(Resenha do livro “Nos bastidores da Disney”)
O escriba possui uma identidade secreta. Seu alter ego ganha a vida precariamente como um reles assalariado, dedicando seu parco tempo livre às idéias e às letras. Em função dessa contingência sócio-econômica, nosso herói recebeu de seu chefe a incumbência de ler o livro “Nos bastidores da Disney”, de autoria de um certo Tom Connellan. Um livro de auto-ajuda para empresários, que se propõe a desvendar os segredos de atendimento por meio dos quais a Disneylândia fideliza seus clientes.
O livro é indiretamente imposto a todos os funcionários. Foi-lhes “sugerido” que o lessem. Ai de quem se atrever a desobedecer! Diante dessa imposição sub-reptícia, caberia perguntar: posso lê-lo durante o horário de expediente? Óbvio que não. Essa pergunta não pode sequer ser formulada. O horário de trabalho é o tempo sagrado de usufruto da força de trabalho do funcionário pelo capital. Esse tempo não pode ter interrupção. Isso está fora de cogitação. Mas de quem é o interesse de que eu leia o livro? Se é do interesse da empresa, eu deveria lê-lo durante o horário em que estou em serviço.
Ledo engano. O chefe “convida” todos os funcionários a lerem o livro, mas está fora de cogitação que o façam no horário de trabalho. Não é dito explicitamente, mas cada um tem que achar o seu tempo. É óbvio que o livro terá que ser lido fora do expediente de trabalho, no tempo livre, como lição de casa. Essa imposição se baseia em um pressuposto tácito que é assumido como interesse de todos. Não é simplesmente interesse da empresa que o funcionário leia o livro, é interesse do próprio funcionário. É o que pensa o chefe e o que pensam todos. Quase todos.
Vigora a filosofia “Você S/A”, nome paradigmático de uma certa revista dedicada a esse metiér da atualização profissional. Revista cuja leitura aliás já foi também “sugerida” aos funcionários e de cuja deglutição tenho heroicamente me esquivado. Seja como for, trata-se de mais um componente da ideologia da competição. A ideologia da competição econômica reza que todo profissional tem que estar preocupado com a própria carreira e interessado em se aperfeiçoar, para estar apto a disputar seu lugar no mercado.
Logo, deveria ser do interesse de todo profissional estudar as fórmulas que podem levá-lo ao sucesso. Logo, deveria ser do interesse de todo profissional saber quais os segredos que a Disney usa para cativar seus clientes. Todo segredo interessa. Tudo é válido, tudo conta, tudo contribui, tudo é aceitável. Vale tudo na corrida pela preservação da “empregabilidade”. Esse tipo de estudo faz parte do meu trabalho e simultaneamente passa a definir a utilização aceitável do meu tempo fora do trabalho. Dissolve-se a fronteira entre trabalho e tempo livre. O capital se impõe sobre a jornada de trabalho e também sobre o tempo livre do trabalhador. Todo o tempo é tempo a serviço do interesse e da lógica do capital, disfarçado de interesse pessoal.
Não há mais margem de liberdade para o pensamento e a iniciativa individuais. Nem sequer há tempo para as preferências estéticas pessoais. Quem disse que me interessa a literatura de auto-ajuda? Não é preciso dizer, assim como é inútil desdizer. Isso está pressuposto. A competição se impõe. A minha preferência literária é sobrepujada pela premência de manter minha “empregabilidade”. Impõe-se a dança das cadeiras. Salve-se quem puder. Em nome dessa lógica eu fui obrigado a sacrificar horas do meu precioso tempo livre lendo o tal livro. O que apresento aqui é pois o desabafo da minha revolta pelo tempo que perdi submetido ao sacrifício inenarrável que me foi proporcionado pelo meu bem-intencionado chefe. Faço um desagravo a todos os trabalhadores que já foram submetidos a esse suplício. Não sei em quantas empresas esse tipo de leitura se tornou “obrigatório”, mas a coisa parece ter se espalhado como uma praga.
De saída é preciso perguntar porque um livro sobre a Disney pode ter qualquer utilidade para um profissional interessado em se aperfeiçoar, em qualquer campo de trabalho que seja. O que pode haver de tão revolucionário na técnica de administração empresarial e no relacionamento com clientes que mereça um interesse tão cuidadoso? Será que alguém reinventou a roda do atendimento? Administração científica significa organização, planejamento e controle. Princípios definidos há um século por Taylor. O que pode haver além disso?
A motivação dos funcionários talvez seja o elo fraco do sistema taylorista. Daí a necessidade de livros sobre a Disney. A Disneylândia é o reino da fantasia do capitalismo. Na Disneylândia não há funcionários, há membros de um “elenco”. Todos se sentem integrados. Não há clientes, há “convidados”. Na Disneylândia tudo é limpo, tudo é colorido, tudo é sorridente. Um sonho de assepsia, pureza, inocência, alegria, eficiência.
É lógico, pois se trata de um parque de diversões para crianças, alguém poderia objetar. Que seja. Mas então, por que eu tenho que imitar a Disney no meu local de trabalho? O escritório da empresa ainda não é um parque de diversões, que eu saiba. A menos que eu tenha me tornado palhaço, sem saber. O que está em questão aqui não é a inocência da Disneylândia, mas a sua malícia. O seu segredo, a sua estratégia, sua tática militar. A Disney é uma empresa vencedora. No perpétuo culto aos vencedores, é preciso dissecar o segredo da Disney para vencer. O que significa vencer? Vencer é seduzir. Lograr, enganar, iludir. Ilusão é o produto da Disney. Trata-se da empresa líder mundial nesse ramo.
A Disney produz o que há de melhor em ilusão e fantasia. E cobra caro dos que se iludem. O livro deixa isso bem claro em vários momentos. A Disneylândia é muito cara, mesmo para os estadunidenses. Mais instrutivo teria sido assistir “Cassino”, de Martin Scorcese. Ali está dito com todas as letras: “quem vai ao Cassino é um otário”, frase repisada à exaustão pelo personagem de Robert de Niro, que por sinal é um gerente de Cassino. A casa sempre vence. O sistema sempre vence. O capitalismo é implacável. Em “Cassino” está exposta a verdade do sistema. O contrário desse “Nos bastidores da Disney”.
O livro admite facilmente que a Disney é o Reino da Fantasia. Mas não considera isso negativo, nem sequer problemático. A ilusão não é apenas inocente como também necessária. A ilusão é um requisito do sistema. O livro presta sua obediência a esse requisito. Tom Connellan se propõe a ensinar a enganar com a mesma eficiência com a qual a Disney engana, sem maiores problemas éticos. Não se percebe a contradição que está embutida nesse procedimento. Ele diz que é preciso ser mais esperto do que a Disney. Diz com isso, indiretamente, que a Disneylândia é a terra do logro e da alienação. Logo, ele admite nas entrelinhas que quem freqüenta a Disney está sendo logrado e iludido pelas mesmas técnicas que ele quer ensinar. No jogo de gato e rato do capitalismo, trata-se de ver quem é mais esperto, quem engana quem.
A conclusão desse raciocínio é a mesma que Scorcese escancara na sensacional abertura de “Cassino”, ou seja quem vai a Las Vegas é um otário. Quem freqüenta a Disneylândia está cedendo aos mestres do jogo. Logo, quem vai à Disneylândia é também um otário. Essa é a conclusão implícita do livro, aquilo que o autor inadvertidamente diz, contra seu próprio propósito, ao tentar esconder. Um ato falho filosófico.
Mas segundo Tom Connellan a função da Disney é justamente essa, preservar o sonho. Preservar a ilusão, a fantasia. Os arquitetos da fábula são de fato habilidosos. Espertamente, a casa quebra suas próprias regras para preservar sua imagem. Casais em lua-de-mel são beneficiados com brindes surpresa, regalias, preferências na fila, à vista de todos os demais freqüentadores. Todos aplaudem, mesmo os que cedem seu lugar na fila. Contemplar a “felicidade” do próximo faz parte da gratificação que cada um busca para si naquele ambiente. O que interessa é manter e alimentar o clima de sonho, de fantasia.
Dessa fantasia vive o imaginário popular estadunidense. Se não se pode ir à Europa, vai-se às réplicas da Europa na Disneylândia (ou em Las Vegas). O freqüentador típico desses reinos da fantasia sabe que está vivendo uma ilusão. Mas não importa. A ilusão proporciona o lenitivo para a dureza da realidade. Se não se pode mudar a realidade, pode se tentar escapar dela. É legítimo e saudável viver na fantasia. O sistema conta com essa concordância explícita para fornecer a dose de fantasia de que cada um precisa. E ainda lucrar com isso.
O livro de Tom Connellan não discute nenhuma dessas questões. Nada sobre a importância do mito Disney na cultura estadunidense. Nenhuma palavra sobre a necessidade ideológica do sistema capitalista de se alimentar das ilusões daqueles a quem explora. Esse tipo de questionamento é impensável. O autor está fechado com o sistema. Nem lhe passa pela cabeça criticá-lo em profundidade. O sistema funciona e é isso aí. Cada um por si. Quem for mais esperto que crave o seu pedaço do sonho estadunidense.
Walt Disney foi esperto e cabe a todos nós imitar sua esperteza. Cabe a quem quiser vencer render culto aos vencedores. Essa é a regra fundamental, implícita entre as lições do livro. Diante do templo da fantasia, ajoelhe-se e reze. Reze para o camundongo. Mickey Mouse, filósofo da administração. Reze segundo a cartilha de Tom Connellan. O autor do livro também é mais um esperto. O livro ensina técnicas para fazer sucesso. Mas o que garante que essas técnicas darão certo? O autor do livro usa essas técnicas? Ele faz carreira em empresas usando as certeiras técnicas da Disney? Não, ele escreve um livro.
A sua técnica é ensinar técnicas. O guru da administração, o autor de livros de auto-ajuda, o consultor de empresas é a figura mais marginal e dispensável do sistema. Mas ele se coloca no centro do sistema. Inventar a própria importância é o seu segredo. Tornar-se necessário é a sua arte. A empresa que precisa de um consultor ou guru é justamente aquela que não pode arcar com gastos supérfluos. Logo, o consultor precisa justificar a própria existência, mudando alguma coisa, de preferência mandando gente embora. Daí vem o “downsizing”, reengenharia, quebra de paradigmas, etc.. Gurus de auto-ajuda são o xodó dos empresários e o pesadelo dos trabalhadores.
Tom Connellan é mais um palhaço desse circo. Um malabarista, um charlatão, um farsante, equilibrando precariamente um pacote de idéias frouxas num discurso desconexo, chamando a atenção com uma matraca numa das mãos e batendo a carteira dos incautos com a outra. O sucesso de um escritor de auto-ajuda é sua capacidade de inventar uma moda supérflua, sem base na realidade, alinhavada em um construto arbitrário, mas aparentemente fundamentado. Pega-se uma premissa atraente e tenta-se levá-la às últimas conseqüências. Por exemplo, a Disney. Como ganhar algum dinheiro com essa idéia? Inventando um livro sobre como a Disney ganha dinheiro.
Este escriba nunca havia lido antes um livro de auto-ajuda (sempre é doloroso perder a virgindade), e quero que os leitores me corrijam se eu estiver errado. Mas a minha conclusão é de que quem leu um já leu todos. Qualquer um vale por todos. A estratégia é sempre a mesma, o conteúdo é o mesmo. O mote é que é aleatório. A embalagem, o logotipo, o chamariz, mudam de acordo com a idéia da moda. Aqui é a Disney, ali é “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, acolá será Napoleão, ou qualquer invencionice que algum charlatão espertinho garimpar num exemplo da história. Tem para todos os gostos. As prateleiras de supermercado estão repletas.
Há muito que se falar sobre a experiência desagradável de ler um livro de auto-ajuda e pouco a dizer sobre o próprio livro. O conteúdo é tão raso que não se presta a uma análise consistente. O que se pode dizer sobre este “Nos Bastidores da Disney” é o que está dito acima sobre o gênero de auto-ajuda como um todo. O livro inteiro poderia ser desqualificado pela simples consideração de que a Disney funciona porque seu produto é justamente o escapismo de que todos necessitam, portanto seu produto é único e seu método não pode ser imitado em nenhuma outra empresa. Mas escriba prometeu uma resenha e não será desonesto com seus leitores. Duvido que alguém se arrisque a ler o tal livro e mesmo desrecomendo que o faça. Mas por dever de ofício é necessário dizer do que se trata.
“Nos bastidores da Disney” se estrutura como uma viagem em que cinco executivos e diretores de empresas de diversos ramos fazem um passeio pela Disneylândia guiados por um ex-executivo da própria Disney, a pretexto de serem apresentados aos segredos da companhia. Personagens todos fictícios em situações fictícias, é explicado no prefácio. Os cinco excursionistas são enviados por suas empresas com esse objetivo explícito. Com a missão de beber na fonte da sabedoria de Mickey Mouse e com isso acrescentar alguma espécie de “know-how” às suas corporações. Trata-se de uma espécie de curso.
Os cinco excursionistas, obviamente, não são reles escriturários e secretárias. Nenhuma empresa perderia seu tempo e dinheiro enviando gente desse nível. São todos diretores, vice-presidentes, gerentes, etc.. É a eles que se destinam as lições do Mickey. No mundo encantado de Tom Connellan, todos são gerentes e executivos. Não existem trabalhadores. Não existe divisão de classes, somos todos parte de um mesmo elenco, alguns mais bem sucedidos que os outros. O discurso da auto-ajuda se destina a quem endossa essas premissas (ou seja, quase todo mundo) e quer ser “bem sucedido”. É a eles que se dirige o livro. É para esse público que fala Tom Connellan.
Os personagens desses livros são todos vencedores. O mundo é feito de vencedores. Todos são vitoriosos, porque o sistema funciona. Não há problemas, não há crises, obstáculos, contradições. Não há subalternos, não há pobres, não há excluídos, não há opositores. Não há recessão, não há corrupção, não há catástrofe. O sistema não admite a possibilidade de algo dar errado. Não se pensa sobre a possibilidade de falhas. Há um vazio teórico a esse respeito. A única justificativa para que um determinado indivíduo não tenha alcançado o sucesso é o fato de não ter seguido a receita certa.
Penitencie-se, leitor. Ajoelhe-se perante Mickey. Se você está lendo esse livro, você é um fracasso. Precisa urgentemente encontrar o rumo para sua carreira. Isso é o que está dito nas entrelinhas. Na superfície, o livro diz o contrário. Você é um vice-presidente de banco, um diretor de fábrica, um gerente de atendimento. Coloque-se no lugar de um vencedor, pense como um vencedor e você será um vencedor. A contradição subjacente ao discurso é transferida para o subconsciente do leitor. Se eu não me pareço com os personagens do livro, a culpa deve ser minha. É melhor não falar nisso. O autor do livro não fala nisso. Então o problema só pode ser meu. E eu devo fingir que está tudo bem e continuar lendo.
Continuemos lendo. O anfitrião do grupo e guia do passeio expõe em 7 lições os segredos da Disney. Aqui reina, como dissemos, o mais completo arbítrio. É o showzinho de Tom Connellan. O seu malabarismo. Seu coelho na cartola. A mágica para entreter a platéia. Idéias escolhidas aleatoriamente, sem aprofundamento, sem maiores reflexões. Banalidades. Idéias superficiais elevadas à altura de mandamentos divinos.
Lição 1: “Concorrente é qualquer empresa com a qual o cliente o compara.” Aqui, entramos de chofre no reino da paranóia total. O cliente vai comparar o meu atendimento com o de qualquer outra empresa, mesmo de um ramo de negócio completamente diferente. Não basta ser o melhor no seu ramo. É preciso ter o melhor atendimento do universo.
Depois dessa primeira pedrada, vem as demais lições: 2.“Fantástica atenção aos detalhes”, 3.“Todos mostram entusiasmo”, 4.“Tudo mostra entusiasmo”, 5.“Múltiplos postos de escuta”, 6.“Recompensa, reconhecimento e comemoração”, 7. “Todas as pxssoas são importantxs”. Por que não uma 8a. lição? Ou uma 9a.? Qual critério científico assegura que a Disney segue 7 princípios de administração e não 10? Não sabemos. É tudo arbitrário. É tudo banal. Expedientes facilmente acessíveis sacados ao acaso da manga de um prestidigitador qualquer. Coisas que qualquer um diria para motivar patrões e empregados.
Não somos poupados de ver o Presidente da Disney catando papel no chão da Disneylândia e explicando que a equipe de limpeza se compõe de todos os 45 mil funcionários, porque todos estão comprometidos com a ideologia da empresa. Um capitão de indústria ficaria comovido com tamanha dedicação. Como também verteria lágrimas com a beleza sublime da 7a. lição, onde as letras “e” substituídas por “x” simbolizam cada um dos simples e humildes funcionários da corporação, cuja simples ausência faz desafinar o conjunto. Tocante.
É esse o nível da discussão. Neófito confesso no ramo de auto-ajuda, me espantou o baixo nível da leitura. Nada poderia me preparar para tanto. Prossigamos.
Dentre os personagens-marionete sem profundidade e consistência, emerge pelo menos um que questiona o processo. Porque nenhum livro, por pior que seja, se sustenta sem conflito. Há entre os excursionistas um diretor de fábrica, que resiste a aceitar a “metodologia Disney” como paradigma revolucionário de inovação administrativa. É sintomático que um homem ligado à produção seja o único apto a perceber o absurdo de tudo isso. A economia da produção resiste a submeter-se à economia da simulação.
Mas no final o carrancudo diretor de fábrica também se deixa seduzir pelo encanto do Reino da Fantasia. O final feliz é indispensável, com todos se propondo a adotar as lições. Como também os operários que trabalharam na construção do Epcot Center. Os operários, descritos como homens brutos, feios, ameaçadores, quase trogloditas, (descrição que aliás também é sintomática) protagonizam o momento edificante e lacrimoso do livro.
A Disney terceirizou a construção de um dos setores mais famosos do seu parque. Mas convidou as famílias dos operários a fazer piqueniques semanalmente no canteiro de obras, para que as famílias se integrassem e fizessem seus papais se sentir orgulhosos do que estavam fazendo. A Disney realizou assim a mágica ambicionada por todo capitalista. O operário construiu algo que nunca poderá utilizar, porque é muito caro, mas se sentiu contente com isso. A forma mais bem acabada de alienação do trabalho assalariado.
Mas isso não é colocado nesses termos. O autor precisa manter de alguma maneira o foco nos seus princípios. Suas sete lições. O autor gasta páginas e páginas com essa discussão inútil. Perde-se boa parte do tempo, por exemplo, tentando captar a sutil diferença entre o entusiasmo das pessoas e o das coisas, ou entre o entusiasmo e a “fantástica atenção aos detalhes”. Tom Connellan coloca seus personagens-marionete na difícil tarefa de captar as nuances de sentido de cada lição. Enche-se lingüiça, no mais puro estilo “redação de ginásio”. Tom Connellan empurra com a barriga, porque nem mesmo ele deve agüentar sua própria ladainha. Ninguém é de ferro. Dispensa-se a justificação às teses apresentadas. Elas não precisam ser defendidas, empiricamente ou filosoficamente, em face de outros cenários e situações que não a Disney.
Nem mesmo o autor está comprometido de fato com as idéias que apresenta. Não se pretende mesmo mudar a vida de ninguém com um livro sobre a Disney. Não é mesmo para ser levado a sério. Um livro para ser lido na poltrona do avião, entre uma viagem de negócios e outra. Idéias descartáveis para consumo indolor. Consumo inútil de papel e de tempo. Um simulacro de leitura para uma sociedade de simulação.
Este escriba-proletário recomenda a todos os seus leitores que não leiam o livro de Tom Conellan, como também não devem ler nenhum livro de auto-ajuda. Não se ajoelhem perante o Mickey, não apostem suas fichas no Cassino, não devotem seu tempo livre ao culto do capital.
Encontrem seu próprio gosto, sua própria filosofia, e que de preferência não seja igual à minha. Assim teremos coisas minimamente interessantes para conversar.
Daniel M. Delfino
04/09/2003
O livro é indiretamente imposto a todos os funcionários. Foi-lhes “sugerido” que o lessem. Ai de quem se atrever a desobedecer! Diante dessa imposição sub-reptícia, caberia perguntar: posso lê-lo durante o horário de expediente? Óbvio que não. Essa pergunta não pode sequer ser formulada. O horário de trabalho é o tempo sagrado de usufruto da força de trabalho do funcionário pelo capital. Esse tempo não pode ter interrupção. Isso está fora de cogitação. Mas de quem é o interesse de que eu leia o livro? Se é do interesse da empresa, eu deveria lê-lo durante o horário em que estou em serviço.
Ledo engano. O chefe “convida” todos os funcionários a lerem o livro, mas está fora de cogitação que o façam no horário de trabalho. Não é dito explicitamente, mas cada um tem que achar o seu tempo. É óbvio que o livro terá que ser lido fora do expediente de trabalho, no tempo livre, como lição de casa. Essa imposição se baseia em um pressuposto tácito que é assumido como interesse de todos. Não é simplesmente interesse da empresa que o funcionário leia o livro, é interesse do próprio funcionário. É o que pensa o chefe e o que pensam todos. Quase todos.
Vigora a filosofia “Você S/A”, nome paradigmático de uma certa revista dedicada a esse metiér da atualização profissional. Revista cuja leitura aliás já foi também “sugerida” aos funcionários e de cuja deglutição tenho heroicamente me esquivado. Seja como for, trata-se de mais um componente da ideologia da competição. A ideologia da competição econômica reza que todo profissional tem que estar preocupado com a própria carreira e interessado em se aperfeiçoar, para estar apto a disputar seu lugar no mercado.
Logo, deveria ser do interesse de todo profissional estudar as fórmulas que podem levá-lo ao sucesso. Logo, deveria ser do interesse de todo profissional saber quais os segredos que a Disney usa para cativar seus clientes. Todo segredo interessa. Tudo é válido, tudo conta, tudo contribui, tudo é aceitável. Vale tudo na corrida pela preservação da “empregabilidade”. Esse tipo de estudo faz parte do meu trabalho e simultaneamente passa a definir a utilização aceitável do meu tempo fora do trabalho. Dissolve-se a fronteira entre trabalho e tempo livre. O capital se impõe sobre a jornada de trabalho e também sobre o tempo livre do trabalhador. Todo o tempo é tempo a serviço do interesse e da lógica do capital, disfarçado de interesse pessoal.
Não há mais margem de liberdade para o pensamento e a iniciativa individuais. Nem sequer há tempo para as preferências estéticas pessoais. Quem disse que me interessa a literatura de auto-ajuda? Não é preciso dizer, assim como é inútil desdizer. Isso está pressuposto. A competição se impõe. A minha preferência literária é sobrepujada pela premência de manter minha “empregabilidade”. Impõe-se a dança das cadeiras. Salve-se quem puder. Em nome dessa lógica eu fui obrigado a sacrificar horas do meu precioso tempo livre lendo o tal livro. O que apresento aqui é pois o desabafo da minha revolta pelo tempo que perdi submetido ao sacrifício inenarrável que me foi proporcionado pelo meu bem-intencionado chefe. Faço um desagravo a todos os trabalhadores que já foram submetidos a esse suplício. Não sei em quantas empresas esse tipo de leitura se tornou “obrigatório”, mas a coisa parece ter se espalhado como uma praga.
De saída é preciso perguntar porque um livro sobre a Disney pode ter qualquer utilidade para um profissional interessado em se aperfeiçoar, em qualquer campo de trabalho que seja. O que pode haver de tão revolucionário na técnica de administração empresarial e no relacionamento com clientes que mereça um interesse tão cuidadoso? Será que alguém reinventou a roda do atendimento? Administração científica significa organização, planejamento e controle. Princípios definidos há um século por Taylor. O que pode haver além disso?
A motivação dos funcionários talvez seja o elo fraco do sistema taylorista. Daí a necessidade de livros sobre a Disney. A Disneylândia é o reino da fantasia do capitalismo. Na Disneylândia não há funcionários, há membros de um “elenco”. Todos se sentem integrados. Não há clientes, há “convidados”. Na Disneylândia tudo é limpo, tudo é colorido, tudo é sorridente. Um sonho de assepsia, pureza, inocência, alegria, eficiência.
É lógico, pois se trata de um parque de diversões para crianças, alguém poderia objetar. Que seja. Mas então, por que eu tenho que imitar a Disney no meu local de trabalho? O escritório da empresa ainda não é um parque de diversões, que eu saiba. A menos que eu tenha me tornado palhaço, sem saber. O que está em questão aqui não é a inocência da Disneylândia, mas a sua malícia. O seu segredo, a sua estratégia, sua tática militar. A Disney é uma empresa vencedora. No perpétuo culto aos vencedores, é preciso dissecar o segredo da Disney para vencer. O que significa vencer? Vencer é seduzir. Lograr, enganar, iludir. Ilusão é o produto da Disney. Trata-se da empresa líder mundial nesse ramo.
A Disney produz o que há de melhor em ilusão e fantasia. E cobra caro dos que se iludem. O livro deixa isso bem claro em vários momentos. A Disneylândia é muito cara, mesmo para os estadunidenses. Mais instrutivo teria sido assistir “Cassino”, de Martin Scorcese. Ali está dito com todas as letras: “quem vai ao Cassino é um otário”, frase repisada à exaustão pelo personagem de Robert de Niro, que por sinal é um gerente de Cassino. A casa sempre vence. O sistema sempre vence. O capitalismo é implacável. Em “Cassino” está exposta a verdade do sistema. O contrário desse “Nos bastidores da Disney”.
O livro admite facilmente que a Disney é o Reino da Fantasia. Mas não considera isso negativo, nem sequer problemático. A ilusão não é apenas inocente como também necessária. A ilusão é um requisito do sistema. O livro presta sua obediência a esse requisito. Tom Connellan se propõe a ensinar a enganar com a mesma eficiência com a qual a Disney engana, sem maiores problemas éticos. Não se percebe a contradição que está embutida nesse procedimento. Ele diz que é preciso ser mais esperto do que a Disney. Diz com isso, indiretamente, que a Disneylândia é a terra do logro e da alienação. Logo, ele admite nas entrelinhas que quem freqüenta a Disney está sendo logrado e iludido pelas mesmas técnicas que ele quer ensinar. No jogo de gato e rato do capitalismo, trata-se de ver quem é mais esperto, quem engana quem.
A conclusão desse raciocínio é a mesma que Scorcese escancara na sensacional abertura de “Cassino”, ou seja quem vai a Las Vegas é um otário. Quem freqüenta a Disneylândia está cedendo aos mestres do jogo. Logo, quem vai à Disneylândia é também um otário. Essa é a conclusão implícita do livro, aquilo que o autor inadvertidamente diz, contra seu próprio propósito, ao tentar esconder. Um ato falho filosófico.
Mas segundo Tom Connellan a função da Disney é justamente essa, preservar o sonho. Preservar a ilusão, a fantasia. Os arquitetos da fábula são de fato habilidosos. Espertamente, a casa quebra suas próprias regras para preservar sua imagem. Casais em lua-de-mel são beneficiados com brindes surpresa, regalias, preferências na fila, à vista de todos os demais freqüentadores. Todos aplaudem, mesmo os que cedem seu lugar na fila. Contemplar a “felicidade” do próximo faz parte da gratificação que cada um busca para si naquele ambiente. O que interessa é manter e alimentar o clima de sonho, de fantasia.
Dessa fantasia vive o imaginário popular estadunidense. Se não se pode ir à Europa, vai-se às réplicas da Europa na Disneylândia (ou em Las Vegas). O freqüentador típico desses reinos da fantasia sabe que está vivendo uma ilusão. Mas não importa. A ilusão proporciona o lenitivo para a dureza da realidade. Se não se pode mudar a realidade, pode se tentar escapar dela. É legítimo e saudável viver na fantasia. O sistema conta com essa concordância explícita para fornecer a dose de fantasia de que cada um precisa. E ainda lucrar com isso.
O livro de Tom Connellan não discute nenhuma dessas questões. Nada sobre a importância do mito Disney na cultura estadunidense. Nenhuma palavra sobre a necessidade ideológica do sistema capitalista de se alimentar das ilusões daqueles a quem explora. Esse tipo de questionamento é impensável. O autor está fechado com o sistema. Nem lhe passa pela cabeça criticá-lo em profundidade. O sistema funciona e é isso aí. Cada um por si. Quem for mais esperto que crave o seu pedaço do sonho estadunidense.
Walt Disney foi esperto e cabe a todos nós imitar sua esperteza. Cabe a quem quiser vencer render culto aos vencedores. Essa é a regra fundamental, implícita entre as lições do livro. Diante do templo da fantasia, ajoelhe-se e reze. Reze para o camundongo. Mickey Mouse, filósofo da administração. Reze segundo a cartilha de Tom Connellan. O autor do livro também é mais um esperto. O livro ensina técnicas para fazer sucesso. Mas o que garante que essas técnicas darão certo? O autor do livro usa essas técnicas? Ele faz carreira em empresas usando as certeiras técnicas da Disney? Não, ele escreve um livro.
A sua técnica é ensinar técnicas. O guru da administração, o autor de livros de auto-ajuda, o consultor de empresas é a figura mais marginal e dispensável do sistema. Mas ele se coloca no centro do sistema. Inventar a própria importância é o seu segredo. Tornar-se necessário é a sua arte. A empresa que precisa de um consultor ou guru é justamente aquela que não pode arcar com gastos supérfluos. Logo, o consultor precisa justificar a própria existência, mudando alguma coisa, de preferência mandando gente embora. Daí vem o “downsizing”, reengenharia, quebra de paradigmas, etc.. Gurus de auto-ajuda são o xodó dos empresários e o pesadelo dos trabalhadores.
Tom Connellan é mais um palhaço desse circo. Um malabarista, um charlatão, um farsante, equilibrando precariamente um pacote de idéias frouxas num discurso desconexo, chamando a atenção com uma matraca numa das mãos e batendo a carteira dos incautos com a outra. O sucesso de um escritor de auto-ajuda é sua capacidade de inventar uma moda supérflua, sem base na realidade, alinhavada em um construto arbitrário, mas aparentemente fundamentado. Pega-se uma premissa atraente e tenta-se levá-la às últimas conseqüências. Por exemplo, a Disney. Como ganhar algum dinheiro com essa idéia? Inventando um livro sobre como a Disney ganha dinheiro.
Este escriba nunca havia lido antes um livro de auto-ajuda (sempre é doloroso perder a virgindade), e quero que os leitores me corrijam se eu estiver errado. Mas a minha conclusão é de que quem leu um já leu todos. Qualquer um vale por todos. A estratégia é sempre a mesma, o conteúdo é o mesmo. O mote é que é aleatório. A embalagem, o logotipo, o chamariz, mudam de acordo com a idéia da moda. Aqui é a Disney, ali é “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, acolá será Napoleão, ou qualquer invencionice que algum charlatão espertinho garimpar num exemplo da história. Tem para todos os gostos. As prateleiras de supermercado estão repletas.
Há muito que se falar sobre a experiência desagradável de ler um livro de auto-ajuda e pouco a dizer sobre o próprio livro. O conteúdo é tão raso que não se presta a uma análise consistente. O que se pode dizer sobre este “Nos Bastidores da Disney” é o que está dito acima sobre o gênero de auto-ajuda como um todo. O livro inteiro poderia ser desqualificado pela simples consideração de que a Disney funciona porque seu produto é justamente o escapismo de que todos necessitam, portanto seu produto é único e seu método não pode ser imitado em nenhuma outra empresa. Mas escriba prometeu uma resenha e não será desonesto com seus leitores. Duvido que alguém se arrisque a ler o tal livro e mesmo desrecomendo que o faça. Mas por dever de ofício é necessário dizer do que se trata.
“Nos bastidores da Disney” se estrutura como uma viagem em que cinco executivos e diretores de empresas de diversos ramos fazem um passeio pela Disneylândia guiados por um ex-executivo da própria Disney, a pretexto de serem apresentados aos segredos da companhia. Personagens todos fictícios em situações fictícias, é explicado no prefácio. Os cinco excursionistas são enviados por suas empresas com esse objetivo explícito. Com a missão de beber na fonte da sabedoria de Mickey Mouse e com isso acrescentar alguma espécie de “know-how” às suas corporações. Trata-se de uma espécie de curso.
Os cinco excursionistas, obviamente, não são reles escriturários e secretárias. Nenhuma empresa perderia seu tempo e dinheiro enviando gente desse nível. São todos diretores, vice-presidentes, gerentes, etc.. É a eles que se destinam as lições do Mickey. No mundo encantado de Tom Connellan, todos são gerentes e executivos. Não existem trabalhadores. Não existe divisão de classes, somos todos parte de um mesmo elenco, alguns mais bem sucedidos que os outros. O discurso da auto-ajuda se destina a quem endossa essas premissas (ou seja, quase todo mundo) e quer ser “bem sucedido”. É a eles que se dirige o livro. É para esse público que fala Tom Connellan.
Os personagens desses livros são todos vencedores. O mundo é feito de vencedores. Todos são vitoriosos, porque o sistema funciona. Não há problemas, não há crises, obstáculos, contradições. Não há subalternos, não há pobres, não há excluídos, não há opositores. Não há recessão, não há corrupção, não há catástrofe. O sistema não admite a possibilidade de algo dar errado. Não se pensa sobre a possibilidade de falhas. Há um vazio teórico a esse respeito. A única justificativa para que um determinado indivíduo não tenha alcançado o sucesso é o fato de não ter seguido a receita certa.
Penitencie-se, leitor. Ajoelhe-se perante Mickey. Se você está lendo esse livro, você é um fracasso. Precisa urgentemente encontrar o rumo para sua carreira. Isso é o que está dito nas entrelinhas. Na superfície, o livro diz o contrário. Você é um vice-presidente de banco, um diretor de fábrica, um gerente de atendimento. Coloque-se no lugar de um vencedor, pense como um vencedor e você será um vencedor. A contradição subjacente ao discurso é transferida para o subconsciente do leitor. Se eu não me pareço com os personagens do livro, a culpa deve ser minha. É melhor não falar nisso. O autor do livro não fala nisso. Então o problema só pode ser meu. E eu devo fingir que está tudo bem e continuar lendo.
Continuemos lendo. O anfitrião do grupo e guia do passeio expõe em 7 lições os segredos da Disney. Aqui reina, como dissemos, o mais completo arbítrio. É o showzinho de Tom Connellan. O seu malabarismo. Seu coelho na cartola. A mágica para entreter a platéia. Idéias escolhidas aleatoriamente, sem aprofundamento, sem maiores reflexões. Banalidades. Idéias superficiais elevadas à altura de mandamentos divinos.
Lição 1: “Concorrente é qualquer empresa com a qual o cliente o compara.” Aqui, entramos de chofre no reino da paranóia total. O cliente vai comparar o meu atendimento com o de qualquer outra empresa, mesmo de um ramo de negócio completamente diferente. Não basta ser o melhor no seu ramo. É preciso ter o melhor atendimento do universo.
Depois dessa primeira pedrada, vem as demais lições: 2.“Fantástica atenção aos detalhes”, 3.“Todos mostram entusiasmo”, 4.“Tudo mostra entusiasmo”, 5.“Múltiplos postos de escuta”, 6.“Recompensa, reconhecimento e comemoração”, 7. “Todas as pxssoas são importantxs”. Por que não uma 8a. lição? Ou uma 9a.? Qual critério científico assegura que a Disney segue 7 princípios de administração e não 10? Não sabemos. É tudo arbitrário. É tudo banal. Expedientes facilmente acessíveis sacados ao acaso da manga de um prestidigitador qualquer. Coisas que qualquer um diria para motivar patrões e empregados.
Não somos poupados de ver o Presidente da Disney catando papel no chão da Disneylândia e explicando que a equipe de limpeza se compõe de todos os 45 mil funcionários, porque todos estão comprometidos com a ideologia da empresa. Um capitão de indústria ficaria comovido com tamanha dedicação. Como também verteria lágrimas com a beleza sublime da 7a. lição, onde as letras “e” substituídas por “x” simbolizam cada um dos simples e humildes funcionários da corporação, cuja simples ausência faz desafinar o conjunto. Tocante.
É esse o nível da discussão. Neófito confesso no ramo de auto-ajuda, me espantou o baixo nível da leitura. Nada poderia me preparar para tanto. Prossigamos.
Dentre os personagens-marionete sem profundidade e consistência, emerge pelo menos um que questiona o processo. Porque nenhum livro, por pior que seja, se sustenta sem conflito. Há entre os excursionistas um diretor de fábrica, que resiste a aceitar a “metodologia Disney” como paradigma revolucionário de inovação administrativa. É sintomático que um homem ligado à produção seja o único apto a perceber o absurdo de tudo isso. A economia da produção resiste a submeter-se à economia da simulação.
Mas no final o carrancudo diretor de fábrica também se deixa seduzir pelo encanto do Reino da Fantasia. O final feliz é indispensável, com todos se propondo a adotar as lições. Como também os operários que trabalharam na construção do Epcot Center. Os operários, descritos como homens brutos, feios, ameaçadores, quase trogloditas, (descrição que aliás também é sintomática) protagonizam o momento edificante e lacrimoso do livro.
A Disney terceirizou a construção de um dos setores mais famosos do seu parque. Mas convidou as famílias dos operários a fazer piqueniques semanalmente no canteiro de obras, para que as famílias se integrassem e fizessem seus papais se sentir orgulhosos do que estavam fazendo. A Disney realizou assim a mágica ambicionada por todo capitalista. O operário construiu algo que nunca poderá utilizar, porque é muito caro, mas se sentiu contente com isso. A forma mais bem acabada de alienação do trabalho assalariado.
Mas isso não é colocado nesses termos. O autor precisa manter de alguma maneira o foco nos seus princípios. Suas sete lições. O autor gasta páginas e páginas com essa discussão inútil. Perde-se boa parte do tempo, por exemplo, tentando captar a sutil diferença entre o entusiasmo das pessoas e o das coisas, ou entre o entusiasmo e a “fantástica atenção aos detalhes”. Tom Connellan coloca seus personagens-marionete na difícil tarefa de captar as nuances de sentido de cada lição. Enche-se lingüiça, no mais puro estilo “redação de ginásio”. Tom Connellan empurra com a barriga, porque nem mesmo ele deve agüentar sua própria ladainha. Ninguém é de ferro. Dispensa-se a justificação às teses apresentadas. Elas não precisam ser defendidas, empiricamente ou filosoficamente, em face de outros cenários e situações que não a Disney.
Nem mesmo o autor está comprometido de fato com as idéias que apresenta. Não se pretende mesmo mudar a vida de ninguém com um livro sobre a Disney. Não é mesmo para ser levado a sério. Um livro para ser lido na poltrona do avião, entre uma viagem de negócios e outra. Idéias descartáveis para consumo indolor. Consumo inútil de papel e de tempo. Um simulacro de leitura para uma sociedade de simulação.
Este escriba-proletário recomenda a todos os seus leitores que não leiam o livro de Tom Conellan, como também não devem ler nenhum livro de auto-ajuda. Não se ajoelhem perante o Mickey, não apostem suas fichas no Cassino, não devotem seu tempo livre ao culto do capital.
Encontrem seu próprio gosto, sua própria filosofia, e que de preferência não seja igual à minha. Assim teremos coisas minimamente interessantes para conversar.
Daniel M. Delfino
04/09/2003
3 comentários:
Leu meus pensamentos ao escrever. Odeio modismo de leitura, como " O Segredo" por exemplo, quando ficam todos: "owww, puxa, que livro maravilhoso". Na verdade são todos uma porcaria, sem sentido e ainda nos chamam de otários em entrelinhas (não tão entrelinhas assim). Quer dizer,
Sua reflexão sobre o livro é muito séria e pertinente. Parabéns por expor com tamanha objetividade as ciladas e armadilhas de mais um livro cultura inútil norte-americano. Um abraço mineiro.
Patrícia
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Se você pode "detonar" com uma boa leitura, por que não podemos "detonar" o seu ponto de vista turvo, nesta resenha pobre, ou melhor nesta dor de cotovelo ridícula que você tem. Ao invés de você fazer comentários como este, incentive a leitura, e deixe que cada um tire suas conclusões.
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