27.9.16

A revolução não será curtida: o be a bá da greve geral




O justo repúdio de imensas camadas da população ao governo Temer (mais de 80% de desaprovação nas pesquisas) tem servido ao PT e aos aparatos sob seu controle direto nos movimentos sociais como CUT, UNE (feudo dos aliados do PCdoB) e MST (e outros sob controle indireto como MTST) para convocar seguidas manifestações pelo “Fora Temer”, contando com uma importante adesão popular e mesmo espontânea. Em textos anteriores já tivemos ocasião de expor o quanto o governo Temer tem de continuidade em relação ao próprio PT e o quanto é impróprio chamar o atual processo em curso de “golpe”, bem como os limites da palavra de ordem do “Fora Temer”, portanto não nos estenderemos aqui sobre isso (remetemos o leitor interessado ao texto seguinte: http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/06/agora-e-golpe-ou-luta-de-classes-como.html).
O que buscaremos aqui é assinalar um outro limite do movimento “Fora Temer”, não derivado do oportunismo e dos interesses meramente eleitorais do PT, mas das insuficiências dos seus aderentes não assumidamente petistas. Desde o início das manifestações contra o “golpe” em 2015 e ao longo de 2016 uma ampla camada da população tem aderido aos atos convocados pelo PT, não por serem petistas ou endossarem os governos Lula e Dilma em 100%, mas por preocupação com a ofensiva reacionária. Uma espécie de “neo ativismo” foi habilmente cultivado pelos marketeiros petistas em redes sociais da internet, uma subesfera da opinião pública em que a polarização “petralhas x coxinhas” assumiu colorações de ódio futebolístico. Esse neo ativismo é composto por pessoas que compartilham postagens contra o “golpe” e pelo “Fora Temer”, e até vão às manifestações aos domingos ou fora de horário comercial. Mas essas pessoas não fazem greve no seu local de trabalho.

Pra que time você torce?
É curioso que nem sequer se perceba a incoerência gritante dessas duas posturas contraditórias (manifestar-se contra um suposto “golpe de estado” mas ser incapaz de fazer sequer uma greve no seu local de trabalho). Nos interrogaremos mais sobre essa contradição logo adiante. Antes queremos ressaltar que a incoerência é a marca distintiva da pós modernidade. A fugacidade, o imediatismo e a superficialidade são outras características dominantes no senso comum em vigor. Memes aleatórios viralizam nas redes sociais e logo depois caem na obscuridade do esquecimento sem terem alterado nada na realidade. Frases, posturas e gestos vão e vêm como estilos de moda ou sucessos das bandas mais populares. Nessa mesma toada, de repente, devido ao perfil extraordinariamente odioso do governo Temer, o “Fora Temer” viralizou. Os neo ativistas experimentam o glamour de participar do seu próprio movimento “Diretas Já” em pleno 2016. Chiquérrimo! A luta de classes entrou na moda? Ou foi a história que virou fetiche?
Tirem suas próprias conclusões. Aqui, mais uma vez, alertamos para o fato de que não vamos nos estender sobre as diferenças entre o momento atual e a ditadura de 1964-1985 (sobre isso, ver o mesmo texto citado acima). Queremos apenas enfatizar a nossa posição de que não se pode terceirizar a luta política, ou experimentar o ativismo por procuração, a manifestação como ato de torcer para um time. A luta de classes real ainda é feita por pessoas de carne e osso, que se colocam contra o capital e paralizam a produção e circulação de mercadorias, a reprodução ampliada do valor. Portanto, de nada adianta compartilhar postagens contra o “golpe” e pelo “Fora Temer”, e ir em manifestações aos domingos ou fora de horário comercial, mas não fazer greve no seu local de trabalho. É bastante peculiar e característico do momento histórico atual a necessidade de ter que dar essa triste notícia aos amigos do “team PT”: memes não vão derrubar Temer.
Para quem tentar defender o neo ativismo virtual ressaltando a importância de disputar as redes sociais e essas novas formas de comunicação, etc., adianto que nosso objetivo aqui não é reciclar o clichê do “real x virtual”, “material x imaterial”, etc. Estamos entre aqueles que, estando participando de alguma modalidade de militância “material” e de “carne e osso”, somos os mais entusiastas defensores do uso de redes sociais da internet, panfletagem virtual, memes, virais, etc., como recurso de disputa. Não se trata portanto de uma negação jurássica do uso dessas ferramentas, mas de uma qualificação do seu uso. Meios de comunicação não podem substituir o conteúdo a ser comunicado. O conteúdo tem que ser alguma ação real, material, corpo a corpo. Essa é a única matéria capaz de dar alguma vida real e significado ao uso dessas ferramentas de comunicação.

Por quê não há greve geral?
Dito isso, voltemos ao problema que realmente nos preocupa, o comportamento de compartilhar postagens contra o “golpe” e pelo “Fora Temer”, e ir em manifestações aos domingos ou fora de horário comercial, mas não fazer greve no seu local de trabalho. O fato de que esse comportamento seja considerado aceitável ou normal é bastante significativo em termos do quanto se perderam os parâmetros básicos do que é a luta de classes. Vamos então passar ao be a bá da greve geral, para tentar colocar as coisas nos devidos lugares, com o máximo de didatismo possível.
A greve não se faz sozinho, não é um ato de opinião. É um ato coletivo de enfrentamento entre patrão e trabalhador. No Brasil o direito de greve está regulamentado em lei, e para cumprir o devido rito legal, os trabalhadores em greve devem estar representados por um sindicato devidamente legalizado, que deve apresentar uma pauta, notificar a patronal, realizar uma assembleia, etc., para só então entrar em greve. Pois bem, quem dirige a maior quantidade de sindicatos no Brasil e os sindicatos que representam as categorias mais importantes e estratégicas? A CUT, aparato controlado pelo PT. Segundo os seus próprios números, a CUT possui 3.438 entidades filiadas, com 7.464.846 sócios e 22.034.145 trabalhadores representados.
Então por quê os sindicatos controlados pela CUT não fazem uma greve geral para derrubar o governo Temer? Não é o mínimo que se pode esperar no enfrentamento de um governo “golpista”? Não se trata de uma “nova ditadura” contra a qual é preciso reivindicar “diretas já”? Como se derrota uma “ditadura golpista”? Será que uma greve das principais categorias profissionais não ajuda? Será que com todo esse aparato e toda essa base social a CUT não poderia iniciar uma greve geral para dar uma ajudinha ao PT? Para não ficar apenas no neo ativismo de redes sociais e passeatas aos domingos e fora do horário comercial? Será que a CUT não quer fazer uma greve geral? Ou não consegue fazer? Ou na verdade, as duas coisas?

O caso do sindicato dos bancários
Para responder a essas questões vamos passar em revista alguns exemplos do que é o sindicalismo da CUT. Vamos nos precisar nos estender um pouco neste e nos próximos pontos numa análise didática da situação em que se encontra o sindicalismo no Brasil, para ajudar a explicar a impotência da CUT e do PT em desencadear uma greve geral. Vamos tomar como estudo de caso uma das joias da coroa do sindicalismo brasileiro, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (SEEB-SP), um dos pilares da CUT, um dos mais poderosos do país em termos de número de filiados, arrecadação financeira, poder político, etc. Existem mais de 120 mil bancários na base representada por esse sindicato, dos quais aproximadamente a metade é associada. Vejamos um pouco mais de perto como funciona este sindicato, pois isso será útil para entender o que é o sindicalismo da CUT/PT e porque ele não irá convocar uma greve geral contra o governo “golpista”.
Para começar, além de ser um sindicato, o SEEB-SP se transformou numa espécie de conglomerado empresarial. Além da arrecadação das mensalidades dos sócios, o sindicato acabou ao longo dos anos desenvolvendo outras “fontes de renda”:
a) Bancoop, cooperativa habitacional, que arrecadou mensalidades de bancários cooperados, mas até hoje só construiu um conjunto de prédios. Milhares de bancários brigam na justiça por terem pago e não terem recebido seus prédios. O caso virou um escândalo policial há alguns anos (ver por exemplo http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/lava-jato-mira-vaccari-bancoop-e-oas).
b) Bancredi, cooperativa de crédito, que faz empréstimos para bancários endividados. Isso representa no mínimo um sério conflito de interesses, pois a função do sindicato de lutar por salários maiores para os trabalhadores entra em conflito com a função da cooperativa de oferecer empréstimos para bancários endividados.
c) Bangraf, gráfica dos bancários, com parque gráfico equivalente ao de um jornal de grande circulação, responsável pela impressão dos materiais do PT e da CUT do país inteiro, e de outras entidades e empresas que pagarem seus serviços.
d) Faculdade 28 de Agosto, criada depois do acúmulo de uma longa experiência em cursos de matemática financeira e afins (o que é de se estranhar deveras, já que caberia muito mais a um sindicato oferecer cursos sobre a história da luta e da organização dos trabalhadores do que colaborar na formação da mão de obra para o patrão).
e) “Fundação Sociedade Comunicação Cultura e Trabalho”, em conjunto com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, responsável pela TVT, Rede Brasil Atual e Revista do Brasil.
f) Projeto Travessia, ONG que atua no “mercado” da assistência social.

Representantes dos trabalhadores ou empresários?
Além de ter transformado o SEEB-SP num conglomerado empresarial, o grupo dirigente petista no sindicato também usou essa inserção para converter os seus integrantes e demais “companheiros” da CUT diretamente em empresários. Essa migração se deu por meio dos fundos de pensão dos funcionários das estatais, como Previ, Funcef, Petros, etc. Essas entidades recebem contribuições dos funcionários do Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobrás, etc. com o objetivo de complementar a aposentadoria desses trabalhadores, para que se retirem com o mesmo salário da ativa. Pois bem os fundos de pensão acumulam fortunas bilionárias, e se tornaram agentes fundamentais do mercado de capitais no Brasil. Usam os recursos acumulados nas contribuições para investir em ações. Na época das privatizações do governo FHC, os fundos de pensão foram usados para formar consórcios e adquirir ações de centenas de empresas, como Vale do Rio Doce, Embraer, o sistema Telebrás, etc.
A gestão dos fundos é composta por representantes indicados pelas empresas patrocinadoras (Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobrás, etc.) e também por representantes eleitos pelos funcionários. Como direção sindical nacional da categoria bancária, o grupo dirigente do SEEB-SP contou com o aparato nacional da CUT para fazer campanha e eleger seus integrantes como representantes dos funcionários do BB e da CEF nos fundos de pensão Previ e Funcef. Até recentemente, através dos representantes eleitos, os “sindicalistas” da CUT mandavam nos fundos de pensão das estatais, e através deles, tinham participação na gestão das empresas das quais os fundos são acionistas. Participavam dos conselhos de administração de dezenas de empresas os “sindicalistas” profissionais de confiança do grupo dirigentre do SEEB-SP.
Dessa forma, o grupo dirigente do PT e da CUT criou vínculos orgânicos com setores da burguesia brasileira. O PT controlava não apenas a gestão do Estado através do governo federal, mas também a gestão de importantes negócios através dos fundos de pensão. Esses “sindicalistas” não apenas deixaram de ser representantes dos trabalhadores para serem patrões, mas pensam e agem como patrões. Na crise de 2009, quando a Embraer demitiu cerca de 4.000 metalúrgicos, os representantes da Previ votaram a favor da demissão. Representantes dos trabalhadores no conselho de administração das empresas votando contra outros trabalhadores!

Como não fazer uma campanha salarial
O sindicalismo bancário foi a porta de entrada para a transformação dos burocratas da CUT/PT em empresários. Com todas essas atividades, a participação na gestão do capitalismo brasileiro e a administração do “conglomerado empresarial” de entidades anexas, a direção do SEEB-SP deixa muito em segundo plano a organização das campanhas salariais da categoria bancária. A maior parte da base representada (os mais de 80% que trabalham em bancos privados e sequer fazem greve sob ameaça de demissão) enxerga o sindicato mais como “clube de convênios” do que como organização de luta. Isso porque os cerca de 100 diretores sindicais liberados não percorrem os locais de trabalho, não fazem reuniões, não apoiam os trabalhadores nos seus enfrentamentos cotidianos, etc. Quando chega o momento da campanha sindical, o sindicato monta uma pesquisa no site com opções pré-selecionadas para definir os principais itens da pauta. Não há reuniões por local de trabalho, reuniões de representantes de base, plenárias por banco e/ou por região, assembleias preparatórias, paralisações parciais.
A pauta definida pelo sindicato não contempla as principais reivindicações da categoria (defesa do emprego contra as demissões sistemáticas, contra as terceirizações e precarizações por meio de correspondentes bancários, contra as metas e o assédio moral sistemático como método de gestão, contra o adoecimento físico e psicológico, contra a sobrecarga de serviço, reposição de perdas salariais acumuladas, isonomia, etc.). No momento da greve, apenas uma minoria dos bancários (funcionários dos bancos públicos) adere espontaneamente, pois nos bancos privados as agências somente fecham caso algum dirigente sindical, ativista dos bancos públicos ou piqueteiro pago apareça com uma faixa. E ainda assim, as agências contabilizadas como “fechadas” na verdade estão apenas barrando a população em geral, pois os gerentes e comissionados ficam no interior fazendo negócios com os clientes de alta renda.
Os bancários que aderem à greve o fazem não porque acreditam nesse tipo de “luta”, mas porque querem ficar livres do trabalho por alguns dias. São “grevistas de pijama”, que aproveitam a greve para viajar, descansar, etc. Isso porque todos já conhecem o roteiro reproduzido há mais de uma década pela direção do sindicato. Depois dessa greve de fachada, quando surge uma proposta de reajuste que a direção considera suficiente para encerrar a greve, faz-se um acordo com a direção dos bancos para mandar aqueles que não aderiram à greve, os gerentes e comissionados que ficaram fazendo negócios, para ir nas assembleias decisivas para votar contra a greve. Aqueles que não aderiram à greve quando ela foi deflagrada comparecem na assembleia para que ela seja encerrada, com o apoio explícito da direção do sindicato. A patronal intervem diretamente nas assembleias por meio dos gestores para encerrar a greve. Os grevistas já conhecem de cor o roteiro desse teatro e não se dão ao trabalho de comparecer às assembleias, por isso os gestores ficam em maioria. O teatro fica cada vez mais artificial e se torna cada vez mais difícil convencê-los a participar no ano seguinte.

Outros exemplos do sindicalismo petista
Quem conhece algum bancário em greve (no momento em que este texto é finalizado, os bancários estão em greve, desde o dia 6 de setembro) e que frequenta as assembleias pode confirmar a existência desse teatro. Esse exemplo das práticas do sindicalismo bancário pode ser encontrado em outros importantes sindicatos da CUT, como a Apeoesp (mais de 200 mil representados, o maior sindicato do país em número de representados), que há alguns anos decretou o fim de uma greve com 70% da assembleia votando a favor da continuidade (a “presidenta” do sindicato teve que sair do carro de som escoltada pela polícia). Outro ícone da CUT, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foi o verdadeiro autor da proposta de Acordo Coletivo Especial, que permitirá que o negociado prevaleça sobre o legislado. Ou seja, as empresas poderão negociar com os sindicatos (esses “combativos” sindicatos da CUT...) acordos que retiram dos trabalhadores direitos consagrados em lei como férias, 13º salário, descanso semanal remunerado, licença maternidade, etc.
Bancários de São Paulo, APEOESP, Metalúrgicos do ABC são os três sindicatos mais poderosos do Brasil. Não são pontos fora da curva ou exceções. São a regra, o padrão e o modelo do sindicalismo cutista e petista. Os mais de 3.000 mil sindicatos filiados à CUT seguem essas mesmas práticas, em categorias menores, menos politizadas, mas afastadas dos grandes centros do país. As demais centrais sindicais do país, como Força (farsa) Sindical, CTB, UGT, NCST, etc., aliadas ou não ao PT, reproduzem essas mesmas práticas à risca, ou outras ainda piores. As únicas centrais que ainda manifestam alguma combativdade (bem aquém do necessário), Conlutas e Intersindical, são extremamente minoritárias. Com o movimento sindical nessas condições, como vamos poder falar em falar em greve geral?

Estamos todos no mesmo barco
Os companheiros neo ativistas preocupados com a ofensiva reacionária no país são sinceramente bem vindos na tentativa de encontrar a resposta. Aqui falamos realmente sem ironia, pois ninguém tem culpa de estar desinformado e não saber como a organização dos trabalhadores foi degradada por décadas de direção petista. É muito positivo que haja pessoas querendo se manifestar, apoiando ideologicamente as bandeiras da esquerda. É importante que conversem com seus colegas, parentes, vizinhos, sobre o momento do país e a necessidade de lutar. É importante que apoiem as categorias que fazem greves, os movimentos que fazem manifestações, ocupam prédios, fábricas, fazendas, fecham estradas e avenidas, etc. É importante que debatam contra a repressão policial e a difamação midiática. É importante que divulguem informações verdadeiras.
Mas para realmente fazermos diferença, é preciso que conversem com o colega de trabalho ao lado. Como fazer uma greve na empresa? Quem poderia aderir? Quem é o representante do sindicato? Ele aparece no local de trabalho? Sabe o que está acontecendo? Já chamou reuniões clandestinas fora do local de trabalho? Já fez assembleias na sede do sindicato? Cursos de formação? O que o sindicato da categoria faz realmente? Exerce algum tipo de trabalho real de organização ou funciona mais como cabide de emprego para os burocratas? É possível criar um grupo de oposição e mudar a diretoria do sindicato? Se não existe sindicato no ramo profissional ou foi burocratizado, transformado em cabide de emprego, etc., de que outra forma é possível se organizar? Existe associação, coletivo, grupo, qualquer coisa? Qualquer outro tipo de movimento do qual se possa participar? Como posso ajudar a mobilizar? Parar a produção? Enfrentar de fato o capital? Quando uma parte maior da população se colocar essas perguntas, podemos realmente começar a conversar sobre greve geral.



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