O
afastamento do PT da presidência ilustrou de maneira amarga
para os seus partidários a diferença entre exercer o
governo e estar no poder. Na sociedade capitalista, quem está
no poder é sempre o capital. Para conseguir estar no governo,
os partidos precisam se comprometer com a garantia dos interesses do
capital: bancos, agronegócio, indústrias, empreiteiras,
etc. Não há outra forma de ocupar o governo, não
existe “governo de esquerda”. O PT no governo cumpriu à
risca as exigências do capital nos seus vários mandatos
presidenciais, e também estaduais, municipais, parlamentares,
etc. Na luta de classes, não existe meio termo: ou se está
a favor do capital ou do trabalho.
Estar a
favor do trabalho não pode significar outra coisa que não
seja organizar os trabalhadores por meio de greves, ocupações,
manifestações, ações coletivas,
movimentos sociais, culturais, etc., na perspectiva maior de ruptura
do captalismo e construção do socialismo. A ocupação
de cargos parlamentares ou executivos tem que ser apenas um recurso
secundário para ajudar a implementar as medidas impulsionadas
fundamentalmente e prioritariamente pela ação do
movimento e organismos da classse. A ação coletiva
organizada é o que decide a luta, não há outra
saída. O PT fez o oposto disso, transformou os organismos da
classe em aparatos a serviço da acomodação
social de seus dirigentes (deixaram de ser trabalhadores, viraram
“sindicalistas” ou líderes profissionais de movimentos,
ONGs, etc.) e da sua perpetuação eleitoral no governo,
ao invés de organismos de luta pelo poder social. Optou por
governar para o capital, ao invés de enfrentar o poder do
capital com a força do trabalho organizado. Quando o PT opta
por administrar para o capital, ele se torna um instrumento da
dominação capitalista contra os trabalhadores.
O
descalabro ideológico sob os governos petistas
As
melhorias sociais pontuais que os partidários do PT defendem
fervorosamente como se tivessem sido mudanças
“revolucionárias” não passam de migalhas em
comparação com a gigantesca fatia do orçamento
público (quase 50% da arrecadação federal)
destinada a cevar os especuladores por meio do mecanismo espúrio
da dívida pública. Não houve nenhuma mudança
estrutural no Brasil nos anos de governo do PT, nenhuma ruptura com o
imperialismo e o capital, apenas uma gestão oportunista
baseada na alta temporária do preço das matérias
primas brasileiras no mercado mundial, embalada pelo marketing
demagógico de favorecimento dos pobres. E tais melhorias foram
todas revertidas quando a crise econômica generalizada se
abateu sobre o país trazendo desemprego, precarização,
arrocho salarial, inflação, endividamento,
empobrecimento.
Neste
momento de agudização da crise o projeto petista
mostrou que tinha pés de barro. Para a maioria da opinião
pública, os problemas sociais e econômicos são
uma questão de “gestão” mais ou menos competente (e
não de limites estruturais do sistema do capital), e o PT não
fez nada para mudar essa visão (pois para isso teria que
organizar a classe contra o capital), pelo contrário, ele a
aprofundou. O PT já abriu mão da combatividade há
décadas, pois essa foi a condição para chegar ao
governo. O modo petista de gestão substituiu a confiança
na ação coletiva pela crença no mérito
individual (Lula é o melhor exemplo, o migrante nordestino
pobre que “chegou lá” e virou presidente). Afinal, não
pode haver ação coletiva real quando as migalhas devem
aparecer no marketing como dádivas do governo. Para o PT nunca
se tratou de ideologia (visão de mundo de uma classe social),
mas de marketing, de discurso. A ausência de base material para
esse marketing veio à tona quando a crise reduziu a pó
as “melhorias” dos governos petistas.
O
feitiço da ideologia da gestão se voltou contra o
feiticeiro. O resultado é que eleitores do PT que adquiriram
suas casas no “Minha Casa Minha Vida”, matricularam seus filhos
na faculdade (fábricas de diploma, na verdade) com o PROUNI,
compraram carros e eletrodomésticos com IPI reduzido, fizeram
compras e viagens com o crédito fácil dos bancos, etc.,
interpretaram essas conquistas como fruto do seu “mérito
pessoal”, não como resultado da “competência” do
governo. Quando a crise chegou, esses mesmos eleitores passaram a
culpar o governo do PT por não conseguir pagar as prestações.
Quando não há mais “conquistas individuais”
possíveis (o limite do cartão estourou), a única
coisa que resta é o ressentimento. Na ressaca do consumismo e
da farra do endividamento, vicejou a praga do ódio de classe
contra os mais pobres e os demagogos e corruptos do PT nas
manifestações verde e amarelas.
Dessa
forma, foram as políticas desenvolvidas nos mandatos do
próprio PT que pavimentaram o caminho para o que os petistas
chamam de “golpe” (para entender porque usamos a palavra “golpe”
entre aspas, ver nossos textos anteriores sobre o assunto, como
http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/04/o-pt-e-o-castelo-de-cartas-da.html).
A cidadania do crédito, a meritocracia, a teologia da
prosperidade, o conservadorismo, são produtos ideológicos
dos anos de governo do PT. Foi com base nesse tipo de pensamento que
se elegeu a bancada parlamentar que afastou o PT do governo. A
bancada da bala (“bandido bom é bandido morto”), do boi
(de Kátia Abreu, ministra e miga da Dilma) e da bíblia
cresceu e se multiplicou como uma erva daninha à sombra da
negligência do PT em relação à disputa
ideológica (ou de sua adesão à ideologia
burguesa). A única forma de enfrentar a crise e promover
mudanças sociais reais seria por meio da organização
dos trabalhadores para a luta, a qual, repetiremos pela enésima
vez, o PT descartou.
Na falta
de greve geral, memes
Muitos
partidários de última ou de primeira hora do PT podem
até concordar com algumas das críticas acima, ou quase
todas elas, mas ainda assim seguem defendendo o partido diante de
algo ainda pior, como se esse “algo pior” tivesse brotado do
nada, como um raio em céu azul. Denunciam as feições
anti operárias, anti populares, anti democráticas do
governo Temer, como se isso automaticamente absolvesse o PT de seus
erros. O fato de que o governo Temer, o Congresso, o judiciário,
a mídia, etc., estejam promovendo uma ofensiva reacionária
no país não transforma o PT, por um passe de mágica,
numa alternativa contra essa ofensiva. Não há como
apagar da história três mandatos e meio de favorecimento
do capital pelo PT, com o rastro pavoroso de desagregação
social e ideológica que expusemos no ponto anterior.
Por
outro lado, para quem está interessado na luta de classes como
ela deve ser feita, denunciar o transformismo do PT, a sua mutação
em instrumento de dominação dos trabalhadores, é
apenas uma parte da tarefa (discutiremos o que mais deve ser feito no
ponto seguinte). E mesmo essa tarefa não será nada
fácil, já que, como vimos, o PT aderiu e reproduziu o
senso comum de que os problemas do país são uma questão
de gestão. Dessa forma, bastaria votar nos melhores gestores
(ou nos menos piores, subentendendo-se que são os candidatos
do PT) para que tudo se resolva.
Esse
senso comum está sendo requentado subliminarmente hoje nas
entrelinhas do movimento pelo “Fora Temer”. Para as últimas
gerações formadas sob a hegemonia petista, participar
de manifestações no fim de semana ou fora do horário
comercial, ou mudar a foto de perfil do Facebook, é tudo o que
se pode fazer para “lutar” contra o “golpe”. Como “não
há alternativa”, engrossar o “Fora Temer” e votar nos
candidatos do PT é a única forma de combater a ofensiva
reacionária. Não se percebe que quem criou esse estado
de coisas foi o próprio PT, quando usurpou e esterilizou as
mediações organizativas da classe (sindicatos e
movimentos sociais).
A imensa
insatisfação da população com o
recém-inaugurado governo Temer (uma versão do governo
Dilma sem maquiagem) não encontra canais para se organizar, já
que a população perdeu o hábito de se reunir, se
organizar, debater política, participar de assembleias, lutas
sociais etc. Sob controle do PT, a CUT, a UNE (feudo dos aliados do
PCdoB) e o MST deixaram de ser espaços de organização
da luta, para se tornar aparatos profissionais para seus dirigentes e
trampolins para cargos eleitorais. Sem organizações de
luta com presença cotidiana, a população não
encontra outra forma de agir a não ser, no máximo,
participar de atos de rua (possíveis depois das Jornadas de
Junho de 2013). Por isso, mesmo os setores mais conscientes da
população, que desaprovam em vários aspectos os
governos Dilma e Lula e não são petistas, se limitam a
apoiar o PT para combater a ofensiva reacionária. Essa é
a única opção que aparece como “realista”
para pessoas com uma sensibilidade “de esquerda”, mas sem
vivência militante. Essas pessoas fazem campanha no seu
facebook e vão no “Fora Temer” aos domingos, mas não
fazem greve no seu local de trabalho.
Não
existe atalho na luta de classes: o caso do “Fora Todos”
Ninguém
faz greve sozinho, pois a greve precisa de organização
coletiva, papel que os sindicatos, sob direção petista,
não estão cumprindo. A outra parte da tarefa a que nos
referimos no ponto anterior, que realmente pode vir a fazer
diferença, é superar esse vazio organizativo e
reconstruir as formas de organização, referências
e programa que possam substituir o PT e seus aparatos nos movimentos
sociais. É preciso fazer muito trabalho de base, muita
reunião, muita conversa, muito debate, muita propaganda
(divulgação e explicação teórica),
e também aglutinar todas as forças dispostas a retomar
esse trabalho. De nada adianta tentar se auto iludir, como faz o PSTU
e outros setores do trotskismo morenista (MNN, MRS) com a ideia de
que a queda de Dilma é resultado direto da insatisfação
dos trabalhadores. Como se o “Fora Dilma” e o “Fora Temer”
fossem expressões idênticas e intercambiáveis de
uma mesma e generalizada “insatisfação” da
população com “os políticos”. Como se fossem
partes indiferenciadas de um mesmo movimento homogêneo pelo
“Fora Todos”, separados um do outro apenas por um certo intervalo
de tempo.
A
insatisfação da população, do tipo que se
mede em pesquisas de opinião, não se transforma
automaticamente em força social e política, à
disposição dos revolucionários que querem
derrubar “todos”. Sem as mediações organizativas
adequadas, a insatisfação pode ser direcionada para
qualquer lado, inclusive para a ultra direita, que não é
idiota e está lutando por esse espaço. Desconsiderar a
necessidade de mediações organizativas desde os locais
de trabalho, moradia e estudo é um vício característico
do trotskismo morenista, que imagina que pode substituir a
organização do conjunto da classe pela atuação
decidida de seus militantes. Um caminho que só pode resultar
em derrota e frustração. Não é à
toa que o PSTU experimentou a perda de quase metade de seus
militantes recentemente (os que saíram fundaram uma
organização chamada MAIS), e a sua colateral sindical,
a CSP-Conlutas, jamais conseguiu se firmar como alternativa de
organização (nada menos do que o MTST, hoje um dos mais
atuantes movimentos sociais do país, já fez parte da
Conlutas, tendo saído poucos anos após a pateticamente
fracassada tentativa de unificação com a
Intersindical-Central em 2010). Quem não quiser perder o bonde
da história tem que sair dessa órbita do PSTU/Conlutas
o quanto antes.
Não
vai ter luta, se depender do PT
A
“terceira via” que o PSTU esperava construir em alternativa à
polarizaçao PT x PMDB/PSDB não passou de micro
manifestações de vanguarda, já que estava
baseada na abstração do “Fora Todos” e não
na concretude dos enfrentamentos que precisavam ser unificados. Quem
nadou de braçada no repúdio ao “golpe” e agora no
“Fora Temer” é o próprio PT, novamente. Os seus
partidários, marketeiros e alquimistas midiáticos se
beneficiam largamente do fenômeno especificamente pós
moderno do esvaziamento da memória histórica e
conseguem reapresentar, subliminarmente o mesmo PT, que é co
responsável pela ofensiva reacionária, como alternativa
a ela. É o que transparece no ciclo de manifestações
que se desenvolveu desde a “condução coercitiva” de
Lula em fevereiro até o “Fora Temer” em setembro, passando
pelo impeachment provisório e definitivo. Esse ciclo reuniu um
setor considerável da população preocupado com a
ofensiva reacionária, bem como intelectuais e artistas. A
princípio, essas manifestações tinham uma
composição social (nível de renda, faixa etária
e escolaridade) muito semelhante às verde e amarelas pelo
impeachment (coxinhas), talvez um pouco mais jovens e proletarizadas
(mas só um pouco).
Essas
características mais classistas dos atos se acentuaram
levemente aos poucos, conforme o movimento migrou do repúdio
ao “golpe” para o “Fora Temer”, mas ainda assim sem mudar de
qualidade a sua composição social. Seguem sendo
formadas majoritariamente por assalariados de alta renda,
universitários, profissionais liberais, ativistas sociais e
culturais de vanguarda. O que todos os analistas são
praticamente unânimes em afirmar é que o grosso da
classe trabalhadora não se moveu ainda, nem a favor nem contra
o impeachment, e ainda não contra Temer. A classe trabalhadora
somente se move por questões concretas, não por
ideologia política, a não ser em situações
muito excepcionais. Conforme o governo Temer começa a mostrar
a que veio (ou seja, terminar o serviço que o PT começou),
a inquietação e a mobilização começam
a crescer também entre os trabalhadores. Mas ainda sem
constituir um verdadeiro processo de luta capaz de enfrentar o
governo. O maior risco é justamente de que esse movimento seja
cooptado pelos interesses meramente eleitorais do PT.
Sob a
direção do PT e seus aparatos, essas manifestações
não terão condições de se transformar num
processo real de luta capaz de enfrentar o governo Temer e a ofensiva
reacionária. O PT se limita a fazer uma oposição
“bem comportada”, para se colocar como alternativa viável
nas eleições municipais deste ano e nas eleições
gerais de 2018. O PT conta com o desgaste e a impopularidade que
Temer vai acumular com as medidas de “ajuste” destinadas a
reativar a lucratividade do capital que opera no país. Dessa
forma, o partido espera retomar o governo, e não enfrentar o
poder do capital, nos termos em que os definimos no início do
texto. Os organismos de luta da classe (CUT, UNE, MST), ainda sob
controle petista, não serão usados para mobilizar de
fato os trabalhadores e enfrentar o “ajuste”. As campanhas
salariais não serão unificadas numa greve geral, não
haverá ocupações, bloqueio de avenidas, etc.
A arte
de tapar o sol com a peneira
Com uma
política diametralmente oposta à do PSTU, os setores
que estão construindo o Bloco de Esquerda Socialista (BES
daqui em diante, composto pelo PCB, várias correntes do PSOL e
grupos independentes, com configurações diferentes
conforme a região do país) tiveram a iniciativa de
tentar disputar as manifestações de repúdio ao
“golpe” e agora o “Fora Temer”. Estiveram presentes mesmo nas
manifestações que foram convocadas pelo PT, como parte
da “Frente Povo Sem Medo” liderada pelo MTST (o qual,
lamentavelmente, tem capitulado mais abertamente ao PT).
Infelizmente,
o BES coloca como centro de seu programa a mesma palavra de ordem do
PT, ou seja, o “Fora Temer”, acompanhada de complementos como
“eleições gerais”, “assembleia constituinte”,
“greve geral”. Com isso, a iniciativa de participar das
manifestações quase se esvazia de utilidade. É
preciso sair dessa mesmice. A esquerda precisa superar o politicismo,
presente tanto no “Fora Todos” do PSTU e morenistas quanto no
“Fora Temer” do BES (que reúne organizações
de diferentes tradições, desde o stalinismo reciclado
do PCB a outras variedades do trotskismo no PSOL e independentes).
O que
chamamos de politicismo é a fixação com a
superestrutura do Estado, que se manifesta como obsessão
eleitoral mais ou menos disfarçada. O politicismo leva
praticamente todas as organizações da esquerda a
desconsiderar a organização real da classe para a luta,
a única coisa que pode fazer diferença na luta contra o
capital. E também as leva a imaginar que pode substitur a
organização da classe pela atuação
decidida de seus militantes, que com a palavra de ordem correta,
supostamente poderiam levar os trabalhadores do nível zero de
organização em que se encontram diretamente para a luta
pelo poder. Além desse problema de desconsiderar a mobilização
e organização real da classe, o politicismo deseduca os
trabalhadores por um outro ângulo, ao deslocar a expectativa da
resolução dos problemas para a troca de governantes. Ao
invés de greve geral pelas demandas dos trabalhadores contra
os ataques do capital, “Fora Temer” e “vote em mim” nas
eleições.
Esse
politicismo produz uma lógica que imagina possível
poder “consertar” os problemas e lacunas da realidade por meio de
palavras de ordem “classistas” e “revolucionárias” de
manual, pré-fabricadas. Tomemos por exemplo o caso da defesa
de “Fora Temer, eleições gerais”. Quando alguém
pergunta sobre o risco de que as eleições gerais, caso
fossem antecipadas e realizadas neste momento, trouxessem de volta os
mesmos políticos burgueses do PT, PMDB, PSDB, etc., o autor da
palavra de ordem dirá que defende eleições
gerais “com regras realmente democráticas”, ou seja, sem
financiamento privado de campanha, com tempos iguais para todos os
partidos, etc. No caso de “Fora Temer, assembleia constituinte”,
alguém poderá perguntar sobre o risco de se elegerem
deputados constituintes tão ou mais reacionários quanto
os do atual Congresso, mas o autor dirá que defende uma
constituinte “imposta pela luta e mobilização”.
Assim,
tudo se resolve adicionando uma frase “classista” e
“revolucionária”. Não é qualquer eleição
geral ou assembleia constituinte, é aquela que é
“imposta pela luta”. É essa que o esquerdista/politicista
defende. Com isso, a palavra de ordem está perfeita e
irretocável. Com a exceção de que não
existe nesse momento mobilização e luta capazes de
impor assembleia constituinte ou eleições realmente
democráticas! É exatamente essa mobilização
que se precisa construir! Seria muito fácil se se pudesse
resolver a disputa de poder com a palavra de ordem mais
“revolucionária”. Bastaria olhar no menu e adicionar ao
meu “Fora Temer” um molho de soviets, uma pitada de milícias
operárias, ao gosto do freguês...
A
análise concreta da situação concreta
Imaginemos
o grau de mobilização que seria necessário para
impor “regras realmente democráticas” para uma eleição
ou uma “assembleia constituinte soberana” que traga avanços
sociais ou no mínimo impeça retrocessos. Teríamos
que ter milhões de pessoas nas ruas, bloqueios de estradas e
avenidas, ocupação de prédios públicos,
greves massivas de importantes categorias paralisando setores
fundamentais da economia, uma greve geral ou todos esses processos
combinados. E teríamos que ter isso durante semanas, meses,
enfrentando a repressão pesada da polícia, forças
armadas, jagunços, etc., bem como o bombardeio cerrado e
unânime da mídia contra os “vândalos”,
“terroristas”, “oportunistas”, “demagogos”, “vagabundos”,
etc.
Pois
bem, se esse processo de mobilização massiva fosse
construído, não seria imediatamente por bandeiras
políticas! Não seria por
eleições-realmente-democráticas ou por uma
abstração como a “assembleia constituinte soberana”.
Seria por emprego, salários, condições de
trabalho, serviços públicos, etc. Essas seriam as
pautas realmente capazes de mobilizar a classe trabalhadora, que na
sua maioria esteve ausente do processo político mais recente
(a disputa superestrutural PT x PMDB/PSDB foi acompanhada pelos
trabalhadores “de longe”, não os levou a se mobilizar).
Portanto, essas devem ser as bandeiras que devem estar no centro da
atividade agitativa das forças da esquerda. Além de
serem as mais efetivamente capazes de mobilizar os trabalhadores,
elas colocam a classe como protagonista. A palavra de ordem do “Fora
Temer, eleições gerais” coloca o foco no Estado e
apresenta a eleição de um novo governante como solução
para os problemas. Essa palavra de ordem rebaixa a consciência
dos trabalhadores ao nível de um eleitorado passivo, ao invés
de desenvolver o seu protagonismo como classe organizada.
Os
trabalhadores tem que ser educados a lutar por suas demandas
concretas, não para eleger um novo governante. A importância
do programa contendo demandas concretas aparece quando se considera,
por exemplo, o programa de uma das figuras públicas da
esquerda, a candidata do PSOL à prefeitura de Porto Alegre (e
ex-candidata presidencial do partido) Luciana Genro. Segundo ela, a
terceirização e a privatização são
métodos aceitáveis de gestão. Tudo em nome da
responsabilidade fiscal (ver o twitter da candidata:
https://twitter.com/lucianagenro/status/774069612015083520?ref_src=twsrc%5Etfw
). Os trabalhadores têm que ser levados a se mobilizar por um
programa, um projeto, um conjunto de ideias, não por uma
pessoa. E da mesma forma, têm que ser educados a lutar contra a
austeridade sob todas as suas formas, seja com Dilma, Temer, Aécio,
Marina ou agora Luciana Genro.
Além
disso, nenhuma palavra de ordem é eterna. Num segundo momento,
quando os trabalhadores estiverem realmente mobilizados, em moldes
semelhantes ao que descrevemos no primeiro parágrafo deste
ponto (se chegarmos lá, não sabemos como, mas torcemos
e trabalhamos para isso), aí sim será possível
defender palavras de ordem políticas, como “Fora Temer” e
outras. Não é “pecado” reconhecer que neste atual
momento as lutas serão defensivas, voltadas para tentar barrar
os ataques da patronal (reforma da previdência,
“flexibilização” das leis trabalhistas,
terceirização, reforma do ensino médio, etc.).
Já será uma grande vitória se conseguirmos
barrar esses ataques. Deixar de propor soluções para o
nível da gestão do Estado (troca do governante) não
significa “rebaixar-se ao nível da consciência” da
classe. Pelo contrário, concentrar as forças dos
trabalhadores na esperança de que um novo governante possa
resolver os problemas é que rebaixa a consciência da
classe.
Para
além do politicismo
A
disputa de poder na sociedade não se resolve com artimanhas
politicistas. Um programa verdadeiramente revolucionário não
é o que sai pronto da cabeça dos militantes, mas o que
é construído de acordo com o nível de
enfrentamento real dos trabalhadores contra o capital. Se não
há organismos e mediações da classe capazes de
efetuar a tomada do poder, então não é correto
colocar no centro do programa a disputa do poder. Não é
correto defender o “Fora Temer” sem ter uma alternativa de poder
dos trabalhadores para colocar no lugar. É possível
dizer que defendemos um “poder socialista dos trabalhadores baseado
em suas organizações de luta”. E acrescentar medidas
como mandatos revogáveis, remuneração igual à
de um trabalhador, etc. Isso serve como propaganda, como defesa
teórica de um projeto, tarefa educativa, mas não como
eixo de agitação para ser realizado imediatamente. As
palavras de ordem tem que partir do que a classe é capaz de
fazer. No momento atual, as lutas são defensivas, contra as
demissões, contra a inflação, contra a retirada
de direitos, contra a reforma da previdência, contra o
pagamento da dívida pública, em defesa dos serviços
públicos, contra as privatizações, etc.
Portanto,
é preciso partir dessas lutas, dessas necessidades concretas:
fora austeridade, nenhum direito a menos! Essa formulação
mais concreta tem a vantagem de evitar um problema que a classe não
é capaz de resolver no momento, a questão do poder.
Insistir no “Fora Temer” significa ser forçado a responder
à questão de quem deve ser colocado no lugar. Lula?
Ciro Gomes? Luciana Genro? E ser forçado a responder a essa
questão significa manter o foco na superestrutura, no Estado,
no poder político. Como se os problemas da sociedade fossem de
gestão, ou de competência do gestor. Não são.
A crise do capitalismo precisa ser enfrentada pela ação
coletiva, consciente e organizada da classe.
O
elemento da consciência tem que aparecer por meio de um
programa. Não é por meio de pessoas, candidatos,
governantes (Lula? Ciro Gomes? Luciana Genro?) que a classe
resolverá seus problemas, mas por meio de um projeto de
sociedade. Temos que educar os trabalhadores a discutir projetos,
ideias, não pessoas, gestores, “salvadores da pátria”,
como fez o PT. Não é a partir de cima, do Estado, que
se resolvem os problemas, mas de baixo, do solo da reprodução
social, dos locais de trabalho e dos microcosmos da vida social. Por
isso, é preciso reforçar o elemento de participação
e protagonismo do coletivo: construir a greve geral!
O papel
da esquerda anticapitalista deveria ser o de intervir nas
manifestações do “Fora Temer” para denunciar o PT
como co responsável pela ofensiva reacionária, como
entrave burocrático para o desenvolvimento das lutas e como
expressão de oportunismo eleitoral. Além da denúncia,
seria preciso apresentar propostas de luta que batam de frente contra
o ajuste de Temer, contra a reforma da previdência, contra o
ataque à legislação trabalhista, contra os
cortes de gastos sociais, etc. E a participação nas
manifestações deveria ser uma parte de uma política
mais geral, onde o esforço principal seria o de construir
fóruns de organização de base, plenárias,
reuniões, etc., que coloquem no centro da discussão as
demandas concretas dos trabalhadores.
Em
resumo, defendemos que a esquerda priorize a construção
de organismos de base para as lutas concretas, e secundariamente
participe das manifestações do “Fora Temer”, mas
com identidade própria, política própria,
palavra de ordem própria, faixas, cartazes, etc. próprios,
panfletos próprios. A esquerda precisa estar nos atos
convocados pelo PT para dialogar com as pessoas que não vêem
outra alternativa neste momento a não ser apoiar o PT. Mas a
esquerda tem que estar presente, sem aderir à palavra de ordem
do PT, denunciando o PT, chamando a organização de
base, apontando as necessidades concretas da classe e apontando os
meios concretos de resolvê-las: Fora austeridade, nenhum
direito a menos! Construir a greve geral! (é um exemplo de
palavra de ordem possível que viemos trabalhando no texto, não
é mandamento sagrado e revelado). E defendemos que, muito mais
do que ir a manifestações, é preciso organizar a
classe a partir da base para lutar por essas demandas concretas e com
esses métodos.
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