30.4.07

Há “Sinais” de vida inteligente na Terra?


(Comentário sobre o filme “Sinais”)



Nome original: Signs
Produção: Estados Unidos
Ano: 2002
Idiomas: Inglês, Português
Diretor: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: Mel Gibson, Joaquin Phoenix, Rory Culkin, Abigail Breslin, Cherry Jones, M. Night Shyamalan
Gênero: drama, mistério, ficção científica, thriller
Fonte: “The Internet Movie Database” – http://www.imdb.com/

O diretor de “Sinais”, M. N. Shyamanlan, se notabilizou por algumas características essenciais recorrentes em seus dois filmes anteriores, “Sexto Sentido” e “Corpo Fechado”. A primeira característica é o truque de surpreender o público no final com a revelação de algo que já estava presente desde o começo, mas que ninguém havia percebido, e que surge para arrematar a história.

A segunda característica é o projeto explícito de colocar em pauta, de forma realista, as grandes mitologias contemporâneas. Seus filmes procuram mostrar como seria o mundo se os espíritos dos mortos pudessem fazer contato com os vivos; como seria se os super-heróis existissem de verdade; como seria se os extra-terrestres estivessem prestes a invadir a Terra.
A segunda característica está presente em Sinais. A primeira não. Por conta disso, o filme perde algo de seu impacto para aquela parcela do público que acompanha o trabalho do diretor. Esse público espera por alguma revelação mirabolante que contradiga todos os indícios que vinham sendo apresentados. Mas dessa vez, a revelação não surge, os indícios se mostram verdadeiros e há uma espécie de frustração para quem foi ao cinema com a intenção de “duelar” com o diretor e de não se deixar enganar por seus sutis truques narrativos.

A expectativa de que o filme tenha um determinado desenvolvimento, que na verdade não tem, expectativa criada pelo próprio diretor em seus filmes anteriores, pode impedir o espectador de aproveitar as demais qualidades de Sinais. A segunda característica, a exploração realista dos mitos que envolvem uma possível vinda de extra-terrestres, está desenvolvida com maestria.

Encontramos todas as crenças exóticas difundidas por ufologistas e nerds em geral: sinais em plantações, luzes nos céus das cidades, pássaros que batem em paredes no céu e caem mortos, vídeos caseiros de lugares distantes (Passo Fundo, RS - Brasil!!!) que flagram ETs sorrateiros à espreita, militares caricatos com suas desvairadas paranóias de inteligência bélica, livros de pseudo-cientistas com nomes bizarros especulando sobre os prováveis passos de uma invasão alienígena, etc.

Tudo isso tratado de maneira séria, realista, circunspecta, peculiar ao diretor. Diante de tanto exotismo, a impressão é de que em certos momentos estamos diante de uma comédia. Esse pequeno catálogo de crenças bizarras e teorias conspiratórias, familiares a um público educado por “Arquivo X” e J.J Benítez, despejado em dose concentrada, produz uma sensação de farsa, em que o logro está próximo.

Assim, mesmo a audiência que não tem qualquer expectativa em função da obra anterior do diretor, adota inevitavelmente uma postura cínica bem-humorada e desconfiada, a espera de que todas as sandices se mostrem afinal ilusórias. E esse tom involuntário de comédia se articula de forma precária com o suspense que se anuncia, e com o terceiro elemento do filme e da obra de Shyamalan, que é o que podemos chamar de drama familiar. Essa é a surpresa armada pelo diretor nesta obra: a ausência de surpresa. Em lugar da charada intrigante, ganha espaço o drama familiar. Um filme sobre uma possível invasão alienígena que não traz batalhas de naves espaciais nem militares heróicos ao estilo “ID4”, e sim uma família isolada numa fazenda, vivendo o drama da falta de fé do protagonista, o pai da família e ex-pastor vivido por Mel Gibson (o astro carismático num papel diferente do habitual, outra característica de Shyamalan).

O que chamamos de drama familiar neste caso é um tradicional “drama estadunidense” típico. No drama estadunidense personagens que se recusam a lidar com traumas, dores e fracassos, provocados por derrotas ou tragédias do passado, são obrigados a voltar a esse passado, defrontar-se com seus fantasmas e somente assim encontrar forças para lidar com a ameaça presente.

No caso de Sinais, o trauma é a morte da mulher do pastor num acidente automobilístico. Essa tragédia indispôs o pastor com sua crença e tornou-o triste e distante. Somente quando ele percebe a sabedoria do Criador, expressa nas últimas palavras de sua mulher, passando a acreditar num milagre salvador, esse milagre se faz presente e salva a família do perigo. O perigo, além da ameaça alienígena, é a desarticulação da família. É necessário que haja uma reaproximação dos filhos com o pai, e deste com seu irmão, o qual por sua vez precisa se reconciliar com o baseball.

É somente ao custo destas reconciliações, da aceitação da perda, que o drama se resolve. Essa fórmula convencional de drama desponta de forma estranha como núcleo principal do filme, tendo como pano de fundo a comédia e o suspense da invasão alienígena. A ameaça somente se torna convincente, paradoxalmente, devido à insistência do personagem de Mel Gibson em não acreditar no sobrenatural e no extraordinário.

A recusa dolorida do protagonista em aceitar forcas ocultas dirigindo seu destino (se há um Deus, como ele pôde deixar sua esposa morrer?) torna os indícios que surgem ao seu redor, vultos e sons, realmente intrigantes e assustadores, e o filme produz seus resultados também como suspense. O filme tem problemas de ritmo e de articulação entre seus subtextos, mas estes são compensados pela capacidade do diretor ao esculpir com precisão as diversas facetas particulares da obra e pela competência e carisma do elenco, inclusive as crianças.

Dissemos que esses elementos se articulam de forma precária, mas no geral a impressão final é agradável. Descobrimo-nos diante de um filme atípico, nem comédia, nem drama, nem suspense e nem ficção científica, mas mitologia em sentido amplo. Um filme típico de um ardiloso artesão cinematográfico.

Daniel M. Delfino

28/09/2002

Nenhum comentário: