O
movimento “Escola sem partido” é mais uma frente de ataque
da burguesia contra os trabalhadores, dedicado a perseguir
professores e profissionais da educação que tenham uma
atuação minimamente progressista, cerceando a liberdade
de cátedra e retirando o caráter laico da educação
pública, para impor valores ultraconservadores e retrógrados,
baseados numa visão de mundo religiosa. O “movimento”
busca aprovar leis que impeçam os professores de controlar o
conteúdo de suas aulas, e enquanto tais leis não
existem, ele usa brechas na legislação existente para
perseguir professores que tentem exercer a liberdade de cátedra.
Logo de
saída, quando se observa o “projeto” mais de perto, algo
cheira muito mal: não é uma iniciativa de profissionais
da educação, professores, pedagogos, etc., pessoas
envolvidas no ensino e no dia a dia das salas de aula e na realidade
das escolas em geral. Nem partiu de cientistas, acadêmicos,
pesquisadores, etc., pessoas envolvidas na produção e
difusão do conhecimento. Pelo contrário, o “projeto”
é uma iniciativa de políticos e religiosos
oportunistas, que querem evitar qualquer tipo de discussão
crítica da sociedade nas escolas. Em resumo, eles não
querem uma escola “sem partido”, eles querem que o partido deles
possa mandar e desmandar sem ser questionado. Querem uma escola de
partido único.
Esse
“movimento” está baseado numa série de mitos sobre
os problemas da educação brasileira, que é
preciso desmistificar e combater.
1. O
verdadeiro problema da educação é a falta de
financiamento e baixos salários, devido ao desvio de verbas
públicas para os lucros privados.
Primeiro,
o mito de que o problema da educação é a
“doutrinação ideológica”. Como se os
professores estivessem organizados para “manipular” as mentes
frágeis de crianças e adolescentes, usando de sua
autoridade e influência para difundir determinado projeto de
sociedade, que é oposto ao dos defensores do movimento. Na
verdade, o maior problema da educação brasileira é
a falta de investimento dos governos federais, estaduais e
municipais. Devido à prioridade do orçamento público,
que é cevar os agiotas da especulação financeira
(quase metade do orçamento é desviado para pagar uma
dívida pública fraudulenta, chegando a quase R$ 1
trilhão por ano), não sobra quase nada dos impostos que
nós pagamos (e que a burguesia não paga) para que o
Estado possa investir nos serviços que realmente interessam à
população, como a educação, a saúde,
os transportes, moradia, saneamento básico, etc. No momento
atual de crise econômica no país (parte de uma crise
estrutural do capital em nível mundial), a linha dos governos
tem sido de cortar ainda mais o investimento em serviços
públicos para conseguir mais verbas para salvar os negócios
capitalistas.
Nesse
contexto, as escolas brasileiras, que já são precárias,
não possuem estrutura, equipamento, bibliotecas, laboratóros,
etc., tendem a piorar ainda mais. Os salários dos professores
são de fome, o piso nacional da categoria é letra morta
e não é cumprido (e ainda que fosse, é
muitíssimo insuficiente), as condições de
trabalho são as piores possíveis, com superlotação
das salas, sobrecarga de serviços burocráticos, falta
de tempo para preparação de aulas, formação
e reciclagem, etc. Os professores consomem um tempo imenso em sala de
aula apenas para controlar a indisciplina e conseguir falar alguma
coisa. Fora da sala de aula, são obrigados a usar seu tempo
livre preparando aula, ou muito pior, em tarefas burocráticas
exigidas por gestões escolares autoritárias,
militarescas, medievais. A categoria é uma das que mais
adoecem no país e recentemente uma professora se suicidou em
Sergipe por ficar meses sem receber salário
(http://www.jornaldodiase.com.br/noticias_ler.php?id=20798).
Esse foi apenas o mais recente de vários casos que têm
acontecido no país. Os professores são uma das
categorias que mais adoecem no país em função da
precariedade das escolas, baixa remuneração, excesso de
serviço dentro e fora da sala de aula, etc.
Esse
estado geral de precariedade é na verdade verdadeiro grande
problema da educação no país. Qualquer movimento
que queira seriamente questionar a precariedade da educação
no Brasil precisa passar também por uma reorganização
da categoria dos professores. A organização sindical da
categoria é controlada nacionalmente pela CNTE, confederação
vinculada à CUT, uma instituição pelega,
pró-patronal e pró-capitalista, que não organiza
as lutas e não discute os problemas da educação
com a sociedade. Qualquer luta da categoria, como algumas fortes
greves estaduais que vimos nos últimos anos, tem que ser feita
também contra essa direção sindical e apesar
dela, por meio da mobilização de base. Então,
também é preciso afirmar que não existe qualquer
organização dos professores para “doutrinar” os
alunos, pois a categoria sequer consegue se organizar para lutar por
sua sobrevivência.
2. Não
existe “doutrinação” em escolas, e a verdadeira
produção e difusão da ciência e do
conhecimento é democrática por natureza
O
segundo mito é a própria ideia de “doutrinação
ideológica”, como se as salas de aula fossem um campo de
pregação e de proselitismo. Esse mito revela uma visão
extremamente tosca, primitiva, desinformada, do que é o
trabalho educacional, a produção e a difusão de
conhecimento científico. Só pode ser difundido por
pessoas que não tiveram qualquer tipo de formação
científica real e não entendem o mínimo sobre o
funcionamento do trabalho intelectual. A doutrinação
era uma prática de séculos atrás, quando as
escolas e universidades eram controladas pelas igrejas e instituições
religiosas, e transmitiam dogmas na forma de catecismo. Depois da
separação entre igreja e Estado, as escolas, como
instituições públicas, passaram a ter
compromisso com a difusão da ciência, que tem um
funcionamento completamente diferente da prática de
“doutrinação”. Ao contrário do mito da
“doutrinação”, a ciência não impõe,
mas dialoga, debate, experimenta, critica e constroi coletivamente.
O
conhecimento científico, em qualquer área, para
existir, precisa necessariamente do mais amplo debate e liberdade de
crítica entre pesquisadores e docentes. Seja nas ciências
naturais ou humanas, os trabalhos tem que ser exaustivamente
criticados e avaliados pelos especialistas em cada campo, para serem
validados. É assim que o conhecimento humano avança,
por acumulação, experimentação e crítica.
Da mesma forma, a transmissão de conhecimento, por meio da
educação, precisa transmitir o espírito de
debate livre inerente ao trabalho intelectual, para que os alunos
possam se familiarizar com a diversidade de teorias, concepções,
métodos e abordagens do conhecimento.
Mais do
que isso, na sua dimensão de formação humana, a
educação precisa formar indivíduos capazes de
conviver numa sociedade que já é em si diversa. Uma das
fórmulas com a qual o “Escola sem partido” trabalha (tenta
transformar em artigo de lei) diz que os alunos não podem ser
expostos a conteúdos que contrariem a sua visão de
mundo e/ou de suas famílias. Se esse princípio for
colocado em prática, ele não estará garantindo
um direito, mas ao contrário, retirando o direito das crianças
e adolescentes de conhecer concepções de mundo diversas
e aprender a conviver com elas. Sem isso, ao invés de formar
pessoas capazes de conviver em sociedade e tolerar ideias e modos de
vida diferentes dos seus, a educação estará
sendo conivente com a formação de fanáticos,
pessoas que não sabem conviver com a contrariedade senão
por meio da violência, do ódio, do silenciamento. Em
resumo, sob o aspecto minimamente democrático, o cerceamento
da liberdade de debate intelectual na educação é
um retrocesso em direção a condições
medievais.
Além
disso, não é papel das escolas se submeterem às
crenças particulares de igrejas e famílias, que no
âmbito privado, continuam tendo a liberdade de difundir suas
ideias. Aqui se trata justamente de garantir a separação
entre público e privado, entre Estado e igreja. O Estado não
pode ter compromisso com nenhuma crença particular, e sim
garantir a liberdade de todas elas. Essa é a essência do
princípio de laicidade, que está seno atacado. Além
disso, mesmo do ponto de vista de uma sociedade capitalista, o estado
deveria ter compromisso com a difusão da ciência, como
pré requisito para a competição econômica.
A menos que se esteja abrindo mão disso completamente.
3. Não
existe “neutralidade” do conhecimento
Mas
talvez o mito mais nefasto difundido por esse movimento é a
ideia de “neutralidade” do conhecimento, como se qualquer teoria
científica ou concepção pudesse estar
desvinculada de um projeto de sociedade. Mesmo nas ciências
naturais, faz muita diferença determinar se a pesquisa deve
ser direcionada para a cura de doenças ou para a produção
de medicamentos para os sintomas, que vão deixar as pessoas na
dependência da indústria farmacêutica por uma vida
inteira. Em qualquer área das ciências, é preciso
discutir o que vai ser pesquisado e como vai ser usado esse
conhecimento, em proveito de quem. No caso das ciências
humanas, é preciso reconhecer a existência da divisão
da sociedade em classes sociais, pois do contrário qualquer
tese ou concepção vai se colocar a serviço de
alguma classe sem assumir que o faz.
A
divisão da sociedade em classes não se refere à
existência de “ricos” e “pobres” e de uma “classe
média” que está no meio do caminho, classificados por
níveis de renda. A divisão da sociedade se refere à
relação que cada segmento mantém com a
propriedade dos meios de produção.
As
classes fundamentais são os proprietários de meios de
produção e circulação (fábricas,
fazendas, bancos, comércio), que exploram os não
proprietários, os trabalhadores, obrigados a vender sua força
de trabalho para sobreviver. A exploração não é
um ato de “maldade” do explorador, mas decorre do fato de que o
valor do salário que o trabalhador recebe em troca do seu
trabalho é sempre menor do que o valor que o seu trabalho gera
para o empregador. Essa diferença é a fonte do lucro da
classe proprietária. Não existe portanto, a rigor,
salário justo, e a luta dos trabalhadores deve ser não
apenas para que recebam maiores salários, mas pelo fim do
trabalho assalariado, de modo que aqueles que produzem a riqueza
possam se apropriar dela, e determinar coletivamente o que deve ser
produzido, como, em que quantidade, qualidade, etc.
Os
trabalhadores e os proprietários possuem portanto projetos de
sociedade diferentes e radicalmente opostos. De um lado, uns querem
acabar com a exploração, e de outro, precisam mantê-la.
Qualquer teria da sociedade que não reconheça esse fato
básico estará encobrindo a existência da
exploração e ajudando a perpetuá-la. Mesmo a
defesa da “democracia”, da igualdade de direitos e da tolerância
na sociedade é vazia, se não estiver baseada no
reconhecimento de que a igualdade formal é insuficiente, e a
verdadeira igualdade só é possível por meio do
fim da exploração. É por isso que o verdadeiro
alvo do “escola sem partido” é o conhecimento da história,
que revela que a origem da riqueza dos “ricos” é a
expropriação, o roubo e a exploração dos
trabalhadores, e o estudo da sociologia e da filosofia, que fornecem
as ferramentas para ajudar a que se possa acabar de vez com a
exploração.
Contra o
“Escola sem partido” e qualquer retrocesso!
O
conhecimento da exploração, da divisão de
classes e dos projetos de sociedade diferentes é hoje
extremamente minoritário. Os profissionais da ciência e
da educação que possuem esse conhecimento estão
isolados, perseguidos e censurados, sem condições de
debater e de ensinar, e muito menos de “doutrinar” ninguém
(todo conhecimento, é sempre bom repetir, se reproduz por
debate e não por “doutrinação”). Na verdade
trata-se de mais um mito, pois os educadores críticos que
ainda sobrevivem nas escolas são uma minoria (a grande maioria
dos professores está tão esmagada pela sobrecarga de
serviço e pela luta para sobreviver que rebaixou o nível
do seu ensino e não representa nenhum “perigo”, não
contribui para desenvolver uma visão crítica). É
essa minoria que está sob ataque do “Escola sem partido”,
que quer acabar de exterminá-los. São os últimos
remanescentes da defesa da educação, da ciência e
de um pensamento minimamente crítico.
Quem
pratica a “doutrinação”, na verdade, são os
defensores do “escola sem partido”, com seus mitos sobre a
educação, sua visão retrógrada da
sociedade e sua defesa da exploração. Para finalizar,
uma amostra do caráter nefasto desse movimento é a sua
luta contra o que eles chamam de “ideologia de gênero”
(expressão que não tem o menor sentido), ou seja, a
reação conservadora contra as lutas das mulheres e
LGBTs.
Pautado
por doutrinas religiosas (ou seja, aceitas por fé e não
por debate), o movimento quer impedir que se discuta educação
sexual nas escolas, dominação patriarcal e opressão
histórica sobre as mulheres, isso num país com números
alarmantes de feminicídio, violência de todos os tipos
contra as mulheres, estupros e abusos sexuais, mortes e sequelas por
aborto sem assistência do sistema de saúde (que está
proibido por lei de fazê-lo), além de mortes, violência
e discriminação contra LGBTs. A falta de educação,
de tolerância e de debate já está custando vidas
e sofrimento. Não podemos permitir nenhum retrocesso!
- Pelo
não pagamento da dívida pública e uso desse
dinheiro para financiar os serviços que interessam à
população, como a educação!
- Por
melhores salários e condições de trabalho para
professores e profissionais da educação!
- Pela
liberdade de cátedra e de debate de qualquer questão
social em sala de aula!
- Por um
estado laico, contra a interferência religiosa na educação
e em qualquer instituição pública!
- Contra
a violência e a discriminação, todo apoio à
luta das mulheres e LGBTs!
- Contra
o “escola sem partido”!
- Por
uma educação pública, gratuita e de qualidade em
todos os níveis, acessível a todos e baseada nos
interesses da população trabalhadora!
- Por
uma sociedade sem exploração e sem opressão!
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