27.9.16

Fora austeridade, nenhum direito a menos, construir a greve geral




O afastamento do PT da presidência ilustrou de maneira amarga para os seus partidários a diferença entre exercer o governo e estar no poder. Na sociedade capitalista, quem está no poder é sempre o capital. Para conseguir estar no governo, os partidos precisam se comprometer com a garantia dos interesses do capital: bancos, agronegócio, indústrias, empreiteiras, etc. Não há outra forma de ocupar o governo, não existe “governo de esquerda”. O PT no governo cumpriu à risca as exigências do capital nos seus vários mandatos presidenciais, e também estaduais, municipais, parlamentares, etc. Na luta de classes, não existe meio termo: ou se está a favor do capital ou do trabalho.
Estar a favor do trabalho não pode significar outra coisa que não seja organizar os trabalhadores por meio de greves, ocupações, manifestações, ações coletivas, movimentos sociais, culturais, etc., na perspectiva maior de ruptura do captalismo e construção do socialismo. A ocupação de cargos parlamentares ou executivos tem que ser apenas um recurso secundário para ajudar a implementar as medidas impulsionadas fundamentalmente e prioritariamente pela ação do movimento e organismos da classse. A ação coletiva organizada é o que decide a luta, não há outra saída. O PT fez o oposto disso, transformou os organismos da classe em aparatos a serviço da acomodação social de seus dirigentes (deixaram de ser trabalhadores, viraram “sindicalistas” ou líderes profissionais de movimentos, ONGs, etc.) e da sua perpetuação eleitoral no governo, ao invés de organismos de luta pelo poder social. Optou por governar para o capital, ao invés de enfrentar o poder do capital com a força do trabalho organizado. Quando o PT opta por administrar para o capital, ele se torna um instrumento da dominação capitalista contra os trabalhadores.

O descalabro ideológico sob os governos petistas
As melhorias sociais pontuais que os partidários do PT defendem fervorosamente como se tivessem sido mudanças “revolucionárias” não passam de migalhas em comparação com a gigantesca fatia do orçamento público (quase 50% da arrecadação federal) destinada a cevar os especuladores por meio do mecanismo espúrio da dívida pública. Não houve nenhuma mudança estrutural no Brasil nos anos de governo do PT, nenhuma ruptura com o imperialismo e o capital, apenas uma gestão oportunista baseada na alta temporária do preço das matérias primas brasileiras no mercado mundial, embalada pelo marketing demagógico de favorecimento dos pobres. E tais melhorias foram todas revertidas quando a crise econômica generalizada se abateu sobre o país trazendo desemprego, precarização, arrocho salarial, inflação, endividamento, empobrecimento.
Neste momento de agudização da crise o projeto petista mostrou que tinha pés de barro. Para a maioria da opinião pública, os problemas sociais e econômicos são uma questão de “gestão” mais ou menos competente (e não de limites estruturais do sistema do capital), e o PT não fez nada para mudar essa visão (pois para isso teria que organizar a classe contra o capital), pelo contrário, ele a aprofundou. O PT já abriu mão da combatividade há décadas, pois essa foi a condição para chegar ao governo. O modo petista de gestão substituiu a confiança na ação coletiva pela crença no mérito individual (Lula é o melhor exemplo, o migrante nordestino pobre que “chegou lá” e virou presidente). Afinal, não pode haver ação coletiva real quando as migalhas devem aparecer no marketing como dádivas do governo. Para o PT nunca se tratou de ideologia (visão de mundo de uma classe social), mas de marketing, de discurso. A ausência de base material para esse marketing veio à tona quando a crise reduziu a pó as “melhorias” dos governos petistas.
O feitiço da ideologia da gestão se voltou contra o feiticeiro. O resultado é que eleitores do PT que adquiriram suas casas no “Minha Casa Minha Vida”, matricularam seus filhos na faculdade (fábricas de diploma, na verdade) com o PROUNI, compraram carros e eletrodomésticos com IPI reduzido, fizeram compras e viagens com o crédito fácil dos bancos, etc., interpretaram essas conquistas como fruto do seu “mérito pessoal”, não como resultado da “competência” do governo. Quando a crise chegou, esses mesmos eleitores passaram a culpar o governo do PT por não conseguir pagar as prestações. Quando não há mais “conquistas individuais” possíveis (o limite do cartão estourou), a única coisa que resta é o ressentimento. Na ressaca do consumismo e da farra do endividamento, vicejou a praga do ódio de classe contra os mais pobres e os demagogos e corruptos do PT nas manifestações verde e amarelas.
Dessa forma, foram as políticas desenvolvidas nos mandatos do próprio PT que pavimentaram o caminho para o que os petistas chamam de “golpe” (para entender porque usamos a palavra “golpe” entre aspas, ver nossos textos anteriores sobre o assunto, como http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/04/o-pt-e-o-castelo-de-cartas-da.html). A cidadania do crédito, a meritocracia, a teologia da prosperidade, o conservadorismo, são produtos ideológicos dos anos de governo do PT. Foi com base nesse tipo de pensamento que se elegeu a bancada parlamentar que afastou o PT do governo. A bancada da bala (“bandido bom é bandido morto”), do boi (de Kátia Abreu, ministra e miga da Dilma) e da bíblia cresceu e se multiplicou como uma erva daninha à sombra da negligência do PT em relação à disputa ideológica (ou de sua adesão à ideologia burguesa). A única forma de enfrentar a crise e promover mudanças sociais reais seria por meio da organização dos trabalhadores para a luta, a qual, repetiremos pela enésima vez, o PT descartou.

Na falta de greve geral, memes
Muitos partidários de última ou de primeira hora do PT podem até concordar com algumas das críticas acima, ou quase todas elas, mas ainda assim seguem defendendo o partido diante de algo ainda pior, como se esse “algo pior” tivesse brotado do nada, como um raio em céu azul. Denunciam as feições anti operárias, anti populares, anti democráticas do governo Temer, como se isso automaticamente absolvesse o PT de seus erros. O fato de que o governo Temer, o Congresso, o judiciário, a mídia, etc., estejam promovendo uma ofensiva reacionária no país não transforma o PT, por um passe de mágica, numa alternativa contra essa ofensiva. Não há como apagar da história três mandatos e meio de favorecimento do capital pelo PT, com o rastro pavoroso de desagregação social e ideológica que expusemos no ponto anterior.
Por outro lado, para quem está interessado na luta de classes como ela deve ser feita, denunciar o transformismo do PT, a sua mutação em instrumento de dominação dos trabalhadores, é apenas uma parte da tarefa (discutiremos o que mais deve ser feito no ponto seguinte). E mesmo essa tarefa não será nada fácil, já que, como vimos, o PT aderiu e reproduziu o senso comum de que os problemas do país são uma questão de gestão. Dessa forma, bastaria votar nos melhores gestores (ou nos menos piores, subentendendo-se que são os candidatos do PT) para que tudo se resolva.
Esse senso comum está sendo requentado subliminarmente hoje nas entrelinhas do movimento pelo “Fora Temer”. Para as últimas gerações formadas sob a hegemonia petista, participar de manifestações no fim de semana ou fora do horário comercial, ou mudar a foto de perfil do Facebook, é tudo o que se pode fazer para “lutar” contra o “golpe”. Como “não há alternativa”, engrossar o “Fora Temer” e votar nos candidatos do PT é a única forma de combater a ofensiva reacionária. Não se percebe que quem criou esse estado de coisas foi o próprio PT, quando usurpou e esterilizou as mediações organizativas da classe (sindicatos e movimentos sociais).
A imensa insatisfação da população com o recém-inaugurado governo Temer (uma versão do governo Dilma sem maquiagem) não encontra canais para se organizar, já que a população perdeu o hábito de se reunir, se organizar, debater política, participar de assembleias, lutas sociais etc. Sob controle do PT, a CUT, a UNE (feudo dos aliados do PCdoB) e o MST deixaram de ser espaços de organização da luta, para se tornar aparatos profissionais para seus dirigentes e trampolins para cargos eleitorais. Sem organizações de luta com presença cotidiana, a população não encontra outra forma de agir a não ser, no máximo, participar de atos de rua (possíveis depois das Jornadas de Junho de 2013). Por isso, mesmo os setores mais conscientes da população, que desaprovam em vários aspectos os governos Dilma e Lula e não são petistas, se limitam a apoiar o PT para combater a ofensiva reacionária. Essa é a única opção que aparece como “realista” para pessoas com uma sensibilidade “de esquerda”, mas sem vivência militante. Essas pessoas fazem campanha no seu facebook e vão no “Fora Temer” aos domingos, mas não fazem greve no seu local de trabalho.

Não existe atalho na luta de classes: o caso do “Fora Todos”
Ninguém faz greve sozinho, pois a greve precisa de organização coletiva, papel que os sindicatos, sob direção petista, não estão cumprindo. A outra parte da tarefa a que nos referimos no ponto anterior, que realmente pode vir a fazer diferença, é superar esse vazio organizativo e reconstruir as formas de organização, referências e programa que possam substituir o PT e seus aparatos nos movimentos sociais. É preciso fazer muito trabalho de base, muita reunião, muita conversa, muito debate, muita propaganda (divulgação e explicação teórica), e também aglutinar todas as forças dispostas a retomar esse trabalho. De nada adianta tentar se auto iludir, como faz o PSTU e outros setores do trotskismo morenista (MNN, MRS) com a ideia de que a queda de Dilma é resultado direto da insatisfação dos trabalhadores. Como se o “Fora Dilma” e o “Fora Temer” fossem expressões idênticas e intercambiáveis de uma mesma e generalizada “insatisfação” da população com “os políticos”. Como se fossem partes indiferenciadas de um mesmo movimento homogêneo pelo “Fora Todos”, separados um do outro apenas por um certo intervalo de tempo.
A insatisfação da população, do tipo que se mede em pesquisas de opinião, não se transforma automaticamente em força social e política, à disposição dos revolucionários que querem derrubar “todos”. Sem as mediações organizativas adequadas, a insatisfação pode ser direcionada para qualquer lado, inclusive para a ultra direita, que não é idiota e está lutando por esse espaço. Desconsiderar a necessidade de mediações organizativas desde os locais de trabalho, moradia e estudo é um vício característico do trotskismo morenista, que imagina que pode substituir a organização do conjunto da classe pela atuação decidida de seus militantes. Um caminho que só pode resultar em derrota e frustração. Não é à toa que o PSTU experimentou a perda de quase metade de seus militantes recentemente (os que saíram fundaram uma organização chamada MAIS), e a sua colateral sindical, a CSP-Conlutas, jamais conseguiu se firmar como alternativa de organização (nada menos do que o MTST, hoje um dos mais atuantes movimentos sociais do país, já fez parte da Conlutas, tendo saído poucos anos após a pateticamente fracassada tentativa de unificação com a Intersindical-Central em 2010). Quem não quiser perder o bonde da história tem que sair dessa órbita do PSTU/Conlutas o quanto antes.

Não vai ter luta, se depender do PT
A “terceira via” que o PSTU esperava construir em alternativa à polarizaçao PT x PMDB/PSDB não passou de micro manifestações de vanguarda, já que estava baseada na abstração do “Fora Todos” e não na concretude dos enfrentamentos que precisavam ser unificados. Quem nadou de braçada no repúdio ao “golpe” e agora no “Fora Temer” é o próprio PT, novamente. Os seus partidários, marketeiros e alquimistas midiáticos se beneficiam largamente do fenômeno especificamente pós moderno do esvaziamento da memória histórica e conseguem reapresentar, subliminarmente o mesmo PT, que é co responsável pela ofensiva reacionária, como alternativa a ela. É o que transparece no ciclo de manifestações que se desenvolveu desde a “condução coercitiva” de Lula em fevereiro até o “Fora Temer” em setembro, passando pelo impeachment provisório e definitivo. Esse ciclo reuniu um setor considerável da população preocupado com a ofensiva reacionária, bem como intelectuais e artistas. A princípio, essas manifestações tinham uma composição social (nível de renda, faixa etária e escolaridade) muito semelhante às verde e amarelas pelo impeachment (coxinhas), talvez um pouco mais jovens e proletarizadas (mas só um pouco).
Essas características mais classistas dos atos se acentuaram levemente aos poucos, conforme o movimento migrou do repúdio ao “golpe” para o “Fora Temer”, mas ainda assim sem mudar de qualidade a sua composição social. Seguem sendo formadas majoritariamente por assalariados de alta renda, universitários, profissionais liberais, ativistas sociais e culturais de vanguarda. O que todos os analistas são praticamente unânimes em afirmar é que o grosso da classe trabalhadora não se moveu ainda, nem a favor nem contra o impeachment, e ainda não contra Temer. A classe trabalhadora somente se move por questões concretas, não por ideologia política, a não ser em situações muito excepcionais. Conforme o governo Temer começa a mostrar a que veio (ou seja, terminar o serviço que o PT começou), a inquietação e a mobilização começam a crescer também entre os trabalhadores. Mas ainda sem constituir um verdadeiro processo de luta capaz de enfrentar o governo. O maior risco é justamente de que esse movimento seja cooptado pelos interesses meramente eleitorais do PT.
Sob a direção do PT e seus aparatos, essas manifestações não terão condições de se transformar num processo real de luta capaz de enfrentar o governo Temer e a ofensiva reacionária. O PT se limita a fazer uma oposição “bem comportada”, para se colocar como alternativa viável nas eleições municipais deste ano e nas eleições gerais de 2018. O PT conta com o desgaste e a impopularidade que Temer vai acumular com as medidas de “ajuste” destinadas a reativar a lucratividade do capital que opera no país. Dessa forma, o partido espera retomar o governo, e não enfrentar o poder do capital, nos termos em que os definimos no início do texto. Os organismos de luta da classe (CUT, UNE, MST), ainda sob controle petista, não serão usados para mobilizar de fato os trabalhadores e enfrentar o “ajuste”. As campanhas salariais não serão unificadas numa greve geral, não haverá ocupações, bloqueio de avenidas, etc.

A arte de tapar o sol com a peneira
Com uma política diametralmente oposta à do PSTU, os setores que estão construindo o Bloco de Esquerda Socialista (BES daqui em diante, composto pelo PCB, várias correntes do PSOL e grupos independentes, com configurações diferentes conforme a região do país) tiveram a iniciativa de tentar disputar as manifestações de repúdio ao “golpe” e agora o “Fora Temer”. Estiveram presentes mesmo nas manifestações que foram convocadas pelo PT, como parte da “Frente Povo Sem Medo” liderada pelo MTST (o qual, lamentavelmente, tem capitulado mais abertamente ao PT).
Infelizmente, o BES coloca como centro de seu programa a mesma palavra de ordem do PT, ou seja, o “Fora Temer”, acompanhada de complementos como “eleições gerais”, “assembleia constituinte”, “greve geral”. Com isso, a iniciativa de participar das manifestações quase se esvazia de utilidade. É preciso sair dessa mesmice. A esquerda precisa superar o politicismo, presente tanto no “Fora Todos” do PSTU e morenistas quanto no “Fora Temer” do BES (que reúne organizações de diferentes tradições, desde o stalinismo reciclado do PCB a outras variedades do trotskismo no PSOL e independentes).
O que chamamos de politicismo é a fixação com a superestrutura do Estado, que se manifesta como obsessão eleitoral mais ou menos disfarçada. O politicismo leva praticamente todas as organizações da esquerda a desconsiderar a organização real da classe para a luta, a única coisa que pode fazer diferença na luta contra o capital. E também as leva a imaginar que pode substitur a organização da classe pela atuação decidida de seus militantes, que com a palavra de ordem correta, supostamente poderiam levar os trabalhadores do nível zero de organização em que se encontram diretamente para a luta pelo poder. Além desse problema de desconsiderar a mobilização e organização real da classe, o politicismo deseduca os trabalhadores por um outro ângulo, ao deslocar a expectativa da resolução dos problemas para a troca de governantes. Ao invés de greve geral pelas demandas dos trabalhadores contra os ataques do capital, “Fora Temer” e “vote em mim” nas eleições.
Esse politicismo produz uma lógica que imagina possível poder “consertar” os problemas e lacunas da realidade por meio de palavras de ordem “classistas” e “revolucionárias” de manual, pré-fabricadas. Tomemos por exemplo o caso da defesa de “Fora Temer, eleições gerais”. Quando alguém pergunta sobre o risco de que as eleições gerais, caso fossem antecipadas e realizadas neste momento, trouxessem de volta os mesmos políticos burgueses do PT, PMDB, PSDB, etc., o autor da palavra de ordem dirá que defende eleições gerais “com regras realmente democráticas”, ou seja, sem financiamento privado de campanha, com tempos iguais para todos os partidos, etc. No caso de “Fora Temer, assembleia constituinte”, alguém poderá perguntar sobre o risco de se elegerem deputados constituintes tão ou mais reacionários quanto os do atual Congresso, mas o autor dirá que defende uma constituinte “imposta pela luta e mobilização”.
Assim, tudo se resolve adicionando uma frase “classista” e “revolucionária”. Não é qualquer eleição geral ou assembleia constituinte, é aquela que é “imposta pela luta”. É essa que o esquerdista/politicista defende. Com isso, a palavra de ordem está perfeita e irretocável. Com a exceção de que não existe nesse momento mobilização e luta capazes de impor assembleia constituinte ou eleições realmente democráticas! É exatamente essa mobilização que se precisa construir! Seria muito fácil se se pudesse resolver a disputa de poder com a palavra de ordem mais “revolucionária”. Bastaria olhar no menu e adicionar ao meu “Fora Temer” um molho de soviets, uma pitada de milícias operárias, ao gosto do freguês...

A análise concreta da situação concreta
Imaginemos o grau de mobilização que seria necessário para impor “regras realmente democráticas” para uma eleição ou uma “assembleia constituinte soberana” que traga avanços sociais ou no mínimo impeça retrocessos. Teríamos que ter milhões de pessoas nas ruas, bloqueios de estradas e avenidas, ocupação de prédios públicos, greves massivas de importantes categorias paralisando setores fundamentais da economia, uma greve geral ou todos esses processos combinados. E teríamos que ter isso durante semanas, meses, enfrentando a repressão pesada da polícia, forças armadas, jagunços, etc., bem como o bombardeio cerrado e unânime da mídia contra os “vândalos”, “terroristas”, “oportunistas”, “demagogos”, “vagabundos”, etc.
Pois bem, se esse processo de mobilização massiva fosse construído, não seria imediatamente por bandeiras políticas! Não seria por eleições-realmente-democráticas ou por uma abstração como a “assembleia constituinte soberana”. Seria por emprego, salários, condições de trabalho, serviços públicos, etc. Essas seriam as pautas realmente capazes de mobilizar a classe trabalhadora, que na sua maioria esteve ausente do processo político mais recente (a disputa superestrutural PT x PMDB/PSDB foi acompanhada pelos trabalhadores “de longe”, não os levou a se mobilizar). Portanto, essas devem ser as bandeiras que devem estar no centro da atividade agitativa das forças da esquerda. Além de serem as mais efetivamente capazes de mobilizar os trabalhadores, elas colocam a classe como protagonista. A palavra de ordem do “Fora Temer, eleições gerais” coloca o foco no Estado e apresenta a eleição de um novo governante como solução para os problemas. Essa palavra de ordem rebaixa a consciência dos trabalhadores ao nível de um eleitorado passivo, ao invés de desenvolver o seu protagonismo como classe organizada.
Os trabalhadores tem que ser educados a lutar por suas demandas concretas, não para eleger um novo governante. A importância do programa contendo demandas concretas aparece quando se considera, por exemplo, o programa de uma das figuras públicas da esquerda, a candidata do PSOL à prefeitura de Porto Alegre (e ex-candidata presidencial do partido) Luciana Genro. Segundo ela, a terceirização e a privatização são métodos aceitáveis de gestão. Tudo em nome da responsabilidade fiscal (ver o twitter da candidata: https://twitter.com/lucianagenro/status/774069612015083520?ref_src=twsrc%5Etfw ). Os trabalhadores têm que ser levados a se mobilizar por um programa, um projeto, um conjunto de ideias, não por uma pessoa. E da mesma forma, têm que ser educados a lutar contra a austeridade sob todas as suas formas, seja com Dilma, Temer, Aécio, Marina ou agora Luciana Genro.
Além disso, nenhuma palavra de ordem é eterna. Num segundo momento, quando os trabalhadores estiverem realmente mobilizados, em moldes semelhantes ao que descrevemos no primeiro parágrafo deste ponto (se chegarmos lá, não sabemos como, mas torcemos e trabalhamos para isso), aí sim será possível defender palavras de ordem políticas, como “Fora Temer” e outras. Não é “pecado” reconhecer que neste atual momento as lutas serão defensivas, voltadas para tentar barrar os ataques da patronal (reforma da previdência, “flexibilização” das leis trabalhistas, terceirização, reforma do ensino médio, etc.). Já será uma grande vitória se conseguirmos barrar esses ataques. Deixar de propor soluções para o nível da gestão do Estado (troca do governante) não significa “rebaixar-se ao nível da consciência” da classe. Pelo contrário, concentrar as forças dos trabalhadores na esperança de que um novo governante possa resolver os problemas é que rebaixa a consciência da classe.

Para além do politicismo
A disputa de poder na sociedade não se resolve com artimanhas politicistas. Um programa verdadeiramente revolucionário não é o que sai pronto da cabeça dos militantes, mas o que é construído de acordo com o nível de enfrentamento real dos trabalhadores contra o capital. Se não há organismos e mediações da classe capazes de efetuar a tomada do poder, então não é correto colocar no centro do programa a disputa do poder. Não é correto defender o “Fora Temer” sem ter uma alternativa de poder dos trabalhadores para colocar no lugar. É possível dizer que defendemos um “poder socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta”. E acrescentar medidas como mandatos revogáveis, remuneração igual à de um trabalhador, etc. Isso serve como propaganda, como defesa teórica de um projeto, tarefa educativa, mas não como eixo de agitação para ser realizado imediatamente. As palavras de ordem tem que partir do que a classe é capaz de fazer. No momento atual, as lutas são defensivas, contra as demissões, contra a inflação, contra a retirada de direitos, contra a reforma da previdência, contra o pagamento da dívida pública, em defesa dos serviços públicos, contra as privatizações, etc.
Portanto, é preciso partir dessas lutas, dessas necessidades concretas: fora austeridade, nenhum direito a menos! Essa formulação mais concreta tem a vantagem de evitar um problema que a classe não é capaz de resolver no momento, a questão do poder. Insistir no “Fora Temer” significa ser forçado a responder à questão de quem deve ser colocado no lugar. Lula? Ciro Gomes? Luciana Genro? E ser forçado a responder a essa questão significa manter o foco na superestrutura, no Estado, no poder político. Como se os problemas da sociedade fossem de gestão, ou de competência do gestor. Não são. A crise do capitalismo precisa ser enfrentada pela ação coletiva, consciente e organizada da classe.
O elemento da consciência tem que aparecer por meio de um programa. Não é por meio de pessoas, candidatos, governantes (Lula? Ciro Gomes? Luciana Genro?) que a classe resolverá seus problemas, mas por meio de um projeto de sociedade. Temos que educar os trabalhadores a discutir projetos, ideias, não pessoas, gestores, “salvadores da pátria”, como fez o PT. Não é a partir de cima, do Estado, que se resolvem os problemas, mas de baixo, do solo da reprodução social, dos locais de trabalho e dos microcosmos da vida social. Por isso, é preciso reforçar o elemento de participação e protagonismo do coletivo: construir a greve geral!
O papel da esquerda anticapitalista deveria ser o de intervir nas manifestações do “Fora Temer” para denunciar o PT como co responsável pela ofensiva reacionária, como entrave burocrático para o desenvolvimento das lutas e como expressão de oportunismo eleitoral. Além da denúncia, seria preciso apresentar propostas de luta que batam de frente contra o ajuste de Temer, contra a reforma da previdência, contra o ataque à legislação trabalhista, contra os cortes de gastos sociais, etc. E a participação nas manifestações deveria ser uma parte de uma política mais geral, onde o esforço principal seria o de construir fóruns de organização de base, plenárias, reuniões, etc., que coloquem no centro da discussão as demandas concretas dos trabalhadores.
Em resumo, defendemos que a esquerda priorize a construção de organismos de base para as lutas concretas, e secundariamente participe das manifestações do “Fora Temer”, mas com identidade própria, política própria, palavra de ordem própria, faixas, cartazes, etc. próprios, panfletos próprios. A esquerda precisa estar nos atos convocados pelo PT para dialogar com as pessoas que não vêem outra alternativa neste momento a não ser apoiar o PT. Mas a esquerda tem que estar presente, sem aderir à palavra de ordem do PT, denunciando o PT, chamando a organização de base, apontando as necessidades concretas da classe e apontando os meios concretos de resolvê-las: Fora austeridade, nenhum direito a menos! Construir a greve geral! (é um exemplo de palavra de ordem possível que viemos trabalhando no texto, não é mandamento sagrado e revelado). E defendemos que, muito mais do que ir a manifestações, é preciso organizar a classe a partir da base para lutar por essas demandas concretas e com esses métodos.





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