Termina mais um campeonato brasileiro, com a vitória do Cruzeiro de BH. Uma campanha mais do que perfeita, com 100 pontos, 102 gols marcados, o melhor jogador da temporada, liderando quase de ponta a ponta. Dentro de campo, mais um espetáculo de técnica, determinação, organização, dignos da história do futebol brasileiro. Nesse aspecto, continuamos bem como sempre estivemos.
Mas até quando? Craques, sempre os tivemos, e provavelmente, continuaremos tendo-os. Mas haverá clubes para os quais eles possam jogar? Haverá campeonatos nacionais? Não se terá tudo transformado numa enorme várzea daqui há algumas décadas?
Faço essa pergunta em razão dos problemas financeiros dos clubes brasileiros. O jornal “Valor” publicou na edição de 15/12/2003 uma matéria com o sugestivo título: “Elite do futebol afunda no prejuízo”.
Destaca a matéria:
“A maioria dos clubes de futebol começou a publicar seus balanços a partir de 2001 (alguns já faziam isso antes), quando uma Medida Provisória obrigou-os a divulgar os dados seguindo parâmetros das sociedades anônimas. A confirmação pelos números da quebradeira geral do futebol que se viu na primeira safra de balanços, no ano passado, não chegou a ser uma surpresa, já que não era novidade a situação precária dos clubes. Agora, talvez ninguém estranhe que a situação piorou ainda mais.
Juntos, os 16 clubes (os grandes do futebol brasileiro) foram de um lucro de R$ 22,5 milhões em 2001 para um prejuízo de R$ 172,9 milhões em 2002. Entre as equipes pesquisadas, 13 pioraram o resultado (...)”
Por quanto tempo os craques conseguirão driblar a incompetência dos cartolas? Se em campo nossos jogadores dão espetáculo, fora dele os cartolas protagonizam vexame atrás de vexame. Transformam num mico um negócio que tem um dos produtos mais vendáveis do mundo. Se os jogadores são os melhores, as torcidas são apaixonadas e os jogos tem audiência na TV, o que explica o prejuízo dos clubes? Porque os grandes clubes não conseguem manter jogadores e são obrigados a vendê-los tão logo os revelam? A quem interessa tamanha precariedade e instabilidade?
A falta de organização é sem dúvida um fator decisivo. Um simples estagiário da NBA saberia organizar um campeonato brasileiro eletrizante como jamais sonhou qualquer presidente da CBF. Mas isso apenas desloca a pergunta de lugar. Porque o futebol brasileiro continua tão desorganizado? Quem se beneficia com isso? A quem interessa que o futebol permaneça desorganizado e falimentar? Quem lucra com as negociatas obscuras e a falta de transparência?
A resposta para todas essas questões se resume a duas alternativas. Ou os nossos dirigentes são imbecis demais ou são espertos demais...
Em ambos os casos, é inaceitável que continuem à frente dos clubes. Reitero sempre que a classe dos dirigentes do futebol brasileiro é provavelmente o setor mais reacionário da nossa sociedade, um refúgio de fósseis coronelistas da época da ditadura e quiçá das capitanias hereditárias. Os dirigentes de clube pensam com uma mentalidade de classe de proprietários de engenho. O futebol é deles e ninguém tasca.
Gerenciamento profissional dos clubes, nem pensar. Entregar o comando a executivos contratados soa como insulto. Se tivesse um gerenciamento profissional, o campeonato brasileiro não poderia ter mais do que 20 times, com rebaixamento de três ou quatro para a 2a. divisão e critérios claros para classificação para Libertadores e Sul-americana. Campeonatos estaduais seriam transformados em competições preparatórias de pré-temporada. A Copa do Brasil passaria a ter critérios técnicos para admitir participantes. Os calendários seriam divulgados com antecedência, os horários dos jogos definidos de maneira a facilitar a vida do torcedor que freqüenta o estádio (como é o caso deste escriba), etc..
Não se pede nenhuma revolução extraordinária. Ninguém precisa inventar a roda. Os formas de disputa dos campeonatos europeus são as mesmas há um século. E há décadas as médias de público nos estádios europeus oscilam por volta de 30.000 pagantes. No Brasil, mal chegam a 10.000. As fórmulas intrincadas, injustas, as viradas de mesa, os “tapetões”, a desmoralização, o sucateamento dos estádios, a violência, afugentaram o torcedor brasileiro dos campos. A fórmula de pontos corridos, inaugurada este ano, se perpetuada, favoreceria o planejamento, a organização, a seriedade, a regularidade.
Com isso a disputa seria acirrada. Clubes grandes correriam riscos e eventualmente seriam rebaixados. E teriam que reconquistar sua grandeza em campo, como fizeram este ano Palmeiras e Botafogo. Como acontece em todos os campeonatos europeus, pois em cada país da Europa, os times que nunca caíram para a 2a. divisão são a exceção e não a regra. A maioria dos times já caiu. E já voltou. Porque é justamente disso que se trata: competição. E toda competição tem vencedores e perdedores.
No Brasil, querem fazer uma competição em que não haja perdedores. Querem fazer de tudo para que os grandes não sejam rebaixados. Os compadres querem que o jogo continue sendo decidido entre eles. Como a classe dirigente nacional, os políticos que protegem a si mesmos e ocultam os escândalos de corrupção uns dos outros.
A mentalidade de não correr riscos é a mesma dos empresários nacionais. Ao menor sinal de risco de perder dinheiro correm para o Estado. Como não há lucro privado, querem socializar o prejuízo. A mesma edição do “Valor” de 15/12/2003 destaca numa outra matéria a possibilidade de recorrer ao socorro do dinheiro público. Depois do Proer, teremos o “Probol”:
“Um estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo sugere que a injeção de R$ 200 milhões em recursos públicos livra os clubes do futebol do sufoco financeiro, permite a renegociação das dívidas trabalhistas e fiscais e abre caminho para a profissionalização da gestão”.
No papel, o projeto parece ser dos mais louváveis:
“A partir daí, continua o economista (Antonio Carlos Aidar, da FGV), os clubes estão obrigados a mudar seus estatutos e formar diretorias com executivos não eleitos. Ao mesmo tempo, a idéia da FGV é fixar um calendário dos jogos por um horizonte de longo prazo, de cinco anos.”
Empréstimos maciços do governo para setores específicos sempre deixam um ar de suspeita. A transparência não é sempre aquela desejável. Os beneficiários acabam sendo os grandes vilões da história. Que o digam o Proálcool do usineiros. O pior é que o exemplo negativo desses “Pros” da vida acaba enterrando idéias que em si são aceitáveis. Como o Proálcool, que poderia ser a solução do problema energético brasileiro, mas se transformou num mico para os donos de carros a álcool. É preciso uma grande dose de otimismo para acreditar que com o Probol tudo seria diferente.
Talvez essa fosse a oportunidade de fazer um saneamento do futebol e oferecer a reestruturação apenas aos clubes que se enquadrassem num modelo moderno e transparente de gestão. Isso seria a chance de alijar do comando dos clubes essa casta reacionária de dirigentes fósseis. Deveria ser colocado como condição: para que o Vasco obtivesse empréstimo, que afastasse Eurico Miranda, o Palmeiras, Mustafá Contursi, o Corinthians, Dualib, etc.. Essa oportunidade seria perfeita se tivéssemos um governo ousado e dotado de um projeto nacional digno desse nome. Mas o governo Lula, para frustração da torcida, joga na retranca no que diz respeito à mudanças. E tem verdadeira ojeriza à palavra ousadia. Lamentável...
Enquanto isso, o Brasil ganha os mundiais sub-17 e sub-20. Novas gerações de craques continuam surgindo, à espera de que uma nova geração de dirigentes com talento à altura faça do futebol brasileiro o espetáculo completo que ele merece.
Daniel M. Delfino
16/12/2003
Mas até quando? Craques, sempre os tivemos, e provavelmente, continuaremos tendo-os. Mas haverá clubes para os quais eles possam jogar? Haverá campeonatos nacionais? Não se terá tudo transformado numa enorme várzea daqui há algumas décadas?
Faço essa pergunta em razão dos problemas financeiros dos clubes brasileiros. O jornal “Valor” publicou na edição de 15/12/2003 uma matéria com o sugestivo título: “Elite do futebol afunda no prejuízo”.
Destaca a matéria:
“A maioria dos clubes de futebol começou a publicar seus balanços a partir de 2001 (alguns já faziam isso antes), quando uma Medida Provisória obrigou-os a divulgar os dados seguindo parâmetros das sociedades anônimas. A confirmação pelos números da quebradeira geral do futebol que se viu na primeira safra de balanços, no ano passado, não chegou a ser uma surpresa, já que não era novidade a situação precária dos clubes. Agora, talvez ninguém estranhe que a situação piorou ainda mais.
Juntos, os 16 clubes (os grandes do futebol brasileiro) foram de um lucro de R$ 22,5 milhões em 2001 para um prejuízo de R$ 172,9 milhões em 2002. Entre as equipes pesquisadas, 13 pioraram o resultado (...)”
Por quanto tempo os craques conseguirão driblar a incompetência dos cartolas? Se em campo nossos jogadores dão espetáculo, fora dele os cartolas protagonizam vexame atrás de vexame. Transformam num mico um negócio que tem um dos produtos mais vendáveis do mundo. Se os jogadores são os melhores, as torcidas são apaixonadas e os jogos tem audiência na TV, o que explica o prejuízo dos clubes? Porque os grandes clubes não conseguem manter jogadores e são obrigados a vendê-los tão logo os revelam? A quem interessa tamanha precariedade e instabilidade?
A falta de organização é sem dúvida um fator decisivo. Um simples estagiário da NBA saberia organizar um campeonato brasileiro eletrizante como jamais sonhou qualquer presidente da CBF. Mas isso apenas desloca a pergunta de lugar. Porque o futebol brasileiro continua tão desorganizado? Quem se beneficia com isso? A quem interessa que o futebol permaneça desorganizado e falimentar? Quem lucra com as negociatas obscuras e a falta de transparência?
A resposta para todas essas questões se resume a duas alternativas. Ou os nossos dirigentes são imbecis demais ou são espertos demais...
Em ambos os casos, é inaceitável que continuem à frente dos clubes. Reitero sempre que a classe dos dirigentes do futebol brasileiro é provavelmente o setor mais reacionário da nossa sociedade, um refúgio de fósseis coronelistas da época da ditadura e quiçá das capitanias hereditárias. Os dirigentes de clube pensam com uma mentalidade de classe de proprietários de engenho. O futebol é deles e ninguém tasca.
Gerenciamento profissional dos clubes, nem pensar. Entregar o comando a executivos contratados soa como insulto. Se tivesse um gerenciamento profissional, o campeonato brasileiro não poderia ter mais do que 20 times, com rebaixamento de três ou quatro para a 2a. divisão e critérios claros para classificação para Libertadores e Sul-americana. Campeonatos estaduais seriam transformados em competições preparatórias de pré-temporada. A Copa do Brasil passaria a ter critérios técnicos para admitir participantes. Os calendários seriam divulgados com antecedência, os horários dos jogos definidos de maneira a facilitar a vida do torcedor que freqüenta o estádio (como é o caso deste escriba), etc..
Não se pede nenhuma revolução extraordinária. Ninguém precisa inventar a roda. Os formas de disputa dos campeonatos europeus são as mesmas há um século. E há décadas as médias de público nos estádios europeus oscilam por volta de 30.000 pagantes. No Brasil, mal chegam a 10.000. As fórmulas intrincadas, injustas, as viradas de mesa, os “tapetões”, a desmoralização, o sucateamento dos estádios, a violência, afugentaram o torcedor brasileiro dos campos. A fórmula de pontos corridos, inaugurada este ano, se perpetuada, favoreceria o planejamento, a organização, a seriedade, a regularidade.
Com isso a disputa seria acirrada. Clubes grandes correriam riscos e eventualmente seriam rebaixados. E teriam que reconquistar sua grandeza em campo, como fizeram este ano Palmeiras e Botafogo. Como acontece em todos os campeonatos europeus, pois em cada país da Europa, os times que nunca caíram para a 2a. divisão são a exceção e não a regra. A maioria dos times já caiu. E já voltou. Porque é justamente disso que se trata: competição. E toda competição tem vencedores e perdedores.
No Brasil, querem fazer uma competição em que não haja perdedores. Querem fazer de tudo para que os grandes não sejam rebaixados. Os compadres querem que o jogo continue sendo decidido entre eles. Como a classe dirigente nacional, os políticos que protegem a si mesmos e ocultam os escândalos de corrupção uns dos outros.
A mentalidade de não correr riscos é a mesma dos empresários nacionais. Ao menor sinal de risco de perder dinheiro correm para o Estado. Como não há lucro privado, querem socializar o prejuízo. A mesma edição do “Valor” de 15/12/2003 destaca numa outra matéria a possibilidade de recorrer ao socorro do dinheiro público. Depois do Proer, teremos o “Probol”:
“Um estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo sugere que a injeção de R$ 200 milhões em recursos públicos livra os clubes do futebol do sufoco financeiro, permite a renegociação das dívidas trabalhistas e fiscais e abre caminho para a profissionalização da gestão”.
No papel, o projeto parece ser dos mais louváveis:
“A partir daí, continua o economista (Antonio Carlos Aidar, da FGV), os clubes estão obrigados a mudar seus estatutos e formar diretorias com executivos não eleitos. Ao mesmo tempo, a idéia da FGV é fixar um calendário dos jogos por um horizonte de longo prazo, de cinco anos.”
Empréstimos maciços do governo para setores específicos sempre deixam um ar de suspeita. A transparência não é sempre aquela desejável. Os beneficiários acabam sendo os grandes vilões da história. Que o digam o Proálcool do usineiros. O pior é que o exemplo negativo desses “Pros” da vida acaba enterrando idéias que em si são aceitáveis. Como o Proálcool, que poderia ser a solução do problema energético brasileiro, mas se transformou num mico para os donos de carros a álcool. É preciso uma grande dose de otimismo para acreditar que com o Probol tudo seria diferente.
Talvez essa fosse a oportunidade de fazer um saneamento do futebol e oferecer a reestruturação apenas aos clubes que se enquadrassem num modelo moderno e transparente de gestão. Isso seria a chance de alijar do comando dos clubes essa casta reacionária de dirigentes fósseis. Deveria ser colocado como condição: para que o Vasco obtivesse empréstimo, que afastasse Eurico Miranda, o Palmeiras, Mustafá Contursi, o Corinthians, Dualib, etc.. Essa oportunidade seria perfeita se tivéssemos um governo ousado e dotado de um projeto nacional digno desse nome. Mas o governo Lula, para frustração da torcida, joga na retranca no que diz respeito à mudanças. E tem verdadeira ojeriza à palavra ousadia. Lamentável...
Enquanto isso, o Brasil ganha os mundiais sub-17 e sub-20. Novas gerações de craques continuam surgindo, à espera de que uma nova geração de dirigentes com talento à altura faça do futebol brasileiro o espetáculo completo que ele merece.
Daniel M. Delfino
16/12/2003
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