28.12.11

Eleições 2010: o falso debate e a alternativa dos trabalhadores



A continuidade do neoliberalismo

Enquanto os países imperialistas se defrontam com a necessidade de esmagar os seus trabalhadores, obrigando-os a aceitar a degradação de suas condições de vida, o proletariado dos países periféricos já convive com uma miséria crônica, permanente, estrutural. Além disso, continentes como a América Latina enfrentaram, durante a década de 1990, processos de reestruturação neoliberal que fragilizaram sobremaneira o setor mais organizado da classe trabalhadora (reestruturação produtiva, privatizações, reforma da previdência, arrocho salarial), diminuindo seu poder de resistência e abrindo caminho para um aumento expressivo da lucratividade dos empreendimentos capitalistas (em especial bancos, agronegócios e os setores que produzem para exportação). Isso deu à burguesia instalada nesses países uma flexibilidade maior para atravessar a crise econômica e para que seus gestores aparecessem para o mundo como um suposto exemplo de sucesso.

No caso do Brasil, quem se beneficiou politicamente dos ajustes neoliberais foi justamente o partido que nominalmente fazia oposição a esse projeto, ou seja, o PT. O governo Lula, eleito em 2002 com base na rejeição popular ao neoliberalismo e na esperança de mudança, deu continuidade a essa mesma política. Vejamos alguns pontos dessa continuidade:

- Prosseguiram os criminosos pagamentos da dívida pública (uma média de escandalosos R$ 200 bilhões de reais por ano). A dívida externa foi convertida em dívida interna, mas continua sangrando as finanças do país. Os juros pagos pelo governo brasileiro, embora tenham caído muito, permanecem entre os mais altos do mundo, beneficiando os especuladores;

- Enquanto os especuladores e outros setores da burguesia faturam com toda sorte de benefícios (isenções fiscais, obras de infra-estrutura, empréstimos facilitados, liberdade para a remessa de lucros ao exterior), a população sofre com o sucateamento dos serviços de previdência, saúde, educação, transporte público, asfixiados por cortes de verbas;

- As estatais privatizadas durante o governo FHC (o caso mais criminoso foi o da Vale do Rio Doce) não foram reestatizadas e novas privatizações foram feitas (reservas de petróleo, bancos estaduais, rodovias, concessões do uso de florestas). As principais estatais, como Petrobrás e Banco do Brasil, são geridas como empresas privadas, voltadas para o lucro, sem compromisso com os trabalhadores e em benefício de acionistas privados, inclusive estrangeiros;

- Prosseguiram as (contra)reformas, como a da Previdência, atacando inicialmente os servidores públicos; a reforma universitária, sucateando as universidades públicas e financiando o ensino privado; aspectos parciais da legislação trabalhista;

- A política econômica seguiu privilegiando os setores da burguesia que mais lucram com a atual inserção do Brasil na divisão mundial do trabalho como exportador de produtos agrícolas e manufaturas de baixo valor. É o caso dos bancos, do agronegócio e das transnacionais que usam o país como plataforma de exportação.

Imagem e realidade do governo Lula

Para tornar aceitável esse programa anti-operário, o governo se revestiu de uma imagem popularesca, repartindo migalhas para o setor mais pobre da classe trabalhadora através dos programas de bolsa-esmola, que criaram um eleitorado fiel nos moldes do velho clientelismo, renovado por técnicas de marketing. Para o setor médio da classe trabalhadora, o governo Lula acenou com o crescimento do crédito, dando a essa camada a condição de adquirir casas, carros e eletrodomésticos numa escala que antes não era possível. Um relatório do Banco Central publicado no final de março mostrou que a relação entre o volume total de empréstimos chegou a 44,9% do PIB em fevereiro de 2010, contra 40% em 2009. Esse aumento expressivo do crédito (ou seja, do endividamento dos trabalhadores) é uma das explicações para o aparente sucesso do governo em contornar temporariamente a crise econômica mundial.

Contra o setor mais organizado da classe trabalhadora (servidores, professores, funcionários das estatais) e os movimentos que ousaram se colocar em luta (sem-terra, favelados, sem-teto), o governo usou a repressão policial e judicial, processos e perseguições, além de contar com o controle do PT sobre os principais instrumentos de luta para evitar a massificação de greves, ocupações e lutas sociais. A conversão do PT em instrumento auxiliar da burguesia, ajudando por meio das centrais sindicais a validar as demissões, reduções de salários e cortes de direitos durante o auge da crise, foi também fundamental para aplicar os ataques à classe trabalhadora.

Por último, o governo usa também de chantagem, com a ameaça da volta do PSDB ao governo. Com isso, mesmo os setores organizados da classe, como os funcionários das estatais, duramente atacados pelo governo durante seus dois mandatos (arrocho salarial, reestruturações, degradação das condições de trabalho, repressão às greves), tendem a ver a continuidade do PT no governo, através da candidatura Dilma, como um mal menor em face da possibilidade de retorno do PSDB.

Verdade e falsidade na disputa PT X PSDB

Sabemos o quão desastroso foi para a classe trabalhadora brasileira o governo FHC e o quanto pode ser um eventual governo Serra, o qual combatemos no estado de São Paulo. Somos oposição ao governo Lula não por considerar que o PSDB é a alternativa, mas por saber que a candidatura Dilma e o PT não governam no interesse dos trabalhadores. Não são uma defesa contra os ataques da burguesia. O PT se converteu num partido burguês composto de burocratas. Os traços de presença operária remanescentes na base do PT não têm mais qualquer influência nas instâncias decisórias do partido. O PT sobrevive do aparato do Estado, dos mandatos parlamentares, dos cargos de confiança, diretorias de estatais, controle sobre os fundos de pensão e até mesmo da corrupção (de cujos casos o governo Lula foi pródigo, desde o mensalão até o recente exemplo da Bancoop). O PT funcionou como mais um partido burguês na repartição do poder feita por Lula, que se manteve no governo com o apoio de setores altamente reacionários, como o PMDB de Sarney.

Isso não significa que não haja uma disputa real entre PT e PSDB, pois os dois partidos vão travar uma disputa de morte até outubro pela presidência. A questão é que essa disputa diz respeito a diferenças no método de gestão do mesmo projeto e não quanto ao projeto em si. O PT defende um projeto de capitalismo com maior controle do Estado (porque ele PT, enquanto dependente da burocracia estatal, sobrevive às custas de parcelas do lucro que daí consegue extrair), mediações no ataque aos trabalhadores (verbas para assentamentos do MST, Pró-Uni para cooptar possíveis ativistas, bolsa-esmola para contentar o setor mais pobre, reconhecimento das centrais sindicais para que legitimem as medidas da burguesia, repressão pura e dura contra quem se atreve a lutar) e algumas facilidades ao mercado interno para contentar os setores médios. O PSDB defende um Estado enxuto, uma gestão “eficiente” (ou seja, em que a burocracia não fique com nenhuma fatia dos lucros), e trata os movimentos sociais como caso de polícia.

A alternativa não está portanto entre PT e PSDB, pois ambos reprimem os trabalhadores e se colocam a serviço dos lucros da burguesia. É falsa a afirmação de que um eventual governo Dilma, por representar a continuidade do lulismo, seria um mal menor. As demissões, reduções de salário e retirada de direitos correram soltas no auge da crise. E na suposta “recuperação” econômica que estamos vivenciando, os trabalhadores estão sendo contratados para trabalhar mais e ganhar menos. A reestruturação produtiva prossegue, com o aumento da exploração e a degradação das condições de trabalho em todas as empresas. Tudo isso ocorreu com a colaboração explícita de Lula e do PT. O PT, com Lula ou Dilma no governo e a Articulação no comando da CUT e demais centrais sindicais, não representa uma defesa contra os ataques da burguesia.

Os limites da democracia burguesa

O comportamento de Lula e do PT não é simples acidente ou traição, mas segue uma lógica, a lógica da democracia burguesa, que consiste em mudar as aparências para que tudo continue igual. Periodicamente, quando o capitalismo vivencia uma crise de legitimidade, uma dificuldade para aplicar os programas de interesse da burguesia, a classe dominante apela para o recurso da democracia burguesa e promove a eleição de governantes que supostamente representam a “mudança”. Esses governantes são eleitos com as esperanças ardentes de milhões de trabalhadores, como uma figura messiânica, um “salvador da pátria” todo-poderoso. É o caso de Lula no Brasil ou mesmo de Obama nos Estados Unidos.

Entretanto, tão logo assumem o governo, descobre-se que esses governantes não podem na verdade mudar nada. Eles dão continuidade ao mesmo programa dos demais partidos burgueses. Quando alguns setores da classe trabalhadora mais conscientes e mais mobilizados começam a perceber que não houve mudança, que tudo continua como antes, que prosseguem os benefícios para o grande capital, a corrupção, a repressão sobre as lutas sociais; então esses mesmos governantes, que no dia em que foram eleitos eram todo-poderosos, imediatamente se convertem em seres impotentes. De repente, mostram-se incapazes de lutar contra as forças da direita. De repente, eles precisam do máximo de apoio e do mínimo de crítica. Surge o discurso de que o burocrata de plantão é um mal menor e de que o importante é impedir a volta da direita.

Poucas vezes um governante foi eleito com base em tamanha esperança e respaldo popular e tamanho ódio contra seus adversários e o programa que representam como nos casos de Lula e Obama. Se houvesse a intenção de mudar alguma coisa de fato, havia força social e política para isso. A questão é que não havia intenção de mudança nenhuma. O objetivo das eleições é justamente impedir que essa força social e política da classe trabalhadora desejosa de mudança realize as mudanças por si mesma, por meio da ação direta, das greves, das ocupações, da auto-gestão, da criatividade libertada. O objetivo é justamente fazer com que a classe trabalhadora fique paralisada, em estado de espera e eterna dependência para com o dirigente.

A verdadeira alternativa: organização dos trabalhadores

Diante do mecanismo da democracia burguesa, a alternativa para os trabalhadores não está na eleição de um governante que supostamente resolva seus problemas, mas está na auto-organização da classe para lutar por um programa que contemple as suas necessidades. Só a luta muda a vida. Só a greve pode nos dar a redução da jornada de trabalho sem redução de salários. Só a ocupação do latifúndio pode nos dar a terra para produzir alimento e impedir a degradação do meio ambiente. Só a participação ativa e consciente dos trabalhadores na gestão de todos os aspectos da vida social, do trabalho, da educação, da cultura em todas as suas manifestações, das relações entre os sexos, pode construir um modo de vida livre de exploração e de todas as formas de opressão racial, machista e sexista.

A função das organizações políticas da classe trabalhadora, dos partidos operários legalizados perante o Estado para disputar eleições não é disputar parcelas de poder no interior do aparato estatal (esse foi o caminho que levou à degeneração do PT e à sua transformação em instrumento da burguesia), mas fazer a denúncia da democracia burguesa e a defesa de um programa que contemple as reais necessidades dos trabalhadores. Diante do atual quadro, em que a maior parte da classe trabalhadora brasileira tende a ver a candidatura Dilma como uma possível esperança ou um mal menor contra Serra, o papel da esquerda organizada deveria ser o de construir anti-candidaturas operárias para o parlamento e o executivo que fizessem a denúncia dessa falsa disputa, revelassem os interesses que esses partidos representam e expusessem um programa dos trabalhadores, um programa socialista.

Para cumprir essa tarefa, um pré-requisito seria o diálogo com a base das categorias, com os ativistas e a vanguarda dos trabalhadores que, com todas as dificuldades, se colocaram em luta ao longo do governo Lula. Seria preciso organizar um verdadeiro Movimento Político dos Trabalhadores como alternativa unitária contra as candidaturas burguesas e instrumento para a construção de um programa contra o capitalismo. Entretanto, os movimentos que temos visto por parte dos partidos operários existentes no Brasil, PSOL, PSTU, PCB e PCO, não vai nessa direção. Todos têm preferido as discussões de cúpula e o lançamento de candidaturas próprias.

Fazemos o chamado a essas organizações para que revejam essa política equivocada e se coloquem a serviço da construção de um Movimento Político unitário, tão necessário nas difíceis condições atravessadas pela nossa classe. Essa é a nossa responsabilidade histórica como lutadores pelo socialismo.

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