Desde o
início das manifestações contra o governo Dilma,
em março de 2015, logo no começo do seu segundo
mandato, a esquerda se dividiu em pelo menos três posições,
as quais permanecem aproximadamente as mesmas desde então, e
serão o objeto de discussão deste texto. Mas, antes de
tratar dessas posições, precisamos apresentar uma
definição daquilo que chamamos de esquerda, que para
nós é o conjunto dos agrupamentos e correntes que se
baseiam na luta dos trabalhadores e que já estão fora
do PT, e não se submetem à direção
petista nos aparatos diretamente sob controle do partido nos
movimentos sociais, como CUT, UNE e MST.
Traçamos
a linha demarcatória excluindo o PT, porque o definimos como
um partido burguês, composto de burocratas, que sobrevivem às
custas de cargos no Estado, nos sindicatos e em movimentos sociais,
nos fundos de pensão e em empresas em que os fundos têm
participação, em ONGs, na academia, etc. Essa camada de
burocratas sobrevive às custas das verbas do Estado, das
entidades e da corrupção. Seu projeto é a
administração do capitalismo, priorizando a viabilidade
do conjunto do capital que opera no Brasil, favorecendo
alternadamente bancos, agronegócio, empreiteiras, montadoras,
etc. Os fundos públicos são colocados a serviço
desses diversos setores, com o objetivo de impulsionar o “crescimento
econômico”, com base no qual se espera que uma minúscula
fatia de recursos seja deslocada para as políticas de
distribuição de renda e possam aplacar as condições
de vida miseráveis da população mais pobre.
Quando a conjuntura não permite, a prioridade são os
“ajustes” em favor do capital, os cortes nos gastos sociais em
nome da “responsabilidade fiscal”, o pagamento da dívida
pública, etc. Sem dispensar, evidentemente, a repressão
brutal sobre quem entrar em luta contra esse projeto.
Tanto em
sua composição interna, nas relações de
seus integrantes com o processo de reprodução social, o
capital e o Estado, como em sua concepção de mundo,
teoria, programa e prática política, o PT rompeu seus
vínculos com a classe trabalhadora, e portanto não
merece mais ser chamado de esquerda. Seguir apoiando o projeto desse
partido significa manter a classe trabalhadora de mãos atadas,
impossibilitada de desenvolver uma ação política
própria e de intervir como sujeito independente no processo
histórico. Essa delimitação, sabemos, afugentará
de saída um número enorme dos possíveis
leitores, e nos restantes que se aventurarem a prosseguir além
de alguns parágrafos será acionado prontamente o
detector de “sectarismo” e “ultraesquerdismo”. Mesmo assim,
apresentamos tal demarcação logo de início, a
bem da precisão conceitual e política.
As
posições da esquerda
Estabelecida
essa definição preliminar, identificamos na esquerda as
seguintes posições:
1º)
Um setor que desde o começo denunciou as movimentações
do PMDB, PSDB, Judiciário, Rede Globo, etc., como sendo um
golpe de Estado, e que, em função disso, entendeu que
seria preciso defender o governo Dilma contra a sua derrubada. Essa
posição é defendida mesmo por setores que não
pertencem ao PT e têm muitas críticas aos governos de
Lula e Dilma, inclusive, em alguns casos, críticas bastante
profundas, mas que entendem que nesse momento é preciso
combater um inimigo mais perigoso, a ofensiva reacionária que
grassa no país;
2º)
Um setor que entende que a rejeição ao governo do PT e
aos demais partidos é grande o suficiente para defender o
“Fora Todos”. Esse setor considera que a presença de
partidos, organizações e concepções de
direita no movimento do impeachment é irrelevante (na verdade,
eu não sei dizer se esse setor sequer reconhece a simples
existência de forças reacionárias no país,
para não falar da sua atual ofensiva), e a queda de Dilma
seria somente uma parte de um processo mais geral, em que a população
estaria rejeitando todos os políticos, e não apenas o
PT. Por isso, segundo este setor, não importa quem caia
primeiro, Dilma ou seus adversários. Com base nessa ampla
rejeição popular, é possível defender a
derrubada de “Todos”, como se fosse uma espécie de
processo único e homogêneo;
3º)
Um setor que busca não se integrar a nenhum dos dois
anteriores e desenvolver saídas independentes para os
trabalhadores. No interior deste setor, há os que entendem
que, mais do que defender a derrubada do governo Dilma ou sua
manutenção, a prioridade no momento deve ser organizar
os trabalhadores para que entrem nas lutas por demandas concretas,
por meio das quais possam se colocar no cenário de maneira
independente, com uma pauta própria. Dessa forma, se espera
que a classe possa desenvolver referências e organizações
suas, criando instrumentos para romper com a polarização
superestrutural entre os projetos burgueses do PT x PMDB/PSDB/mídia,
etc.
Desde o
início minha posição esteve com este 3º
setor, sem aceitar a denominação de “golpe”, nem
muito menos aderir ao “Fora Todos”. Entretanto, uma vez que
tivemos nas últimas semanas a divulgação dos
áudios do meteórico ex-ministro Jucá, de Sarney,
etc., entregando a conspiração para derrubar Dilma e
com isso interromper as investigações de corrupção
(absolvendo a todos, desde Cunha até Lula, cuja citação
no áudio os companheiros da 1ª posição
fazem questão de esquecer...), esses acontecimentos parecem
ter dado razão ao 1º setor. Pelo menos, os companheiros
que defendem essa posição estão reivindicando em
alto e bom som que estavam certos o tempo todo, ao denunciar o
“golpe”.
Porque
não chamamos de golpe
Não
seria problema fazer uma autocrítica em relação
à caracterização de “golpe” e reconhecer
que os companheiros do 1º setor tinham razão. E se for o
caso de sermos convencidos, faremos tal autocrítica no futuro.
Afinal, os elementos conspirativos da manobra espúria que
removeu Dilma são inquestionáveis, tanto assim que
inclusive já os mencionamos em texto anterior. Entretanto,
sempre usamos a palavra “golpe” entre aspas. E seguimos sem
aceitar a denominação de “golpe” para o processo em
andamento no país, pelo menos por dois motivos principais:
1º)
Boa parte dos setores que chamam o processo atual de “golpe” o
fazem de tal maneira a dar a entender que a remoção de
Dilma tem o mesmo conteúdo, perfil e resultado da derrubada de
Jango pelo golpe de 1964. É como se, ao remover Dilma,
estivéssemos automaticamente trocando o regime político
vigente pelo de 1964. Como se a partir de agora o país fosse
viver uma nova ditadura. E isso não é correto por duas
razões:
a) a
derrubada de Jango interrompeu um projeto de mudança social
com as quais seu governo tinha se comprometido, composto de uma série
de reformas estruturais favoráveis à população,
as “Reformas de Base”, que atacavam diretamente os interesses da
burguesia brasileira e internacional; e também bloqueou um
processo de intensa mobilização social e de luta dos
trabalhadores e da juventude. No momento atual, nem o governo Dilma
(e nem os de Lula) enfrentaram os interesses da burguesia nem
introduziram mudanças estruturais favoráveis aos
trabalhadores (as melhorias precárias ocorridas nos governos
do PT não chegam aos pés das “Reformas de Base” de
Jango); e nem há também uma onda de mobilização
popular e dos trabalhadores comparável ao pré-1964;
b) a
derrubada de Dilma não significará uma mudança
no regime para que se torne mais autoritário, como uma
ditadura. Isso não será necessário porque a
atual “democracia” já é suficientemente autoritária
e repressiva, como atestam o genocídio da juventude negra e
periférica nas mãos da polícia, o massacre de
indígenas, ribeirinhos e quilombolas pelos jagunços do
agronegócio, a repressão contra manifestações
e greves, etc., os quais tiveram livre curso ao longo dos mandatos do
PT. Além disso, o PT não apenas foi conivente com a
repressão como a reforçou, criando a Força
Nacional, as UPPs, a Lei Antiterrorismo, etc. Logo, a presença
do PT no governo não era um obstáculo que se
contrapunha a um salto drástico da repressão, ao
contrário, apenas servia para preparar o caminho para que tal
salto fosse dado no devido momento;
2º)
O segundo motivo é que a denúncia do processo como
“golpe” dá a entender que, em resposta a ele, seria
preciso defender o mandato de Dilma e o PT. E isso está errado
também por duas razões:
a) o
próprio PT é o responsável pela onda reacionária
que no final o derrubou do governo, seja por ação (ao
trazer ele próprio para seu governo as figuras hoje odiadas de
Temer, Cunha, Renan, Jucá, etc., mas que eram todos aliados
até ontem), seja por omissão (ao abrir mão,
desde muito antes de chegar ao governo, de qualquer perspectiva de
organização dos trabalhadores para a luta, cultivando a
ilusão de que é possível melhorar a vida da
população sem atacar os lucros da burguesia, por meio
da miragem do “crescimento econômico com justiça
social”, deixando livre o caminho para as ideias meritocráticas,
individualistas, consumistas, que hoje predominam);
b) em
conexão com o anterior, a defesa do PT não oferece uma
plataforma capaz de enfrentar a ofensiva reacionária. O PT não
é instrumento de luta, porque o seu projeto não é
de enfrentamento ao capital, e sim de administração do
sistema. A direção petista nos movimentos sociais,
durante todos esses anos, atuou para impedir as lutas e a organização
da classe, não para desenvolvê-las. O PT defende tão
somente a “democracia” em abstrato, com vistas à disputa
de espaços de poder no aparato de Estado por meio de eleições.
Mas para enfrentar de fato a ofensiva reacionária, no
concreto, é preciso mobilizar os trabalhadores para a luta de
classes real, com ações materiais e movida por questões
que afetam diretamente a classe: contra as demissões, contra a
inflação, por aumentos salariais, por serviços
públicos, etc. Essas demandas concretas só podem ser
alcançadas por meio de uma luta duríssima, que bata de
frente contra os interesses do capital que manda no país, o
que o PT não fez no governo e não fará como
oposição.
Essência
e aparência do “golpe”
Resumindo,
não é que os objetivos dos conspiradores de 2016 sejam
muito diferentes daqueles dos golpistas de 1964, é que a
plataforma em torno da qual se dará a resistência tem
que ser diferente. Foi um erro grave da esquerda no pré-64
alinhar-se a Jango (que não resistiu ao golpe) sem desenvolver
uma perspectiva classista e independente, mas seria um erro muito
pior da esquerda atual alinhar-se ao PT (que também não
vai resistir). O governo Jango era muito mais defensável que o
de Dilma, mesmo sendo ambos igualmente burgueses. Em 1964 estava em
jogo um projeto de país, enquanto que em 2016, disputa-se para
saber quem irá conduzir o país ao matadouro da
“austeridade”. Para que haja um golpe, é preciso que haja
golpistas e golpeados: o golpe de 1964 abateu um projeto e o
impeachment de 2016 removeu um gestor. Não é correto
permitir que o PT se utilize da denúncia de “golpe” para
colocar a classe trabalhadora a reboque dos interesses do partido.
Por mais
que esteja evidente que a manobra do impeachment seja completamente
espúria, ilegítima, ilegal, imoral, hipócrita,
casuística, oportunista, etc., não damos a esse
processo o nome de “golpe” porque ao uso desse nome está
em geral associada a defesa do governo Dilma e do PT. O uso do nome
“golpe” é feito para exigir que se tome uma posição,
pois diante de um “golpe” não há como permanecer
neutro, é preciso ser contrário. Mas ser contrário
ao tipo de “golpe” em curso no país, sem qualquer
qualificação do sentido histórico desse “golpe”
e das perspectivas estratégicas da resistência,
significa correr o risco de ser capturado pela órbita política
do PT, uma possibilidade que recusamos veementemente. Por isso, para
que se possa qualificar historicamente e estrategicamente a
resistência necessária ao processo em andamento, as
aspas permanecem.
A
remoção administrativa do PT representa sim uma mudança
no perfil da gestão burguesa do país, de maneira a
garantir um aumento da exploração, conforme
discutiremos na última seção deste texto. É
justamente por isso que a volta do PT não é mais
viável, pois os motivos que o levaram ao governo não
existem mais (ver
http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/04/o-pt-e-o-castelo-de-cartas-da.html).
O PT não conta mais com a confiança da burguesia. Temer
é sim pior do que Dilma, mas a volta do “menos pior” (o
PT) não é mais historicamente possível, porque
não é mais útil para a burguesia. Desconhecer
isso significa não entender as razões que levaram o PT
a ser eleito em primeiro lugar, e permanecer no governo por alguns
mandatos. Se isso aconteceu, certamente não foi por causa do
seu “projeto democrático popular”, e sim da sua capacidade
de impedir a luta popular. Agora que a luta não é mais
vista como uma ameaça, a burguesia pode descartar o PT,
conforme demonstramos no texto citado.
A “ponte
para o futuro” do PMDB é um ataque direto aos trabalhadores,
e a “ponte para o passado” do PT é uma miragem que esconde
uma armadilha igualmente mortífera. Embelezar os “anos
dourados” do petismo não vai colaborar em nada para
aglutinar as forças necessárias para a resistência.
Primeiro, porque não foram assim tão dourados como quer
fazer acreditar a propaganda petista, muito pelo contrário; e
segundo porque a condição para que a burguesia aceite o
PT de volta é que ele aplique a mesma política de
Temer. Isso será discutido nos bastidores daqui até a
votação definitiva no Senado, que pode reconduzir Dilma
ou manter Temer. A burguesia terá esse período para
avaliar as duas opções.
Portanto,
não chamamos o processo de “golpe”, mas não porque
os militares estejam ausentes, nem muito menos porque o STF e as
“instituições” tenham validado o processo de
impeachment, ou por qualquer questão formal dessa natureza.
Não adotamos esse nome com o objetivo explícito de se
demarcar politicamente dos setores que se alinham em defesa do PT
como se isso pudesse servir para enfrentar o ataque do governo Temer.
O que
colocar depois do “Fora Temer”
Estando
já dado o impeachment (a menos que Dilma venha a revertê-lo
na votação definitiva do Senado, o que segue em
negociação), essa discussão sobre o caráter
do “golpe” passa de certa forma para o segundo plano, e o que vem
à tona é o problema mais imediato de como lidar com o
governo interino de Temer. Conforme o processo político
avança, o debate deixa de ser em torno do “não vai
ter golpe” e passa a girar em torno do “Fora Temer”. Dessa
forma, nossa opção de não usar o termo “golpe”
pode acabar sendo derrotada, pois a versão de que houve
“golpe” pode acabar se impondo. Mas de qualquer forma, no
interior da oposição ao governo Temer, a controvérsia
permanece a mesma. O uso do nome “golpe” dividiu os três
setores da esquerda, e o uso do “Fora Temer” também não
nos unifica. No interior do “Fora Temer” seguem existindo linhas
diferentes, que de certa forma reproduzem as mesmas três
posições que distinguimos no início:
1º)
“Fora Temer, volta Dilma”, ou “Lula lá”. Essa posição
necessariamente associa os setores que querem lutar contra o “golpe”
mas são críticos e querem permanecer independentes do
PT às opções que serão ditadas pelo
próprio PT. Por mais que insistam em se diferenciar do PT nas
propostas programáticas, as suas margens de ação
ficam restritas pelas decisões do partido, que se materializam
em pelo menos duas táticas. De um lado, a denúncia do
“golpe” e a luta pela manutenção do mandato de
Dilma, tática que se baseia nas possibilidades da presidente
afastada vencer a votação definitiva do Senado,
oscilando conforme tais chances flutuam. De outro, a postulação
do PT como alternativa para as eleições municipais de
outubro deste ano (que se torna mais concreta conforme o calendário
avança) e para a volta de Lula em 2018. O que torna mais
problemática essa posição é o fato de que
o próprio PT admite alianças locais com os “golpistas”
do PMDB para as eleições municipais*, uma incoerência
monumental, que desmoraliza a denúncia e desmonta o
enfrentamento do “golpe” como ele deveria ser feito.
A
existência de duas táticas é o resultado da
indecisão do PT, que não se resolveu a lutar
efetivamente para derrubar Temer e restaurar Dilma, pois isso
significaria romper qualquer acordo com o lado oposto e precipitar um
enfrentamento que pode levar, entre outras coisas, à prisão
de Lula. O partido pode optar por deixar as coisas como estão,
fazer denúncias e atos protocolares de rua “para inglês
ver” e manter um acordo mínimo para preservar Lula para 2018
(ou negociar a volta de Dilma no Senado, via acordo de cúpula).
Seja como for, nesta 1ª posição, o “Fora Temer”
e a denúncia de todos os elementos reacionários
presentes em seu governo se tornam secundários e se colocam na
verdade a serviço da prioridade que é a promoção
eleitoral do PT e de seu projeto de voltar à gestão do
capitalismo;
2º)
“Fora Temer, Fora Todos, Eleições gerais”, uma
política que pode se justificar pela suposição
de que a rejeição massiva do PT pela crise econômica
em vigor no país, bem como a rejeição igualmente
massiva de figuras-chave do processo “golpista”, como Eduardo
Cunha, Aécio, etc., poderia resultar em uma votação
favorável para a esquerda no Brasil (possivelmente mirando-se
em exemplos internacionais como Syriza, Podemos, Jeremy Corbin,
Bernie Sanders, etc.). O problema dessa posição é
que ela, como dissemos, ignora a existência de uma ofensiva
reacionária no país, que no caso de uma eleição
geral, poderia resultar em um governo e Congresso ainda mais à
direita. Além disso, tanto para o PT (que não busca um
enfrentamento real contra Temer) como para o PMDB, PSDB, etc., as
eleições podem ser uma forma interessante de repactuar
a distribuição de cargos e poder no Estado, deixando
para trás o trauma do impeachment e o questionamento do atual
governo interino e trazendo a volta à “normalidade
democrática”. Isso seria interessante também para a
classe patronal, já que serviria para constituir um governo
com legitimidade e força suficiente para impor os ataques que
o empresariado deseja. Se o governo Temer não se firmar, cada
vez mais forças burguesas migrarão para esta posição;
3º)
O último setor da esquerda está numa posição
que parece ser ainda mais frágil, já que defende o
“Fora Temer”, mas sem ter uma alternativa imediata de poder para
oferecer no lugar. Há algumas propostas circulando entre as
várias correntes que estão nessa posição,
como “Assembleia Constituinte Soberana”, “governo dos
trabalhadores”, etc. Trata-se além de tudo, de um setor em
si mesmo fragmentado, dentro de uma já fragmentada esquerda.
Mesmo assim, identificamos neste setor a percepção da
necessidade de impulsionar a luta a partir da organização
da classe, que é o critério decisivo que adotamos.
Defender a construção dos processos de luta, e de
referências de organização e de projeto (e depois
de poder a partir disso), ainda pode soar como uma abstração
no cenário atual, que requer respostas imediatas. Entretanto,
diante dos problemas das duas perspectivas anteriores, seguimos
defendendo aqui essa 3ª posição. Apesar da
aparente fragilidade, ainda é a menos pior alternativa para a
esquerda.
O perigo
do substituísmo
Se
estamos optando entre alternativas que são muito ruins e outra
que classificamos como menos pior, é porque reconhecemos uma
correlação extremamente desfavorável para os
trabalhadores, resultado da vitória da ofensiva reacionária
(cujos contornos discutiremos em maiores detalhes mais adiante). O
que nos recusamos a reconhecer é que a defesa do PT possa ser
uma via para a resistência contra o reacionarismo. A aposta no
PT como instrumento para esse enfrentamento é um beco sem
saída, porque aponta para um determinado projeto de gestão
do capitalismo que já está morto e enterrado.
Preferimos apostar na viabilidade da luta da classe a partir da base
e de forma independente, por mais diluída e amorfa que esteja
no momento, como forma de construir, ainda que de improviso, a
alternativa de enfrentamento.
A
tentativa de construir uma referência para a classe a partir
das lutas concretas e de uma pauta própria dos trabalhadores
pode parecer frágil ou “decapitada”, na falta de um
projeto bem delineado que se materialize em uma palavra de ordem que
complete o “Fora Temer”. Entretanto, as outras posições
na verdade estão abrindo mão da independência de
classe e insistindo em ilusões perigosas. Tanto uma como a
outra desconhecem a importância do grau real de organização
e consciência da classe, como alicerce para qualquer política.
Na ausência de organização e consciência
reais, que é de fato a condição da nossa classe
hoje, os setores que estão na 1ª e 2ª posições
entendem que a alternativa pode ser suprida tanto pelo PT (na versão
do “Volta Dilma” ou “Lula lá”) como pelo salto no
abismo de “Eleições gerais”.
Apesar
de frontalmente opostas em relação à questão
tática de defender o mandato de Dilma ou sua derrubada, as
duas posições partilham um fundamento estratégico
comum, que é o substituísmo. Querem substituir a classe
trabalhadora organizada (que ainda não existe) por algum outro
agente ou força social que esteja mais “à mão”,
como a própria burocracia petista. Sem mobilização,
organização e consciência de classe independentes
por parte dos trabalhadores, batendo de frente contra os interesses
do capital, com greves, bloqueio de vias, ocupações,
ação direta, etc. (que aliás o PT não irá
fazer porque não é mais parte da sua natureza, é
sempre bom insistir nisso**), o enfrentamento da ofensiva reacionária
se limitará a atos protocolares para marcar posição
e aos debates virtuais. Com isso, acabará sendo desviado em
favor de algum projeto estranho à classe, como o simples
retorno de Dilma e Lula (para nós bastante improvável)
ou a implantação de outro governo burguês
qualquer, devidamente fortalecido pelo ritual de “eleições
gerais”.
A
terceira posição, por sua vez, apesar de “decapitada”
em relação à tática, por não ter
algo a definido a acrescentar depois do “Fora Temer”, tem ao
menos a possibilidade de desenvolver essa tática com o próprio
andamento do movimento e da luta. E nesse caso, a tática
surgirá como uma resposta mais consistente, porque
fundamentada num processo real de debate no conjunto do movimento. A
resposta tática em relação à questão
do poder (o que colocar depois do “Fora Temer”) pode variar entre
diversas alternativas e combinações, (construir a greve
geral, construir um programa dos trabalhadores contra a crise, rumo a
uma Assembleia Constituinte soberana, etc.), mas o fundamental para
nós é que se priorize o método de construção
de tal tática no interior e por meio da luta pelas demandas
concretas da classe e contra os ataques do governo.
A
insustentável fragilidade do lulopetismo
Conforme
adiantamos no ponto anterior, concordamos com os companheiros que
estão na 1ª posição no entendimento de que
existe uma ofensiva reacionária no país. Essa é
uma delimitação importante, que nos separa do 2º
setor, que defende o “Fora Todos”, o qual na prática é
favorável, conivente ou no mínimo indiferente à
derrubada de Dilma da forma como se deu, ou seja, nem sequer
identifica o fortalecimento do reacionarismo no país. Onde
discordamos dos companheiros do 1º setor é em relação
à viabilidade de se apostar no PT como instrumento para
enfrentar essa ofensiva. Para nós essa viabilidade já
não mais existe (na verdade nunca existiu). É
preferível “segurar o tranco” da queda do PT, pensar
também no longo prazo e construir um outro projeto, com
independência de classe, por mais duro que isso possa parecer
no momento. Isso não significa deixar de enfrentar o governo
Temer, pois, pelo contrário, como temos frisado, é
somente por meio desse enfrentamento que se pode construir qualquer
projeto.
Esse
novo projeto tem que ter como alicerces a retomada da organização
e da disputa pela consciência da classe, sem o quê terá
bases muito frágeis. A derrubada do PT, que chamamos de queda
de um castelo de cartas, não se explica por alguns erros de
“gestão” de Lula e Dilma, por cálculos políticos
mal feitos em relação aos aliados traiçoeiros,
etc., mas pela perda da base de sustentação em uma
classe social organizada. O projeto petista de gestão do
capitalismo dispensava a mobilização e a luta dos
trabalhadores para obter conquistas (na verdade, tinha como
pré-requisito justamente que não houvesse mobilização
e luta). Quando esse projeto deixa de ser útil para a
burguesia, o PT não tem mais como se voltar para a classe que
diz representar em busca de apoio.
O PT
cortou seus vínculos com a classe trabalhadora, e por isso não
consegue mais mobilizar de fato para se defender daquilo que ele e
seus apoiadores chamam de “golpe”. Até certo ponto, seria
possível dizer: “azar do PT”. Mas o maior problema é
que o PT cortou os vínculos da classe consigo mesma, ao
desconstruir todos os mecanismos de organização para a
luta que a classe ergueu na década de 1980. Sua gestão
nos sindicatos e demais movimentos sociais há mais de 20 anos
se faz no sentido de impedir as lutas, desmontar a organização
por local de trabalho, estudo e moradia, sufocar a democracia no
movimento, esvaziar o debate de ideias e projetos, desviar tudo para
a sustentação eleitoral dos burocratas petistas.
Esse é,
afinal de contas, o maior crime do PT, fazer com que a classe
deixasse de acreditar em si mesma como sujeito coletivo. A
participação em sindicatos, movimentos, associações,
que expressam a confiança em saídas coletivas, foi
substituída pelas ideias burguesas de individualismo,
meritocracia, consumismo. Isso se deu não só pela mera
conivência, mas com a participação ativa do
próprio PT; vide por exemplo o uso pelo marketing petista da
trajetória de Lula como narrativa típica do migrante
nordestino pobre que “chegou lá”. É por conta desse
estado de prostração da classe que não se pode
dizer que a perda dos vínculos do PT com a classe é
apenas “azar do PT”. Ela representa a destruição do
projeto que foi referência dos trabalhadores por pelo menos
três décadas, sem que haja um novo projeto à
vista, o que traz consequências de largo alcance para o
conjunto da classe e a esquerda.
Constatar
a decomposição do lulopetismo não resolve os
nossos problemas. Para superar de fato o PT, é preciso
reconhecer o que ele foi, qualificando o conjunto de sua trajetória,
desde sua origem na luta dos trabalhadores até sua
transformação e passagem para o outro lado da
trincheira de classe. Reconhecer isso é fundamental para não
repetir os mesmos erros e construir um novo projeto que não
tenha as mesmas fragilidades.
“A
ideologia dominante na sociedade é a ideologia da classe
dominante” - Marx e Engels
Afirmamos
em texto anterior que a derrota do PT apareceu como uma derrota
ideológica da esquerda, sem que a vitória do PT (a
permanência de Dilma, por exemplo) pudesse ser considerada uma
vitória da nossa classe. Essa situação paradoxal
é o resultado cabal da realidade cruel de que não
existe alternativa de esquerda viável na sociedade. Aquilo que
definimos como “esquerda” no início do texto, o conjunto
dos agrupamentos e tendências baseados na luta dos
trabalhadores e situados fora do PT, não é hoje um
participante relevante na disputa de poder na sociedade (mesmo que
estivesse unificado, ao invés de fragmentado como está
hoje). Quem disputa o poder hoje no Brasil são as diversas
frações da burguesia (os bancos, o agronegócio,
a grande indústria, as transnacionais, etc.) e suas várias
organizações de classe e instrumentos
político-ideológicos, como a grande mídia
empresarial, as igrejas evangélicas, o crime organizado e a
burocracia petista. A esquerda não está nesse jogo,
está na segunda divisão, se tanto, tentando juntar os
cacos e entrosar o time com o campeonato em andamento.
Como
numa segunda divisão, é preciso afundar o pé no
barro e jogar nas condições as mais difíceis e
hostis. É preciso retomar aquilo que o PT abandonou, a
combatividade, a organização de base, a disputa
político ideológica, para que a esquerda possa se
qualificar para entrar no jogo da disputa de poder na sociedade. É
preciso se despir da ilusão de soluções fáceis,
imediatistas, superestruturais, como o “Fora Temer – Volta
Dilma/Lula lá”, ou ainda pior, “Fora Temer, eleições
gerais”. É preciso reconhecer o estado de “terra
devastada” na consciência dos trabalhadores legado pelas
décadas de hegemonia do PT. Apesar dos sinais bastante
promissores de recomposição, como o aumento sustentado
das greves desde 2012, a primeira fase das Jornadas de Junho de 2013,
a greve dos garis de 2014, as ocupações de escolas de
2015 em diante, a “nova onda” do feminismo, etc, o pior erro que
se poderia cometer nesse jogo seria superestimar as próprias
forças e subestimar as do adversário.
A
ausência do trabalho de organização da classe
para a luta desde a base, que marcou as últimas décadas
de hegemonia petista entre os trabalhadores, não poderia
deixar de ter consequências. Ainda mais considerando-se o fato
de que o lado oposto, a classe dominante, nunca parou de disputar o
terreno. A propaganda do capitalismo, do individualismo, da
meritocracia, do consumismo, nunca foi enfrentada (pelo contrário,
o PT foi coparticipante desse discurso quando governo, porque era
conivente com ele desde quando era oposição). Não
poderia ser surpresa o fato de que as concepções
conservadoras tenham se fortalecido na sociedade.
Quando
as gravações envolvendo Jucá e outros revelaram
que a derrubada de Dilma foi um complô para barrar a
investigação de corrupção e entronizar os
corruptos, isso não gerou indignação para além
dos simpatizantes do PT. Isso significa que os setores médios
da sociedade não estavam realmente indignados com a corrupção
(talvez apenas uma minoria sincera destes). A grande maioria dos
setores médios que engrossaram os atos pró-impeachment
estava mesmo extravasando o ódio ao PT, que eles erradamente
identificam com a esquerda de verdade e o “comunismo”, que por
sua vez identificam com o oportunismo de burocratas e corruptos que
roubam o Estado e aliciam os pobres com programas de bolsas, com
cotas para minorias, o discurso de “vitimismo”, etc.
Esses
setores médios incluem não apenas a pequena burguesia,
pequenos empresários, profissionais liberais, etc., mas também
assalariados de alta renda, a aristocracia operária, segmentos
de categorias profissionais mais organizadas, como bancários,
professores, metalúrgicos, que no passado eram massivamente
petistas, e hoje abandonaram o partido. Essas camadas médias
da sociedade e muitos trabalhadores realmente acreditaram na
narrativa montada pela burguesia e seus ideólogos, de que
movimentos sociais são um embuste, de que os sindicatos e
outras entidades são trampolins para oportunistas que querem
se eleger e roubar, de que os pobres que seguem esses movimentos são
preguiçosos, vagabundos, que querem viver às custas de
bolsas do Estado, sem trabalhar, sendo sustentados pelo “cidadão
que paga impostos”, que as reivindicações dos
movimentos de mulheres, de negros e de LGBTs, como cotas, igualdade
de gênero, etc., são reclamações
“vitimistas” de pessoas que “não se esforçam”
para “merecer” as “benesses” do capitalismo.
Esse é
o legado de décadas de controle do PT nos movimentos sociais.
Não é um erro menor, um detalhe marginal, mas o
elemento crucial para determinar a falência do projeto petista.
Foi por causa do PT que essa narrativa da
esquerda-corrupta-que-alicia-os-pobres-vagabundos se fixou, pois uma
parcela imensa da sociedade acredita realmente nisso, e não
apenas entre os setores médios, mas mesmo entre a própria
classe trabalhadora, em que se encontra a maior parte dos fiéis
das igrejas neopentecostais, por exemplo. Isso é o resultado
do trabalho que não foi feito pela esquerda, mas foi feito
pela burguesia. Não há atalho para o trabalho de
organização de base e a disputa da consciência da
classe, insistiremos nisso por mais que se torne cansativo.
A
“escola Zagallo de ciência política”: fomos
surpreendidos!
A
votação do impeachment na Câmara dos Deputados no
dia 17 de abril foi emblemática como termômetro do
atraso ideológico. O show de horrores de centenas de deputados
votando em nome de Deus e da família deve ser lido (para além
da imensa hipocrisia que esse discurso significa na voz daquelas
pessoas) como uma indicação de que uma parcela
importante da população considera importantes esses
valores. Aqueles deputados optaram por esse discurso porque acharam
que estariam agradando eleitores que consideram que Deus e a família
são a solução para tudo. Há uma imensa
parcela da população que pensa realmente assim. Quando
a revista Veja fez a matéria sobre a primeira dama “bela,
recatada e do lar”, estava expressando uma concepção
de como deve ser uma mulher, que é defendida também por
amplos setores da população, homens e mulheres
inclusive.
De certa
forma, a votação do impeachment nas duas casas do
Congresso não foi totalmente descolada da realidade (por mais
que a justificativa técnica do afastamento da presidente seja
falsa), uma vez que se baseia num repúdio real aos governos do
PT (por mais que a sua espetacularização por meio da
transmissão televisiva tenha sido um tiro pela culatra, pois
expôs a hipocrisia em doses cavalares dos corruptos votando
contra a “corrupção”). Expressando-se de maneira
caricatural no Congresso ou não, o fato é que as forças
da direita foram mais bem sucedidas. A rejeição ao PT
foi habilmente explorada pelos setores mais retrógrados da
política, contando com a ampla disseminação da
ideologia reacionária na sociedade nos últimos anos. A
direita tradicional aproveitou a rejeição ao PT para
construir o seu projeto e legitimar o seu discurso, coisa que a
esquerda não fez.
O que
importa neste ponto é reconhecer que a disputa
político-ideológica é um processo permanente e
dinâmico, para cujo entendimento as concepções
estáticas e formais não servem. Por exemplo, prender-se
ao resultado eleitoral de 2014 como prova do respaldo popular do
mandato de Dilma significa esquecer que a presidente recém-reeleita
voltou as costas ao seu eleitorado, antes mesmo de tomar posse para o
segundo mandato, ao compor um ministério arquirreacionário
(ou alguém reivindica Kátia Abreu, Cassab, Levy, etc.
como progressistas?) e ao adotar o programa derrotado nas urnas,
mergulhando o país na recessão, no desemprego e na
inflação. Não se trata aqui de um erro
qualquer, um problema de calibragem quantitativa da dose de concessão
à direita tradicional, mas um salto de qualidade na tentativa
do PT de cumprir o seu papel de administrador confiável do
capital em crise. O estelionato eleitoral praticado pelo próprio
PT foi o golpe final na sustentação de seu mandato. Se
novas eleições tivessem acontecido em 2015, não
seria apenas a direita e a burguesia que votaria contra o PT, mas a
maioria dos trabalhadores.
O
sentimento de traição do eleitorado petista foi
detectado pelos conspiradores, que se sentiram fortalecidos para a
iniciativa do impeachment. A sustentação de um projeto
político não se constrói apenas com a votação
numa eleição, mas com um trabalho permanente de
organização e propaganda. A oposição
burguesa somente deu os passos que deu porque percebeu que o PT
estava enfraquecido. Se o PT não fez seu trabalho de
organização e propaganda, a burguesia o faz
permanentemente. Do lado da classe dominante, esse trabalho é
facilitado pela própria dinâmica da reprodução
social capitalista, que aliena e atomiza a classe trabalhadora no
cotidiano, ao mesmo tempo em que fortalece e legitima as instituições
do Estado burguês como superestrutura político-ideológica.
O PT
abandonou a luta de classes (ao abrir mão de organizar os
trabalhadores para lutar contra a dinâmica alienante do
capitalismo), a oposição burguesa não. A classe
burguesa atuou ao seu modo: criou novas organizações,
financiou ONGs e “think tanks”, explorou as plataformas virtuais
de comunicação, desenvolveu um trabalho de propaganda e
agitação, preparou-se para a ação direta,
criou grupos proto-fascistas, forjou figuras públicas, etc.
Nem o PT fez o necessário para enfrentar esse rearmamento da
burguesia, nem a esquerda o fez, o que é muito mais grave.
A luta
de classes continua sendo o que sempre foi, e as instituições
do Estado burguês também, isso não deveria
surpreender ninguém. Alguém realmente achava que
deputados eleitos com dinheiro de bancos, empreiteiras, latifúndio,
etc., pudessem votar senão segundo as intenções
de seus patrões? Alguém realmente achava que os juízes
do STF aplicam uma interpretação técnica e
neutra da lei ao invés de serem partidários? Alguém
realmente acreditava que a mídia empresarial iria tratar
igualmente os casos de corrupção e denunciar todos,
independentemente de qual partido?
É
preciso ter em mente que na luta de classes a burguesia não
segue as próprias regras que estabelece para o restante da
sociedade. Recordar essas lições fundamentais é
necessário para não se surpreender com o fato de que o
parlamento burguês é composto por deputados e senadores
reacionários; o judiciário burguês, em todas as
suas instâncias, é composto por capangas da burguesia; a
mídia burguesa só veicula o que é de interesse
da sua classe social (veja-se por exemplo o estrondoso silêncio
em relação à massiva e heroica luta dos
trabalhadores e da juventude na França contra o projeto de lei
que quer rebaixar seus direitos trabalhistas); enfim, de que o Estado
burguês é burguês. As ilusões de que as
instituições do Estado burguês podem de alguma
forma favorecer os trabalhadores não são um escudo
eficiente para a luta de classes. Somente um enfrentamento pesado
contra a patronal pode impedir os retrocessos que estão na
agenda.
Desgraça
pouca é bobagem
Por
último, mas não menos importante, é preciso
assinalar que essa ofensiva reacionária no Brasil não é
uma exclusividade nacional, nem produto aleatório da simples
maldade de um grupo de conspiradores maquiavélicos. Isso é
produto de uma grave crise econômica que se instalou no país,
pelo menos desde fins de 2014. A economia brasileira está
despencando, com a queda do consumo, dos salários, do emprego,
da produção, e a alta da inflação. O
“ajuste” neoliberal de Joaquim Levy mergulhou o país na
recessão, e mais “austeridade” está projetada na
gestão Meirelles. No capitalismo a atividade econômica
só é retomada se houver garantia de lucro para a
burguesia, o que significa que enquanto não forem feitos os
“ajustes” necessários os capitalistas não vão
investir e contratar.
Os
“ajustes” são sempre medidas para baratear o custo da mão
de obra, reduzindo salários diretos e indiretos, retirando
direitos trabalhistas, prolongando a jornada de trabalho,
precarizando os contratos, terceirizando, impondo a negociação
sobre a legislação, saqueando os fundos públicos
que deveriam sustentar a previdência e os serviços de
saúde, educação, transporte, moradia, etc., para
desviá-los para a ajuda às empresas. Fala-se em
“austeridade”, mas nunca se toca no maior de todos os gastos do
Estado, a dívida pública, que consome praticamente
metade do orçamento da União, cerca de R$ 1 trilhão
por ano. Essa dívida é uma fraude, nós
trabalhadores nunca pegamos esse dinheiro emprestado, a sua origem
está nos empréstimos da época da ditadura
(portanto contraídos por governos ilegais), e por mais que se
pague uma montanha de dinheiro por ano, a dívida não
para de aumentar (inclusive nos governos do PT) devido à forma
como foram negociados os seus contratos.
O
governo do PT caiu não porque se opusesse aos “ajustes”
que a burguesia considera necessários para reativar a
economia, mas porque não tinha força suficiente para
impô-los. A imposição de tais políticas de
“austeridade” é o programa único de todo e qualquer
governo, pois é uma condição “sine qua non”
para a retomada da lucratividade do capital em escala global, depois
da crise mundial de 2008-2009, não importando qual seja o grau
de sofrimento a ser imposto às populações
trabalhadoras do mundo inteiro. As aposentadorias, a saúde
pública, a educação, etc., tudo tem que ser
sacrificado para a sobrevivência do capital. Desemprego,
miséria, fome, é o que aguardam os trabalhadores caso
não consigam resistir.
Tais
políticas estão sendo seguidas por todas as variedades
de governos, desde os tidos como “de esquerda”, como o PT no
Brasil, o Syriza na Grécia, o PS na França, ou de
direita, como Macri na Argentina. Qualquer que seja o discurso que
usem nas campanhas, os candidatos eleitos têm que fazer
exatamente o oposto do que prometeram, assim que tomam posse, como
Dilma no Brasil e Tsipras na Grécia. Os “mercados”
selecionam os candidatos e seus programas de governo, antes dos
eleitores cada vez menos esperançosos depositarem (ou
digitarem) seus votos nas urnas. Quando o estelionato eleitoral não
cola, como no caso de Dilma, recorre-se ao impeachment ou se impõe
o que o “mercado” deseja por decreto, como no caso do projeto de
destruição da lei trabalhista francesa pelo “Partido
Socialista”.
Não
há mais capitalismo sem “austeridade”. Não há
mais Estado de bem-estar social possível, nem na Europa (que o
digam a Grécia e a França) nem muito menos no Brasil,
na era do capitalismo mundializado e suas crises recorrentes. A
próxima crise mundial se aproxima, e o Brasil é só
o primeiro país a entrar nela. Podemos ser também os
primeiros a encontrar uma saída dos trabalhadores, se a
esquerda souber combinar uma visão tática e
estratégica.
*Declaração
de Rui Falcão, presidente do PT: “Se alguém do PMDB
quiser participar conosco e não tenha apoiado o impeachment,
priorize programas sociais e combata a corrupção, não
vejo problema nenhum” -
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-05/pt-nao-ira-apoiar-candidatos-que-defendem-impeachment-diz-rui-falcao
. Há PTs e PMDBs ao gosto do freguês, o “golpe” é
apenas um detalhe. Ou como dizia Henri Ford, você pode comprar
um carro da cor que quiser, desde que seja preto.
**Quando estávamos
finalizando este texto tomamos conhecimento de que setores dos
movimentos sociais controlados pelo PT estão chamando um “dia
nacional de luta” e a CUT está falando em greve geral para
reforçar o “Fora Temer”. Isso precisaria ser discutido num
artigo em separado, mas a nosso ver não modifica a
caracterização fundamental de que o PT não vai
organizar a luta. Teremos no Brasil o mesmo cenário que já
ocorre na Europa, em que as burocracias sindicais chamam greves
gerais de 24hs para marcar posição e “saudar a
bandeira”, mas não desencadeiam processos de luta de fato
capazes de barrar as políticas de “austeridade”. Deve se
repetir o mesmo no Brasil, com o PT buscando apenas se credenciar
como alternativa eleitoral, mas sem permitir que a base da classe
trabalhadora tome as lutas em suas mãos e que as demandas
próprias da classe se manifestem. A burocracia sindical tem
mais medo de ser atropelada pela base das categorias do que de
permitir que a classe seja derrotada pela patronal e o Estado. Mas
essa deve ser exatamente a aposta da esquerda, que as lutas da classe
transbordem do controle e das intenções da burocracia
petista. A desenvolver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário