30.4.07

O túmulo da sutileza


(Comentário sobre o filme “Triplo X”)



Nome original: Triple X ou xXx
Produção: Estados Unidos
Ano: 2002
Idiomas: Inglês, Alemão, Espanhol, Russo, Checo
Diretor: Rob Cohen
Roteiro: Rick Wilkes
Elenco: Vin Diesel, Asia Argento, Marton Csokas, Samuel L. Jackson, Michael Roof, Richy Müller, Werner Daehn
Gênero: aventura, ação, thriller
Fonte: “The Internet Movie Database” – http://www.imdb.com/

Os EUA cultivam em seu imaginário coletivo um mortal complexo de inferioridade com relação à Europa. O Velho Continente é percebido como a terra da sofisticação, da alta cultura, da erudição, do bom-gosto, da história, da tradição e da antiguidade. Na cultura daquele país, essa inveja enrustida aparece metamorfoseada como elogio da truculência, na tentativa de conseguir auto-afirmação. Os estadunidenses elaboram sua cultura como uma resposta arrogante à cultura européia, com pífios resultados.

Em quase todos os campos de comparação, com exceção talvez de alguns campos do esporte e da ciência, o resultado é lhes é desfavorável. Em alguns casos, a desproporção é avassaladora. Tome-se por exemplo a filosofia. O que é o pragmatismo estadunidense comparado ao idealismo alemão, ao iluminismo francês ou ao existencialismo?

A solução estadunidense é sempre a mais imediata, mais rasteira, mais próxima do senso comum, menos dialética. O herói estadunidense, em comparação com o europeu, resolve as coisas na base da forca bruta. Bombas nucleares, supercomputadores, carros envenenados, músculos anabolizados, instintos afiados, pavio curto e cérebro atrofiado. Tudo é uma questão de força bruta, de maquinaria, de potencias mecânicas acionadas em doses superlativas.

O herói estadunidense, diante do enigma da esfinge, saca o revolver e responde à bala. Ele se considera mais inteligente por isso e tem orgulho de sua reação pronta e imediata, simples e direta, de quem não leva desaforo para casa. O elogio dessa forma de comportamento subjaz a todo produto cultural estadunidense urdido em resposta a um original europeu.

“Triple X” é uma resposta aos filmes da série “007”. Uma versão estadunidense do agente secreto mais famoso do mundo. Se bem que “007” já está bem hollywoodianizado depois de suas mais recentes aparições. Mas de qualquer maneira, o mito com o qual “Triple X” dialoga é a figura clássica do agente secreto culto, elegante, sedutor, bafejado pela sorte, que sabe usar de força e sempre se dá bem no final, mas sem desalinhar o terno.

O herói de “Triple X” precisa mostrar que tem a inteligência suficiente para se transformar, em dois tempos, de esportista radical em agente secreto, como o diamante bruto a ser lapidado. Mas o truque só funciona porque na quadrilha em que o “Triple X” deve se infiltrar há um fanático por esportes radicais que é justamente o irmão do líder. O espião grandalhão só precisa ser ele mesmo e usar de sua fama de transgressor para agradar. Danem-se os métodos e as práticas do agente secreto padrão. Dane-se o manual, e quem quer que se importe com ele; que o diga o agente tcheco encarregado de acompanhá-lo.

Na essência, Xander Cage, o “Triple X”, continua sendo o mesmo rebelde truculento e auto-suficiente. Mas o envolvimento com a agente secreta russa torna-o maleável a um certo idealismo, prontamente explorado por seu superior da CIA. A radicalidade a serviço da pátria e do romance.

Aqui entra em cena um segundo conteúdo do filme, paralelo ao elogio da truculência, que é a instrumentalização da pseudo-ideologia da juventude rebelde pelos interesses do poder militar estadunidense. Tio Sam quer você para o exército, ainda mais se você for musculoso, careca, tatuado, com piercings pelo corpo e miolos faltando.

Anos atrás, a advertência. Num episódio da antológica série “Beavis and Butt-head”, um desvairado oficial do exército apelava: “o exército precisa de bons ‘head-bangers’ como você!” Agora, a realidade: o exército estadunidense lança um jogo para computador simulando as aventuras de comandos das forças especiais. O convite está feito aos nerds, maníacos por computadores, jogadores de RPG, leitores de histórias em quadrinhos, fãs de “Guerra nas Estrelas”, assim como aos roqueiros, skatistas, surfistas e rebeldes de todas as tribos.

O exército é heavy-metal. Junte-se a nós! Detonar traficantes (guerrilheiros) colombianos, terroristas afegãos e iraquianos ou comunistas brasileiros é diversão garantida e saudável para a juventude estadunidense. F@#$%&!-se esses palhaços mal-agradecidos do 3o. mundo que querem destruir o planeta!

Crentes em sua inocência fundamental, os estadunidense seguem fazendo filmes em que seus heróis relutantes e improváveis derrubam toda lógica, toda sutileza, toda historia, em nome dos valores de sua pátria mãe, dos dólares de suas mega-corporações e agora, em nome do rock n’ roll.

Daniel M. Delfino

29/09/2002

Um comentário:

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom