no jogo da disputa de poder na sociedade. É preciso se despir da ilusão de soluções fáceis, imediatistas, superestruturais, como o “Fora Temer – Volta Dilma/Lula lá”, ou ainda pior, “Fora Temer, eleições gerais”. É preciso reconhecer o estado de “terra devastada” na consciência dos trabalhadores legado pelas décadas de hegemonia do PT. Apesar dos sinais bastante promissores de recomposição, como o aumento sustentado das greves desde 2012, a primeira fase das Jornadas de Junho de 2013, a greve dos garis de 2014, as ocupações de escolas de 2015 em diante, a “nova onda” do feminismo, etc, o pior erro que se poderia cometer nesse jogo seria superestimar as próprias forças e subestimar as do adversário.
A ausência do trabalho de organização da classe para a luta desde a base, que marcou as últimas décadas de hegemonia petista entre os trabalhadores, não poderia deixar de ter consequências. Ainda mais considerando-se o fato de que o lado oposto, a classe dominante, nunca parou de disputar o terreno. A propaganda do capitalismo, do individualismo, da meritocracia, do consumismo, nunca foi enfrentada (pelo contrário, o PT foi coparticipante desse discurso quando governo, porque era conivente com ele desde quando era oposição). Não poderia ser surpresa o fato de que as concepções conservadoras tenham se fortalecido na sociedade.
Quando as gravações envolvendo Jucá e outros revelaram que a derrubada de Dilma foi um complô para barrar a investigação de corrupção e entronizar os corruptos, isso não gerou indignação para além dos simpatizantes do PT. Isso significa que os setores médios da sociedade não estavam realmente indignados com a corrupção (talvez apenas uma minoria sincera destes). A grande maioria dos setores médios que engrossaram os atos pró-impeachment estava mesmo extravasando o ódio ao PT, que eles erradamente identificam com a esquerda de verdade e o “comunismo”, que por sua vez identificam com o oportunismo de burocratas e corruptos que roubam o Estado e aliciam os pobres com programas de bolsas, com cotas para minorias, o discurso de “vitimismo”, etc.
Esses setores médios incluem não apenas a pequena burguesia, pequenos empresários, profissionais liberais, etc., mas também assalariados de alta renda, a aristocracia operária, segmentos de categorias profissionais mais organizadas, como bancários, professores, metalúrgicos, que no passado eram massivamente petistas, e hoje abandonaram o partido. Essas camadas médias da sociedade e muitos trabalhadores realmente acreditaram na narrativa montada pela burguesia e seus ideólogos, de que movimentos sociais são um embuste, de que os sindicatos e outras entidades são trampolins para oportunistas que querem se eleger e roubar, de que os pobres que seguem esses movimentos são preguiçosos, vagabundos, que querem viver às custas de bolsas do Estado, sem trabalhar, sendo sustentados pelo “cidadão que paga impostos”, que as reivindicações dos movimentos de mulheres, de negros e de LGBTs, como cotas, igualdade de gênero, etc., são reclamações “vitimistas” de pessoas que “não se esforçam” para “merecer” as “benesses” do capitalismo.
Esse é o legado de décadas de controle do PT nos movimentos sociais. Não é um erro menor, um detalhe marginal, mas o elemento crucial para determinar a falência do projeto petista. Foi por causa do PT que essa narrativa da esquerda-corrupta-que-alicia-os-pobres-vagabundos se fixou, pois uma parcela imensa da sociedade acredita realmente nisso, e não apenas entre os setores médios, mas mesmo entre a própria classe trabalhadora, em que se encontra a maior parte dos fiéis das igrejas neopentecostais, por exemplo. Isso é o resultado do trabalho que não foi feito pela esquerda, mas foi feito pela burguesia. Não há atalho para o trabalho de organização de base e a disputa da consciência da classe, insistiremos nisso por mais que se torne cansativo.
A “escola Zagallo de ciência política”: fomos surpreendidos!
A votação do impeachment na Câmara dos Deputados no dia 17 de abril foi emblemática como termômetro do atraso ideológico. O show de horrores de centenas de deputados votando em nome de Deus e da família deve ser lido (para além da imensa hipocrisia que esse discurso significa na voz daquelas pessoas) como uma indicação de que uma parcela importante da população considera importantes esses valores. Aqueles deputados optaram por esse discurso porque acharam que estariam agradando eleitores que consideram que Deus e a família são a solução para tudo. Há uma imensa parcela da população que pensa realmente assim. Quando a revista Veja fez a matéria sobre a primeira dama “bela, recatada e do lar”, estava expressando uma concepção de como deve ser uma mulher, que é defendida também por amplos setores da população, homens e mulheres inclusive.
De certa forma, a votação do impeachment nas duas casas do Congresso não foi totalmente descolada da realidade (por mais que a justificativa técnica do afastamento da presidente seja falsa), uma vez que se baseia num repúdio real aos governos do PT (por mais que a sua espetacularização por meio da transmissão televisiva tenha sido um tiro pela culatra, pois expôs a hipocrisia em doses cavalares dos corruptos votando contra a “corrupção”). Expressando-se de maneira caricatural no Congresso ou não, o fato é que as forças da direita foram mais bem sucedidas. A rejeição ao PT foi habilmente explorada pelos setores mais retrógrados da política, contando com a ampla disseminação da ideologia reacionária na sociedade nos últimos anos. A direita tradicional aproveitou a rejeição ao PT para construir o seu projeto e legitimar o seu discurso, coisa que a esquerda não fez.
O que importa neste ponto é reconhecer que a disputa político-ideológica é um processo permanente e dinâmico, para cujo entendimento as concepções estáticas e formais não servem. Por exemplo, prender-se ao resultado eleitoral de 2014 como prova do respaldo popular do mandato de Dilma significa esquecer que a presidente recém-reeleita voltou as costas ao seu eleitorado, antes mesmo de tomar posse para o segundo mandato, ao compor um ministério arquirreacionário (ou alguém reivindica Kátia Abreu, Cassab, Levy, etc. como progressistas?) e ao adotar o programa derrotado nas urnas, mergulhando o país na recessão, no desemprego e na inflação. Não se trata aqui de um erro qualquer, um problema de calibragem quantitativa da dose de concessão à direita tradicional, mas um salto de qualidade na tentativa do PT de cumprir o seu papel de administrador confiável do capital em crise. O estelionato eleitoral praticado pelo próprio PT foi o golpe final na sustentação de seu mandato. Se novas eleições tivessem acontecido em 2015, não seria apenas a direita e a burguesia que votaria contra o PT, mas a maioria dos trabalhadores.
O sentimento de traição do eleitorado petista foi detectado pelos conspiradores, que se sentiram fortalecidos para a iniciativa do impeachment. A sustentação de um projeto político não se constrói apenas com a votação numa eleição, mas com um trabalho permanente de organização e propaganda. A oposição burguesa somente deu os passos que deu porque percebeu que o PT estava enfraquecido. Se o PT não fez seu trabalho de organização e propaganda, a burguesia o faz permanentemente. Do lado da classe dominante, esse trabalho é facilitado pela própria dinâmica da reprodução social capitalista, que aliena e atomiza a classe trabalhadora no cotidiano, ao mesmo tempo em que fortalece e legitima as instituições do Estado burguês como superestrutura político-ideológica.
O PT abandonou a luta de classes (ao abrir mão de organizar os trabalhadores para lutar contra a dinâmica alienante do capitalismo), a oposição burguesa não. A classe burguesa atuou ao seu modo: criou novas organizações, financiou ONGs e “think tanks”, explorou as plataformas virtuais de comunicação, desenvolveu um trabalho de propaganda e agitação, preparou-se para a ação direta, criou grupos proto-fascistas, forjou figuras públicas, etc. Nem o PT fez o necessário para enfrentar esse rearmamento da burguesia, nem a esquerda o fez, o que é muito mais grave.
A luta de classes continua sendo o que sempre foi, e as instituições do Estado burguês também, isso não deveria surpreender ninguém. Alguém realmente achava que deputados eleitos com dinheiro de bancos, empreiteiras, latifúndio, etc., pudessem votar senão segundo as intenções de seus patrões? Alguém realmente achava que os juízes do STF aplicam uma interpretação técnica e neutra da lei ao invés de serem partidários? Alguém realmente acreditava que a mídia empresarial iria tratar igualmente os casos de corrupção e denunciar todos, independentemente de qual partido?
É preciso ter em mente que na luta de classes a burguesia não segue as próprias regras que estabelece para o restante da sociedade. Recordar essas lições fundamentais é necessário para não se surpreender com o fato de que o parlamento burguês é composto por deputados e senadores reacionários; o judiciário burguês, em todas as suas instâncias, é composto por capangas da burguesia; a mídia burguesa só veicula o que é de interesse da sua classe social (veja-se por exemplo o estrondoso silêncio em relação à massiva e heroica luta dos trabalhadores e da juventude na França contra o projeto de lei que quer rebaixar seus direitos trabalhistas); enfim, de que o Estado burguês é burguês. As ilusões de que as instituições do Estado burguês podem de alguma forma favorecer os trabalhadores não são um escudo eficiente para a luta de classes. Somente um enfrentamento pesado contra a patronal pode impedir os retrocessos que estão na agenda.

Desgraça pouca é bobagem
Por último, mas não menos importante, é preciso assinalar que essa ofensiva reacionária no Brasil não é uma exclusividade nacional, nem produto aleatório da simples maldade de um grupo de conspiradores maquiavélicos. Isso é produto de uma grave crise econômica que se instalou no país, pelo menos desde fins de 2014. A economia brasileira está despencando, com a queda do consumo, dos salários, do emprego, da produção, e a alta da inflação. O “ajuste” neoliberal de Joaquim Levy mergulhou o país na recessão, e mais “austeridade” está projetada na gestão Meirelles. No capitalismo a atividade econômica só é retomada se houver garantia de lucro para a burguesia, o que significa que enquanto não forem feitos os “ajustes” necessários os capitalistas não vão investir e contratar.
Os “ajustes” são sempre medidas para baratear o custo da mão de obra, reduzindo salários diretos e indiretos, retirando direitos trabalhistas, prolongando a jornada de trabalho, precarizando os contratos, terceirizando, impondo a negociação sobre a legislação, saqueando os fundos públicos que deveriam sustentar a previdência e os serviços de saúde, educação, transporte, moradia, etc., para desviá-los para a ajuda às empresas. Fala-se em “austeridade”, mas nunca se toca no maior de todos os gastos do Estado, a dívida pública, que consome praticamente metade do orçamento da União, cerca de R$ 1 trilhão por ano. Essa dívida é uma fraude, nós trabalhadores nunca pegamos esse dinheiro emprestado, a sua origem está nos empréstimos da época da ditadura (portanto contraídos por governos ilegais), e por mais que se pague uma montanha de dinheiro por ano, a dívida não para de aumentar (inclusive nos governos do PT) devido à forma como foram negociados os seus contratos.
O governo do PT caiu não porque se opusesse aos “ajustes” que a burguesia considera necessários para reativar a economia, mas porque não tinha força suficiente para impô-los. A imposição de tais políticas de “austeridade” é o programa único de todo e qualquer governo, pois é uma condição “sine qua non” para a retomada da lucratividade do capital em escala global, depois da crise mundial de 2008-2009, não importando qual seja o grau de sofrimento a ser imposto às populações trabalhadoras do mundo inteiro. As aposentadorias, a saúde pública, a educação, etc., tudo tem que ser sacrificado para a sobrevivência do capital. Desemprego, miséria, fome, é o que aguardam os trabalhadores caso não consigam resistir.
Tais políticas estão sendo seguidas por todas as variedades de governos, desde os tidos como “de esquerda”, como o PT no Brasil, o Syriza na Grécia, o PS na França, ou de direita, como Macri na Argentina. Qualquer que seja o discurso que usem nas campanhas, os candidatos eleitos têm que fazer exatamente o oposto do que prometeram, assim que tomam posse, como Dilma no Brasil e Tsipras na Grécia. Os “mercados” selecionam os candidatos e seus programas de governo, antes dos eleitores cada vez menos esperançosos depositarem (ou digitarem) seus votos nas urnas. Quando o estelionato eleitoral não cola, como no caso de Dilma, recorre-se ao impeachment ou se impõe o que o “mercado” deseja por decreto, como no caso do projeto de destruição da lei trabalhista francesa pelo “Partido Socialista”.
Não há mais capitalismo sem “austeridade”. Não há mais Estado de bem-estar social possível, nem na Europa (que o digam a Grécia e a França) nem muito menos no Brasil, na era do capitalismo mundializado e suas crises recorrentes. A próxima crise mundial se aproxima, e o Brasil é só o primeiro país a entrar nela. Podemos ser também os primeiros a encontrar uma saída dos trabalhadores, se a esquerda souber combinar uma visão tática e estratégica.

*Declaração de Rui Falcão, presidente do PT: “Se alguém do PMDB quiser participar conosco e não tenha apoiado o impeachment, priorize programas sociais e combata a corrupção, não vejo problema nenhum” - http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-05/pt-nao-ira-apoiar-candidatos-que-defendem-impeachment-diz-rui-falcao . Há PTs e PMDBs ao gosto do freguês, o “golpe” é apenas um detalhe. Ou como dizia Henri Ford, você pode comprar um carro da cor que quiser, desde que seja preto.

**Quando estávamos finalizando este texto tomamos conhecimento de que setores dos movimentos sociais controlados pelo PT estão chamando um “dia nacional de luta” e a CUT está falando em greve geral para reforçar o “Fora Temer”. Isso precisaria ser discutido num artigo em separado, mas a nosso ver não modifica a caracterização fundamental de que o PT não vai organizar a luta. Teremos no Brasil o mesmo cenário que já ocorre na Europa, em que as burocracias sindicais chamam greves gerais de 24hs para marcar posição e “saudar a bandeira”, mas não desencadeiam processos de luta de fato capazes de barrar as políticas de “austeridade”. Deve se repetir o mesmo no Brasil, com o PT buscando apenas se credenciar como alternativa eleitoral, mas sem permitir que a base da classe trabalhadora tome as lutas em suas mãos e que as demandas próprias da classe se manifestem. A burocracia sindical tem mais medo de ser atropelada pela base das categorias do que de permitir que a classe seja derrotada pela patronal e o Estado. Mas essa deve ser exatamente a aposta da esquerda, que as lutas da classe transbordem do controle e das intenções da burocracia petista. A desenvolver.




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