O mundo vive hoje as conseqüências da grave crise econômica iniciada em 2008. A recuperação já é comemorada pela burguesia desde 2009, por causa da volta dos lucros das empresas. Mas trata-se de uma recuperação claudicante, incerta, ameaçada pelo gigantesco endividamento do Estado, pela instabilidade no comércio mundial e pela disputa cambial entre as nações exportadoras, que precisam rebaixar o valor de suas moedas para torná-las competitivas. Além disso, cresce a instabilidade social e o descontentamento popular por conta das medidas lançadas pelos governos burgueses para administrar a crise.
A dívida pública dos Estados Unidos chegou a US$ 3,5 trilhões, contra cerca de US$ 1,4 trilhões do conjunto dos países periféricos. O total da dívida pública e privada da América Latina representa 22% do PIB do continente, contra 400% da Inglaterra, 263% de Portugal, 169% da Espanha, 168% da Grécia, 148% da Alemanha, 100% dos Estados Unidos e 979% da recordista Irlanda (ALAI, 31/01/2011). Para aplacar esse déficit gigantesco, estão sendo feitos cortes orçamentários nos gastos sociais, tais como aposentadorias, pensões, seguro-desemprego, saúde pública, educação, salários dos servidores, direitos trabalhistas, etc.
Essa política está sendo aplicada tanto pelos países imperialistas como pelos países dominados, mesmo que em menor medida em alguns destes. Os trabalhadores dos países imperialistas, que desfrutavam de condições salariais e sociais melhores, estão sendo os mais diretamente atacados no momento e também têm se colocado em mobilização para resistir. Estados Unidos, Japão, Europa, enfrentam altos índices de desemprego, crescimento da pobreza e queda dos indicadores sociais. Como conseqüência, greves gerais e grandes marchas paralisaram países como Grécia e França, espalhando focos por todo o continente europeu, e outras manifestações de revolta e inquietação social se espalham no conjunto do mundo desenvolvido.
OS LUCROS CRESCEM E A POBREZA AVANÇA NOS ESTADOS UNIDOS
No discurso presidencial de abertura dos trabalhos do Congresso, conhecido como “estado da União”, em fins de janeiro de 2011, Obama comemorou o fim da recessão, apontando como prova os lucros das corporações e a alta das ações desde 2009. Ao mesmo tempo, anunciou um plano para tornar a economia estadunidense mais “competitiva”, e nomeou como assessores de alto escalão ex-executivos do banco JPMorgan e da General Eletric. Para bom entendedor, esse discurso significa que a classe trabalhadora estadunidense será forçada a arcar com uma queda ainda maior nas suas condições de vida para que a economia do país se torne mais “competitiva” em relação a plataformas de exportação como a China. Obama também anunciou cortes de US$ 200 bilhões em impostos para as grandes corporações em 2011.
As grandes empresas lucraram U$ 1,7 trilhão em 2010, quantia maior do que no auge do ciclo de crescimento anterior à crise, em 2006. Com uma taxa de desemprego que se mantém em em 9,8%, elevadíssima para os padrões estadunidenses, a alta dos lucros somente se explica por meio do aumento da exploração dos que não foram demitidos. A produtividade dos trabalhadores tem aumentado 4,2% a mais por ano desde 2008. Ou seja, os Estados Unidos cresceram quase o mesmo que há três anos, mas com 7,5 milhões de trabalhadores empregados a menos
As 500 maiores empresas listadas pela Standard & Poor’s anunciaram crescimento médio de 36% nos lucros no final de 2010 em relação a 2009. Esses lucros resultam em sua maioria de uma maior exploração dos trabalhadores, pois o faturamento cresceu apenas 6%. Apenas 10% da população estadunidense possui 90% das ações em negociação nas bolsas, sendo metade concentrada nas mãos do 1% mais rico. É para essa classe social que Obama governa.
Os 5.300 indivíduos mais ricos receberam uma renda de US$ 57,6 bilhões em 2009, US$ 8 bilhões a mais do que a renda dos 24 milhões mais pobres, ou 10% da renda nacional, segundo dados da SSA (Social Security Administration). O 1% mais rico da população amealhou 2/3 do crescimento da renda pessoal no país. O relatório também sugere que o desemprego está subestimado, pois a SSA calculou em 4,5 milhões o número de pessoas que perderam emprego em 2008 e 2009, contra 2,6 do Labor Department.
A taxa de desemprego nos Estados Unidos se mantém acima de 9% pelo terceiro ano seguido, o período mais longo desde o início das estatísticas em 1948. A quantidade de despejos (por hipotecas não pagas) cresceu em 2010 em relação ao ano anterior em mais de 100 grandes cidades, a uma taxa várias vezes maior do que a média do mercado. O longo período de desocupação faz com que os trabalhadores percam direito ao seguro-desemprego, entrando em situação de penúria total. Cerca de 45 milhões de estadunidenses dependem de ajuda do governo para adquirir alimentos, através do programa de “food stamps” (uma espécie de “vale-refeição” distribuído pelo Estado). Os cortes de emprego prosseguem tanto no setor público quanto no privado. 35 dos 50 estados reduziram a folha de pagamento.
A quantidade de pessoas pobres nos Estados Unidos passou de 39,8 milhões em 2008 para 43,6 milhões em 2009, segundo dados divulgados pelo órgão responsável pelo censo do país. É considerada pobre uma pessoa sozinha que ganhe até US$ 11,2 mil por ano. No caso de famílias com dois adultos e duas crianças, são consideradas pobres as que têm renda anual de até US$ 21,8 mil. Esse número é equivalente a cerca de 14% da população, o maior nos 51 anos em que a pesquisa é feita. O número de pessoas sem plano de saúde aumentou de 46,3 milhões em 2008 para 50,7 milhões em 2009, por causa da perda de planos de saúde pagos pelos empregadores.
A GUERRA CAMBIAL E AS TENSÕES INTERNACIONAIS
As sete maiores economias do mundo, com o PIB medido pelo critério de paridade de poder de compra, são pela ordem Estados Unidos, China, Japão, Índia, Alemanha, Rússia e Brasil. Isso significa que os chamados BRICs deixaram para trás em termos de peso econômico velhas grandes potências como Inglaterra e França. Entretanto, na estrutura de poder geopolítico, os Estados Unidos e a Europa ainda controlam os principais organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, Banco Mundial, FMI e OMC, mantendo a capacidade de ditar políticas que privilegiam os seus interesses. O G20 foi montado como forma de compensar parcialmente os BRICs, aumentando sua participação na tomada de decisões, mas principalmente sua responsabilidade ao arcar com medidas que ajudem o capitalismo a sair da crise. Entretanto, enquanto pedem sacrifícios dos trabalhadores e dos povos do mundo inteiro, as burguesias imperialistas tratam de usar o Estado para preservar seus interesses particulares.
A contradição entre a existência de um único sistema capitalista mundial e diversos Estados capitalistas rivais se manifestou no fenômeno da chamada “guerra cambial”. O dólar caiu 13% em relação ao yen em 2010 e 18% em relação ao euro entre junho e dezembro. A queda do dólar se refletiu na valorização do ouro, que subiu 28% em 2010, indo para US$ 1.420 a onça. A desvalorização do dólar também se manifesta como alta do preço das commodities, como petróleo, cobre, milho e outros alimentos. O FED anunciou no final de 2010 a impressão de mais US$ 600 bilhões, com o objetivo de desvalorizar ainda mais a moeda estadunidense.
A decisão dos Estados Unidos foi duramente criticada pela China e Alemanha, os dois maiores exportadores do mundo, os quais, por sua vez, foram acusados por Obama de acumular superávits comerciais de maneira “desleal”, ou seja, mantendo suas moedas artificialmente desvalorizadas em relação ao preço de mercado. Os últimos meses de 2010 presenciaram uma verdadeira guerra de desvalorizações cambiais, com diversos países anunciando medidas para diminuir o valor de suas moedas e melhorar as exportações, entre os quais vários exportadores importantes, com destaque para o gigante Japão, mas também os demais “tigres asiáticos”, como Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia e Singapura. Outros como o Brasil anunciaram medidas para conter a entrada de dólares especulativos, impedir a valorização da moeda local e o perigo de inflação.
A visita do presidente chinês Hu Jintao aos Estados Unidos não serviu para diminuir as tensões entre os dois países. Setores da mídia e do Congresso estadunidenses aproveitaram a visita para criticar a China abertamente por supostamente manipular sua moeda e desrespeitar os direitos humanos (o cúmulo da hipocrisia, já que os Estados Unidos fazem exatamente o mesmo em incontáveis operações criminosas e terroristas pelo mundo, como acaba de revelar abundantemente o site Wikileaks). Políticos e jornalistas, expressando os interesses da burguesia estadunidense, pressionam a administração Obama para que classifique a China como “manipulador de câmbio”, o que autorizaria o governo a impor sanções tributárias aos produtos chineses.
Os Estados Unidos têm pressionado o restante do imperialismo para conter o crescimento chinês, por dentro e por fora dos organismos da ONU. Essa pressão se dá sob a forma de sanções e punições para países e empresas que se atrevem a negociar com países inimigos dos Estados Unidos, tais como o Irã, listados como “patrocinadores do terrorismo”. O Irã é o maior fornecedor de petróleo da China, que por sua vez é o país cujo consumo de petróleo mais cresce no mundo. Os Estados Unidos querem bloquear essa parceria, sob o pretexto de que o Irã busca desenvolver armas nucleares. O Irã possui um programa de uso de urânio para fins medicinais e de usinas nucleares para geração de energia. O nível de enriquecimento de urânio (processo técnico que permite o aproveitamento da radioatividade para produzir energia) requerido para essas atividades é de 3% e 20%, respectivamente, limite atingido até agora pela tecnologia iraniana. O nível de enriquecimento requerido para uso militar é de 90%. O Irã está longe de atingir a capacidade técnica para tanto e submete suas instalações à inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica.
Enquanto isso, Israel, protegido dos Estados Unidos, já detém a tecnologia para produzir armas atômicas, recusa-se a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (portanto, comportando-se como o verdadeiro Estado criminoso) e sabotou o projeto nuclear iraniano, assassinando os cientistas Ali-Mohammadi e Majid Shahriari, chefes do programa, e disparando vírus de computador contra as usinas daquele país.
EUROPA ATACA OS TRABALHADORES PARA DRIBLAR A CRISE
Os pacotes de salvamento da União Européia e do FMI para que a Grécia e a Irlanda rolassem suas dívidas em 2010 não foram suficientes para contentar os especuladores, que apontaram suas baterias para os próximos alvos, Portugal, Espanha e Itália. Esses países altamente endividados foram forçados a oferecer juros mais altos para rolar suas dívidas. Ao mesmo tempo, as grandes potências da zona do euro, Alemanha e França, voltaram a falar sobre um “Mecanismo Europeu de Estabilidade”, capaz de fazer empréstimos a países à beira da falência e exigir “ajustes estruturais” ao estilo dos que o FMI impõe aos países periféricos. A Grécia e a própria França já enfrentaram massiva resistência popular a esses ajustes em 2010.
França e Alemanha prepararam um plano chamado “Pacto de competitividade” a ser imposto aos 27 países da União Européia em março de 2011. O plano contém três eixos principais: aumentar a idade de aposentadoria para 67 anos, impor limites constitucionais aos gastos estatais (forçando governos a cortar gastos sociais) e derrubar a legislação que garante aumentos salariais automáticos de acordo com o índice de inflação, vigente em vários países. Essas medidas tem sido exigidas pelos bancos e foram apresentadas pelas duas grandes potências como condição para ampliar o fundo de apoio para governos altamente endividados.
No início de fevereiro o governo espanhol lançou um pacote de medidas aumentando a idade média para aposentadoria, diminuindo o valor das pensões e favorecendo a patronal nas negociações salariais coletivas. O acordo foi pactuado com a confederação patronal e as centrais sindicais burocráticas e deve passar no parlamento sem dificuldade, apesar da enorme insatisfação popular. A Espanha tem um índice de desemprego alarmante, sendo de 20% no geral e 40% entre a população com menos de 25 anos. O PIB do país caiu 3,7% em 2009 e 0,1% em 2010. O país também está altamente endividado e está sendo cotado como a “bola da vez” depois que os especuladores forçaram os governos da Grécia e da Irlanda a pedir socorro internacional para rolar suas dívidas.
A NOVA ALTA DOS PREÇOS DOS ALIMENTOS
Em 2008 o mundo produziu uma safra recorde de 2,23 bilhões de toneladas de grãos. Mesmo assim, os preços dos alimentos atingiram uma alta também recorde, resultando em protestos populares contra a carestia em mais de 30 países. Isso somente se explica pelo uso que os especuladores fizeram das commodities como alimentos, petróleo e minérios para se recuperar das perdas no mercado de hipotecas estadunidense, que já estava fazendo água desde fins de 2007. Especuladores aproveitam a abundância de liquidez nos mercados financeiros para comprar grandes quantidades de commodities, chantageando o mercado e lucrando com o aumento dos preços. Além disso, um terço da produção de grãos se destina a ração animal, que se transforma em carne para os países ricos, e um fração crescente está sendo transformada em agrocombustíveis.
A maior parte dos países pobres na África, no sudeste asiático e na América Latina teve sua agricultura familiar destruída pelo agronegócio e se tornou importador de grãos. Os governos estão altamente endividados e não tem condições de subsidiar as importações, deixando os preços flutuar ao sabor do mercado. Em muitos países pobres o custo dos alimentos chega a comprometer 50% da renda familiar ou mais. Enquanto milhões passam fome e são obrigados a lutar nas ruas contra seus governos por comida, outros lucram com a miséria e o sofrimento. A Cargill, uma das maiores transnacionais do agronegócio, viu seu lucro aumentar 300% entre 2009 e 2010, quando passou de US$ 489 milhões para 1,49 bilhão. O mesmo quadro de especulação financeira, aumento da produção e dos preços se repete agora.
A FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura, alertou para o preço recorde dos alimentos no início de 2011, o qual superou as marcas de 2008. Naquele ano, os preços subiram a ponto de dobrar num intervalo de 18 meses. Depois da queda dos preços em 2009, os índices voltaram a subir novamente em 2010. Nos últimos doze meses, o preço do milho subiu 52%, o trigo subiu 49%, a soja 28%, o café 53% e o algodão 119%. Outras commodities também estão subindo, como o cobre (30%) e o petróleo (26,5%). O preço do petróleo, por sua vez influencia no preço final dos alimentos, uma vez que aumenta o custo dos transportes, dos fertilizantes e também, indiretamente, o dos agrocombustíveis. A FAO tem uma lista de 29 países em situação de emergência alimentar, ou seja, fome.
A CRISE SE ESPALHA E PROVOCA REBELIÕES NO NORTE DA ÁFRICA
A recessão e o desemprego na Europa fez com que vários países endurecessem as regras contra a imigração vinda do norte da África e de outros continentes. Nessas situações, os trabalhadores mais precários, em geral imigrantes, são os primeiros a serem demitidos e também enfrentam a hostilidade generalizada, o preconceito e a perseguição de bandos fascistas e neonazistas. A xenofobia se converte em política de Estado em países como a França e a Itália. Milhares de jovens que buscavam empregos permanentes ou temporários na Europa foram impedidos de entrar ou obrigados a voltar para seus países de origem. Assim como os nordestinos em São Paulo, muitos imigrantes africanos e de outros continentes estabelecidos na Europa mantém os laços com suas famílias nos países de origem, enviam dinheiro regularmente, retornam periodicamente, etc. Quando a porta do “sucesso” individual se fecha na Europa, a ação coletiva nos países natais é a única escolha que resta aos jovens.
A ação coletiva se manifestou finalmente como rebelião social na virada do ano. O mundo foi surpreendido no início de 2011 pelo que foi batizado de “Revolução de Jasmin” na Tunísia. Mas as tensões já vinham se acumulando no norte da África e Oriente Médio há meses. O Egito na verdade precedeu a Tunísia, pois os protestos ocupam a praça Tahrir, na capital Cairo, desde meados de 2010. A queda do presidente tunisiano deu ânimo aos povos de toda essa vasta região, e fez com que se lançassem às ruas. Protestos semelhantes se espalharam pelo Marrocos, Argélia, Jordânia, Iemen e Bahrein. A mesma combinação explosiva de alto desemprego, inflação galopante, autoritarismo político, corrupção, servilismo aos Estados Unidos e populações predominantemente jovens se repete em todos esses países para explicar o levantamento popular.
A revolta dos povos árabes deixou o imperialismo em estado de alerta, pois a economia capitalista mundial é cronicamente dependente do fornecimento de petróleo do Oriente Médio, o qual é garantido por governos pró-ocidentais, extremamente corruptos, autoritários e violentíssimos na repressão aos seus povos. Muitos desses ditadores governam há décadas e se sustentam no poder graças ao medo que seus aparatos de terror estatal inspiravam na população. Esse cenário agora começa a mudar. Muitos desses países passaram por tumultos e greves por ocasião da alta dos preços dos alimentos em 2008, antes da crise mundial. Agora, com uma nova alta dos preços, a continuidade do desemprego e da repressão, novos levantamentos começam a acontecer. Mas dessa vez, em 2011, os povos árabes miram mais alto e exigem a saída dos odiados governantes, o que representa um salto em relação aos tumultos de 2008.
O primeiro foco de revolta a chamar atenção foi o Maghreb, região do norte da África composta por Mauritânia, Marrocos, Sahara Ocidental, Tunísia, Argélia, e Líbia. Esses países são ocupados por povos de variadas composições étnicas, mas são unificados pela língua árabe e pela religião muçulmana. Todos partilham também um passado de ocupação imperialista, especialmente por parte de franceses e ingleses. Desde meados do século XX, esses países, como o restante do mundo colonial, se tornaram formalmente independentes, mas mantiveram-se submetidos à política imperialista, aos interesses das transnacionais das antigas metrópoles e ao imperativo de reprimir suas populações.
Em alguns deles, como o Egito, chegou-se a ensaiar um movimento nacionalista, sob a liderança de Gamal Abdel Nasser, militar que nacionalizou o canal de Suez, enfrentando o imperialismo anglo-francês, dentro do contexto do movimento dos chamados “países não-alinhados” (supostamente equidistantes em relação aos Estados Unidos e URSS). Entretanto, o nacionalismo árabe gradualmente se dobrou ao imperialismo. O sucessor de Nasser no Egito, Anwar Sadat, foi o primeiro governante árabe a assinar um tratado reconhecendo Israel. Sadat foi assassinado em 1981 e sucedido por Hosni Mubarak, que se manteve no poder até 2011. No final das contas, as ditaduras nacionalistas serviram apenas para reprimir a oposição de esquerda, virtualmente exterminada, e abrir caminho para os fundamentalistas islâmicos, a principal forma de oposição conhecida no mundo árabe. Entretanto, esse cenário está mudando, pois uma nova forma de oposição popular, operária e da juventude, onde a influência do fundamentalismo islâmico é minoritária, está emergindo das lutas recentes.
A “REVOLUÇÃO DE JASMIM” NA TUNÍSIA
No início de janeiro de 2011 uma onda massiva de protestos populares levou à queda do presidente tunisiano Ben Ali, que governava o país desde 1987, sucedendo a Habib Bourguiba, que por sua vez governara desde a independência em 1957. O país era governado praticamente como um feudo por Ben Ali, seus parentes e um pequeno grupo de famílias, que controlam direta ou indiretamente bancos, emissoras de rádio, jornais, o aeroporto, transportadoras, linhas aéreas, cadeias de hotéis, imóveis e propriedades rurais. Associados a transnacionais européias, em especial francesas, os clãs mafiosos que governavam a Tunísia enviavam para o exterior uma fortuna anual de US$ 18 bilhões.
O regime proibia candidatos de oposição de fazer campanha e não permitia liberdade de imprensa. O país é altamente dependente do turismo, que caiu bruscamente desde que a crise mundial afetou a Europa. Os preços dos alimentos também tem subido, numa reedição da alta de 2008. Mas dessa vez os protestos tem sido muito maiores, especialmente por parte dos jovens. Metade da população tem menos de 25 anos e as taxas de desemprego nessa faixa etária são muito maiores do que os 14% oficiais.
Muitos jovens tem formação superior e continuam desempregados, o que os obriga a sobreviver na economia informal. Quando a polícia confiscou as mercadorias de um desses camelôs, Mohamed Bouazizi, o jovem ateou fogo ao próprio corpo. Outro rapaz se suicidou tocando cabos de alta tensão, e o sacrifício desses mártires incendiou a ira popular. Num dos vazamentos do Wikileaks, um diplomata estadunidense classificou a Tunísia como uma cleptocracia e uma ditadura, o que também contribuiu para atiçar a revolta. Os protestos tem sido divulgados e convocados via redes sociais como Facebook e Twitter, driblando a censura da televisão e jornais. O governo tentou culpar extremistas islâmicos e terroristas pelos protestos, mas sem a menor credibilidade. O levantamento popular foi massivo e espontâneo, sem qualquer orquestração nos bastidores. Os choques com a polícia não intimidaram os manifestantes, apesar de centenas de mortos, feridos e presos, e os protestos se espalharam por todas as cidades do país.
Depois de apoiar Ben Ali por décadas, o imperialismo europeu e estadunidense percebeu a insustentabilidade da situação e cinicamente passou a criticar o governo pela violência da repressão policial. A intensidade dos protestos foi tão grande que o presidente se viu forçado a renunciar e deixar o país com sua família (e suas riquezas) para evitar um confronto mais agudo. Um novo governo foi instalado às pressas com remanescentes do grupo de Ben Ali para tentar administrar o descontentamento popular. Foram marcadas eleições para daqui a seis meses, mas o toque de recolher e as leis de exceção não foram suspensos, de forma que o governo continuou a perseguir os opositores e tentar impedir sua organização.
Não obstante a continuidade da repressão, formou-se a "Frente 14 de Janeiro", composta de organizações de diversas tradições, desde nacionalistas-árabes, antigos grupos stalinistas e organizações operárias, a qual apresentou um programa de reivindicações democráticas, anti-imperialistas e reformistas, mas ainda sem um claro caráter anti-capitalista e socialista. Mesmo sem um programa e organizações decididamente socialistas, o povo tunisiano segue mobilizado e depois da queda de “Ali Babá”, exige a saída dos “40 ladrões”, ou seja, o restante de sua equipe ainda no poder.
A REBELIÃO SE ESPALHA PARA OUTROS PAÍSES ÁRABES
A Jordânia tornou-se independente da Inglaterra em 1956, sob o governo do rei Hussein, sucedido em 1999 por seu filho Abdullah, componentes de uma dinastia chamada hachemita. Metade da população é composta de palestinos expulsos de sua terra natal por Israel, quadro semelhante ao do Líbano. Os habitantes de origem palestina são tratados como cidadãos de segunda categoria, sem acesso a cargos nas forças armadas e no Estado, e sem direito de organização política. Os grupos militantes palestinos foram massacrados pela monarquia em 1971, no que foi chamado de Setembro Negro. A Jordânia impediu assim o surgimento de um movimento como o Hizbollah libanês, colaborando explicitamente com Israel na repressão dos palestinos. Como a maior parte dos países árabes, a maioria da população jordaniana é jovem (70% tem menos de 30 anos) e enfrenta alto desemprego (o índice oficial é de 14%) e baixos salários. Na esteira dos protestos no norte da África, o povo jordaniano também tem se manifestado, forçando o rei Abdullah a substituir o primeiro-ministro, numa manobra distracionista para ganhar tempo.
O Iêmen, pequeno país da península arábica com 23 milhões de habitantes, não detém reservas de petróleo comparáveis às de seus vizinhos. Mesmo assim, possui grande importância estratégica, pois cerca de 3 milhões de barris de petróleo passam diariamente pelo estreito de Bab al-Mandab, no litoral iemenita, entre a península arábica e a Etiópia, em direção à Europa. O país é governado desde 1978 por Ali Abdullah Saleh, apoiado pelos Estados Unidos e responsável pela reunificação do país (a metade sul, onde havia um regime pró-soviético, foi anexada em 1990), e enfrenta um conflito contra tribos xiitas no norte. Metade da população sobrevive com menos de US$ 2 por dia, portanto abaixo da linha de pobreza. A taxa de desemprego é de 35%, o analfabetismo é de 50% e 65% da população tem menos de 24 anos. Seguindo seus irmãos do norte da África, a população iemenita também se mobilizou e organizou várias manifestações no início de fevereiro de 2011. Em resposta, o presidente Saleh seguiu os mesmos passos de seus malfadados colegas egípcio e tunisiano, primeiro prometendo que não vai prolongar o mandato, depois convocando a oposição tolerada a fazer parte do governo, como forma de aplacar a insatisfação popular por meio de medidas democráticas de fachada.
O Líbano foi vítima de uma invasão israelense em 2006, que terminou sem atingir sua finalidade, que era destruir o movimento Hizbollah, organização cuja base social se compõe de refugiados palestinos. Desde então o Hizbollah tem aumentado sua influência, a ponto de indicar ministros para o governo libanês formado em 2009. No início de 2011, o Hizbollah e seus aliados se retiraram da coalizão governante, despontando como maioria nas eleições seguintes e habilitando-se a indicar o chefe de governo da nova coalizão. Isso ameaça o delicado equilíbrio entre minorias cristãs e muçulmanas que mantém o governo libanês de pé desde o fim da guerra civil dos anos 1980.
A QUEDA DE MUBARAK NO EGITO
O Egito é um dos países mais importantes da África, pelo seu peso populacional (cerca de 84 milhões de habitantes), econômico (crescimento de 5,4% em 2010) e estratégico (controle do canal de Suez, entre África e Ásia, por onde o petróleo do Oriente Médio adentra a Europa). 44% da população vive abaixo da linha de pobreza de US$ 2 por dia. O salário mínimo foi estabelecido em um valor equivalente a cerca de US$ 50 dólares em 1984 e desde então não foi mais aumentado. Esse valor equivale a cerca de 13% da renda média per capita, uma das proporções mais baixas do mundo. Além de ganhar pouco, o trabalhador egípcio trabalha muito: a média de horas de trabalho por ano é de 2.373 na capital Cairo, contra uma média de 1.900 em outras 73 cidades pesquisadas pelo banco UBS. Esse cenário torna o país bastante atraente para o investimento estrangeiro. A China investiu US$ 500 milhões em 2009 e se tornou o maior parceiro comercial do país em 2010. Dezenas de transnacionais como IBM, General Motors, McDonald's, BMW, Vodafone, Shell atuam no país.
O Egito vive sob lei de exceção desde 1981, quando o presidente Anwar Sadat foi assassinado por grupos radicais por ter fechado um acordo de paz com Israel. Desde então a ditadura proíbe organizações partidárias, sindicais e ONGs de fazer oposição ao governo. O estado de sítio autoriza a polícia a deter cidadãos sem mandado judicial, o que torna as prisões arbitrárias, desaparecimentos e tortura de opositores fatos corriqueiros. A Irmandade Muçulmana, fonte do fundamentalismo islâmico, está sediada no Egito, e o estado de sítio se mantém sob pretexto de reprimí-la. A violação sistemática dos direitos humanos mais elementares foi a condição para a permanência do atual governo. O ditador Hosni Mubarak, de 82 anos, preparava seu filho Gamal para ser seu sucessor.
A falta de democracia, a pobreza, o desemprego, a alta dos preços dos alimentos já vinham causando um crescimento das lutas desde 2008, quando o país foi um daqueles que protagonizou protestos contra a carestia, no que foi chamado de “revolta do pão”. Desde 2004 há um crescimento constante das greves, tanto no setor público quanto no privado, com destaque para as greves dos têxteis em 2007 e 2008. Por conta da inexistência de um movimento operário nacionalmente organizado, as greves são isoladas por empresa ou cidade, sem se converter em lutas nacionais. Mesmo assim, as manifestações na praça Tahrir, na capital Cairo, são praticamente diárias desde meados de 2010.
Em fins de janeiro de 2011, com o exemplo da “Revolução de Jasmin” tunisiana, o movimento egípcio tomou corpo. O número de manifestantes na praça Tahrir passou de alguns milhares a algo em torno de um milhão de pessoas e passou a exigir abertamente a saída de Mubarak. Chamou muita atenção o uso das chamadas redes sociais da internet (facebook e twitter) e dos celulares para convocar e coordenar as manifestações. 40% da população tem menos de 30 anos. Essa imensa massa de jovens exasperados pela falta de perspectiva lançou-se às ruas sem a incitação de correntes islâmicas ou burocratas sindicais e partidários, o que representa uma mudança ideológica importante. Ao contrário do que foi alardeado pela mídia governista, as mobilizações não foram lideradas pela Irmandade Muçulmana. Assim como na Tunísia, os protestos foram em grande parte espontâneas e laicos.
A princípio, o ditador tentou resistir, decretando toque de recolher e ordenando a prisão dos manifestantes. A população não se intimidou e manteve a ocupação da praça Tahrir. Confrontos com as forças de repressão deixaram dezenas de mortos na capital e nas grandes cidades, como Alexandria, Suez e Port Said. O governo tentou conter a mobilização popular bloqueando o acesso à internet e aos celulares, num atentado escancarado à liberdade de expressão, mas sem sucesso, o que prova que não é a tecnologia que faz avançar a rebelião e sim a disposição de luta.
O movimento não refluiu e Mubarak apelou para o exército. Entretanto, uma ampla camada de oficiais médios se recusou a atirar contra o povo e afogar a revolta popular num banho de sangue, única forma de conter o movimento. Isso poderia resultar em guerra civil, pois temeu-se que parte das tropas se bandeasse para o lado da oposição. A partir desse momento, a sorte do governante estava selada. Mubarak e seus partidários ainda apelaram para bandos fascistas, que atacaram a população concentrada na praça Tahrir, mas foram derrotados em combates de rua, em 2 de fevereiro. O exército então se posicionou em setores estratégicos da capital para impedir novos confrontos. Além da grande mobilização popular, o movimento ganhou força quando entrou em cena a classe operária. Portuários de Suez, servidores públicos e professores entraram em greve. A economia egípcia foi virtualmente paralisada por uma greve geral. Depois de 18 dias de fortíssima mobilização, a queda definitiva de Mubarak aconteceu em 11 de fevereiro.
O ditador foi substituído por uma junta militar. Ao mesmo tempo em que retirou Mubarak do poder (embora lhe permitindo sair tranquilamente do país para usufruir no exterior das décadas de pilhagem), o exército cercou o palácio presidencial e a TV estatal, sitiados pelo povo, impedindo a ocupação. As forças armadas acabam por se provar como pilar fundamental da continuidade do regime. O exército egípcio recebeu uma média de mais de US$ 1 bilhão por ano dos Estados Unidos no últimos trinta anos, a segunda maior ajuda militar estadunidense depois da de Israel. Além de garantir o abastecimento de petróleo via canal de Suez, o Egito também cumpre o papel de dar suporte a Israel no mundo árabe, inclusive auxiliando no massacre dos palestinos ao fechar a fronteira da faixa de Gaza.
O imperialismo tenta gestar em seus laboratórios um novo governo para o Egito, que seja capaz de impedir que a mobilização popular avance para reivindicações econômicas, como nacionalizações, controle dos preços e aumento de salários, que questionem a continuidade dos negócios da burguesia. O prêmio Nobel de química naturalizado estadunidense Ahmed Zewail e o ex-dirigente da Agência Internacional de Energia Atômica (fachada da CIA para espionar países hostis aos Estados Unidos) Mohamed El Baradei despontam como mais prováveis candidatos, ao lado da própria Irmandade Muçulmana, há tempos “domesticada” pela ditadura e tornada isenta de radicalismos.
À medida em que o processo se generaliza para outros países, o imperialismo e a mídia burguesa tentam controlá-lo e distorcer seu sentido. As rebeliões árabes são apresentadas como uma nova versão das “revoluções de veludo” que derrubaram os Estados burocráticos do Leste Europeu entre 1989-91, pelo fato de que os povos lutam em nome da democracia. Os acontecimentos de 1989-91 foram apresentados como prova da vitória do capitalismo e do “fim da história”. Mas ao contrário disso, as rebeliões de 2011 são rebeliões contra o fracasso do capitalismo, incapaz de oferecer uma verdadeira democracia e sequer de alimentar as populações. As greves e manifestações na Europa em 2010 eram lutas dos trabalhadores para defender suas conquistas históricas e sua qualidade de vida. As lutas dos povos árabes no início de 2011 são lutas contra a miséria e pela aquisição de uma melhor qualidade de vida. Duas faces de uma mesma moeda, a crise estrutural e societal do capital. O elo que falta para unir as duas lutas é a consciência da necessidade de superar o capitalismo, indo além da derrubada de governantes e reformulando todo o metabolismo social, sob controle dos trabalhadores. A ausência consciência é o que chamamos de crise da alternativa socialista, o fator que terá que ser superado para que a rebelião árabe avance para uma verdadeira revolução socialista.
O processo egípcio permanece em aberto. A luta popular foi suficiente para derrubar o governo, mas não derrubou o regime. Seu pilar fundamental, as forças armadas, permanece de pé. Também não se pode dizer que houve mudança no sistema social, pois o capitalismo ainda se mantém praticamente inalterado. De qualquer forma, houve uma mudança muito importante na atitude da população e da classe trabalhadora, pois depois de décadas e ao custo de grande enfrentamento (com centenas de mortes), os egípcios colocaram-se em luta e obtiveram uma significativa vitória parcial ao derrubar o ditador. Não será simples fazer voltar para casa uma população que adquiriu confiança nas próprias forças e sentimento de vitória. Nos dias imediatamente seguintes à queda de Mubarak, a população permaneceu mobilizada e foram apresentadas exigências aos novos dirigentes. Elementos de organização, comitês e assembléias surgem das mobilizações e podem se manter como instrumentos de luta. Esses elementos podem avançar para exigir mudanças mais radicais no regime social, as únicas capazes de melhorar a vida da população.
QUE PASSA NO EGITO?
O que vimos no Egito foi uma grave crise de dominação onde o governo (na pessoa de Mubarak) perdeu toda credibilidade e legitimidade, não tendo mais força para continuar impondo o seu projeto. O ódio era dirigido ao ditador Mubarak, portanto, contra uma parte do poder. No entanto, um poder burguês se apóia em um conjunto de instituições, como o parlamento, o exército, o judiciário e uma série de instrumentos ideológicos que procuram legitimar o regime. O peso de cada instituição na política determina o caráter do regime. Se é uma ditadura, o poder se apóia nas forças policiais e militares; sé é um poder democrático burguês, as principais instituição são o parlamento e o judiciário. Atacando todas as instituições, ataca-se o Estado burguês que é a trincheira mais importante da burguesia. A destruição do Estado burguês é condição para a revolução socialista.
No caso da mobilização no Egito, o ódio dos manifestantes ainda não se estendeu ao conjunto do regime, ou seja, as instituições que o sustentam (principalmente o exército) ainda não estão sendo atacadas pelos trabalhadores egípcios, até porque, diante da crise, a própria cúpula das forças armadas resolveu não intervir diretamente. O caráter de classe da mobilização também está bastante diluído. Um bom exemplo disso é o tratamento dispensado pelo povo ao executivo do Google que, por ser oposição e ser preso por Mubarak, foi saudado como um ídolo do movimento. Não estamos dizendo que o regime está intacto, pois a ameaça de uma mobilização desse porte balança qualquer regime e cria instabilidades que não podem durar muito tempo. É uma contradição importante que se colocou na realidade.
É importante ter uma definição precisa do processo que está em curso e destacar o papel do elemento ideológico nas revoluções, dando-lhe uma importância que a maioria da esquerda não leva em conta. Para uma revolução socialista, a primeira tarefa é derrotar política, social e ideologicamente a classe –ou bloco– dominante. Para isso, é necessária a formação, e principalmente o desenvolvimento de formas de poder paralelo dos trabalhadores, que avancem contra o poder da burguesia em seu conjunto, e não só o governo.
Uma rebelião se transforma em revolução somente quando passa a se propor resolver a disputa política e social em favor dos trabalhadores, procurando derrotar o Estado enquanto um conjunto de instituições. A presença do elemento subjetivo nas revoluções abre a possibilidade de que os trabalhadores tomem em suas mãos o seu destino, diminuindo o peso das direções traidoras que começam o movimento já pensando em como desviá-lo da sua radicalidade.
A história do século XX demonstrou que podem ocorrer revoluções, como a chinesa ou a cubana, sem que estejam totalmente desenvolvidas as condições subjetivas, mas são revoluções que cumprem algumas tarefas –como a libertação nacional – mas não avançam no que é essencial, a substituição do poder burguês pelo poder dos trabalhadores. Ou seja, para que tenhamos uma revolução socialista, é preciso que os trabalhadores exerçam o poder diretamente, e não através de formas substituicionistas, como os partidos-exército. A ausência do elemento consciente da classe operária tornou os processos chinês e cubano mais dramáticos, porque esses Estados já nasceram completamente desviados das formas de poder democrático do proletariado.
A história do século XX demonstrou que podem ocorrer revoluções, como a chinesa ou a cubana, sem que estejam totalmente desenvolvidas as condições subjetivas, mas são revoluções que cumprem algumas tarefas –como a libertação nacional – mas não avançam no que é essencial, a substituição do poder burguês pelo poder dos trabalhadores. Ou seja, para que tenhamos uma revolução socialista, é preciso que os trabalhadores exerçam o poder diretamente, e não através de formas substituicionistas, como os partidos-exército. A ausência do elemento consciente da classe operária tornou os processos chinês e cubano mais dramáticos, porque esses Estados já nasceram completamente desviados das formas de poder democrático do proletariado.
A SITUAÇÃO AINDA ESTÁ INDEFINIDA
A rebelião egípcia é sem dúvida a mobilização mais massiva e mais importante que a nova geração de trabalhadores militantes já presenciaram, colocando-se como uma das principais rebeliões do século XXI. A própria mídia burguesa indica que há um importante processo de auto-organização dos manifestantes. O acampamento na praça Tahrir, a resistência aos ataques das forças fascistas pró-Mubarak, as formas de auto-organização para garantir alimentação e infra-estrutura necessária para o movimento, são uma demonstração da força e decisão dos manifestantes. É um processo que surpreendentemente segue com uma força cada vez mais crescente. Outro elemento fundamental e que pode decidir os rumos do movimento é a entrada em cena do movimento operário, com as greves se alastrando por diversos ramos da economia egípcia, como os trabalhadores petroleiros, têxteis, do porto de Suez e grande parte do funcionalismo público.
O fato dos trabalhadores terem entrado no conflito significa que está dada a possibilidade de que haja uma saída classista, ou seja, pode ser o pontapé para uma organização dos trabalhadores independente da burguesia. Assim, os próximos acontecimentos serão decisivos para a sorte da rebelião dos trabalhadores egípcios.
Daniel Menezes Delfino
14/02/2011
14/02/2011
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