28.12.11

Desastres naturais e a barbárie nuclear do capital


Em janeiro de 2010 um terremoto de 7 graus de magnitude arrasou o Haiti, deixando 222 mil mortos, 310 mil feridos, 1,5 milhão de desabrigados e mais 766 mil pessoas que se deslocaram para outras regiões do país (globo.com, 17/03/2010).

Em março de 2011, um terremoto de 8,9 graus atingiu o litoral do Japão, desencadeando um tsunami em seguida, cujas ondas destruíram tudo o que existia numa área de dezenas de quilômetros no leste do país. A contagem de mortos está em pouco mais de 10 mil vítimas, com cerca de 15 mil ainda desaparecidos.

Considerando que cada ponto na escala de magnitude significa uma liberação de energia 32 vezes maior que o grau anterior, o terremoto no Japão foi quase 900 vezes mais forte que o do Haiti (bbc Brasil, 11/03/2011); e mesmo supondo que todos os habitantes da região atingida no litoral japonês que estão atualmente desaparecidos sejam ao final dados como mortos, ainda assim o número de vítimas no país asiático será cerca de 10 vezes menor que no do Caribe.

Por que uma catástrofe natural tantas vezes mais forte provoca um número tantas vezes menor de vítimas de um país para o outro? A resposta é óbvia, o Japão é um país rico, com PIB de US$ 5,39 trilhões, o 3º maior do mundo, enquanto que o Haiti é o 145º, um dos mais pobres, com PIB de US$ 6,49 bilhões (valores nominais de 2010, segundo dados compilados do FMI, Banco Mundial e CIA World Factbook, disponíveis na Wikipédia).

Entretanto, essa resposta bastante óbvia nunca é desenvolvida até a sua conclusão lógica, ou seja, as catástrofes naturais se tornam mais mortíferas ou não de acordo com as condições sociais de cada país atingido. Os eventos naturais são até certo ponto aleatórios, pois, por exemplo, conhecem-se as regiões do planeta mais sujeitas a terremotos, porém nunca se sabe ao certo quando acontecerá o próximo e quão forte será. Mas as conseqüências sociais de cada evento se distribuem de acordo com uma lógica bastante precisa e previsível, que tem a ver com o papel que cada sociedade ocupa na hierarquia mundial. O Japão é uma das principais potências imperialistas mundiais, com recursos suficientes para fazer frente ao desastre.

Evidentemente, isso não significa que as vítimas e desabrigados no Japão, por serem em menor número, são menos importantes, e que não tenham enfrentado um sofrimento bastante real e terrível. O terremoto seguido de tsunami, além das vítimas fatais, deixou mais de 200 mil desabrigados, cortou o fornecimento de energia elétrica em diversas regiões, inclusive a capital Tóquio, paralisou o transporte ferroviário e portuário, além de danificar fábricas e forçar uma paralisação na produção em diversos setores. Para complicar ainda mais a situação, uma nevasca dificultou nos primeiros dias imediatamente seguintes os trabalhos de remoção dos escombros e o alojamento dos desabrigados.

As conseqüências do evento se farão sentir ainda por muito tempo. O Japão é o maior fornecedor mundial de componentes para produtos eletrônicos e de alta tecnologia, como chips e processadores que são usados em computadores, celulares, câmeras, aparelhos de TV, etc., montados em outros países como a China e o sudeste asiático e exportados para o mundo inteiro. Cerca de 30% das empresas tiveram suas atividades momentaneamente paralisadas. As estimativas de prejuízos com a queda da atividade econômica, pagamento de seguros, reconstrução das áreas atingidas, etc., estão em torno de US$ 310 bilhões (notícias uol, 22/03/2011), gigantesca mesmo para a 3ª maior economia do mundo.

O fato de se tratar de um país rico não significa que esteja imune às conseqüências sociais dos eventos naturais, pois como dissemos acima, a população japonesa está enfrentando uma série de pesados sofrimentos. Ainda por cima, surgiu logo em seguida a ameaça de contaminação por radiação a partir da usina nuclear de Fukushima, seriamente avariada pelo terremoto e tsunami. A riqueza do Japão, que pode ter evitado um desastre ainda maior, contém em si um aspecto contraditório, que é o fato de ser produto das relações capitalistas de produção. A riqueza e a prosperidade do Japão estão assentadas sobre uma base social tão instável quanto as placas tectônicas cujo movimento provocou o terremoto.

A economia japonesa precisa importar quase toda a energia que consome. Entre 70 e 75% da energia japonesa provém de petróleo, carvão e gás natural, dos quais praticamente 100% são importados. ¼ do petróleo consumido no país é processado em refinarias localizadas nas regiões atingidas pelo terremoto e tsunami, as quais estão paralisadas, seja por danos nas instalações ou por precaução (estadao.com.br, 14/03/2011).

Para tentar compensar essa dependência crônica de petróleo, o país optou pelo uso de energia nuclear, que responde pelos quase 30% restantes do consumo de energia, a partir de 55 usinas. Isso representa no mínimo uma ironia cruel, pois o Japão é o único país até hoje atingido por armas nucleares. Para encerrar a disputa interimperialista da II Guerra Mundial, os Estados Unidos bombardearam as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945 com bombas que mataram mais de 200 mil pessoas, além de deixar outros milhares de feridos e pessoas doentes por conta da radiação, cujos efeitos, como câncer, má formação de fetos, etc., se prolongaram por décadas e afetaram várias gerações. Esse legado terrível deveria ser o suficiente para dissuadir os dirigentes japoneses do uso da energia nuclear, mas a necessidade de diminuir a dependência em relação ao petróleo falou mais alto.

Assim, o terremoto de 11 de março de 2011 transformou as usinas da região atingida em novas bombas atômicas em potencial. As usinas nucleares produzem eletricidade a partir do calor gerado por materiais radioativos, cuja contenção é crucial, pois a radioatividade é mortal para o homem. O terremoto abalou as estruturas de contenção e resfriamento das usinas da região de Fukushima, que tiveram que ser desativadas. Para evitar o superaquecimento e a explosão, parte do vapor da usina, com carga radioativa, teve que ser liberado na atmosfera.

A nuvem radioativa criou uma nova onda de medo após o terremoto e o tsunami. Mais de 100 mil habitantes num raio de 30 quilômetros da região tiveram que ser evacuados por precaução. Milhares de estrangeiros estão deixando o Japão por medo de uma catástrofe nuclear. Diversos países anunciaram a suspensão da importação de alimentos vindos do Japão. O nível de radioatividade está muito maior do que seria o aceitável, principalmente na água. O terror nuclear toma conta da população a cada nova notícia sobre a condição das instalações de Fukushima.

O governo japonês demorou a tomar providências e divulgar a gravidade da situação, ameaçando a vida da população para não pôr em risco a imagem da indústria nuclear do país. "Os reatores fechados devido ao terremoto são responsáveis por 18% da capacidade de geração de energia nuclear do Japão" (http://www.agora.uol.com.br/mundo/ult10109u887723.shtml). Como sempre, os interesses econômicos falaram mais alto do que a vida das pessoas. A empresa Tepco, responsável pelos reatores, já produziu mais de duzentos incidentes desde 1978 (Boletim Crítica Semanal, nº 1056, 2011).

O fato de que o Japão se localize sobre uma falha tectônica sujeita a terremotos é um dado da natureza que não se pode alterar. Mas a opção pela energia nuclear e seus riscos é uma opção puramente humana. Sem falar no perigo dos casos extremos de acidentes e explosões, a contaminação por vazamentos é um risco constante desde a produção do combustível nuclear, seu transporte e utilização, até o descarte final do material consumido, na forma de lixo nuclear, que conserva o poder radioativo por milhares de anos. Essa opção humana, irracional do ponto de vista das necessidades da espécie, somente se torna racional do ponto de vista do modo de produção capitalista, um sistema cuja irracionalidade o converte cada vez mais em uma ameaça para a simples sobrevivência da humanidade.

O caso japonês demonstra mais uma vez o quanto o capitalismo é pernicioso e mortal. A energia nuclear sob controle de empresas capitalistas mais preocupadas com o lucro do que com a segurança, num país sujeito a terremotos, serve como exemplo de que não se pode deixar o conhecimento científico sob controle da propriedade privada. Para completar, precisamos retomar a questão de que a opção por energia nuclear é uma forma de minimizar a dependência em relação aos combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural. Mas se a energia nuclear tem o problema do risco de vazamento de radiação, os combustíveis fósseis também não são a opção mais adequada, pois até a ONU já reconheceu a relação entre os gases derivados da sua queima e o efeito estufa, fonte de uma série de outros desastres “naturais”. Basta lembrar das enchentes deste ano, no Brasil.

O mundo precisa de uma nova matriz energética, renovável, limpa e sustentável. Mas a troca dos combustíveis fósseis (e da energia nuclear) por essas fontes alternativas não será feita pelo capitalismo, enquanto houver possibilidade de lucrar com as atuais fontes. Por mais mortíferas que tenham se provado. Somente uma sociedade socialista, que aproveite os recursos naturais e tecnológicos de acordo com as necessidades humanas e de uma forma racional e renovável, pode por fim às catástrofes e ao espectro da barbárie.

Daniel Menezes Delfino
27/03/2011

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