28.12.11

"Paradise now": um retrato humano da luta palestina



O texto abaixo é produto de um debate realizado na sede do Espaço Socialista, em 11 de junho de 2011, após a exibição do filme “Paradise now”. O vídeo-debate é parte de um ciclo de atividades em que usamos produções culturais como ponto de partida para discussões políticas, formação teórica e ideológica. Os objetivos desse ciclo são:

- proporcionar uma outra forma de vivenciar a cultura. O debate sobre uma obra a transforma numa experiência coletiva e ativa, ao invés da postura passiva de espectador pela qual a indústria cultural tenta nos acostumar a ver a cultura e a arte como simples entretenimento;

- oferecer produções que tenham conteúdo estético e político. Ao invés das obras facilmente esquecíveis da cultura comercializada, que não provocam nenhuma espécie de efeito transformador, buscamos obras capazes de suscitar discussões éticas, que exigem reflexão e tomada de posicionamento sobre questões humanas;

- combater as interpretações sobre os diversos fenômenos e dimensões da vida abordados pela arte enraizadas na ideologia burguesa prevalecente, construindo uma visão baseada na perspectiva da luta pela emancipação humana.
Antes do debate, apresentamos uma breve contextualização histórica, e concluímos com algumas delimitações políticas.

O PANO DE FUNDO HISTÓRICO

A história do chamado conflito palestino é uma tragédia do século XX. A aspiração até certo ponto legítima do povo judeu por um lar nacional foi transformada pelo imperialismo inglês, após a I Guerra, em pretexto para expulsar os palestinos de terras em que viviam há praticamente dois milênios (onde conviviam pacificamente com uma minoria de cristãos e judeus orientais) e lá instalar colonos vindos da Europa, onde os judeus ocidentais viviam uma história de séculos de anti-semitismo. Com o fim da II Guerra e a revelação do holocausto judeu nas mãos dos nazistas, sai o imperialismo inglês e entram os Estados Unidos e a ONU, com a proclamação de dois Estados na palestina, um judeu e um árabe. O Estado palestino jamais foi instalado e ao longo de sucessivas guerras o Estado de Israel ocupou todo o território que caberia aos dois Estados. O genocídio praticado pelos nazistas contra os judeus deu aos sionistas (setor do povo judeu que defende a construção de Israel às expensas dos palestinos) uma espécie de “álibi eterno” para praticar uma política de genocídio contra os palestinos.

Os palestinos vivem confinados em dois pequenos territórios, Gaza e Cisjordânia, cercados pelo exército de Israel, que controla todas as estradas e passagens e transforma sua vida numa humilhação cotidiana. Além disso, colonos judeus seguem se apropriando das melhores terras, das fontes de água, estradas, etc., nos chamados assentamentos na Cisjordânia. A maior população de judeus no mundo está nos Estados Unidos, de onde bilhões de dólares seguem anualmente em ajuda militar e tecnológica a Israel. Além disso, o “álibi” que os sionistas obtiveram com o holocausto é permanentemente reforçado perante a opinião pública mundial por filmes de Hollywood sobre o holocausto, tragédia que deve sempre ser lembrada, mas que recebe uma cobertura infinitamente maior que outros grandes crimes do século XX. Filmes como “Paradise now” são um modestíssimo contra-ponto ao avassalador predomínio ideológico do sionismo patrocinado por judeus estadunidenses.

O DEBATE SOBRE “PARADISE NOW”

O filme palestino “Paradise now”, de 2005, venceu vários prêmios em festivais internacionais, concorreu ao Oscar de filme estrangeiro e conta a história de dois jovens palestinos que optam por se tornarem homens-bomba e se sacrificarem em atentado suicida em Israel.

Trata-se de um exemplo de como um filme pequeno, de baixo orçamento, pode contar uma história fortíssima. Chama a atenção o contraste entre a riqueza de Israel, com suas cidades que parecem européias ou estadunidenses, arranha-céus modernos, vias expressas, etc.; e a pobreza dos palestinos, que parecem viver numa favela, cercados por prédios em ruínas, estradas esburacadas, casas amontoadas nos morros, etc. Os favelados no Brasil não reagem de forma organizada à opressão policial, à vida miserável sem luz, sem água, sem serviços públicos. Aqui não há o sentimento anti-imperialista, que os palestinos desenvolveram ao longo de uma história de humilhação e de vida aprisionada dentro do próprio país.

Os palestinos vivem numa situação de opressão, injustiça, falta de liberdade, mas resistem com grande dignidade e altivez, o que transparece no olhar dos personagens, ao início e ao fim do filme. Desenrolam-se diálogos impactantes, pois os personagens apresentam de maneira apaixonada os argumentos a favor e contra a estratégia do terrorismo. Ao mesmo tempo em que humaniza o homem-bomba, o filme apresenta questionamento quanto a essa forma de luta. Há uma cena curiosa em que o depoimento do homem-bomba é banalizado, a câmera não funciona, as pessoas comem, tirando a dramaticidade do momento (os palestinos vêem vídeos com os terroristas, como o resto do mundo vê filmes de “heróis” estadunidenses).

Segundo os partidários do terrorismo, ante a miséria, é preferível morrer, pois a vida é mais amarga do que a morte. Há situações em que não há alternativa além da luta armada. A causa palestina só sobreviveu porque houve uma resistência, mesmo com métodos problemáticos. O inimigo israelense usa de métodos terroristas contra a população palestina, com seu imenso poderio militar atacando a população civil, e isso precisa ser combatido de alguma forma. Se os atentados parassem, Israel não pararia.

Por outro lado, é preciso levar em consideração o fato de que é justamente o terrorismo palestino que oferece o álibi para a ação do imperialismo, como a reação que se seguiu ao 11 de Setembro, as invasões do Afeganistão e do Iraque, etc. Os homens-bomba se tornam heróis e mártires, mas o que ficam neste mundo enfrentam a resposta do sionismo e do imperialismo. Para cada atentado palestino, Israel responde com bombardeios, massacres, destruição, prisões, torturas, em doses altamente desproporcionais. O sofrimento dos que ficam aparece no personagem da mãe, que não pode fazer outra coisa a não ser chorar.

Paralelamente ao debate principal, aparecem outros detalhes da sociedade palestina. Ao contrário do estereótipo do “mundo árabe-muçulmano”, há uma grande diversidade de comportamentos, desde os talibãs mais fanáticos até os segmentos laicos e ocidentalizados. Há o personagem da mulher palestina que toma iniciativa em relação ao homem, algo totalmente diferente do estereótipo.

CONCLUSÕES POLÍTICAS

O movimento revolucionário já usou o terrorismo em outras épocas, mas com uma viabilidade muito limitada. O terrorismo não pode ser o método privilegiado de luta. A organização terrorista, tal como retratada no filme, apresenta uma estrutura militarizada, rigidamente hierarquizada, com uma separação burocrática entre os quadros dirigentes e os soldados (entre os quais se incluem os homens-bomba). Essa organização atua de forma totalmente descolada do restante da população que supostamente defende. Não há nenhum tipo de controle democrático sobre o seu funcionamento e atividades. O terrorismo acaba funcionando como um obstáculo para a auto-organização da população.

A resistência palestina deve ser apoiada contra os ataques de Israel e dos Estados Unidos e as campanhas de difamação da imprensa burguesa, mas a linha política das organizações terroristas não será capaz de trazer soluções duradouras para os trabalhadores palestinos. Seu projeto de “Estado islâmico” é autoritário, opressivo, machista e homofóbico, e mantém-se compatível com o sistema capitalista, que é a fonte da exploração dos trabalhadores e da opressão da nacionalidade palestina.

A alternativa ao terrorismo não é o pacifismo e o reformismo, mas a auto-organização dos trabalhadores. O problema palestinos não é um problema de nacionalidade nem muito menos de religião, mas um problema de classe. Há trabalhadores judeus e judeus não-sionistas, para quem a política terrorista de Israel também é um problema (há uma cena em que o homem-bomba palestino hesita ao encontrar trabalhadores judeus num ponto de ônibus). Essa política interessa apenas à burguesia israelense e estadunidense, defensores do capitalismo, que é o verdadeiro inimigo de todos os povos.

Daniel Menezes Delfino
28/06/2011

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